sábado, 24 de agosto de 2024

Antônio Juraci Siqueira (Encavernado)

Chove sobre a cidade. Chuva densa, impiedosa. Chuva que exerce sobre mim o estranho poder de conduzir-me às brenhas de mim mesmo qual animal acuado à procura da toca. Troglodita indefeso em busca do ventre pétreo da caverna...

Mergulho em meus comigos a cismar sobre o destino da Terra e do Homem – esse construtor de estradas para lugar nenhum. Mas quando a antevisão do caos me deixa apavorado e triste, transponho os muros do real e vou colher, no pomar dos sonhos, os pomos dourados da poesia.

Os poetas somos, em nosso ofício, criaturas solitárias por razões que bem não atino. Talvez pela necessidade de estarmos a sós com a palavra no momento mágico da concepção da poesia, para que nenhum mortal possa testemunhar a dor ou a alegria estampadas em nossas faces na hora do parto do poema.

Chove. Cerco-me de palavras para tentar esquecer que neste momento o planeta é oferecido em holocausto aos deuses do progresso e que, em nome de Deus e da Justiça, homens sacrificam-se mutuamente como se fosse possível conceber guerra justas e santas!...

Tento desesperadamente convencer-me de que a poesia está acima do bem e do mal, acima dos homens, de suas leis, crenças e ideologias. Digo a mim mesmo que os poetas somos seres privilegiados, que não devemos, por isso, deixar que a voz das armas fale mais alto aos nossos ouvidos que a voz do vento, que a voz do mar, que a voz do nosso coração. Mas é impossível enganar-se a si mesmo quando se tem o peito dilacerado por uma bala ou por uma lâmina de baioneta que, sem pedir licença, invadem nossos lares via satélite. Impossível não escutar as trombetas do Apocalipse anunciando que mais cordeiros serão imolados para saciar a sede de modernos e sádicos vampiros.

A chuva faz-me regredir no tempo e voltar à caverna, jardim de infância da humanidade onde o homem rabiscou a primeira flor, domou a primeira fera, articulou a primeira palavra, fabricou a primeira arma e, seguramente, organizou a primeira batalha contra seus semelhantes...

Os ruídos da chuva misturam-se ao som do televisor que exibe imagens de um conflito qualquer. Imagens cruéis, animalescas. Fatos que fazem com que eu me sinta, verdadeiramente, um troglodita cercado de feras e condenado aos limites de minha própria caverna. Humana e trágica caverna a se fechar, cada vez mais, em torno de meus medos, meus delírios, minhas convicções...

E é assim que vejo a alegoria platônica da caverna realizar-se em mim. Atualizar-se com o regresso do homem ao seu primitivo útero de pedra. Mas, ao contrário do mito, já não há boas novas para anunciar. Apenas a triste constatação de que o homem moderno, a despeito de sua avançada tecnologia que lhe permite destruir seu semelhante e o meio em que vive com o auxílio do átomo, não conseguiu ser um pouco melhor que seus ancestrais que já faziam o mesmo com paus e pedras. É triste admitir que em plena era da informática as armas continuem a falar mais alto que as palavras e que estas sirvam de instrumento para promover a discórdia entre os povos, para inverter e perverter valores, para transformar a liberdade numa “calça velha, azul e desbotada...”

A chuva passou mas eu continuo entrincheirado entre palavras. Afundo e confundo-me nelas para proteger-me das garras do ódio, para resistir às leis das armas. Com elas fabrico, quixotescamente, meu escudo e minha lança para investir contra os moinhos da insensibilidade humana.

Os poetas somos criaturas solitárias a esgrimir com o verbo. E precisamos, urgentemente, de paz para continuar semeando amor e poesia nos canteiros do mundo, nos pomares da vida, nos corações dos homens.

Vereda da Poesia = 93 =


Trova Humorística do Rio de Janeiro/RJ

WALDIR NEVES  
(1924 – 2007)

É um alpinista de fama,
mas dele a vida debocha:
por ironia se chama
Caio Rolando da Rocha
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Poema de São José dos Campos/SP

MIFORI
(Maria Inez Fontes Rico)

Belos tempos...

Belos tempos, na infância, eu pude vivenciar.
Muitas brincadeiras nas ruas calmas:
de pega-pega, de roda, de cordas, de casinhas,
e muitas outras, de tirar o chapéu e bater palmas,
com as crianças vizinhas.

Belo tempo teve a minha adolescência...
De descobertas, de incertezas, de contestação!
De olhares lânguidos e de efervescência.
Do culto ao modismo e da secreta paixão...

Belos tempos... Os da minha juventude!
A faculdade, o estudo e o trabalho escolhido.
Os bailes, o grupo de amigos, a plenitude!...
O namoro não mais escondido.

Belos tempos... Vivi na maturidade,
aprendendo e transmitindo conhecimentos.
Ensinando tive a oportunidade
de o sonho concretizar e viver belos momentos.

Belos tempos... Usufruo hoje, muito bem,
com novos tipos de aprendizagens;
muitas surpresas e descobertas também!
Feliz, divirto-me em minhas viagens!
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Trova de Miguel Couto/RJ

EDMAR JAPIASSÚ MAIA

Zarpei, em hora furtiva,
no meu barco de emoções...
E hoje navego,  à deriva,
o mar das desilusões!
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Soneto de Curitiba/PR

JANSKE NIEMANN SCHLENCKER

Restinho de natal 

Estou só nesta sala fria e nua
onde dorme uma sombra em cada vão;
um pinguinho de luz fugiu da rua
e cai, por uma fresta, no meu chão.

Um ar, bem de Natal, pelo ar flutua
e faz nascer de novo uma ilusão.
Um pouco de luar caiu da lua
como uma gota branca em minha mão.

E tantos pensamentos em mim dançam
que os dedos ansiosos os alcançam
e apalpam-lhes a forma tão real! 

E os toco, e os acalento de mansinho
como se acalentasse, com carinho,
o pouco que restou do meu Natal…
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Trova Premiada em Saquarema/RJ, 2015

GILVAN CARNEIRO DA SILVA 
São Gonçalo/RJ

Das mãos de Deus é que voa
o encanto poético, quando
faz caber numa lagoa
um céu de estrelas brilhando!
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Poema de Ribeirão Preto/SP

ELISA ALDERANI

Paixão antiga

Volta meu olhar ao passado
quando mocinha olhava curiosa
os poucos livros que minha mãe trazia
e, como joias raras os guardava.

Apesar da longa jornada, a cada noite,
havia um livro na mesa que a esperava.
Ela lia, e também tricotava...
Fazia isso com extrema agilidade.

Quando as minhas aulas se iniciavam,
eu percorria as ruas das livrarias.
Encantava-me na frente das vitrines,
admirando as capas dos livros, ilustradas.

Queria ter dinheiro para comprá-los...
Todos aqueles com os títulos atrativos,
com as imagens que e mim acendiam
tamanhos sonhos e fantasias.

Nos estudos amava ler as epopeias,
havia me apaixonado pela mitologia.
A professora de letras se empolgava
aclarando o texto, e com ela eu navegava.

Abria as asas da fantasia...
Um dia era sereia, outro dia rainha;
Tecendo o pano, e a noite desmanchando.
Esperando seu amado voltar da guerra.

A vida me levou a ser escritora,
gostar de brincar com as palavras.
Falar com elas, é como jogar sementes.
Após, vê-las nascer nos livros como flores.

Pelos caminhos percorridos
já colecionei os livros sonhados.
Um deles é filho muito amado,
leva dentro dele o meu legado.

Livro! Impossível viver sem ele;
ocupa lugar privilegiado...
Sobre a mesa de minha alma...
É meu néctar, o alimento preferido!
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Trova Popular

O anel que tu me deste
era de vidro e quebrou;
o amor que tu me tinhas
era pouco e acabou.
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Soneto de Volta Redonda/RJ

ANTÔNIO OLIVEIRA PENA

A chegada do amor

Cabisbaixo, entre as flores me encontrava,
tão várias, com que os campos, langorosa,
adorna a primavera. Ah, se apagava
de meus olhos a chama esperançosa!

— “Que sentido, meu Deus! — me interrogava —
há nesta vida fútil, dolorosa,
em que as pessoas mandam-me à fava
quando lhes falo da alma mais chorosa?”

Sentia-me pequeno, e dissolvido
estava no fel de minha pequenez...
Foi quando um vulto claro apareceu

e de novo criança então me fez,
e tudo aquilo que havia perdido,
em lágrimas e amor, me devolveu.
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Trova Humorística de São Paulo/SP

MARIA HELENA CALAZANS DUARTE

Sou garota e quero espaço,
meu sonho é um nonagenário
com safena e marcapasso
e um belo saldo bancário!!!
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Poema de Caicó/RN

DILMA DAMASCENO

A paz dos poetas

No dadivoso “Livro dos Poetas”,
as palavras revelam sentimentos…
e entre o realismo e a fantasia,
os Poetas – românticos profetas -,
vão predizendo os acontecimentos,
na linguagem suprema da poesia!...

Falam de sonhos, crenças, devoções!...
Pintam caminhos plenos de beleza!…
"Paisageando" cenas de bonança,
os Poetas alegram os corações!...
E sob a luz da sábia Natureza,
vão tatuando as almas, de esperança!
Eclodem assim, Poéticas Confrarias!
Soam forte, os “Teares do Amor”!
De forma inspiradora e pertinaz,
os Poetas, tecendo alegorias,
vão sublinhando um mundo encantador,
onde o encanto principal, é: PAZ!
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Trova Vencedora em Saquarema/RJ, 2015

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

À tarde, o céu abençoa
a Terra... e em seu ritual,
o pôr do sol na lagoa
desenha um cartão postal!
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Soneto de Portugal

FLORBELA ESPANCA
Vila Viçosa/Portugal, 1894 — 1930, Matosinhos/Portugal

Maria das Quimeras

Maria das Quimeras me chamou
Alguém.. Pelos castelos que eu ergui
P’las flores d’oiro e azul que a sol teci
Numa tela de sonho que estalou.

Maria das Quimeras me ficou;
Com elas na minh’alma adormeci.
Mas, quando despertei, nem uma vi
Que da minh’alma, Alguém, tudo levou!

Maria das Quimeras, que fim deste
Às flores d’oiro e azul que a sol bordaste,
Aos sonhos tresloucados que fizeste?

Pelo mundo, na vida, o que é que esperas?…
Aonde estão os beijos que sonhaste,
Maria das Quimeras, sem quimeras?
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Trova de Juiz de Fora/MG

ARLINDO TADEU HAGEN

Não quero glória, dinheiro,
nem mil conquistas sem fim...
Troco os "nãos" do mundo inteiro
pela graça do teu sim!
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Soneto do do Rio Grande do Sul

MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Mundos

Um elevador lento e de ferragens Belle Époque
me leva ao antepenúltimo andar do Céu,
cheio de espelhos baços e de poltronas como o hall
de qualquer um antigo Grande Hotel,

mas deserto, deliciosamente deserto
de jornais falados e outros fantasmas da TV,
pois só se vê, ali, o que ali se vê
e só se escuta mesmo o que está bem perto:

é um mundo nosso, de tocar com os dedos,
não este — onde a gente nunca está, ao certo,
no lugar em que está o próprio corpo

mas noutra parte, sempre do lado de lá!
não, não neste mundo — onde um perfil é paralelo ao outro
e onde nenhum olhar jamais se encontrará...
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

RENATO ALVES

Quando a humana insensatez
dissemina a poluição,
para ter sol outra vez,
só com imaginação...
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Soneto de São Paulo/SP

FILEMON MARTINS

Confidente

Velho mar, meu eterno confidente,
quantas vezes chorei ao confessar:
esta mágoa que fere, inconsequente,
e o tempo que não pode mais voltar.

E me dizes, então, naturalmente:
só o amor é capaz de me curar,
enquanto tuas ondas, mansamente,
os meus pés, com carinho, vêm beijar.

Exerces sobre mim grande fascínio,
porque tens sobre todos o domínio
e és tão frio nas tuas mutações.

Ao contrário de ti, eu sofro tanto,
e fico aqui a derramar meu pranto,
onde sepulto as minhas ilusões!
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Trova Premiada em Saquarema/RJ, 2015

DODORA GALINARI 
Belo Horizonte/MG

Dominar a minha vida?!
És fadado a fracassar.
Não sou lagoa contida,
eu quero o agito do mar!
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Poema de Salete/SC

ALCIDES BUSS

Afeito à sorte

Circunscrevem-me acasos
que me veem.
Seu intento, sou.
E também seu logro.

Numa praia, à meia-noite,
o tempo no corpo
armazenado se apodera
dos processos sob a alma.

Renascer, renasço.
Mas a flâmula de afrontas
me submete à cicatriz
do caos, ao recorte
de martírios e recessos.

Movimento-me, imóvel.
O porto do meu corpo
está aberto. Ao não-ser
me nego, mesmo que
de tudo só me reste
quase nada.
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Trova de São José dos Campos/SP

LUIZ MORAES

Daqui da minha janela
vejo um lindo entardecer,
e um pequeno barco a vela
trazendo meu bem-querer.
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Pantun de Caicó/RN

PROFESSOR GARCIA

Pantun dos mares da vida

TROVA TEMA:
Singrei mares de agonia,
lutei contra vendavais,
para achar a calmaria
que só encontro em teu cais.
Lisete Johnson 
(Butiá/RS, 1950 – 2020, Porto Alegre/RS)

PANTUN:
Lutei contra vendavais,
tentando encontrar alguém,
que só encontro em teu cais,
e no cais de mais ninguém.

Tentando encontrar alguém,
procuro por todo canto;
e no cais de mais ninguém,
ninguém verá mais meu pranto.

Procuro por todo canto,
esse alguém, que disse adeus;
ninguém verá mais meu pranto
no pranto dos olhos meus.

Esse alguém, que disse adeus,
me tez sofrer todo dia;
no pranto dos olhos meus,
singrei mares de agonia.
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Trova da Princesa dos Trovadores

CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Nosso amor, quadras desfeitas,
de um poema sem achados...
Rimas tristes, imperfeitas,
fechando versos quebrados!...
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Hino de Barbacena/MG

Terra de encantos mil, jardim de flores
grande berço de antigas tradições
aqui ficas risonha como sempre
como sempre a prender os corações

Assentada no dorso das montanhas
tu tens a solidez das pétreas rochas
e assim o teu viver será perene
como a chama vivaz das grandes tochas

(Refrão)
Cidade dos encantos e das flores
ó Barbacena formosa e altaneira
tu és custosa gema que rebrilha
sobre o peito da pátria brasileira

Do teu seio tem vindo muitos homens
grandes pelo saber e no valor
nas letras, na política, nas artes
tu já tens muitos nomes de fulgor

Teu povo generoso, hospitaleiro
traz sempre como esplêndido troféu
nos brios a rijeza dos teus serros
na mente esplendores do teu céu.
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Trova de Amparo/SP

ELIANA DAGMAR

Batalha infinda e silente
é o da terra em seu labor:
na conquista da semente
gera o fruto, a sombra e a flor!
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Poema de Blumenau/SC

DENNIS RADUNZ

Metapoesia

I

    o fonema
fabula
    e se fia
na fábula

encadeia asas

II

    o poema
incende
    insula

    música
em miniatura
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Trova de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

Ao ver a imagem singela
do barco, tranquilo, ao mar,
lembrei-me: não há procela
que Deus não possa acalmar!
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

As orelhas da lebre

Conta-se que em noite escura
Certo animal cornifronte
Pôde ferir à traição,
Junto da encosta de um monte,
O rei das feras, leão;

Que em despique mandou logo
Banir por ordens legais,
Para horror de tal delito,
Os bicornes animais
De todo aquele distrito:

Bois, veados, cabras, todos
Que na fronte armas traziam,
Aqueles sítios deixavam;
E os que logo o não faziam,
Dura morte suportavam!

Notando tímida lebre
Cumprirem-se leis tão cruas,
Na sombra um dia observando
As longas orelhas suas,
Disse a um grilo titubando:

«Ai! que estas minhas orelhas
Por chifres se tomarão!
E se houver um delator
Que o vá dizer ao leão,
Da lei me exponho ao rigor!

— Tu fazes de mim pateta?
Fala, tola; pois é crível,
Lhe disse o grilo em bom ar,
Que um par de orelhas flexível
Possa por chifres passar?

— Sim, disse ela; e por que não?
Tenho-os visto mais pequenos.»
Tornou-lhe o grilo: «Vaidosa!
Se os teus fumos fossem menos,
Serias mais venturosa.

Quem és conhece e descansa;
Porque sempre que supomos,
Pela vaidade que temos,
Ser aquilo que não somos,
Mil incômodos sofremos.»

Flavius Avianus (Júpiter e o camelo)

O camelo, chegando aos campos, e vendo ali uma grande manada de touros bem armados de chifres, amargamente sofria e lastimava-se, porque não lhe pareciam bastantes os dons que a Natureza lhe legara.

Assim, procurou Júpiter e, diante dele, começou a queixar-se e lamentar-se:

— Oh! O quão me é vergonhoso andar assim, sem armadura ou defesa! Porque os touros armam-se de chifres; os porcos, de dentes; os ouriços, de espinhos; e, assim, todos os animais, conforme o seu estado. E, sozinho, ando eu sem armas por estes campos e caminhos, sujeito ao ridículo e ao escárnio de toda a alimária. Portanto, ó Júpiter — o soberano Deus dos deuses —, rogo, suplico e peço-te que, assim como o touro, dê-me cornos com os quais eu me possa defender, esquivando-me, destarte, do menosprezo dos outros animais.

Júpiter, vendo o quão era mal-agradecido o camelo pelo benefício da grandeza, com a qual a Natureza lhe dotou, tirou-lhe, quase que completamente as grandes e formosas orelhas, que lhe conferiam o esplendor. E, sorrindo-se, disse-lhe:

—Porque não te contentaste com os atributos que a Natureza e a fortuna lhe deram, eu te retiro as orelhas, para que te recordes, para sempre, deste castigo, e para que, lamentando-se, e sempre amedrontado, leves a tua vida doravante.

Eis aqui uma advertência: ninguém deve cobiçar as coisas alheias, para que não perca o que antes, pacificamente, possuiu.

Fontes: 
Flavius Avianus. Fábulas. século V.
Imagem: criação JFeldman com Microsoft Bing

Recordando Velhas Canções (Planeta Água)


(1981) 

Compositor: Guilherme Arantes

Água que nasce na fonte serena do mundo
E que abre um profundo grotão
Água que faz inocente riacho e deságua
Na corrente do ribeirão

Águas escuras dos rios
Que levam a fertilidade ao sertão
Águas que banham aldeias
E matam a sede da população

Águas que caem das pedras
No véu das cascatas, ronco de trovão
E depois dormem tranquilas
No leito dos lagos (no leito dos lagos)
No leito dos lagos (uh)

Água dos igarapés
Onde Iara, mãe d'água, é misteriosa canção
Água que o Sol evapora
Pro céu vai embora virar nuvens de algodão

Gotas de água da chuva
Alegre arco-íris sobre a plantação
Gotas de água da chuva
Tão tristes, são lágrimas na inundação

Águas que movem moinhos
São as mesmas águas que encharcam o chão
E sempre voltam humildes
Pro fundo da terra
Pro fundo da terra

Terra
Planeta água
Terra
Planeta água
Terra
Planeta água

Água que nasce na fonte serena do mundo
E que abre um profundo grotão
Água que faz inocente riacho e deságua
Na corrente do ribeirão

Águas escuras dos rios
Que levam a fertilidade ao sertão
Águas que banham aldeias
E matam a sede da população

Águas que movem moinhos
São as mesmas águas que encharcam o chão
E sempre voltam humildes
Pro fundo da terra
Pro fundo da terra

Terra
Planeta água
Terra
Planeta água
Terra
Planeta água

Terra
Planeta água
Terra
Planeta água
Terra
Planeta água
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A Ode à Vida no 'Planeta Água' de Guilherme Arantes
A música 'Planeta Água', composta e interpretada por Guilherme Arantes, é uma verdadeira homenagem à água como elemento essencial à vida e à manutenção do equilíbrio ecológico do planeta Terra. Através de uma poesia lírica e imagética, Arantes descreve o ciclo da água e sua importância em diferentes contextos, desde o mais simples riacho até sua presença vital para as populações.

A letra da música destaca a água como fonte de vida, enfatizando seu papel na natureza e na sociedade. A água é retratada em suas diversas formas e funções: nasce serena, transforma-se em riacho, deságua em rios, banha aldeias, forma cascatas e retorna humildemente ao solo. Essa descrição poética ressalta a beleza e a força da água, mas também sua capacidade de renovação e seu ciclo constante de transformação.

Além disso, 'Planeta Água' traz uma reflexão sobre a interdependência entre os elementos da natureza e a humanidade. A música menciona a lenda da Iara, figura do folclore brasileiro, e o fenômeno da evaporação, exemplificando a conexão entre a cultura e os processos naturais. A repetição do verso 'Terra! Planeta Água' serve como um lembrete de que, apesar de sermos terrestres, vivemos em um mundo onde a água é predominante e essencial para a nossa existência.