domingo, 8 de abril de 2012

Alcantara Machado (As Cinco Panelas de Ouro) Parte I


Dona Esmeralda Foz era filha de Dona Gertrudes Lemos que em Jataí-Estação muito fez pelo espiritismo. Tidoca Lemos morreu desprevenido, Dona Gertrudes ficou nervosa com a incerteza do destino que tivera a alma do marido. Daí o ter entrado para sócia contribuinte do Centro Espírita Amigos de Jesus. Logo na primeira reunião Tidoca apareceu pigarreando seco (velho cacoete dele), disse que estava bem, mandou lembranças para os amigos, recomendou insistentemente à mulher que não deixasse de pagar os vinte mil-réis que ele morreu devendo ao Tenente Euclides (orador oficial do Centro), falou nos deveres de amor e caridade para com o próximo e se despediu pigarreando seco. Dona Gertrudes virou espiritista fanática. Porém não pagou os vinte mil-réis ao Tenente Euclides. O que foi um dos motivos do cisma havido no Amigos de Jesus e imediata fundação do Companheiros de Cristo com Dona Gertrudes no cargo de primeira-secretária.

Por essa época Dona Esmeralda tinha seus dezesseis-dezessete anos e já por qualquer coisa ria demais ou chorava demais. Ou ria depois chorava, chorava depois ria. Diziam para ela: O Inacinho do Areão caiu do cavalo. Ela ia e ria que era um despropósito. Acrescentavam: Bateu com a cabeça numa pedra, morreu. Ela ia e desandava a chorar soluçado de cortar o coração. Dá uma boa médium, pensou Dona Gertrudes. E levou a filha no Centro.

Até então a médium preferida do Companheiros de Cristo era a filha do presidente Maestro Angiolini. Chamada Celeste Aída. Logo se estabeleceu uma rivalidade tremenda. Porque Angiolini achava ruinzinhas as comunicações feitas por intermédio de Esmeralda. Espiritismo é como música. Precisa coração. O coração é que comanda. E a Esmeralda só tinha cabeça. Por seu lado Dona Gertrudes atrapalhava com apartes caçoistas os discursos que os espíritos ditavam para Celeste Aída. A diretoria aí resolveu consultar Pai Jacob, protetor do Centro. Um médium de pencinê veio especialmente de São Paulo. Pai Jacob entrou nele e decidiu a questão a favor da filha do presidente. Dona Gertrudes protestou inflamada dizendo que a coisa lhe cheirava a tribofe. Esmeralda principiou a chorar. Dona Gertrudes agarrou na mão dela, antes de sair deu uma gargalhada satânica, gritou para Salvini: - Você, seu carcamano, quando nasceu te jogaram duas vezes na parede: uma vez grudou, outra não! Esmeralda compreendeu, largou de chorar e riu até a mãe dizer chega com dois beliscões.

Meses depois Dona Gertrudes se mudou para Jataí-Vila e casou a filha com um moço muito bom, Nicolau Foz, empregado da Luz e Força e oposicionista vermelho. Dias depois morreu de susto. Tarde da noite explodiu perto da casa dela uma fábrica de fogos. Dona Gertrudes foi encontrada já fria apertando contra o peito O Triunfo na Vida Terrena pelo Magnetismo Pessoal do professor E. Bedlamite de Columbus, Ohio, U.S.A. Morreu de susto.

A filha sofreu muito. Gostava da mãe. E morta a mãe passou a gostar do único bem do espólio: uma cachorrinha peluda. Muito vagabunda mas muito célebre. Tinha sido presente de uma comadre da de cujus. Dona Gertrudes a recebeu novinha com dias apenas. E já batizada Goiabada. Nome horrível que Dona Gertrudes resolveu mudar. Consultou a filha, a filha pediu um dia para pensar, pensou e sugeriu dois a escolher: Florzinha e Violeta. Dona Gertrudes recusou, passou em revista outros e afinal se decidiu por Dorotéia Cabral. Daí a celebridade. Toda gente fez questão de conhecer Dorotéia Cabral. E Dona Gertrudes explicava: - Os animais não são nossos irmãos inferiores? Pois então, ué! Devem ter nome de gente! Por isso o genro se animou um dia a observar: Se a cachorrinha tem direito a nome de gente tem direito a apelido. Dorotéia Cabral é muito comprido: fica sendo Tetéia. Dona Gertrudes não discordou. Fez porém uma restrição: - Não há dúvida. Tetéia está bem. Mas só na intimidade.

Enquanto crescia o amor de Dona Esmeralda (que não tinha filhos) pela Tetéia grandes sucessos modificavam a vida do país. E Jataí-Vila (cidade, cabeça de comarca, mas sempre Jataí-Vila para distinguir de Jataí-Estação onde passavam os trilhos da Boigiana) foi teatro de muitos e variados acontecimentos. Com seus quatro mil e setecentos vizinhos há muitos anos vivia empenhada em furiosa luta política: de um lado os partidários de Zéquinha Silva desde cinco lustros chefe do situacionismo, de outro os do Major Mourão (alentejano de nascimento) e seu braço direito Nicolau Foz. Aqueles eram os perrepistas. Estes os oposicionistas. Luta local só. Os antiperrepistas também pertenciam incondicionalmente ao P. R. P. Mas ao P. R. P. estadual, ao governo. Nunca ao de Zequinha Silva. A ambição deles era constituir um dia com sua gente o P. R. P de Jataí-Vila. Obedeciam â orientação de um deputado que em Jataí-Estação era situacionista, em Jataí-Vila oposicionista. E tecia seus pauzinhos na Capital junto aos chefões para derrubar o tiranete de Jatai-Vila que a oposição não se cansava de apontar como indigno dos nossos foros de civilização e cultura.

A coisa porém continuava no mesmo pé sem dar esperanças de modificação próxima. Até que veio o movimento revolucionário de outubro de 1930. Então principiou uma emulação desesperada. Todas as provas iniludíveis de dedicação à causa da legalidade (o que eqüivalia dizer à causa sagrada do Brasil unido) foram dadas pelos dois partidos. Zéquinha Silva telegrafava solidariedade aos Presidentes da República e do Estado, o Major Mourão imediatamente fazia o mesmo. Fazia mais: estendia essa solidariedade inabalável ao Ministro da Guerra ao Ministro da Marinha, ao Presidente da C. D do P. R. P., ao Secretário da Justiça e ao Chefe de Policia do Estado. E quando Zéquinha resolveu organizar um batalhão patriótico a oposição anunciou a formação de dois: infantaria e cavalaria. Porém Zéquinha Silva contava com maior número de elementos. Trinta e dois sujeitos pegados à força pelo Subdelegado Tolentino foram convenientemente calçados e seguiram logo sob o comando do cabo do destacamento. Este levava uma carta do diretório para o Secretário da Justiça pedindo que os voluntários de Jataí-Vila fossem aproveitados na faxina dos quartéis da Capital "para sossego de suas respeitáveis famílias. cujo patriotismo honra sobremaneira as nossas gloriosas tradições bandeirantes". Passados uns dias a Viúva Mané Bindão (inventora e fabricante única de um doce chamado "beija-me-devagar") recebeu carta do filho dizendo que a coisa em Itararé estava bem preta. A Viúva Mané Bindão foi na casa do Zéquinha e amaldiçoou a família Silva até a última geração. A oposição pulou nas ruas de contentamento Pulou um dia só entretanto: o governo mandou perguntar para o Major Mourão se os homens dele seguiam ou como era. O major respondeu que estavam de partida. Foi uma vergonha. O Afonso Henriques. filho do major, afundou no mato com dois primos. Antônio Vicente de Camargo Júnior, um dos chefes oposicionistas. declarou que não criara filho para carne de canhão. E assim todos. Até que Nicolau teve uma idéia. Três léguas para o norte em São Benedito do Alecrim, nas divisas de Minas, havia dois batalhões em pé de guerra: um paulista aquartelado no Grupo Escolar Marechal Deodoro, outro mineiro no Grupo Escolar Marechal Floriano. Os dois prédios ficavam na mesma rua. Mas seus ocupantes trocavam gentilezas. Cada batalhão só esperava a hora de aderir ao adversário. Pois então: era comunicar para o governo que o pessoal oposicionista de Jataí-Vila iria reforçar a tropa de São Benedito do Alecrim. E estava tudo arranjado.

Não estava. O governo mandou ordem para os homens partirem sem demora para a Capital. Aí seria resolvido o destino deles. Que remédio? O Major Mourão recrutou três matadores profissionais, dois ladrões de cavalos, um preto maluco que pensava que era relógio e vivia no Largo da Matriz movendo os braços que nem ponteiros, um surdo-mudo de nascença e um tal Chico Rosa mais conhecido por Chico Perna-de-Pau. Os matadores e os ladrões custaram cem mil-réis por cabeça: quinhentos mil-réis que o major desembolsou sem a mulher saber. A Filarmônica Doutor Quirino tocou o Hino Nacional, Antônio Vicente fez um discurso patriótico, os homens subiram num caminhão, o Laudelino Pinto do Centro Cultural gritou: "Que cada um traga uma orelha do Bernardes, são os meus votos sinceros!", e toca para Jataí-Estação pegar o trem. A Filarmônica em outro caminhão e os chefes oposicionistas num torpedo foram escoltados.

- Assim a gente tem a certeza de que os maganos embarcam - disse o major.

- Que não desertam antes de chegar na estação - corroborou Nicolau.

- Eu sapeco outro discurso neles quando o trem chegar - prometeu Antônio Vicente.

Seguiram já a noite vinha descendo. Daí a vinte minutos estavam chegados. Estação pequetita, encheram a plataforma. A Filarmônica iniciou imediatamente a Canção do Soldado Paulista. E o major dava suas últimas instruções aos bravos de Jataí-Vila quando o chefe da estação chegou todo transtornado.

- Seu major!

Seu major suspendeu as instruções, ficou esperando.

- Seu major! Deu-se!

- O quê?

- A coisa!

- Hein?

- A coisa! O Washington! Não percebo, homem!

- A REVOLUÇÂO VENCEU!

- Estás doido!

O chefe da estação ficou possesso:

- Eu, doido? O senhor é que está maluco! Se não é analfabeto leia isto!

Tirou do bolso um papel, encostou na cara do major. O major pegou no papel, deu para Nicolau ler. Nicolau leu:

- 5-0-9. 7-1-3. Centenas invertidas pelos cinco...

O chefe deu um pulo.

- Não é esse!

Arrancou o joguinho das mãos do Nicolau, meteu no bolso, puxou outro papel, leu, deu para Nicolau ler. Nicolau leu três vezes. Ia ler outra vez com os olhos cada vez mais esbugalhados mas o major não deixou.

- Dize lá do que se trata, vamos!

Nicolau devolveu a cópia do telegrama para o chefe, o chefe saiu correndo para avisar outros. Nicolau puxou o major e Antônio Vicente de lado e falou:

- A revolução venceu no Rio! O Washington fugiu!

O major rugiu:

- Lérias! Aquilo é um homem, homem! Não sabe o que é fugir!

- Telegrama oficial, seu major!

- Pois se é oficial, a revolução não venceu! Telegrama oficial só pode ser do governo! O governo está de pé!

Antônio Vicente procurou chamar o major à razão. O maior teimou. Começaram a discutir. O sino da estação anunciou a saída do trem de Engenheiro Abrunhosa: daí a minutos estava em Jataí. Um vivório se ouviu longe. Cousa indistinta. Os três abriram bem os ouvidos.

- Júlio! - disse o major. - Que é que lhe dizia eu?

- Getúlio! - disse Nicolau. Ouvi perfeitamente.

- Escutem! suplicou Antônio Vicente.

O vivório foi se chegando. Começou o foguetório também.

- Júlio! - disse o major. - Não tem discussão!

- Getúlio! - disse Nicolau. - Getúlio Vargas!

- Esperem! - pediu Antônio Vicente.

Esperaram. O foguetório não deixava os três perceberem bem o vivório. Mas de repente juntinho deles explodiu com tanta violência um Viva o Doutor Getúlio Vargas que os três até recuaram de susto. E Chico Perna-de-Pau repetiu o viva. O major indignado ia gritar com o Chico mas os matadores profissionais e os ladrões de cavalo sacaram das garruchas e deram de atirar para todos os lados. O major se agachou atrás de um banco gritando:

- Não me matem que eu sou português!

Chico Perna-de-Pau perguntou:

- Quem é que é português?

Antônio Vicente subiu no banco e gritou desvairado:

- Abaixo a plutocracia!

Os voluntários de Jataí-Vila, esgotadas as munições, corresponderam:

- Viva-a-a!

Antônio Vicente tornou a gritar:

- Abaixo os opressores do povo!

E os voluntários de Jataí-Vila delirantes:

- Viva-a-a!

A estação já estava cheia de revolucionários. O trem chegou. Vivórios e mais vivórios. O trem partiu. O major no meio do povo bradava:

- Que eu sabia que vinha lá isso sabia! Mas, caramba rapazes, nunca pensei que viesse já! Viva Jataí-Vila!

- Morra! - berrou um mulato no ouvido do major. - Isto aqui não é Jataí-Vila!

O major pediu muitas desculpas mas o mulato não queria desculpas. Queria dez puas para beber à saúde do Isidoro. E exigia um viva ao Isidoro.

- Viva - disse o major. - Toma lá cinco mil-réis que dez não tenho.

O Nicolau conferenciava na sala do telegrafista com o Doutor Querido que desde a monarquia era oposicionista na zona.

- Está feito!

Disse e saiu à procura dos companheiros. Arrancou o major das mãos de um italiano recém-chegado da Penitenciária que já obrigara o major a dar três morras (Morra Mussolini, Morra Matarazzo e Morra D'Annunzio), interrompeu um discurso de Antônio Vicente sobre a Revolução Francesa, arrebanhou com promessas os músicos e os voluntários, saiu com eles da estação. Em dois tempos conseguiu convencer todos a voltar imediatamente para Jataí-Vila tomar conta do governo.
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continua...
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Fonte:
http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/alcantara-machado-obras/contos-avulsos.php

J. G. de Araújo Jorge (A Cantiga Do Só) 6. A Grande Criadora


Podes dar tratos a imaginação
e conceberes o que se afigura
a ti mesma, um absurdo, uma loucura,
coisa além dos sentidos, da razão.

Podes imaginar uma aventura
a mais estranha, sem ter céu nem chão,
e o que de mais ousado na Criatura
cheque às raias da tua concepção.

Podes tudo pensar, tudo criares
em histórias e cantos singulares,
o que o sonho não pode e a alma não deve,

e ainda assim, hás de ver que não és louco,
que tudo o que pensaste é nada e é pouco
ante o que a própria Vida vive e escreve!

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

Mia Couto (A Menina, as Aves e o Sangue)


Aconteceu, certa vez, uma menina a quem o coração batia só de quando em enquantos. A mãe sabia que o sangue estava parado pelo roxo dos lábios, palidez nas unhas. Se o coração estancava por demasia de tempo a menina começava a esfriar e se cansava muito. A mãe, então, se afligia: rola o dedo e deixava a unha intacta. Até que o peito da filha voltava a dar sinal:

- Mãe, venha ouvir: está a bater!-

A mãe acorria, debruçando a orelha sobre o peito estreito que soletrava pulsação. E pareciam, as duas, presenciando pingo de água em pleno deserto. Depois, o sangue dela voltava a calar, resina empurrando a arrastosa vida.

Até que, certa noite, a mulher ganhou para o susto. Foi quando ela escutou os pássaros. Sentou na cama: não eram só piares, chilreiações. Eram rumores de asas, brancos drapejos de plumas. A mãe se ergueu, pé descalço pelo corredor. Foi ao quarto da menina e joelhou-se junto ao leito. Sentiu a transpiração, reconheceu o seu próprio cheiro. Quando lhe ia tocar na fronte a menina despertou:

- Mãe, que bom, me acordou! Eu estava sonhar pássaros- .

A mãe sortiu-se de medo, aconchegou o lençol como se protegesse a filha de uma maldição. Ao tocar no lençol uma pena se desprendeu e subiu, levinha, volteando pelo ar. A menina suspirou e a pluma, algodão em asa, de novo se ergueu, rodopiando por alturas do tecto. A mãe tentou apanhar a errante plumagem. Em vão, a pena saiu voando pela janela. A senhora ficou espreitando a noite, na ilusão de escutar a voz de um pássaro. Depois, retirou-se, adentrando-se na solidão do seu quarto. Dos pássaros selou-se segredo, só entre as duas.

Mas o assunto do coração suspenso foi sendo divulgado e chegaram ao subúrbio curiosos da cidade. Vieram estudiosos a solicitar o caso daquele acaso. Até médicos questionavam a mãe:

- Angina de peito ela teve?

- Sim, doutor: sempre ela foi anjinha de peito- .

Precisar de ajuda? Que não, doutor, essa menina é feita assim mesmo, levinha como ar em pulmão de ave. Mas o médico insiste, promete mundos sem fundos. Que a fenomenosa miúda podia ficar em memória da ciência. Mas a senhora mãe deveria participar. Era preciso tudo controlar: batimentos, calores, suspiros. Tarefa para mãe a tempo inteiro, se pediam obséquios.

- Se eu sei contar, doutor? Só os padre-nossos e aves que nos mandam rezar na confissão- .

Por uns dias ela ainda segurou o pulso frio da menina. Quase desejava que o peito não desse resposta. Afinal, quando o coração lhe pulsava a menina esquentava-se, a ponto de rubra febre. A filha resistia, com doçura: queria era sair, brincar.

- Desde dois dias, mãe. Desde isso que não bate- .

A senhora desistiu das medições. Que a deixassem só, ela com ela. E, de noite, os pássaros enchendo o escuro. A mãe expulsou os exteriores mirones. Fossem todos, levassem seus títulos, promessas, indagações.

Com o tempo, porém, cada vez menos o coração se fazia frequente. Quase deixou de dar sinais à vida. Até que essa imobilidade se prolongou por consecutivas demoras. A menina falecera? Não se vislumbravam sinais dessa derradeiragem. Pois ela seguia praticando vivências, brincando, sempre cansadinha, resfriorenta. Uma só diferença se contava. Já à noite a mãe não escutava os piares.

- Agora não sonha, filha?

- Ai mãe, está tão escuro no meu sonho!-

Só então a mãe arrepiou decisão e foi à cidade:

- Doutor, lhe respeito a permissão: queria saber a saúde de minha única. É seu peito... nunca mais deu sinal- .

O médico corrigiu os óculos como se entendesse retificar a própria visão. Clareou a voz, para melhor se autorizar. E disse:

- Senhora, vou dizer. a sua menina já morreu.

- Morta, a minha menina? Mas, assim...?

- Esta é sua maneira de estar morta- .

A senhora escutou, mãos juntas, na educação do colo. Anuindo com o queixo, ia esbugolhando o médico. Todo seu corpo dizia sim, mas ela, dentro do seu centro, duvidava. Pode-se morrer assim com tanta leveza, que nem se nota a retirada da vida? E o médico, lhe amparando, já na porta:

- Não se entristeça, a morte é o fim sem finalidade- .

A mãe regressou a casa e encontrou a filha entoando danças, cantarolando canções que nem existem. Se chegou a ela, tocou-lhe como se a miúda inexistisse. A sua pele não desprendia calor.

- Então, minha querida não escutou nada?-

Ela negou. A mãe percorreu o quarto, vasculhou recantos. Buscava uma pena, o sinal de um pássaro. Mas nada não encontrou. E assim, ficou sendo, então e adiante.

Cada vez mais fria, a moça brinca, se aquece na torreira do sol. Quando acorda, manhã alta, encontra flores que a mãe depositou ao pé da cama. Ao fim da tarde, as duas, mãe e filha, passeiam pela praça e os velhos descobrem a cabeça em sinal de respeito.

E o caso se vai seguindo, estória sem história. Uma única, silenciosa, sombra se instalou: de noite, a mãe deixou de dormir. Horas a fio sua cabeça anda em serviço de escutar, a ver se regressam as vozearias das aves.

Fonte:
Mia Couto. Contos do Nascer da Terra. Vol.1. Porto: CPAC, 1998.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 534)


Uma Trova de Ademar

Queria ao fim da jornada,
na manhã do meu adeus,
ver o brilho da alvorada
na luz dos olhos de Deus!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Na história de tua vida
sou apenas, sem escolha,
uma sentença esquecida
no rodapé de uma folha.
–MARINA BRUNA/SP–

Uma Trova Potiguar


Ninguém é pedra polida,
se não mudar de conduta;
pois, a pedreira da vida
é feita de pedra bruta!
–PROF. GARCIA/RN–

Uma Trova Premiada


1976 - Nova Friburgo/RJ
Tema - CULPA - 6º Lugar


Se te alegra eu ser culpada
por um mal que nem conheço,
aceito a culpa, calada,
e finjo até que mereço.
–MARIA NASCIMENTO/RJ–

...E Suas Trovas Ficaram


Tenho culpas e, realmente
muitas delas me consomem.
Cometo-as porque sou gente,
confesso-as porque sou homem.
–JOSÉ MARIA M. DE ARAÚJO/RJ–

Simplesmente Poesia

P á s c o a – (Acróstico)
–PINHAL DIAS/PORTUGAL–


Paz que vem ressuscitar
Amigos no seu abraçar
Sentir essa renovação
Com toda a família unida
O ser d’alma convertida
Amor p’la Ressurreição.

Estrofe do Dia

Deus me deu cinco filhos e, feliz,
eu cumpri para os céus essa missão;
sinto neles a minha própria vida
como os dedos que toco, em cada mão,
quando rezo por todos, de hora em hora...
São pedaços de mim que vejo fora
porém nunca tirei do coração.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

Última Página
–OLAVO BILAC/RJ–


Primavera. Um sorriso aberto em tudo. Os ramos
numa palpitação de flores e de ninhos.
Doirava o sol de outubro a areia dos caminhos
(lembras-te, Rosa?) e ao sol de outubro nos amamos.

Verão. (Lembras-te Dulce?) À beira-mar, sozinhos,
tentou-nos o pecado: olhaste-me... e pecamos;
e o outono desfolhava os roseirais vizinhos,
ó Laura, a vez primeira em que nos abraçamos...

Veio o inverno. Porém, sentada em meus joelhos,
nua, presos aos meus os teus lábios vermelhos,
(lembras-te, Branca?) ardia a tua carne em flor...

Carne, que queres mais? Coração, que mais queres?
Passas as estações e passam as mulheres...
E eu tenho amado tanto! e não conheço o Amor!

Irene Coimbra (Poesias Avulsas)


O MENININHO E A TORNEIRA

A aula da primária
já havia começado,
quando aquele menininho
veio sentar-se ao meu lado.

E olhando para mim
com olhar interrogador,
parecia esperar
uma manifestação de amor.

E quando lhe sorri
pra mim sorriu também,
e aproximando-se mais de mim,
essa frase disse assim:

- Na minha casa tem tornera!

Tomada de surpresa
pela frase inusitada,
por um breve momento
não consegui dizer nada.

Mas olhando bem pra ele
pude logo entender,
o que com aquela frase
ele queria dizer.

E enquanto entusiasmado
continuava a falar,
eu ia percebendo
um brilho em seu olhar.

- Dentro de casa. O vô qui pois. Saiu água!

Não precisou dizer mais nada
e sua realidade vi,
era a primeira vez
que uma torneira entrava ali.

Abraçando-o com carinho
fiquei a imaginar,
a importância que tinha
uma torneira em seu lar.

Aquele menininho
que diante de mim estava,
era como um professor
que entrelinhas me ensinava.

Com ele aprendi
a parar de reclamar
por coisas insignificantes
que faltavam em meu lar.

Jamais irei esquecer-me
daquela simples lição,
pois ela ficou gravada
dentro de meu coração.

PRECISO CORAGEM

É preciso coragem
para não revidar com palavra agressiva,
quando se foi atingida de forma ofensiva.

É preciso coragem para não fingir,
quando todos ao seu lado estão a mentir.

É preciso coragem para dizer a verdade,
no meio de tanta falsidade.

É preciso coragem para silenciar,
quando se tem vontade de gritar.

É preciso coragem
para dizer a mensagem que deve ser dita,
mesmo que depois a vejam como maldita.

É preciso coragem para espalhar alegria,
mesmo vivendo em agonia.

É preciso coragem para dizer “Não”,
diante de uma grande tentação.

É preciso coragem pra continuar lutando,
mesmo em tudo fracassando.

MEXERICOS DE PAPEL

Há três horas estou aqui
esperando a inspiração,
com o papel à minha frente
e a caneta na mão.

De repente ouço a caneta
falando com o papel,
que a inspiração que espero
já foi pro beleléu.

O papel ri da caneta
e ela dele também,
e juntos riem de mim
porque a inspiração não vem.

E os dois mexericando
ali em minha frente,
dizem que não consigo
porque é vazia minha mente.

Perco a paciência de vez
ao ouvi-los dizer assim,
e meu primeiro impulso
é de dar neles um fim.

Pego a caneta bem firme
e a aperto entre os dedos,
enquanto o papel me olha
branco de tanto medo.

Nesse momento os dois
começam uma gritaria,
e entre seus gritos vejo
nascer a minha poesia.

A REVOLTA DA CANETA

A caneta de repente
fica toda revoltada,
e me encarando com fúria
diz que eu sou a culpada.

Diz que já se cansou
de todos os meus rabiscos,
e que está decidida
a parar com tudo isso.

Que a aperto entre os dedos
e que rabisco demais,
e nem por um minuto
consigo deixá-la em paz.

Que não tenho piedade
pois quando estou escrevendo,
sou incapaz de perceber
o quanto está sofrendo.

Que a pressão de meus dedos
sobre ela é tão forte,
que por muitas, muitas vezes
desejou até a morte.

Que eu não ligo pra ela
e não tenho coração,
e que já está farta
de ver seu trabalho em vão.

Diz que já não aguenta mais
ver as folhas que rabisco,
em pedacinhos rasgadas
e mandadas para o lixo.

Que se for pra continuar
com essa situação
ela desiste de tudo
e vai para outra mão.

DISPUTA SOBRE O TECLADO

Ligo o computador
e faço a conexão,
enquanto os dedos se agitam
na maior animação.

Cada dedo no teclado
quer passar uma mensagem,
alguns falam coisa séria,
outros falam só bobagem.

Às vezes olho, espantada,
para a tela à minha frente,
sem querer acreditar
no que saiu da minha mente.

Vejo os dedos, ansiosos,
pulando sobre o teclado,
como se estivessem todos
dançando um sapateado.

Olho pra eles bem séria
e falo com autoridade:
“Ou vocês me obedecem
ou os castigo sem piedade.”

“Será que não percebem
as bobeiras que ali estão?
Parem de escrever tolices
e prestem mais atenção”.

Nesse momento minha alma
como sempre a interferir
joga em mim toda a culpa
pelo meu modo de agir.

“Não queira culpar seus dedos
pelo que acabam de escrever,
você mesma é a culpada
com esse seu jeito de ser.”

“Você não sabe o que diz”
falo então pra minha alma,
“Fique aí no seu canto
e não me tire a calma.”

Os dedos, indiferentes,
sobre as teclas vão saltando,
e palavras pra todo lado,
vão todos eles jogando.

Tento, em vão, controlá-los
pra que não escrevam bobeira,
mas, indisciplinados,
fazem à sua maneira.

Só depois de muito tempo
e com o micro desligado,
é que acaba a disputa
dos dedos sobre o teclado.

“NADA SE CRIA, TUDO SE COPIA...”

“Nada se cria, tudo se copia.”
Foi isso que ouvi dizer,
quando comecei a escrever.

Mas minha única vontade
era escrever uma mensagem,
sem de ninguém copiar
e pra todo mundo eu passar.

Vi então, em minha mente,
aparecer, de repente,
palavras e mais palavras
que em frases se tornavam.

Como se estivesse a beber
da água de uma nascente,
comecei a escrever
tudo que me vinha à mente.

E, enquanto ia escrevendo,
eu tinha a sensação,
de que um anjo invisível
guiava minha mão.

Deixei-me levar assim,
sem me preocupar com nada,
pois sabia que no fim
a mensagem seria dada.

E como um raio de luz
incidindo em minha mente,
a mensagem apareceu
assim de repente:

“É preciso ter coragem
pra passar uma mensagem,
pois todo aquele que uma mensagem passou,
de alguma maneira alguém o crucificou.”

Fonte:
União Brasileira de Escritores

Irene Coimbra


Irene Coimbra de Oliveira Cláudio, filha de Juvenal Coimbra de Oliveira e de Carmem Palicer de Oliveira, nasceu no município de Patrocínio Paulista, SP.

Passou a infância e adolescência na tranquila cidade de Itirapuã.

Aos dezoito anos mudou-se para a cidade de Franca e aos vinte para Ribeirão Preto, onde reside até hoje.

Casou- se com Paulo Cláudio, de cuja união nasceram Fernando e Aline.

É professora de idiomas, escritora, poetisa, produtora e apresentadora do programa "Ponto & Vírgula" na TV/RP Canal 9.

Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras.

Livros publicados:
Pedaços de um Diário (1997);
Dr. Hanamaikai e outros contos (1998);
Simplesmente Poemas (2000);
Meu Diário Meia Sete (2004);
Entre Poemas (2004);
Denúncias Poéticas, Contos e Crônicas (2006).

Prêmios :
III Torneio Cultural CPERP (Casa do Poeta e do Escritor de Ribeirão Preto);
Troféu Apolo - 2004 - Campeã.

Em suas horas vagas dedica-se a pesquisas literárias e de outras áreas

Fonte:
União Brasileira de Escritores

Vicência Jaguaribe (A Última Visita)


A autora é de Fortaleza / CE

Quando o último dos irmãos morreu, os herdeiros resolveram vender o casarão da família. Lá a avó criara todos os filhos e de lá o marido e ela própria haviam partido em sua viagem definitiva. Lamentei profundamente aquela venda. Mas ninguém tinha dinheiro para restaurar a enorme casa praticamente em ruínas. Vendêramos, na verdade, o terreno, o local. A estrutura de alvenaria estava condenada.

Antes da entrega da chave ao comprador, senti vontade de rever a casa. Sozinha, entrei no casarão, maior por estar vazio. Fechei a porta e dispus-me a percorrer os aposentos. De repente, a casa ganhou vida — som, cheiro, cor e movimento. E um estranho frio que me fez cruzar os braços.

A sala de visitas enfeitou-se com as modestas cadeiras de vime e com o rádio. Ouvi, então, a voz de minha avó, perguntando quem estava ali. Assustei-me. E, como uma criança que acaba de ser surpreendida fazendo arte, recuei para o vão da janela. Mas a voz tornou a soar e tive de responder:

— Sou eu, vovó. Vou entrando. — Resolvi mergulhar naquele cenário que tinha certeza (tinha mesmo essa certeza?) ser fruto de minha imaginação. Mas eu não quisera penetrar aquele planeta habitado somente por lembranças — as lembranças de meus mortos? Então? Agora não fazia sentido recuar. Tinha de ir em frente. Também não sabia se estava sentindo medo ou se era só a emoção das lembranças.

Enfiei-me pelo comprido corredor, atravessei a sala de jantar e entrei na copa. Sentada diante da almofada, a avó criando suas peças de renda. Era assim que eu a recordava sempre.

No primeiro momento, assustei-me. Não, assustei-me, não, surpreendi-me. Pois era de se esperar que a avó estivesse exatamente ali, diante da almofada, tecendo suas peças de renda. Os dedos ágeis jogavam os bilros de uma mão para outra. De vez em quando, reunia-os todos na mão esquerda, e a mão direita subia até o papelão, para mudar a posição dos espinhos que marcavam os arabescos do desenho da peça.

A avó parou o movimento das mãos e encarou-me:

— Que é que você faz aqui, minha filha?

Sua voz soou entre triste e preocupada. Perdera o tom autoritário que sempre a caracterizara.

— Vim ver a casa. A senhora sabe que ela foi vendida?

— Sei. E fiquei com pena. Uma casa tão boa! Que guarda grande parte da história de nossa família! Mas entendi. Ela se tornou um estorvo, não foi?

— Não é bem assim, não, vovó — tentei contemporizar.

Ela baixou novamente a cabeça e voltou aos seus bilros.

— Onde está a Aldenora, vovó? — Perguntei sobre a menina que ela havia criado e que morrera há alguns anos.

— A Aldenora foi para a casa dos pais. Você gostava dela, não gostava?

Respondeu-me, sem tirar a vista dos bilros e do papelão. De repente, parou as mãos e tirou do bolso do vestido uma peça de renda, enrolada em um fino pedaço de madeira. Entregou-me.

— É para você. Faça uma blusa de cambraia de linho e enfeite com ela.

Nesse momento, senti um aroma que me trazia a infância e, junto com ela, a Aldenora. Era o aroma do arroz temperado da avó, no qual, depois de pronto, ela salpicava uma colher de vinagre. Minha avó levantou-se e dirigiu-se ao velho fogão a lenha.

— Vou tirar o arroz do fogo, senão ele queima.

Mudei por um instante a direção do olhar e, quando voltei a procurar minha avó, não mais a vi. Nem a ela, nem à almofada, nem à cadeira. Olhei para as mãos e lá estava a peça de renda. Então não fora ilusão. Voltando-me para a área descoberta que acompanhava as salas e ia até o quintal, assustei-me: a trepadeira de pequeninas flores cor de rosa, que formava um grande caramanchão, estava mais viva e bonita do que nunca. Enfiei a renda no bolso da calça jeans e puxei um galho longo e cheio de flores. Mas esta trepadeira morrera juntamente com a vovó! E ninguém conseguira que pegasse novamente. Como é que estava tão bonita agora? Enrolei o flexível galho no pescoço, à guisa de colar.

Transpus a cozinha olhando para o fogão a lenha, cujas chamas crepitavam como se alguém acabasse de alimentá-lo com as finas achas que a vovó conservava no chão. E, em cima da chapa, a panela da qual exalava o cheiro de arroz temperado e salpicado de vinagre. Apressei o passo e ganhei o quintal. O grande quintal de minha avó, com uma cacimba que fornecia água também para a casa vizinha, onde morara, por muito tempo, uma enteada sua — a tia Adélia.

No meio do quintal, cordões de estender roupa, com algumas peças penduradas, molhadas como se alguém as tivesse lavado há pouco. Abaixei-me e recolhi uns galhos de boa-noite plantados na cova de um coqueiro. Olhei em frente. Lá, o quarto grande que abria para a outra rua e que, no meu tempo de criança, já se encontrava em ruína. Pegado a ele, outro espaço coberto — o depósito da lenha que alimentava o fogão, com as achas subindo até o teto, exatamente como antes, e o portão pelo qual se podia entrar e sair do casarão. Ali gostávamos de brincar, sempre debaixo dos carões da vovó — este não era lugar pra brincar; podem se machucar na lenha; pode aparecer uma cobra...

Resolvi sair pelo portão mesmo. Não me daria o trabalho de percorrer toda a casa para alcançar a porta da frente. Ou era medo o que sentia? Fosse o que fosse, como havia trazido a chave do portão — no meu tempo de criança, ele só tinha uma tramela e um ferrolho por dentro —, resolvi que sairia mesmo por ali. Olhei em direção à casa, como a despedir-me de minhas lembranças. Vindo em minha direção, já no meio do quintal, minha avó, acompanhada de um grupo de pessoas relativamente numeroso. Algumas não consegui identificar, mas outras, sim — ou porque com elas havia convivido ou porque as vira em fotografia.

Mesmo com as pernas fraquejando e sentindo a cabeça rodar, resolvi sair daquele local impregnado dos fluidos da morte. Abri o portão e, sem olhar para trás, transpus a soleira e tranquei-o. Cheguei em casa tremendo.

— De onde você vem desse jeito? E o que é isso no seu pescoço?

— Da casa da vovó — respondi, enquanto puxava o galho de trepadeira, que trazia como um colar. Que significava aquilo? O que tinha nas mãos não era aquele galho cheio de flores, mas um galho seco, sem flores, um galho morto.

— E na mão, o que você tem?

Abri a mão e lá estavam folhas e flores secas de boa-noite. Escorregando-me do bolso da calça, minha tia viu a bela peça de renda de almofada. Pegou-a e começou a desenrolá-la.

— De onde você tirou isso, menina? Que peça linda! — Era a voz de uma prima que comercializava artesanato.

— Comprei no mercado — menti —, mas só tinha essa peça. Não sei nem quem me vendeu. — Fechei a mentira, para não ter que dar explicações.

Fonte:
Câmara Brasileira de Jovens Escritores. "Contos Fantásticos" - Edição Especial 2012 - Fevereiro de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 533)


Uma Trova de Ademar

Teve um chilique o Oscar
ao ver seu filho, um nissei,
ser o primeiro lugar
numa passeata gay.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Joga ao mar, que já morreu!
– Não!... Tô vivo... por favor...
– Cala essa boca, Tadeu,
quer saber mais que o doutor?...
–JOÃO ELIAS DOS SANTOS/SP–

Uma Trova Potiguar


É por demais assanhada
a galinha do vizinho:
já tem a costa pelada
por excesso de carinho...
–FABIANO WANDERLEY/RN–

Uma Trova Premiada


2002 - Garibaldi/RS
Tema - “LIVRE” Venc.


Esta é uma antiga lorota
que jamais se esclareceu:
- Se Judas nem tinha botas,
como foi que ele as perdeu?
–A. A. DE ASSIS/PR–

...E Suas Trovas Ficaram


Ao se pesar, a Constança,
que é gorda e não pesa pouco,
comenta sobre a balança:
- Esse ponteiro está louco!...
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Estrofe do Dia


Sou um bonito “coroa”,
e potente garanhão
que sem gastar um tostão
pega muita mulher boa,
seja direita ou a toa
o vate aqui não se nega;
tem uma que não sossega
e que não pode me ver...
Mas, porém vou lhe dizer
é porque a pobre é cega!
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Show ao Vivo
–EDMAR JAPIASSÚ MAIA/RJ–


Num cineminha, desses mal cuidados,
em que a higiene deixava a desejar,
por abrigar casais de namorados,
se fez o preferido do lugar...

Mas era a sua fama de amargar!
E apesar de ficar preocupados,
antes mesmo do filme começar,
os casais já se punham alojados...

Era um tumulto na bilheteria,
toda vez que na tela se exibia
um filme pornográfico agressivo...

Também difícil quem não abusasse!
Por mais que o “lanterninha” se esforçasse,
na plateia o espetáculo era ao vivo!

Luís Vaz de Camões (Os Lusíadas - Canto V: O Gigante Adamastor) Análise do Canto


Inspirado em Homero e Ovídio, o episódio do Gigante Adamastor é o mais rico e complexo do poema. de natureza simbólica, mitológica e lírica. Ele se compõe de vinte e quatro estrofes (canto V, 37 - 60), assim distribuídas:

Estrofes 37-38: introdução (2)

Estrofes 39-48: Adamastor 1 (10)

Estrofe 49: transição (1)

Estrofes 50-59: Adamastor 2 (10)

Estrofe 60: epílogo (1)

Como se vê, há uma distribuição muito equilibrada das partes: das vinte e quatro estrofes, quatro se destinam à introdução, transição e epílogo; as vinte restantes, divididas ao meio, apresentam o herói da seqüência. Tanto Vasco da Gama como o Adamastor aparecem como narradores e como personagens.

No plano histórico, simboliza a superação pelos portugueses do medo do “Mar Tenebroso”, das superstições medievais que povoavam o Atlântico e o Índico de monstros e abismos. Adamastor é uma visão, um espectro, uma alucinação que existe só nas crendices dos portugueses. É contra seus próprios medos que os navegadores triunfam.

No plano lírico é um dos pontos altos do poema, retomando dois temas constantes da lírica camoniana: o do amor impossível e o do amante rejeitado.

Adamastor, um dos gigantes filhos da Terra, apaixonou-se pela nereida Tétis. Não correspondido, tenta tomá-la à força, provocando a cólera de Júpiter, que o transforma no Cabo das Tormentas, personificado numa figura monstruosa, lançada nos confins do Atlântico.

Este episódio é importante, pois nele se concentram as grandes linhas da epopéia:

1. O real maravilhoso (dificuldade na passagem do cabo).

2. A existência de profecias (história de Portugal).

3. Lirismo (história de amor, que irá ligar-se mais tarde, à narração maravilhoso da Ilha dos Amores);

4. É também um episódio trágico, de amor e morte;

5. É um episódio épico, em que se consolida a vitória do homem sobre os elementos (água, fogo, terra, ar);

Enredo

37 - A viagem da esquadra é rápida e próspera até uma nuvem que escurece os ares surgir sobre as cabeças dos navegantes.

Porém já cinco sóis eram passados
Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca doutrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando,
Quando uma noite, estando descuidados
Na cortadora proa vigiando,
Uma nuvem, que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças aparece.

38 - A nuvem escura que surgiu vinha tão carregada que encheu de medo os navegantes. O mar, ao longe, fazia grande ruído ao bater contra os rochedos. Vasco da Gama, atemorizado, lança voz à tempestade perguntando o que era ela, que ela lhe parecia mais que uma simples tormenta marinha. Repare que o cenário aterrador fará a imagem do Gigante ainda mais terrível e assustadora.

Tão temerosa vinha e carregada,
Que pôs nos corações um grande medo;
Bramindo, o negro mar de longe brada,
Como se desse em vão nalgum rochedo.
"Ó Potestade (disse) sublimada:
Que ameaço divino ou que segredo
Este clima e este mar nos apresenta,
Que mor cousa parece que tormenta?"

39 - Vasco da Gama não havia terminado de falar quando surgiu uma figura enorme, de rosto fechado, de olhos encovados, de postura má, de cabelos crespos e cheios de terra, de boca negra e de dentes amarelos. Esta passagem é meramente descritiva.

Não acabava, quando uma figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.

40 - A figura era tão enorme que poder-se-ia jurar ser ela o segundo Colosso de Rodes. Surge no quarto verso a introdução da fala do Gigante, cuja voz fazia arrepiar os cabelos e a carne dos navegantes.

Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo.
Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo,
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!

41 - O gigante chama os portugueses de ousados e afirma que nunca repousam e que tem por meta a glória particular, pois chegaram aos confins do mundo. Repare na ênfase que se dá ao fato de aquelas águas nunca terem sido navegadas por outros: o gigante diz que aquele mar que há tanto ele guarda nunca foi conhecido por outros.

E disse: "Ó gente ousada, mais que quantas
No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantas
E navegar nos longos mares ousas,
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
Nunca arados d’estranho ou próprio lenho:

42 - Já que os portugueses descobriram os segredos do mar, o gigante lhes ordena que ouçam os os sofrimentos futuros, conseqüências do atrevimento de cruzar os mares.

Pois vens ver os segredos escondidos
Da natureza e do úmido elemento,
A nenhum grande humano concedidos
De nobre ou de imortal merecimento,
Ouve os danos de mi que apercebidos
Estão a teu sobejo atrevimento,
Por todo largo mar e pola terra
Que inda hás de sojugar com dura guerra.

43 - O gigante afirma que os navios que fizerem a viagem que Vasco da Gama está fazendo terão aquele cabo como inimigo. A primeira armada a que se refere Adamastor é a de Pedro Álvares Cabral, que perdeu ali quatro de suas naus: o dano - o naufrágio – foi maior que o perigo, pois os navegantes foram surpreendidos.

Sabe que quantas naus esta viagem
Que tu fazes, fizerem, de atrevidas,
Inimiga terão esta paragem,
Com ventos e tormentas desmedidas!
E da primeira armada, que passagem
Fizer por estas ondas insufridas,
Eu farei d’improviso tal castigo,
Que seja mor o dano que o perigo!

44 - O gigante afirma que se vingará ali mesmo de seu descobridor, Bartolomeu Dias, e que outras embarcações portuguesas serão destruídas por ele. As afirmações são ameaçadoras, como se verá: o menor mal será a morte.

Aqui espero tomar, se não me engano,
De quem me descobriu suma vingança.
E não se acabará só nisto o dano
De vossa pertinace confiança:
Antes, em vossas naus verei, cada ano,
Se é verdade o que meu juízo alcança,
Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte!

45 - É citado D. Francisco de Almeida, primeiro vice-rei da Índia, e sua vitória sobre os turcos. O gigante continua ameaçador: junto a ele continua a haver perigo.

E do primeiro ilustre, que a ventura
Com fama alta fizer tocar os céus,
Serei eterna e nova sepultura,
Por juízos incógnitos de Deus.
Aqui porá a turca armada dura
Os soberbos e prósperos troféus;
Comigo de seus danos o ameaça
A destruída Quíloa com Mombaça.

46 - Nesta estrofe o gigante cita a desgraça da família de Manuel de Sousa Sepúlveda, cujo destino será tenebroso: depois de um naufrágio, sofrerão muito.

Outro também virá, de honrada fama,
Liberal, cavaleiro, enamorado,
E consigo trará a fermosa dama
Que Amor por grão mercê lhe terá dado.
Triste ventura e negro fado os chama
Neste terreno meu, que, duro e irado,
Os deixará dum cru naufrágio vivos,
Pera verem trabalhos excessivos.

47 - O gigante diz que os filhos queridos de Manuel de Sousa Sepúlveda morrerão de fome e sua esposa será violentada pelos habitantes da África, depois de caminhar pela areia do deserto.

Verão morrer com fome os filhos caros,
Em tanto amor gerados e nascidos;
Verão os Cafres, ásperos e avaros,
Tirar à linda dama seus vestidos;
Os cristalinos membros e preclaros
À calma, ao frio, ao ar verão despidos,
Despois de ter pisada longamente
Cos delicados pés a areia ardente;

48 - Os sobreviventes do naufrágio verão Manuel de Sousa Sepúlveda e sua esposa, que morrerão juntos, ficarem no mato quente e inóspito.

E verão mais os olhos que escaparem
De tanto mal, de tanta desventura,
Os dous amantes míseros ficarem
Na férvida e implacábil espessura.
Ali, despois que as pedras abrandarem
Com lágrimas de dor, de mágoa pura,
Abraçados, as almas soltarão
Da fermosa e misérrima prisão.

49 - O gigante continuaria fazendo as previsões se Vasco da Gama não o interrompesse perguntando quem era aquela figura maravilhosa. O monstro responderá com voz pesada porque relembraria seu triste passado.

Mais ia por diante o monstro horrendo
Dizendo nossos fados, quando, alçado,
Lhe disse eu: - Que és tu? Que esse estupendo
Corpo certo me tem maravilhado!
A boca e os olhos negros retorcendo
E dando um espantoso e grande brado,
Me respondeu, com voz pesada e amara,
Como quem da pergunta lhe pesara:

50 - O gigante se apresenta: ele é o Cabo Tormentoso, nunca conhecido pelos geógrafos da Antigüidade, última porção de terra do continente africano, que se alonga para o Pólo Sul, extremamente ofendido com a ousadia dos portugueses.

Eu sou aquele oculto e grande Cabo
A quem chamais vós outros Tormentório,
Que nunca a Ptolomeu, Pompônio, Estrabo,
Plínio e quantos passaram fui notório.
Aqui toda a africana costa acabo
Neste meu nunca visto promontório,
Que pera o Pólo Antártico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende.

51 - Adamastor diz que era um dos Titãs, gigantes que lutavam contra Júpiter e que sobrepunham montes para alcançar o Olimpo. Ele, no entanto, buscava a armada de Neptuno, nos mares.

Fui dos filhos aspérrimos da Terra,
Qual Encélado, Egeu e Centimano;
Chamei-me Adamastor e fui na guerra
Contra o que vibra os raios de Vulcano;
Não que pusesse serra sobre serra,
Mas conquistando as ondas do Oceano,
Fui capitão do mar, por onde andava
A armada de Neptuno, que eu buscava.

52 - Adamastor cometeu a loucura de lutar contra neptuno por amor a Tétis, por quem desprezou todas as Deusas. Um dia a viu nua na praia e apaixonou-se por ela, e ainda não há algo que deseje mais do que ela.

Amores da alta esposa de Peleu
Me fizeram tomar tamanha empresa;
Todas as Deusas desprezei do Céu,
Só por amar das águas a princesa;
Um dia a vi, coas filhas de Nereu,
Sair nua na praia e logo presa
A vontade senti de tal maneira,
Que inda não sinto cousa que mais queira.

53 - Como jamais conquistaria Tétis porque era muito feio, Adamastor resolveu conquistá-la por meio da guerra e manifestou sua intenção a Dóris, mãe de Tétis, que ouviu da filha a seguinte resposta: como poderia o amor de uma ninfa agüentar o amor de um gigante?

Como fosse impossíbel alcançá-la
Pola grandeza feia de meu gesto,
Determinei por armas de tomá-la
E a Dóris meu caso manifesto.
De medo a Deusa então por mi lhe fala.
Mas ela, cum fermoso riso honesto,
Respondeu: - Qual será o amor bastante
De ninfa, que sustente o dum Gigante?

54 - Continua a resposta de Tétis: ela, para livrar o Oceano da guerra, tentará solucionar o problema com dignidade. O gigante afirma que, já que estava cego de amor, não percebeu que as promessas que Dóris e Tétis lhe faziam eram mentirosas.

Contudo, por livrarmos o Oceano
De tanta guerra, eu buscarei maneira
Com que, com minha honra, escuse o dano.
Tal resposta me torna a mensageira.
Eu, que cair não pude neste engano
(Que é grande dos amantes a cegueira),
Encheram-me, com grandes abondanças,
O peito de desejos e esperanças.

55 - Uma noite, louco de amor e desistindo da guerra, aparece-lhe o lindo rosto de Tétis, única e nua. Como louco, o gigante correu abrindo os braços para aquela que era a vida de seu corpo e começou a beijá-la.

Já néscio, já da guerra desistindo,
Uma noite, de Dóris prometida,
Me aparece de longe o gesto lindo
Da branca Tétis, única, despida.
Como doudo corri de longe, abrindo
Os braços pera aquela que era a vida
Deste corpo e começo os olhos belos
A lhe beijar, as faces e os cabelos.

56 - Adamastor não consegue expressar a mágoa que sentiu, porque, achando que beijava e abraçava Tétis, encontrou-se abraçado a um duro monte. Sem palavras e imóvel, sentiu-se como uma rocha diante de outra rocha.

Oh! Que não sei de nojo como o conte!
Que, crendo ter nos braços quem amava,
Abraçado me achei cum duro monte
De áspero mato e de espessura brava.
Estando cum penedo fronte a fronte,
Que eu polo rosto angélico apertava,
Não fiquei homem, não; mas mudo e quedo
E junto dum penedo outro penedo!

57 - Adamastor invoca Tétis, perguntando porque, se ela não amava, não o manteve com a ilusão de abraçá-la. Dali ele partiu quase louco pela mágoa e pela desonra procurando outro lugar em que não houvesse quem risse de sua tristeza.

Ó Ninfa, a mais fermosa do Oceano,
Já que minha presença não te agrada,
Que te custava ter-me neste engano,
Ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada?
Daqui me parto, irado e quase insano
Da mágoa e da desonra ali passada,
A buscar outro mundo, onde não visse
Quem de meu pranto e de meu mal se risse.

58 - Os Titãs já foram vencidos e soterrados para maior segurança dos deuses, contra quem não é possível lutar. Adamastor anuncia, então, seu triste destino.

Eram já neste tempo meus Irmãos
Vencidos e em miséria extrema postos,
E, por mais segurar-se Deuses vãos,
Alguns a vários montes sotopostos.
E, como contra o Céu não valem mãos,
Eu, que chorando andava meus desgostos,
Comecei a sentir do fado imigo,
Por meus atrevimentos, o castigo:

59 - A carne do gigante se transformou em terra e os ossos em pedra; seus membros e sua figura alongaram-se pelo mar; os Deus fizeram dele um Cabo. Para que sofra em dobro, Tétis costuma banhar-se nas águas próximas.

Converte-se-me a carne em terra dura;
Em penedos os ossos se fizeram;
Estes membros que vês e esta figura
Por estas longas águas se estenderam;
Enfim, minha grandíssima estatura
Neste remoto Cabo converteram
Os Deuses; e, por mais dobradas mágoas,
Me anda Tétis cercando destas águas.

60 - O gigante desapareceu chorando e o mar soou longínquo. Vasco da Gama ergue os braços ao céu e pede aos anjos que os casos futuros contados por Adamastor não se realizem.

Assi contava; e, cum medonho choro,
Súbito d’ante os olhos se apartou.
Desfez-se a nuvem negra e cum sonoro
Bramido muito longe o mar soou.
Eu, levantando as mãos ao santo coro
Dos Anjos, que tão longe nos guiou,
A Deus pedi que removesse os duros
Casos que Adamastor contou futuros.

Fonte:
Passeiweb

Amosse Mucavele (Fazer, Dizer e Sentir a Literatura: Por Uma Retórica da Razão)


Os remos dispensam
Temos as mãos
Para a navegação
Sangare Okapi- in Mesmos Barcos ou Poemas de Revisitação do Corpo


“ Eu escrevo para adiar a minha a morte ”, É a partir desta voz do escritor argentino Jorge Luís Borges, que estes jovens cumprimentem-se a caminhar de ouvidos abertos para o “lugar” onde a palavra se enamora com a língua. Este ‘lugar’ de encontros constantes entre a realidade e a ficção.

Já que “De facto, por mais heterodoxos ou abrangentes que sejamos, não podemos nos articular directamente com a tradição mundial, que aliás não existe em estado pronto. Todos nos articulamos nalgum lugar, retomado ou inventando tradições parciais. sendo” lugar” naturalmente é uma noção variável ,que no momento devido a nova onda de internacionalização , esta passando por uma redefinição decisiva .”[1]

Esta voz estimula-nos a escutar o brado da nossa capacidade leitoral, a ler o manual das nossas verdes mãos, isto é Kuphaluxar (divulgar, dinamizar) de braços abertos com os pés assentes no chão do nosso solo pátrio e interpretar sem nenhum vinculo politico as maravilhas do mundo da literatura, como um mecanismo de assimilação e a aprendizagem para com a própria vida.

Esta aprendizagem “ não começa quando se percorrem distâncias, mas quando se atravessam as nossas fronteiras interiores.”(Mia Couto-O outro Pé da Sereia )

A tonalidade deste chamamento exprime-se nas “harpas” e “farpas” que esta aventura apresenta ao longo do seu percurso e desperta- nos atenção aos voos que os nossos sonhos podem querer descrever nesta infindável distancia.

Eduardo White reflete esta dicotomia nos versos deste poema:

Escrever é uma droga antiga
Uma bebedeira que queima com a lentidão a cabeça,
Traz a luz desde as vísceras
O sangue a ferver veias tubulantes
Traz a natureza estimulantes das paisagens que temos dentro.


As imagens que compõem “as nossas fronteiras interiores”, o brilho “das paisagens que temos dentro” e os instrumentos de que a escrita se serve (a droga), se alimenta ( a bebedeira), se aconchega (a natureza), se ilumina ( a luz), se move (o sangue), mostram-nos o quão difícil é, e longa é a viagem neste’’(…) espaço essencial (a literatura -o bold é meu) que é necessário cercar de altos muros como pedia Pessoa . Porque é ai que nós somos o que somos, é ai que somos tais que não podemos vender, nem ninguém nos pode comprar. ou se quisermos rasgar os últimos véus de Ísis e ser humildes, é lá que habita alguma coisa que, em nós mesmo é melhor do que nós(…). [2]

Olhando atentamente para as nossas leituras, e sendo nós o tipo “de leitores que não podem ler livros sem se lerem nos livros. Ou antes sem que os livros os leiam.” [3]

Assim começamos a por os “remos” a “navegação” (dinamizando a cultura e declamando de forma activa) e a cada dia o nosso “rio chamado tempo” aumenta (va) os seus afluentes, dai que sentimos a necessidade de “dispensar” ‘’os remos” e começarmos a utilizar “as mãos para a navegação”.

As nossas mãos detêm uma escrita em construção que poucas vezes surpreende pela sua fraca qualidade estética e artística, assim sendo concorrendo a nenhum espaço nos jornais (quase com poucas paginas destinadas as artes e letras).

As mesmas que logo a priori tem um sonho de resgatar do silencio total em que esta embrulhada a literatura moçambicana que “ comparada as grandes, a nossa literatura é pobre e fraca, mas é ela, não a outra, que nos exprime. Se não for amada, não revelará a sua mensagem, e se não amarmos, ninguém o fará por nós. Se não lermos as obras que a compõem, ninguém as tomará do esquecimento. Descaso ou incompreensão. Ninguém além de nós, poderá dar a vida a essas tentativas muitas vezes débeis, outras vezes fortes.” [4]

E nesta perspectiva que o kuphaluxa promete acelerar substancialmente o progresso sociocultural deste País:

- Democratizar a literatura, divulgar a literatura moçambicana, criar o gosto e o habito de leitura, usar a palavra como arma de intervenção social, tornar a escrita como uma charrua e o papel em branco como os sulcos que esperam a semente (melhorada pelo musculo erudito e adubada pela transpiração).

Foi devido aos escassos meios de divulgação da literatura moçambicana seja dentro ou fora, ou mesmo da própria literatura lusófona (onde os editores, críticos, e Professores de literaturas Africanas de expressão portuguesa cingem os seus prestigiosos estudos, as suas ricas analises, ensaios e publicações a uma dúzia de nomes. Ex: Mia Couto (Moçambique), Pepetela (Angola), que de uma ou de outra forma limita os anseios de um universo de 7 países vistos como periféricos (os Africanos e os Asiáticos), todavia em Moçambique guarda(va)-se uma distancia de séculos sobre a literatura brasileira contemporânea(1990-2011) ,pois as obras que existem nas livrarias continuam as do Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, etc., e sobre a literatura Portuguesa (José Saramago e António Lobo Antunes) e Angolana( Pepetela,e Luandino Viera).

Dada a esta paragem no tempo da literatura lusófona, criamos um espaço ( o blog do kuphaluxa, uma espécie de relatório das nossas actividades, achamos pouco e mais tarde nasceu a Revista Literatas) de dialogo intercultural, de divulgação da literatura lusófona, que logo a priori deixou de pertencer ao Kuphaluxa(Moçambique) o Brasileiro Pedro Du Bois foi o primeiro a acreditar no projecto ,a Lurdes Breda( Portugal) e seguiram-se mais outros escritores experimentados nos seus países e além fronteiras ( graças ao facebook conseguimos angariar mais colaboradores) a juntarem-se a estes jovens desconhecidos vindos de “uma nação que ainda não existe” [5] e logo tornou-se num lugar de convívio, e divulgação da cultura lusófona.

Do colectivo jogo do Tsilana aos Traços das Dores e dos Sonhos Individuais

Os discípulos têm sombras no coração e a realidade da carne ameaçada do Mestre é mais forte do que o testemunho da palavra. Mas o Mestre acredita que as aparências morrem e que certas mortes são o começo da vida.”[6]

Perante este triste cenário de ser residente de ” uma nação que ainda não existe” com os seus problemas ( vive-se uma realidade exterior a nossa, onde as tempestades ocidentais apoderam-se da nossa cultura ),revestidos de um quotidiano (i)real, (in)característico, dentro deste cenário há uma voz que fala verdades ,ela que é a voz do povo , a força revisitadora , e ressuscitadora da nossa cultura dos contos orais na típica maneira de contar estorias ( karingana ua karingana)

Não será esta preocupação reflectida neste hipotético exercício de escrita criativa desenvolvida por estes jovens?

Sintetizo: escrita criativa, pois ainda não são escritores, indo na acepção do Alcir Pécora sobre a ideia da criação literária afirma:

Não parece haver nada relevante sendo escrito , essa é a mais provável razão desse poço , desse mar de coisa escrita [7]

Ainda na esteira de Pécora:

Exactamente porque não é preciso, escrever pode ser tudo menos uma actividade entre outras quaisquer. Escrever é um acto que, de saída, já deve uma explicação: ele tem de reinventar sua própria relevância , a cada vez , ou então se condenar a ser apenas uma ideia torta de novidade; o retorno do mesmo, piorado. [8]

Este kuphaluxa é um pequeno núcleo dotado de ideias progressistas, visão realista, universalista, solidariedade social, privilegiado por uma retórica da razão. Este núcleo revisita todos os projectos literários que acompanharam a história do País.

Aliás Fátima Mendonça na sua proposta de periodização da literatura moçambicana, de 1986, afirma que “nas mais jovens gerações de escritores moçambicanos encontram-se hoje ressonâncias de metáfora e da paralaxe do Craveirinha, do verso seco e angustiado do Knopfly (…) há uma herança literária a construir-se." [9]
==============
Notas
1 Robert Scharwz – Sobre a Formação da Literatura Brasileira in Sequencias Brasileiras pag.22-Companhia das Letras 1999
2 Eduardo Lourenço in Carta melancólica aos Leitores Jovens do nosso País pag-17,17-30 de Junho j.letras 2009
3 ibidem
4 Robert Scharwz in Sequencias Brasileiras pag 22 op.cit.
5 José Craveirinha
6 Eduardo Lourenço artigo citado
7 2006 pag pag 93-op cit por Andrea Catropa in Escassos Vasos Comunicantes –A relação entre critica e poesia Brasileira Contemporânea pag 35 in Protocolos Criticos-Itau Cultural 2008
8 2006 pag. 97
9 Sangare Okapi –Um Projecto Chamado Oasis-Da Existencia Colectiva á Afirmacao Individual:in Memorial AEMO pag-57


Fonte:
O Autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 532)


Uma Trova de Ademar

Para dar fim aos tormentos,
qual fênix a renascer;
deletei os sofrimentos...
Pus emoções no viver.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Celebra-se esta semana
o martírio de Jesus:
pela redenção humana
morreu, pregado na cruz!...
–ANTÔNIO SIÉCOLA MOREIRA /MG–

Uma Trova Potiguar


Relembrando a mocidade
te vejo a cada momento,
no feitiço da saudade
que adorna o meu pensamento.
–JOAMIR MEDEIROS/RN–

Uma Trova Premiada


2011 - CTS-Caicó/RN
Tema - PEGADA - 2º Lugar


Quando a chuva se derrama
na rua, guris sem nome,
mergulhando os pés na lama
deixam pegadas de fome.
–ADILSON MAIA/RJ–

...E Suas Trovas Ficaram


Como a boca, a pena explica
Reservas do pensamento;
A letra da pena fica,
Palavras, leva-as o vento.
–SOARES BULCÃO/CE–

Simplesmente Poesia

Morrer no Cais
–DJALMA MOTA/RN–


Aporto minha saudade
nas águas que morrem
no cais da solidão.
Sequer ouço o meu
suspiro, abafado pelos
murmúrios das ondas
que morrem na praia.
Assim como as ondas,
murmuro os meus ais
morto de saudades,
morto de desejos...
No cais...

Estrofe do Dia

Deus! só Deus! é o grande bem,
que a humanidade abençoa.
Cura aleijados e cegos,
Deus nunca faz nada à toa;
só Jesus tem o direito
de curar a dor do peito
pelo amor de quem perdoa!
–PROF. GARCIA/RN–

Soneto do Dia

Constatação
–THALMA TAVARES/SP–


Cobra-me o tempo os juros do descaso
ao qual submeti minha estrutura.
Não cogitei da idade nem do prazo
que a resistência óssea perdura.

Pulei, dancei, corri sem fazer caso
de que não sou de ferro, mas criatura
sensível ao desgaste da ossatura
que não deve deixar-se ao mero acaso.

Meu espírito é moço e ainda me pede
tarefas que hoje o corpo mal concede,
e que nem sempre são realizadas.

Ainda tenho, bem sei, talento e garra,
mas esse meu orgulho agora esbarra
na velhice das pernas entrevadas.

sábado, 7 de abril de 2012

Errata nas Trovas Ecológicas


Nas trovas ecológicas houve um equívoco em sua numeração:

Já havia a Trova Ecológica 77, de Mara Melinni, e foi colocada a do Wagner Marques Lopes como 77 também.

A Trova Ecológica 78 era do Wagner mas foi colocado o Nemésio Prata Crisóstomo como 78 em duplicata

Portanto,

A Trova Ecológica 77 do Wagner passa a ser Trova 78

A Trova Ecológica 78 do Nemésio, passa a ser 81.

Utilizando a justificativa do confrade Átila José Borges, na errata de seu livro: Matando o Porco. "Na Teoria Estrita da Culpabilidade, o erro exclui ou, no mínimo, atenua a culpabilidade dolosa. Não é o meu caso, mas não querendo justificar, peço escusas pelos erros de natureza tipográfica ou não (...). Por mais cuidados que se tomem com revisões e mais revisões, acabam acontecendo... Só resta pedir, humildemente, PERDÃO. "

Faço destas minhas palavras.

Wagner Marques Lopes / MG (O Lar em trovas) Parte 3


Na proteção do lar

Seja minha e seja tua
esta verdade solar:
quem perdoa lá na rua
resguarda as portas do lar.


O lar e a família universal

A alegria é ver no lar
a escola-luz, soberana,
onde aprendemos amar
a imensa família humana.

No lar, o amor confiante

No lar, alguém que lidera,
dispensando muito amor,
suporta a mais longa espera -
tem a fé, ao seu dispor.

Astronauta do sol do amor

Eu quero alcançar a estrela
do amor a me confortar,
para enfim poder retê-la
no recesso do meu lar.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Mia Couto (A Última Chuva do Prisioneiro)


(- pensando no escritor nigeriano Ken-_Saro-_Wiwa- )

Lhe entrego dinheiro, prometo, tenho dinheiro fora. Não duvide: são cifras, maquias e quantidades. Tenho e tenho. E dou-lhe tudo, totalmente. Mas me traga chuva, uma porção de chuva boa, grossa e gorda. Estou doido? Por causa de querer que chova aqui, dentro da prisão? Pode ser, pode ser loucura. Mas a loucura é a única que gosta de mim. O senhor que é um inventador de realidades, me faça esse favor. Me invente, rápido, uma urgente chuvinha.

Antigamente, valia a pena ser preso. O cantinho da prisão nem era mau, comparado com o mundo que nos cabia, lá fora. Falo sério. Maioria do que aprendi foi na prisão. Ler, escrever: foi na prisão que me letrinhei. Minha vida era uma roda-ronda entre roubo e grades. Me prendiam: era um consolo cheio de sossego. Lá fora ficava o mundo, mais suas doenças, suas nauseabundâncias.

Agora, o calabouço é um lugar definhado, de não valer as penas. Esse mundo torto já entrou na prisão. A cadeia se infernou, dá vontade só de escapar. Porque aqui dentro nos roubam mais que fora. Aqui somos roubados por polícia, roubados por ladrões. Já nem podemos estar livres na cadeia. Neste lugar nem os mortos estão seguros. Já perdi escolha, doutor: a prisão me mata, a cidade não me deixa viver. A feiura deste mundo já não tem dentro nem fora.

Lhe explico, nos tintins. Na minha língua materna nem há palavra para dizer cadeia. Não tínhamos nem ideia de cadeia. Foram os portugueses que trouxeram. Coitados, trouxeram cadeias de tão longe, até dava pena elas ficarem vazias. Eu explicava assim para minha mãe, primeiras vezes que foi preso.

- Estou a ser preso, mamã, mas é só por respeito dos mezungos.

- Respeito dos brancos?

- Sim, mãe: é que eles, coitados, tiveram tanto trabalho... é feio a gente deixar estas cadeias assim, sem ninguém- .

Minha mãe acenava, com reserva. Ela enchia o nariz de rapé, aspirava aquilo como se a narina fosse a boca da sua alma. Depois, espirrava, soltando distraídos demónios. E me avisava:

- Só eu tenho medo é do tempo...

- Que tem o tempo?

- é que o tempo namora com ele próprio. Só finge que gosta de nós...

- Não entendo, mamã.

- é que, na cadeia, 0 tempo gosta de passear com modos de prostituta. Você que pensa que ainda não Ihe deu nada mas já pagou a sua toda vida.

- Não se preocupa, mamã. Eu venho, volto e regresso- .

Ela deixava uma alegria espreitar na lágrima. Com as tais palavras eu lhe estava imitando quando ela, em minha pequeninice, me dava instrução de regresso. Mais acontecia era quando chovia. Minha mãe me acorria, me sacudia, me suspendia.

- Começou a chuva, filho, corre lá para fora!-

Era o contrário das restantes mães que chamavam seus meninos a recolher assim que tombavam as primeiras gotas. Fosse a que hora, mal chuviscava, ela me despertava, me despia e me empurrava para fora de casa. Minha mãe acreditava que a chuva é água de lavar alma. Nunca ela deve ser desperdiçada. Disso me lembro, a chuva tintilando, eu tiritando. E, em minhas mãos, as folhas do kwangula ti o, essa plantinha que nos protege dos trovões, impedindo que o peito nos rebente. Me lembro de suas encomendações:

- Vens, voltas e regressas. Ouviste?-

Nem sei quantas vezes entrei, voltei e regressei para o calabouço. Minha vida foi um ciclo de porta e tranca, céu e grade. Minha mãe morreu, durante esse entra-e-sai. Recebi notícia na prisão, no meio de um domingo. Escutávamos o relato de um futebol. Os outros se mantiveram, cativos do rádio. Só eu despeguei cabeça, levantei os olhos para o carcereiro. Pedi para sair. Não me autorizaram. Eu que fosse à capela da prisão, orasse ali por minha mãe. Mas o chefe da cadeia, sendo branco, não me podia entender. Eles se despedem dos mortos de modo diferente. Foi única vez que fugi da cadeia, foi essa. Eu queria comparecer na cerimónia de minha velha. Lá no cemitério da família ainda me pingou uma tristeza. Falei assim:

- Viu, mãe? Eu disse que voltava- ...

E pelo pé de minha vontade retornei para a prisão. Dentro e fora, já eu era conhecido de todos, presos e guardas. Sou irmão legítimo dos que não têm família. Eles sempre me dedicaram amizades, autenticadas com provas. Me traziam revistas com fotografias de mulher branca. Eu antes me divertia com uma dessas fotografias, o corpo dessa mulher me era muito manual. Mas me cansei de imaginadelas. Ultimamente o que fazia? Punha a fotografia dessa mulher em cima do armário e lhe rezava. Faz conta era Nossa Senhora dos Qualqueres. Eu ficava assim, ajoelhado, com vontade de pedir, o pedido me vinha à boca mas eu engolia como se fosse só saliva. E fiz tanto isso que me esqueceu todos os pedidos que eu queria comendar.

Vendi a revista aos pedaços, 500 cada foto, 1000 cada mama. Agora, deixei de pedir. Desisti. A única coisa que quero é chuva. Chover-me em cima de mim, molhar-me, charcoar-me.

Eu nasci na arrecadação da paisagem, num lugar bem desmapeado do mundo. Tudo em volta eram securas, poeiras e redemoinhos. Chuva era sinal dos deuses, sua escassa e rara oferta. E quando me dispunha assim, todo eu nu, todo inteiramente descalço, parecia que os divinos destinavam toda aquela água só para mim. Eu tenho essa única saudade. Que caia um muitão de chuva, até chover dentro de mim, pingar-me os tetos da cabeça, me aguar o coração e eu sentir que Deus me está lavando das poeiras que a vida me sujou. E assim diluviado, eu escute, entre o ruído das gotas nos telhados, a voz de minha mãe me farolando:

- Você vem, volta- ...

E agora que estou falando, imagine, doutor, estou já sentindo em meus braços o doce roçar das folhinhas da planta que me protege do rebentar do peito, logo hoje que é véspera de eu ser sentenciado no suspenso da corda. Como se essa corda me conduzisse para onde minha mãe me espera, sentada na berma de um chuvisco. Como se esse nó de forca fosse o meu cordão desumbilical.

Me invente uma última chuvinha, doutor...

Fonte:
Mia Couto. Contos do Nascer da Terra. Vol.1. Porto: CPAC, 1998
.

Henriqueta Lisboa / MG (Livro de Poemas)


AMARGURA

Eu chegarei depois de tudo,
mortas as horas derradeiras,
quando alvejar na treva o mudo
riso de escárnio das caveiras.

Eu chegarei a passo lento,
exausta da estranha jornada,
neste invicto pressentimento
de que tudo equivale a nada.

Um dia, um dia, chegam todos,
de olhos profundos e expectantes,
E sob a chuva dos apodos
há mais infelizes do que antes.

As luzes todas se apagaram,
Voam negras aves em bando.
Tenho pena dos que chegaram
E as estas horas estão chorando...

Eu chegarei por certo um dia ..
assim, tão desesperançada,
que mais acertado seria
ficar em meio à caminhada.

EXPECTATIVA

Neste instante em que espero
uma palavra decisiva,
instante em que de pés e mãos
acorrentada estou,
em que a maré montante de meu ser
se comprime no ouvido à escuta,
em que meu coração em carne viva
se expõe aos olhos dos abutres
num deserto de areia,
— o silêncio é um punhal
que por um fio se pendura
sobre meu ombro esquerdo.

E há uma eternidade
que nenhum vento sopra neste deserto!

RESTAURADORA

A morte é limpa.
Cruel mas limpa.

Com seus aventais de linho
— flâmula — esfrega as vidraças.

Tem punhos ágeis e esponjas.
Abre as janelas, o ar precipita-se
inaugural para dentro das salas.
Havia impressões digitais nos móveis,
grãos de poeira no interstício das fechaduras.

Porém tudo voltou a ser como antes da carne
e sua desordem.

VEM, DOCE MORTE

Vem, doce morte. Quando queiras.
Ao crepúsculo, no instante em que as nuvens
desfilam pálidos casulos
e o suspiro das árvores - secreto -
não é senão prenúncio
de um delicado acontecimento.

Quanto queiras. Ao meio-dia, súbito
espetáculo deslumbrante e inédito
de rubros panoramas abertos
ao sol, ao mar, aos montes, às planícies
com celeiros refertos e intocados.

Quando queiras. Presentes as estrelas
ou já esquivas, na madrugada
com pássaros despertos, à hora
em que os campos recolhem as sementes
e os cristais endurecem de frio.

Tenho o corpo tão leve (quando queiras)
que a teu primeiro sopro cederei distraída
como um pensamento cortado
pela visão da lua
em que acaso - mais alto - refloresça.

É ESTRANHO

É estranho que, após o pranto
vertido em rios sobre os mares,
venha pousar-te no ombro
o pássaro das ilhas, ó náufrago.

É estranho que, depois das trevas
semeadas por sobre as valas,
teus sentidos se adelgacem
diante das clareiras, ó cego.

É estranho que, depois de morto,
rompidos os esteios da alma
e descaminhado o corpo,
homem, tenhas reino mais alto.

A MENINA SELVAGEM

Para Ângela Maria

A menina selvagem veio da aurora
acompanhada de pássaros,
estrelas-marinhas
e seixos.
Traz uma tinta de magnólia escorrida
nas faces.
Seus cabelos, molhados de orvalho e
tocados de musgo,
cascateiam brincando
com o vento.
A menina selvagem carrega punhados
de renda,
sacode soltas espumas.
Alimenta peixes ariscos e renitentes papagaios.
E há de relance, no seu riso,
gume de aço e polpa de amora.

Reis Magos, é tempo!
Oferecei bosques, várzeas e campos
à menina selvagem:
ela veio atrás das libélulas.

INFÂNCIA

E volta sempre a infância
com suas íntimas, fundas amarguras.
Oh! por que não esquecer
as amarguras
e somente lembrar o que foi suave
ao nosso coração de seis anos?

A misteriosa infância
ficou naquele quarto em desordem,
nos soluços de nossa mãe
junto ao leito onde arqueja uma criança;

nos sobrecenhos de nosso pai
examinando o termomêtro: a febre subiu;
e no beijo de despedida à irmãzinha
à hora mais fria da madrugada.

A infância melancólica
ficou naqueles longos dias iguais,
a olhar o rio no quintal horas inteiras,
a ouvir o gemido dos bambus verde-negros
em luta sempre contra as ventanias!

A infância inquieta
ficou no medo da noite
quando a lamparina vacilava mortiça
e ao derredor tudo crescia escuro, escuro...

A menininha ríspida
nunca disse a ninguém que tinha medo,
porém Deus sabe como seu coração batia no escuro,
Deus sabe como seu coração ficou para sempre diante da vida
— batendo, batendo assombrado!
--
Fontes:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/hlisbo00.html
http://www.antoniomiranda.com.br/Brasilsempre/henriqueta_lisboa.html

Henriqueta Lisboa (1904- 1985)


Henriqueta Lisboa (1901-1985), poeta mineira considerada pela crítica um dos grandes nomes da lírica modernista, dedicou-se à poesia, ensaios e traduções. Nasceu em Lambari, Minas Gerais, em 15 de julho de 1901, filha do farmacêutico e deputado federal João de Almeida Lisboa e de Maria Rita Vilhena Lisboa. Formou-se normalista pelo Colégio Sion de Campanha, MG, e, em 1924, mudou-se para o Rio de Janeiro.

Dedicou-se à poesia desde muito jovem. Com Enternecimento, publicado em 1929, de forte caráter simbolista, recebeu o Prêmio Olavo Bilac de Poesia da Academia Brasileira de Letras. Aderiu ao Modernisno por volta de 1945, fortemente influenciada pela amizade com Mário de Andrade, com quem trocou rica correspondência entre os anos de 1940 e 1945. Sua produção inclui, além da poesia, inúmeras traduções, ensaios e antologias. Foi a primeira mulher eleita para a Academia Mineira de Letras em 1963.

Em 1984, recebeu o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras pelo conjunto de sua obra. Foi professora de Literatura Hispano-Americana e Literatura Brasileira na Pontifícia Universidade Católica (Puc Minas) e na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Poeta sensível, dedicou sua vida à poesia. Considerada um dos grandes nomes da lírica modernista pela crítica especializada, Henriqueta manteve-se sempre atuante no diálogo com os escritores e intelectuais de sua geração e angariou muitos leitores ilustres durante sua vida, dentre eles Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Gabriela Mistral.

Sobre sua poesia, Drummond nos deixou o seguinte testemunho: “Não haverá, em nosso acervo poético, instantes mais altos do que os atingidos por este tímido e esquivo poeta.”

Henriqueta faleceu em Belo Horizonte, no dia 9 de outubro de 1985. Seu Centenário foi comemorado ao longo do ano de 2002 e, além de inúmeros eventos culturais em sua homenagem, várias reedições de sua obra foram feitas com o objetivo de revelar a força de sua poesia para os jovens de hoje.

Títulos publicados

Fogo-fátuo (1925); Enternecimento (1929); Velário (1936); Prisioneira da noite (1941); O menino poeta (1943); A face lívida (1945), à memória de Mário de Andrade, falecido nesse ano; Flor da morte (1949); Madrinha Lua (1952); Azul profundo (1955); Lírica (1958); Montanha viva (1959); Além da imagem (1963); Nova Lírica ((1971); Belo Horizonte bem querer (1972); O alvo humano (1973); Reverberações (1976); Miradouro e outros poemas (1976); Celebração dos elementos: água, ar, fogo, terra (1977); Pousada do ser (1982) e Poesia Geral (1985), reunião de poemas selecionados pessoalmente pela autora do conjunto de toda a obra, publicada uma semana após o seu falecimento.

Publicou também as coletâneas de ensaios Convívio Poético (1955), Vigília Poética (1968) e Vivência Poética (1979), coletâneas de ensaios. Os poemas que traduziu foram recentemente reunidos pela Editora da UFMG em Henriqueta Lisboa: Poesia Traduzida.

Entre as coletâneas que preparou para a infância e a juventude, destaca-se esta, de folclore, e Antologia Poética para a Infância e a Juventude (1961), que será reeditado pela Peirópolis brevemente.

Livros publicados pela Editora Peirópolis
Literatura oral para a infância e a juventude
Antologia de poemas portugueses para a juventude

Fontes:
Editora Peirópolis
Jornal de Poesia . http://www.jornaldepoesia.jor.br/hlisbo00.html#bio

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 531)

"Mestre! Amanhã finalmente estaremos caminhando lado a lado! "
Feldman


Uma Trova de Ademar

Para esconder meus deslizes,
dupliquei os meus desvelos.
Mas o amor entrou em crise...
Não quis ouvir meus apelos!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Quando foi dada a partida,
com mil gametas brigando,
eu lutei por minha vida
...E continuo lutando!
–HÉRON PATRÍCIO–

Uma Trova Potiguar


“Revoltas” da natureza
e ataques beligerantes
são frutos da “mão burguesa”
de certos maus governantes.
–TARCÍSIO FERNANDES/RN–

Uma Trova Premiada


2002 - Belém/PA
Tema - FRUTO - M/H


Para ter sorte na vida,
não faças mal a ninguém!
Deus premia quem na lida
só planta os frutos do Bem.
–MARIA THEREZA CAVALHEIRO/SP–

...E Suas Trovas Ficaram


Ai, do pobre, sem carinhos,
cuja dor se vê na face,
se no meio dos espinhos,
a esperança não brilhasse...
–VIRGILIO GUERREIRO/SP–

Simplesmente Poesia

Coe(a)rência
–OLYMPIO COUTINHO/MG–


Quando alguém chegar perto de você
e lhe pedir um abraço
não pense que ele sofre de carências afetivas
ou coisas semelhantes.
Os carentes,
geralmente,
não abraçam ninguém.
Se isolam em mesas de bares,
percorrem as ruas,
se encostam nas esquinas da vida
e se compensam
em noites infernais.

Estrofe do Dia

O meu verso é meu condão,
não há quem desacredite;
com seu toque de magia,
eu vou além do limite,
pela vastidão do espaço.
Só milagre é que não faço,
porque Jesus não permite.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

Prelúdio da Gota D' Água.
–J.G. DE ARAUJO JORGE/AC–


Cheio da tua ausência me angustio
a cada hora que passa... a cada instante...
- pelo meu pensamento, como um fio,
és uma gota d'água, tremulante...

Uma gota suspensa e cintilante,
límpida e imóvel como um desafio...
Tua ausência, - é a presença triunfante
daquela gota que ficou no fio. . .

As outras todas, céleres, pingaram,
e caíram na terra onde secaram,
só tu ficaste, última gota, assim

como uma estrela sem ter firmamento,
suspensa ao fio do meu pensamento
e a brilhar, sem cair... dentro de mim...

J. G. de Araújo Jorge/AC (A Cantiga Do Só) 5. A Gaivota



no céu...
sobre o mar...
... como Deus a pôs
e imaginou:

a voar...

Só...
sem barcos, sem velas,
sem sinal de terra,
sem ninguém,
com seus horizontes:
céu... e mar...

Apenas
com seu destino...

... Como o Poeta
a sonhar...

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

Fernando Py (Ficção Variada)


(in Jornal Tribuna de Petrópolis, 29.04.2001)

De uns anos para cá, diversos escritores brasileiros vêm apostando no conto mínimo, pequenas histórias que mal ultrapassam uma ou duas páginas, buscando o máximo de concisão possível em poucos parágrafos. O modelo inicial terá sido o do paranaense Dalton Trevisan, porém atualmente cresce cada vez mais o número de contistas que se dedicam a produzir esse gênero de ficção curtíssima. O gaúcho José Eduardo Degrazia é um deles e, depois de publicar A orelha do bugre (1998), já nos apresenta um segundo volume de contos mínimos, A terra sem males (Porto Alegre: Movimento, 2000, 80 págs.).

Ao contrário do que muitos poderiam pensar, o miniconto não é nada fácil. Exige que o autor tenha uma enorme capacidade de concisão e, levando-se em conta a exiguidade do espaço, saiba, em poucas linhas, narrar (ou expor um episódio) com toda a sua carga de verossimilhança e emoção, de tal maneira que a esse conto nada fique faltando nem sobrando coisa alguma. Nos textos de Degrazia observamos tipos variados de ficção, sejam contos que flagram um episódio da vida de um personagem, sejam histórias em forma de parábolas, às vezes definitórias de um sentimento, de uma sensação inexprimível, etc., tudo isso conduzido com mestria e exposto num estilo de quem domina o gênero à perfeição. Além disto, é grande a força poética dessas páginas, não fosse o autor igualmente um excelente poeta, tanto que alguns desses contos estão escritos em verso. A leitura dos minicontos de Degrazia é um exercício enriquecedor do espírito.

Também de minicontos é o livro de Nilto Maciel, Pescoço de girafa na poeira (Brasília, Bárbara Bela, 1999, 128 págs.). É um outro exemplo, muito bom, de histórias curtíssimas (raras são as que ultrapassam duas páginas), e o autor emprega igualmente modelos variados de ficção, indo das fantasias oníricas ao realismo mais cru, do flash mais imediato ao enredo desenvolvido em detalhes, tudo isto num estilo seguro, de quem domina às maravilhas o nosso idioma. E se muitas vezes se compraz em citações eruditas, tais citações se harmonizam de tal forma no texto que é como se sempre tenham feito parte dele. Não é de admirar que o livro tenha obtido o primeiro lugar na categoria conto, da Bolsa Brasília de Produção Literária em 1998, da Fundação Cultural do Distrito Federal. Vale a pena conferir.

Já as Pequenas histórias matutas, de José Hélder de Souza (Brasília, Verano, 2000, 126 págs.), apesar do título, não se enquadram necessariamente no gênero do miniconto. Embora curtas, não possuem aquela exigüidade e concisão próprias do gênero. Os contos deste livro antes narram episódios com riqueza de pormenores e uma mestria que prende o leitor, evocando saborosos lances do interior cearense, numa recriação extraordinária (para quem há mais de trinta anos reside em Brasília) da linguagem regional, em estilo vívido e matizado. Quando li seu volume de contos Rio dos ventos (1992), reparei que o autor expunha de preferência os aspectos cômicos e trágicos de seus personagens, o que veio cultivando através dos anos, sempre com muita dose de humor. Todo livro de José Hélder de Souza é satisfação garantida.

Fonte:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/fpy3.html

J. B. Donadon-Leal/MG (Poesias Avulsas)


VOZ DE POETA

Minha voz de poeta
Silenciosa
Se diz em meditação

Minha voz de profeta
Licenciosa
Se diz maldição

Minha voz manifesta
Ditosa
Se diz a foz do não.

Enquanto minha voz discreta
Irrompe do peito o tom do trovão
Águo a ira inda pupa no aguardo
Do pecado já cometido
No dia do juízo final
No dia preciso
Diante da luz
Terna
Do relâmpago artificial
Na rede elétrica da minha bondade.

Minha voz de sóis completa
Copiosa
Sua raiva nos traços da mão.

Haja voz, nós nas gargantas,
Sazonal humor qual céu de verão,
Minha voz de poeta
Deleitosa
Toca as linhas do coração.

GÊNESE DA POESIA

Desajeitada, rude ainda,
fiz-me um verso uma rima,
folk fui em forma linda:
poesia, onde ainda você se arrima.
Fiz épocas, bongas e locuções,
normatizada fiz-me tão restrita
e escolada em tanta boca atrita
sou cantada nas todas evoluções.
Fui dos espíritos cenário e voz;
das ninfas, píxide de toda glória,
nas naus rebendo de um amor e a sós,
flutuante, párvula, que ainda história,
galgo minúcias, em gargantas nós.
Escura, nívea, que de afetos tantos,
sendo da lírica visão dos santos,
do alfa perpétua vago até por nós.
Que de os filósofos ouvirem cantos,
quando o mais ávido talento exala,
traz na poética prazeres tantos,
pois que a ver índole na gênia fala
o som dessa auréola astuta assume,
em versos áticos, cultistas lautos,
de inversos tentos, sentimentos pautos,
o teor artístico por ledo lume.
Atraco ao pojo que uma vez perfeita
todos meus clássicos andores, deuses,
vendo-me bojo, minha sina enfeita,
em moldes práticos, pastores, reses,
pois trago, então, cenas de posses tais,
que para meus dotes de vivência em fogo
atiça gana, em mui descrença, jogo:
busco a razão nas tantas artes mais.
Fui no sonho buscar abrigo
e na morte conter meus ais,
da liberdade fazer-me amigo
e no amor encontrar rivais;
da natureza me embebi em doses
com a mulher que se fez saudade
e no bom selvagem que me invade
fiz-me pátrio em todas as minhas vozes.

Volvo meus olhos nus em nódoas águas
e vendo o embaço desse céu sem cor
solvo-me em versos que das artes tábuas
em sulcos tortos, pois que se é depor
contra tais sonhos indivíduos d’outros
escritos falsos, onde morto agora,
pinto o meu céu de negro pálio, fora
da casta dos que se julgam doutos.
Em badalos, estalos e alaridos
fiz-me música, mística e rumores
e passiva, altiva em sons ouvidos,
ritmados, contados em tambores,
tão simbólica, cólica e acesa
num turbante andante, ameno, mas forte,
sinto-me tonta e o quanto sou indefesa.
Sendo dos meus sertões a entranha em fala
penetrei no real que tão presente,
vim pasma em meio ao verso que não cala,
alegre, triste… a voz que o povo sente:
dormente ao trilho, forte base, enfim,
semente ao chão da semana brotada
tal qual a terra, bem mais safada
que a orgia que cedo chega ao fim.
Poesia, poesia
assim sou chamada.
Fui do povo, perfeita, sacrossanta.
Fui teórica…
Fui parte
Um só sonho.
Hoje, porém, sou de tudo
plena.

APRENDER A APRENDER

A bruma da manhã
testa a paciência do sol
ao interferir na monotonia.

O sol, olho dilata,
de privilegiado lugar
sabe-se diferente a cada segundo
em seu ludismo
de rolar a terra incessante
e esconder de si a nuvenzinha tola
que de dorso frio na altura
chora chuva fina e se vai
abrigar na pele aconchegante da terra
para no lago quente se brumizar de novo
e brincar de esconder o sol
que rola a terra ensinando
aprender a aprender a diferença infunda
na monotonia aparente do sistema.

A bruma da manhã
se testa na paciência do sol:
ferem juntos a sucessão circunferente
num lúdico e diuturno aprender.

CREDO QUIA ABSURDUM

Seduzir
revelar
mover-se de si
a se doar
ser truísta
nos mortos brios
expandir
dilatar
morrer-se de si
por se jorrar
dos aviões
no espaço frio
explodir
reatar
abster-se de si
ao se voar
sobre as cabeças
avião
sob os pés
some o chão
credo quia absurdum.

MEU VÍCIO

Meu vício
não segue o fascismo do fumante
não impregna o cabelo
nem o paletó
nem a mão
nem a boca
nem a sala de espera
nem o vizinho de mesa
nem o salão de festa
nem o escritório
nem o automóvel
nem a areia da praia
nem o barzinho
da catinga
irremediável
dos cigarros.
Meu vício
não dá câncer
não intoxica quem se Avizinha
não reduz a capacidade de respirar.
Meu vício
só ocupa folhas
com palavras
de liberdade.
Meu vício
não obriga o outro
a ler meus versos.
Meu vício
joga palavras
em poesia,
mas como as aldravas
pede licença.
Meu vício
mostra que pode haver
prazer
sem contra-indicações.

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