segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 636)

Uma Trova de Ademar

Com certa preponderância
eu impus esta verdade:
Quem inventou a distância
não conhecia a saudade!..

–Ademar Macedo/RN

Uma Trova Nacional


A "Poesia" é pura imagem
vestida em traje de gala;
metafísica linguagem
através da qual Deus fala!

–Roza de Oliveira/PR–

Uma Trova Potiguar


Percorri muitos espaços...
Tantos jardins visitei...
Mas depois de tantos braços,
aos teus braços eu voltei.

–Israel Segundo/RN–

Uma Trova Premiada

2011 - Concurso do CTC/ES
Tema - F É - 9º Lugar


Eu sempre narrei um fato
da minha falta de fé:
" - Eu não tinha nem sapato
até ver alguém sem pé...".

–Antônio Colavite Filho/SP–

...E Suas Trovas Ficaram


Há, Senhor, muita tristeza
na criança sem escola.
Por favor dê-me a certeza
que o Saber não pede esmola.

–Cecim Calixto/PR–

Uma Poesia


Quando o verso é bem urdido
e a estrofe fica bem feita,
a peça logo acabada
fica tão linda e perfeita,
que a musa sente ciúme
e ao lado dela se deita!

–Prof. Garcia/RN–

Soneto do Dia

SUBLIME AMOR.
–Haroldo Lyra/CE–


Numa clínica, um velho procurava
rápido curativo à mão doente.
Dizia-se apressado, que era urgente,
pois tinha um compromisso e se atrasava.

O médico, atendendo ao paciente,
perguntou por que tanto se apressava!
É que, num certo Asilo, costumava
tomar café co’a esposa, já demente.

O médico ressalta: “Por descaso,
não reclamara ela desse atraso?”
E ele: “Nem mais me reconhece, até”.

“Então! É apenas um capricho seu?”
“Oh, não! Ela não sabe quem sou eu,
mas eu sei muito bem quem ela é”.

-Fonte:
Colaboração de Ademar Macedo

Montagem da trova e imagem por José Feldman

domingo, 12 de agosto de 2012

Hermoclydes S. Franco (Álbum de Recordações - n.2)


Francisco Pessoa (Décima de Dia dos Pais)

Fonte:
O Autor

O Pai em Trovas

Como é bom saber que o filho
 vida afora alegre vai,
 dando forma, força e brilho
 aos sonhos do velho pai!
            A.A. de Assis – Maringá/PR

A bênção, queridos pais,
 que às vezes sois mães também.
 Em nome de Deus cuidais
 dos filhos que d’Ele vêm!
            A. A.  de Assis – Maringá/PR

Com amor segue em teus trilhos,
 do bom caminho não sai
 para que, sempre, teus filhos
 possam chamar-te de...Pai!
            Antonio Juraci Siqueira – Belém/PA

Todo pai - parece troça -
 qual jaca é como se fosse:
 se por fora é um "casca grossa",
 por dentro...como ele é doce!
            Antonio Juraci Siqueira – Belém/PA

É de dor a sensação:
 meu pai... arrastando os passos;
 e eu... puxando pela mão
 quem já me levou nos braços!
            Antonio Carlos Teixeira Pinto – Brasília/DF

É tão bom ser tua filha,
 me espelhar em teu caminho.
 desta vida, és maravilha,
 espalhando teu carinho.
            Carmen Pio – Porto Alegre/RS

Esse mesmo pai que um dia
 Deus me ofertou, ao nascer,
 é o pai que eu escolheria,
 caso pudesse escolher!
            Carolina Ramos - Santos/SP

Dia dos Pais,  eu  desejo
 que seja um dia de brilhos,
 que a brisa leve o meu beijo
 a  cada  pai  e  seus filhos!
            Delcy Canalles – Porto Alegre/RS

12 de agosto,  eu  te  digo:
 -Chega alegre e de mansinho,
 faze do "PAI",  um  amigo,
 que dá, aos "FILHOS", carinho"!
            Delcy Canalles - Porto Alegre/RS

No  Dia dos Pais, queria,
 abraçar-te,  meu  irmão,
 e  te  dizer, em  poesia,
 o que vai no  coração!
            Delcy Canalles - Porto Alegre/RS

Que tenhas muita ventura
 no  universo do teu lar,
 que só o amor e a ternura
 possam  contigo,  ficar!
            Delcy Canalles - Porto Alegre/RS

Um homem sem preconceito,
 um sábio diante da vida,
 meu pai legou-me o direito
 de andar de cabeça erguida...
            Élbea Priscila de Souza e Silva - Caçapava/SP

Meu velho pai me dizia
 com profunda lucidez:
 -Nem a mais alta honraria
 vale mais do que a honradez!
            Eliana Dagmar - Amparo/SP

A frase dura que escapa
 da boca de muitos pais
 é tão cruel quanto um tapa
 e, às vezes, machuca mais!
            Gerson César Souza - São Mateus do Sul/PR

Ah... meu pai! Por tua ação
 eu não temia revés:
 – Segurando a tua mão,
 eu tinha o mundo a meus pés!
            João Freire Filho - RJ/RJ

Num retrato amarelado,
a saudade em mim se deu.
Ontem tinha meu pai ao lado
sem ele, hoje, o pai sou eu.
José Feldman - Maringá/PR
Oh, que sentir singular!
 Saudade imensa me dói,
 quando me ponho a lembrar
 do Pai maior que um herói.
            Lairton Trovão de Andrade - Pinhalão/PR

Meu pai foi homem prudente,
 de caráter e lealdade.
 Foi grande exemplo pra gente
 como homem de verdade.
            Lairton Trovão de Andrade - Pinhalão/PR

Uma saudade doída
 me vem assim de repente,
 papai deixou esta vida,
 foi morar longe da gente.
            Lêda Terezinha de Oliveira- Pinhalão/PR

Do céu, meu pai é por mim,
 qual querubim protetor,
 muito sinto que é assim,
 meu pai, um anjo de amor.
            Lêda Terezinha de Oliveira - Pinhalão/PR

O papai mesmo zangado
 tem bondade em seu olhar.
 Mesmo bastante ocupado
 dos filhos vive a zelar
            Lyzete Maria - 1a.colegial - Pinhalão/PR

Meu pai, amigo sincero,
 me dá, de modo conciso,
 não as respostas que eu quero
 mas aquelas que eu preciso.
            Marisol – Teresópolis/RJ

Foi amigo de verdade,
 meu exemplo, meu herói.
 Hoje meu pai é saudade,
 e como a saudade dói!...
            Nádia Huguenin – Nova Friburgo - RJ

Desta vida eu devo o brilho
 por você ter me ensinado.
 Hoje, pai, com o meu filho,
 sou você no meu passado.
            Nei Garcez – Curitiba/PR

No calor do ensinamento
 você sempre esteve certo.
 Hoje, o arrependimento...
 Você não está por perto!
            Nei Garcez – Curitiba/PR

Você sempre foi meu guia
 nos abismos desta vida,
 e eu jamais o percebia,
 ó meu pai... Que linda lida!
            Nei Garcez – Curitiba/PR

Neste mundo, eu vivo aqui,
 é meu pai, meu grande amigo;
 das lições que eu aprendi
 tua imagem vem comigo!
            Nei Garcez – Curitiba/PR

Pai, a saudade me acorda
 e traz, do nosso passado,
 o rancho, o fumo de corda...
 e o teu chapéu amassado!
            Neide Rocha Portugal - Bandeirantes/PR

Se a vida, enche-se de brilho
 no dia a dia de pai,
 é porque a vida do filho
 é a grande graça do PAI!
Nilton Manoel – Ribeirão Preto / SP

Meu pai, exemplo perfeito,
 de luta e vitalidade!
 ao partir, por ser direito,
 deixou sincera saudade.
Nilton Manoel – Ribeirão Preto / SP

É força que vem comigo
 e no tempo não se esvai...
 – Sempre que falo de amigo
 eu me lembro de meu pai!
            Rodolpho Abbud – Nova Friburgo/RJ

Um homem, quando se vai,
 deixa esta imagem no adeus:
 perante Deus... a de um pai:
 perante o filho... a de um deus!
            Sérgio Bernardo - Nova Friburgo/RJ

Longe agora a infância vai...
 E nos caminhos que trilho,
 que triste é dizer "meu pai",
 sem que respondas "meu filho"!
            Sérgio Bernardo - Nova Friburgo/RJ

Fonte:
http://www.movimentodasartes.com.br/trovador/pop_062/060813a.htm

Ladyce West (Quem é?)

Quem é
aquele homem alto,
que me abraça forte,
com muito carinho?
Quem vem me acudir
num salto,
que me deseja sorte
e me chama filhinho?

Meu Pai —
é seu nome completo,
Não tem sobrenome,
nem para o carteiro.
Com ele, eu me sinto repleto,
ando bem ereto, cheio de afeto.
Pra mim ele é valioso,
Se dá por inteiro,
este homem discreto.
Amoroso, muito circunspecto,
ele vai à luta,
samurai guerreiro.

Fonte:
À Meia Voz

Nilton Manoel (Meu Pai)

Eu,era bem criança e inda me lembro quando
 adentravas-te ao lar sorrindo comovido,
 e aos beijos ias para a minha mãe contando
 vários fatos de mais esse dia vivido.

E então cada um ia sentar-se pra merenda
 defronte a mesa antiga e de tábuas de pinho,
 posta na sala, em que na casa da fazenda
 a família ceava em fraternal carinho.

E á hora da janta, enquanto a sopa fumegava,
 numa terrina grande e exalando temperos,
 cada um se levantava e  com ardor rezava,

Ante meu pai, que em pé, sempre ao bom Deus louvava,
 com as orações, que, eu em hora de desespero
 repito inda hoje, assim como ele me ensinava.
 
Fonte:
 Publicado no Jornal O Diário - Ribeirão Preto - SP.
 em 14/08/1966

Nei Lopes (Quanto Dói Uma Saudade)

Um dos maiores violonistas anônimos do subúrbio carioca foi o Athaúde — com "th", como exigia. Mas o que tinha de cobra, tinha de baixo astral.

Papo bom pra ele, era doença, epidemia, catástrofe. E a introdução preferida de seus papos era a célebre "sabe quem morreu?".

Essa opção preferencial pelo fúnebre Athaúde levava consigo em seus endereços, na medida em que o tempo ia passando e seus já parcos recursos iam escasseando ainda mais. Tanto que da rua Real Grandeza, onde nasceu, foi morar no Catumbi, depois no Caju, depois em lnhaúma, depois na Cacuia, depois no lrajá (na Freguesia, que no Pau-Ferro todo mundo é vivo!), depois em Ricardo de Albuquerque... até seu repouso eterno no Murundu, em Realengo.

Mas o caso é que, debaixo daquela sua mortalha roxa e amarela, Athaúde também usava uma máscara deste tamanho. E isto porque sabia-se quase um Zé Menezes — tocava todos os instrumentos de corda, "menos harpa e relógio", como, passando pelo tenor, que a gente chamava de "viola americana" e pelo banjo, que Seu Acácio da Venda achava que era um "pandeiro de rabo". E, aí, sabendo que abafava, ficava dando uma de virtuose pobre-coitado:

— Eu não toco nada! Você precisava ver meu finado irmão...

Esse irmão falecido, que a gente nunca soube ao certo se era uma saudade ou uma desculpa, não saía da nossa roda — é óbvio — de choro: "Lamento", "Tristezas do Sólon", "Saxofone Por Que Choras?", "Bonifrates de Muletas", "Chorando baixinho", "Quanto Dói Uma Saudade", "Tristeza de Um Violão", eram as preferidas do Athaúde, naquele seu interminável in memoriam.

— Porra, toca "Brasileirinho", ô Ataíde ! — esbravejou o Fornalha já cheio de timbuca, naquela extemporânea e blasfema roda formada, de improviso, na Sexta-feira da Paixão.

— "Ataíde", não! A—tha-ú-de! Com "th". E "Brasileirinho" é choro de cavaco — fez doce o lúgubre instrumentista mascarado.

— Então, pega o cavaco, ô mão de vaca! Tu brinca nas onze, que eu sei! Deixa de modéstia, ô Segóvia! botou pilha o Jorge Bagunça, debochado como ele só. Mas o baixo astral foi irredutível:

— Quando eu perdi meu irmão, jurei nunca mais pegar no cavaquinho.

Acontece que um dia — sei lá o que houve, se ganhou no bicho, se comeu alguém, se bebeu, se fumou, se cheirou — o Athaúde chegou no boteco do Zé Calcinha completamente diferente. Ria, falava com todo mundo, chegou até a passar a mão na bunda da Dona Alzira que, como sempre, não entendeu nada. E, pra acabar com o baile, tomou o cavaco da mão do Vavá, riscou o tom e solou um "Brasileirinho" com uma rapidez, uma destreza e uma alegria nunca vistas, de São Cristóvão a Padre Miguel.

Foi nessa que o sacana do Jorge Bagunça chegou, não acreditou no que viu, pediu uma Faixa Azul, encheu um copo, tomou um gole, limpou a espuma do bigode (naquele tempo cerveja tinha espuma), foi-se chegando devagarzinho pra roda e, no último acorde, no fecha, naquela do "tchan-tchan", berrou na alça da orelha do Athaúde:

— Irmão desnaturado !!!!!!!!!!!!

Fonte:
http://www.releituras.com/neilopes_saudade.asp

Wilson Woodrow Rodrigues (Poemas Avulsos)

" BALADA DO RAIO DE LUAR "

De uma lagrima vim . . . pingo de lua
feito orvalho de lua sempre a dançar.
Na transparência clara se insinua
que o meu eterno destino é dançar no ar.
Ali! beleza imortal da forma nua
    beijada pelo luar.
E quando a lua, no céu, leve flutua
como se fosse nau a velejar,
eu levo aos anaias, de rua em rua,
saudades que vem, de mar em mar.
Ah! beleza imortal da forma nua
beijada pelo luar.

Sempre escuto uma voz que diz "sou tua"
nas noites brancas, brancas de luar,
que os namorados são filhos da lua
e irmãos mais novos do raio de luar.
Ah! beleza imortal da forma nua
beijada pelo luar.

" LEMBRANÇA "

Das três tristezas que tenho
uma foi lagrima só,  
a outra foi lave gemido,
e a última desfez-se em pó.

Das três alegrias que tenho
uma foi sorriso vão,
a outra foi manso gorjeio,
e a última foi a ilusão.

Das três saudades quê tenho
uma bem cedo murchou,
a outra durou muito pouco,
e a última foi que ficou.

" LUNDU DE DONA SINHÁ "

Tanta brancura na pele,
tanta negrura nos olhos,
tanta risada sonora
no mundo não há
fora do colo macio,  
dos olhos tão envolventes,
da boquinha tão vermelha
de Dona Sinhá.

Pegar com jeito no leque,
fazer mesura na valsa,
dizer adeus com o lenço
    no mundo não há
como o jeito delicado,
o sapatinho de seda,
a mãozinha tão alva
de Dona Sinhá .  

Rezar na igreja, sonhando.
dizer "não" sempre sorrindo  
prometer tanto em silêncio
    no mundo não há
como a reza mais sincera,
os lábios enganadores
e as promessas escondida
    de Dona Sinhá.

fingir chilique de choro,
zombar do próprio marido
e trair o próprio amante
    no mundo não há
como as lagrimas fingidas,
os carinhos mentirosos
a os amores levianos
    de Dona Sinhá.

" NASCIDA FOSTE... "

Nascida foste sobre um mar de bruma
e ao mar roubaste as curvas peregrinas.
E guardas em teu corpo a cor da espuma
e em teu olhar desejos de neblinas.

Danças em torno a mim. São névoas finas
os gestos sensuais. E dança alguma
sugere tanto o misto de onda a pluma,
de mar e céu de dúbias bailarinas.

És para mim paisagem de delícias
diversa e vaga, lúbrica e ondulante
perdida numa tarde tão nevoenta.

que eu mesmo temo que sutis carícias
me poderão fugir num breve instante,
quando de instante a instante o amor aumenta.

" O MURUCUTUTU "
( Cantiga de ninar )

Murucututu,
que esta escondidinho
na copa folhuda
do pé de araçá.

Murucututu,
o meu irmãozinho
precisa de sono,
onde a que ele está ?

Murucututu,
amigo da lua,
que não teme a noite
que não tem luar.

Murucututu,
que sorte é a sua
ir dentro da noite
o sono buscar.

Murucututu.
o meu irmãozinho
que não tinha sono
sonhando já. está?

Fonte:
Antologia da Nova Poesia Brasileira . J.G . de  Araujo Jorge - 1a ed.   1948 

Júlia Lopes de Almeida (A Caolha)

A caolha era uma mulher magra, alta, macilenta, peito fundo, busto arqueado, braços compridos, delgados, largos nos cotovelos, grossos nos pulsos; mãos grandes, ossudas, estragadas pelo reumatismo e pelo trabalho; unhas grossas, chatas e cinzentas, cabelo crespo, de uma cor indecisa entre o branco sujo e o louro grisalho, desse cabelo cujo contato parece dever ser áspero e espinhento; boca descaída, numa expressão de desprezo, pescoço longo, engelhado, como o pescoço dos urubus; dentes falhos e cariados.

O seu aspecto infundia terror às crianças e repulsão aos adultos; não tanto pela sua altura e extraordinária magreza, mas porque a desgraçada tinha um defeito horrível: haviam lhe extraído o olho esquerdo; a pálpebra descera mirrada, deixando, contudo, junto ao lacrimal, uma fístula continuamente porejante.

Era essa pinta amarela sobre o fundo denegrido da olheira, era essa destilação incessante de pus que a tornava repulsiva aos olhos de toda gente.

Morava numa casa pequena, paga pelo filho único, operário numa fábrica de alfaiate; ela lavava a roupa para os hospitais e dava conta de todo o serviço da casa inclusive cozinha. O filho, enquanto era pequeno, comia os pobres jantares feitos por ela, às vezes até no mesmo prato; à proporção que ia crescendo, ia-se a pouco e pouco manifestando na fisionomia a repugnância por essa comida; até que um dia, tendo já um ordenadozinho, declarou à mãe que, por conveniência do negócio, passava a comer fora...

Ela fingiu não perceber a verdade, e resignou-se.

Daquele filho vinha-lhe todo o bem e todo o mal.

Que lhe importava o desprezo dos outros, se o seu filho adorado lhe pagasse com um beijo todas as amarguras da existência?

Um beijo dele era melhor que um dia de sol, era a suprema carícia para o triste coração de mãe! Mas... os beijos foram escasseando também, com o crescimento do Antonico! Em criança ele apertava-a nos braços e enchia-lhe a cara de beijos; depois, passou a beijá-la só na face direita, aquela onde não havia vestígios de doença; agora, limitava-se a beijar-lhe a mão!

Ela compreendia tudo e calava-se.

O filho não sofria menos.

Quando em criança entrou para a escola pública da freguesia, começaram logo os colegas, que o viam ir e vir com a mãe, a chamá-lo - o filho da caolha.

Aquilo exasperava-o; respondia sempre:

- Eu tenho nome!

Os outros riam e chacoteavam-no; ele se queixava aos mestres, os mestres ralhavam com os discípulos, chegavam mesmo a castigá-los - mas a alcunha pegou. Já não era só na escola que o chamavam assim.

Na rua, muitas vezes, ele ouvia de uma ou outra janela dizerem: o filho da caolha! Lá vai o filho da caolha! Lá vem o filho da caolha!

Eram as irmãs dos colegas, meninas novas, inocentes e que, industriadas pelos irmãos, feriam o coração do pobre Antonico cada vez que o viam passar!

As quitandeiras, onde iam comprar as goiabas ou as bananas para o lanche, aprenderam depressa a denominá-lo como os outros, e, muitas vezes, afastando os pequenos que se aglomeravam ao redor delas, diziam, estendendo uma mancheia de araçás, com piedade e simpatia:

- Taí, isso é para o filho da caolha!

O Antonico preferia não receber o presente a ouvi-lo acompanhar de tais palavras; tanto mais que os outros, com inveja, rompiam a gritar, cantando em coro, num estribilho já combinado:

- Filho da caolha, filho da caolha!

O Antonico pediu à mãe que não o fosse buscar à escola; e muito vermelho, contou-lhe a causa; sempre que o viam aparecer à porta do colégio os companheiros murmuravam injúrias, piscavam os olhos para o Antonico e faziam caretas de náuseas.

A caolha suspirou e nunca mais foi buscar o filho.

Aos onze anos o Antonico pediu para sair da escola: levava a brigar com os condiscípulos, que o intrigavam e malqueriam. Pediu para entrar para uma oficina de marceneiro. Mas na oficina de marceneiro aprenderam depressa a chamá-lo - o filho da caolha, a humilhá-lo, como no colégio.

Além de tudo, o serviço era pesado e ele começou a ter vertigens e desmaios. Arranjou então um lugar de caixeiro de venda: os seus colegas agruparam-se à porta, insultando-o, e o vendeiro achou prudente mandar o caixeiro embora, tanto que a rapaziada ia-lhe dando cabo do feijão e do arroz expostos à porta nos sacos abertos! Era uma contínua saraivada de cereais sobre o pobre Antonico!

Depois disso passou um tempo em casa, ocioso, magro, amarelo, deitado pelos cantos, dormindo às moscas, sempre zangado e sempre bocejante! Evitava sair de dia e nunca, mas nunca, acompanhava a mãe; esta poupava-o: tinha medo que o rapaz, num dos desmaios, lhe morresse nos braços, e por isso nem sequer o repreendia! Aos dezesseis anos, vendo-o mais forte, pediu e obteve-lhe, a caolha, um lugar numa oficina de alfaiate. A infeliz mulher contou ao mestre toda a história do filho e suplicou-lhe que não deixasse os aprendizes humilhá-lo; que os fizesse terem caridade!

Antonico encontrou na oficina uma certa reserva e silêncio da parte dos companheiros; quando o mestre dizia: sr. Antonico, ele percebia um sorriso mal oculto nos lábios dos oficiais; mas a pouco e pouco essa suspeita, ou esse sorriso, se foi desvanecendo, até que principiou a sentir-se bem ali.

Decorreram alguns anos e chegou a vez de Antonico se apaixonar. Até aí, numa ou outra pretensão de namoro que ele tivera, encontrara sempre uma resistência que o desanimava, e que o fazia retroceder sem grandes mágoas. Agora, porém, a coisa era diversa: ele amava! Amava como um louco a linda moreninha da esquina fronteira, uma rapariguinha adorável, de olhos negros como veludos e boca fresca como um botão de rosa. O Antonico voltou a ser assíduo em casa e expandia-se mais carinhosamente com a mãe; um dia, em que viu os olhos da morena fixarem os seus, entrou como um louco no quarto da caolha e beijou-a mesmo na face esquerda, num transbordamento de esquecida ternura!

Aquele beijo foi para a infeliz uma inundação de júbilo! Tornara a encontrar o seu querido filho! Pôs-se a cantar toda a tarde, e nessa noite, ao adormecer, dizia consigo:

- Sou muito feliz... o meu filho é um anjo!

Entretanto, o Antonico escrevia, num papel fino, a sua declaração de amor à vizinha. No dia seguinte mandou-lhe cedo a carta. A resposta fez-se esperar. Durante muitos dias Antonico perdia-se em amarguradas conjecturas.

Ao princípio pensava: - É o pudor.

Depois começou a desconfiar de outra causa; por fim recebeu uma carta em que a bela moreninha confessava consentir em ser sua mulher, se ele se separasse completamente da mãe! Vinham explicações confusas, mal alinhavadas: lembrava a mudança de bairro; ele ali era muito conhecido por filho da caolha, e bem compreendia que ela não se poderia sujeitar a ser alcunhada em breve de - nora da caolha, ou coisa semelhante!

O Antonico chorou! Não podia crer que a sua casta e gentil moreninha tivesse pensamentos tão práticos!

Depois o seu rancor se voltou para a mãe.

Ela era a causadora de toda a sua desgraça! Aquela mulher perturbara a sua infância, quebrara-lhe todas as carreiras, e agora o seu mais brilhante sonho de futuro sumia-se diante dela! Lamentava-se por ter nascido de mulher tão feia, e resolveu procurar meio de separar-se dela; iria considerar-se humilhado continuando sob o mesmo teto; havia de protegê-la de longe, vindo de vez em quando vê-la à noite, furtivamente...

Salvava assim a responsabilidade do protetor e, ao mesmo tempo, consagraria à sua amada a felicidade que lhe devia em troca do seu consentimento e amor...

Passou um dia terrível; à noite, voltando para casa levava o seu projeto e a decisão de o expor à mãe.

A velha, agachada à porta do quintal, lavava umas panelas com um trapo engordurado. O Antonico pensou: "Ao dizer a verdade eu havia de sujeitar minha mulher a viver em companhia de... uma tal criatura?" Estas últimas palavras foram arrastadas pelo seu espírito com verdadeira dor. A caolha levantou para ele o rosto, e o Antonico, vendo-lhe o pus na face, disse:
- Limpe a cara, mãe...

Ela sumiu a cabeça no avental; ele continuou:

- Afinal, nunca me explicou bem a que é devido esse defeito!

- Foi uma doença, - respondeu sufocadamente a mãe - é melhor não lembrar isso!

- E é sempre a sua resposta: é melhor não lembrar isso! Por quê?

- Porque não vale a pena; nada se remedeia...

- Bem! Agora escute: trago-lhe uma novidade. O patrão exige que eu vá dormir na vizinhança da loja... já aluguei um quarto; a senhora fica aqui e eu virei todos os dias saber da sua saúde ou se tem necessidade de alguma coisa... É por força maior; não temos remédio senão sujeitar-nos!...

Ele, magrinho, curvado pelo hábito de costurar sobre os joelhos, delgado e amarelo como todos os rapazes criados à sombra das oficinas, onde o trabalho começa cedo e o serão acaba tarde, tinha lançado naquelas palavras toda a sua energia, e espreitava agora a mãe com um olhar desconfiado e medroso.

A caolha se levantou e, fixando o filho com uma expressão terrível, respondeu com doloroso desdém:

- Embusteiro! O que você tem é vergonha de ser meu filho! Saia! Que eu também já sinto vergonha de ser mãe de semelhante ingrato!

O rapaz saiu cabisbaixo, humilde, surpreso da atitude que assumira a mãe, até então sempre paciente e cordata; ia com medo, maquinalmente, obedecendo à ordem que tão feroz e imperativamente lhe dera a caolha.

Ela o acompanhou, fechou com estrondo a porta, e vendo-se só, encostou-se cabaleante à parede do corredor e desabafou em soluços.
O Antonico passou uma tarde e uma noite de angústia.

Na manhã seguinte o seu primeiro desejo foi voltar à casa; mas não teve coragem; via o rosto colérico da mãe, faces contraídas, lábios adelgaçados pelo ódio, narinas dilatadas, o olho direito saliente, a penetrar-lhe até o fundo do coração, o olho esquerdo arrepanhado, murcho - murcho e sujo de pus; via a sua atitude altiva, o seu dedo ossudo, de falanges salientes, apontando-lhe com energia a porta da rua; sentia-lhe ainda o som cavernoso da voz, e o grande fôlego que ela tomara para dizer as verdadeiras e amargas palavras que lhe atirara no rosto; via toda a cena da véspera e não se animava a arrostar com o perigo de outra semelhante.

Providencialmente, lembrou-se da madrinha, única amiga da caolha, mas que, entretanto, raramente a procurava.

Foi pedir-lhe que interviesse, e contou-lhe sinceramente tudo o que houvera.

A madrinha escutou-o comovida; depois disse:

- Eu previa isso mesmo, quando aconselhava tua mãe a que te dissesse a verdade inteira; ela não quis, aí está!

- Que verdade, madrinha?

Encontraram a caolha a tirar umas nódoas do fraque do filho - queria mandar-lhe a roupa limpinha. A infeliz se arrependera das palavras que dissera e tinha passado a noite à janela, esperando que o Antonico voltasse ou passasse apenas... Via o porvir negro e vazio e já se queixava de si! Quando a amiga e o filho entraram, ela ficou imóvel: a surpresa e a alegria amarraram-lhe toda a ação.

A madrinha do Antonico começou logo:

- O teu rapaz foi suplicar-me que te viesse pedir perdão pelo que houve aqui ontem e eu aproveito a ocasião para, à tua vista, contar-lhe o que já deverias ter-lhe dito!

- Cala-te! - murmurou com voz apagada a caolha.

- Não me calo! Essa pieguice é que te tem prejudicado! Olha, rapaz! Quem cegou a tua mãe foste tu!

O afilhado tornou-se lívido; e ela concluiu:

- Ah, não tiveste culpa! Eras muito pequeno quando, um dia, ao almoço, levantaste na mãozinha um garfo; ela estava distraída, e antes que eu pudesse evitar a catástrofe, tu o enterraste pelo olho esquerdo! Ainda tenho no ouvido o grito de dor que ela deu!

O Antonico caiu pesadamente de bruços, com um desmaio; a mãe acercou-se rapidamente dele, murmurando trêmula:

- Pobre filho! Vês? Era por isto que eu não queria dizer nada!

Fonte:

Ladyce West/ RJ (Teia de Poemas)

PRESENÇA INVISÍVEL                

                                      Ao contemplar a obra  de João Bez Batti no Instituto Moreira Sales, RJ,  Novembro de 2006

Senti a presença invisível
De mãos grossas, calejadas,
Que acariciaram a pedra,
O basalto negro
Ou vermelho,
Ou até mesmo o mármore.

 Constatei mesmerizada
Que trouxeram à superfície
A essência;
Que libertaram, a Michelangelo,
A forma presa no seixo,
O orgânico escondido,
Inerte,
Meio-solto,
Quase-aprisionado.

 Mãos que revelaram os escravos encapsulados,
Seres encarcerados no mesozóico,
Como se, conhecendo o desastre de Pompéia
Depois do escarro fulminante do Vesúvio,
Soubessem encontrar:
O cactos florescente, o cágado,
A abóbora moranga. 
Caracóis.
E bólidos petrificados.

 Estas mãos, que brincam
Sedutoramente
Com o poder divino,
Conhecem o conteúdo,
A alma invisível da pedra.
Descobrem o cascalho gaúcho,
Chocam os grandes ovos de rio,
E parem os seres cativos nas  pedras,
Como Eva o tinha sido na costela de Adão.

 E o que surpreende: estas mãos,
Que revelam o coração do basalto
Regurgitado  pela Terra,
Lixado pelas águas,
Rolado, burilado e aveludado pelo tempo,
São humanas.
Mãos peãs.
Agraciadas pela arte da divinação,
Que brincando de Deus,
Mostram o divino em todos nós.

A BORBOLETA AMARELA

A borboleta amarela
pousou no beiral da janela.
Abriu suas asas listradas
cansadas de muitas estradas
e dormiu.

 Ficou um bom tempo parada
até se sentir renovada.
Limpando as patinhas da frente,
jogou-se pelo muro bem rente
e seguiu.

 Lá foi ela pelos ares
saltitando em ziguezagues.
Pousou na flor do caqui,
pulou daqui para ali
e partiu.

 Por entre a grade de ferro, passou.
Por trás dos ramos floridos, voou.
Parou no banco da praça,
eis que um gato lhe ameaça…
e fugiu.

TUPI

Hoje acordei bem cedo.
Vou pra casa da vovó!
Vou feliz e vou sem medo,
Vou levando o meu totó.

Tupi é meu melhor amigo.
Um vira-lata legal!
Quando o peguei no abrigo,
Chamava-se Tiquinho de tal.

Este nome não lhe cabia,
Já que era bem grandão!
Musculoso, ele se fazia
Respeitar na multidão.

Tupi, um nome guerreiro.
De índio, bem brasileiro!
Foi assim que o batizei,
No dia em que o adotei.

Com Tupi vou a todo lado,
De minha casa para escola,
Da pracinha pro gramado
Onde sempre jogo bola.

Vovó gosta das visitas
Que eu e Tupi lhe fazemos.
Prepara uma mesa bonita,
Com quitutes que comemos.

Tupi gosta do passeio.
Grunhe e corre, late e pula.
Nem um pingo de receio,
Vovó lhe incentiva a gula.

Truques e truques ele faz:
Pára e senta, deita e rola.
Quer bolachas da sacola
Que vovó sempre lhe traz.

O GAÚCHO

A minha caixinha mágica
Tem oito lápis de cor,
Folhas de papel branco
E um bom apontador.

E só levantar a tampa:
Vejo um homem a cavalo.
Parece trotar no pampa
Ouvindo o canto do galo.

Com o lápis azul eu faço
A grande parte do céu;
Com o castanho eu traço
Cavalo, bota e chapéu.

O verde fica pra grama,
Capim alto que nem cana.
No canto amarelo o sol
Brilhando que nem farol.

O vermelho é do lenço
Que ele usa no pescoço;
A calça é de pano preto;
Na garupa leva o almoço.

Por fim no canto direito
Do desenho que surgiu
Assino meu nome bem feito
Com data de vinte de abril.


A CHUVA FEZ AZUL NOSSO HORIZONTE

A chuva fez azul nosso horizonte.
Pintou no vale a cor da esperança.
Encheu de anêmonas, miosótis, margaridas,
Do campo aberto, ao sopé do monte.
Brotaram pintassilgos e abelhas.
No rio, a cada curva um jatobá.
No cheiro do capim ao sol ardente
Paravam insetos, lagartos e até o ar.
Na sombra escura o gado se perfila,
Debaixo de mangueiras generosas,
E espera em silêncio sonolento
O alívio do calor.  Passam-se as horas.
Ao sinal distante da capela na aldeia,
Quando o sol se apaga atrás da serra,
As nuvens, uma a uma,  se enfileiram.
Primeiro, brancas, alegres, arredondadas,
Depois cinzas, sem forma e pesadas.
Acomodam-se, ao sul,  entre montanhas.
E qual ninhada de cachorros desmamada,
Que luta, reclama e se aquieta ’inda faminta
Com roncos e rugidos passam a noite.
O vento as nina… Mas ao brilho de relâmpago
Fugaz,  recomeça o murmúrio no horizonte.
Qual relógio mecânico e em tempo,
As nuvens acordam o sol sem cerimônia,
E em prantos limpam bem o firmamento,
Para de novo azularem o horizonte.

BANDEJA DE MADEIRA

Comprei uma bandeja de madeira,
No mercado de usados da cidade.
O preço alto, verdadeiro assalto,
Testava a minha vontade…
Invocada reclamei:
Preço muito apimentado!
O feirante desfiou, então,
A ladainha da ocasião:
Uma cascata de palavras
E de muitas abobrinhas.
Listadas de um modo simples,
Em fileira memorizada,
Uma tabuada de dados,
Sem nexo e sem sentido,
Qual jovem guia turístico
Treinado para repetir,
Sem nenhuma compreensão,
História de monumentos,
Batalhas, guerra ou ação.
Um rol de características,
Uma lista de preciosismos,
Que turistas escutam em vão.
No caso do comerciante,
Era manobra astuta,
Artimanha obstrucionista,
Inspirada na política
Do partido oposicionista,
Com intenção de impedir
Barganhas, regateio, pechincha.
Mas não me dei por vencida
E esbocei, na medida,
Uma ensaiada choradeira
De compradora matreira,
Desconfiada confessa.
Mas para meu desagrado,
A manobra desta vez
Não deu nenhum resultado.
E o vendedor perturbado,
Não se fazendo de rogado,
Disse em português claro:
O preço é este e está acabado!
Era esperteza, eu sabia.
Manha de ressabiado
Recalque de gato escaldado.
Experiente e esperta,
Também lhe disse umas tantas,
Questionei ainda uma vez
Os dados da tal bandeja
Que sabia muito bem
Não ser uma antigüidade.
Mas minha senhora veja,
Já não se faz trabalho
Detalhado como este.
Marqueteria finíssima,
Olhe a delicadeza
Deste desenho aqui em cima!
Mantive meu ar incrédulo
De pessoa que conhece:
Reclamei do acabamento,
Das alças, das bordas, do centro,
Do verniz barato – opaco.
Não sou caloteiro!
Nem tampouco pirateio.
A Sra. pode confirmar
Nos antiquários da cidade!
Vai ver que é coisa boa,
Que tem uma certa idade!
Pus-me a andar, dando o fora,
No velho ardil de negócios
Fazendo-lhe acreditar
Que era fácil ir embora.
Ele veio correndo atrás,
É vintage, minha senhora,
É vintage, repetia!
Como se a palavra,
A denominação,
A expressão estrangeira,
Respondesse às perguntas
Corriqueiras que lhe fiz.
Mas parei.  E voltei.
Queria muito a bandeja
Rica em marqueteria.
Não pode ser, eu dizia,
Eu me lembro dessas bandejas,
Dessas lembranças para turistas,
Vendidas nas barraquinhas
Da Quinta da Boa Vista…
De súbito ele parou.
De cima abaixo me olhou.
E puxando lá do fundo
De sua sabedoria, perguntou:
– Mas quantos anos a senhora tem?
Num breve momento de pausa,
Disse para mim mesma:
Que história!  Traída pela memória!
Olhei para a bandeja de novo
E ainda uma vez mais…

ESTE LAGO SERENO

Este lago sereno exerce uma atração,
Uma obsessão misteriosa,
Alucinante em mim.
Um desejo de mergulhar na sua profundeza,
De me perder em seu mistério,
De desaparecer na paisagem tranqüila,
Pintada em suas águas sombrias,
Sossegadas, calmas e imóveis. 
Seu silêncio me hipnotiza e seduz.

Este lago manso me mesmeriza
No tratar invertido da natureza:
A dupla imagem, a ambigüidade.
Céu e água. Água e céu.
O reflexo do vôo de um pássaro no ar…
Um  peixe fugidio a nadar?
Verso e reverso.  Corpo e alma.
Inferno e paraíso.
Meu mundo unido num só horizonte.

O FLAMBOYANT DA CASA AO LADO

Morreu o flamboyant da casa ao lado.
Foi-se o calor de verão da minha infância.
Apagaram-se suas flores alaranjadas,
Fogosos anúncios do início da estação.
Doente e velho, tombou calado e emagrecido.
Sóbrio e distinto, evaporou-se nos cupins.
Deixou em seu lugar espaço raro,
Um ar aberto, um nada enorme, que me espanta.
Um espaço devassado diariamente,
Onde antes, a sombra clara era presente.
O vácuo preencheu meu horizonte.
Galhos partidos, quebrados sobre a ponte.
O tronco doente jogado num instante.
Vergou molhado, encharcado pela chuva.
Mostrando a todos o que só a terra conhecia:
Suas raízes, engrossadas pelo tempo,
Eram agora desvendadas pelo vento.
Tombou sozinho com um único gemido
Doloroso, aceitando o seu destino.
Pernas pra cima em impudico descaso.
Meu companheiro de verões ardentes,
Guardião de minha infância e adolescência.
Exuberante, florescia ano após ano
Desabrochando incandescente em dezembro.
Entre nós havia um rio bem estreito,
Que nascia lá no alto da Rocinha,
Cascateava da nascente até a Gávea,
De onde então serpenteava rumo ao mar.
Era aqui, que deslizava sob as pontes
E atravessava minha rua de mansinho.
De um lado, o flamboyant enraizado;
Do outro, o edifício com meu ninho.
Crescemos juntos, eu e ele aqueles anos.
Nossa distância era pouca e amenizada,
Pois reservava uma flor para meu gozo,
Que escondida pelo batente da janela,
Aos poucos, foi-se chegando espevitada.
E me espreitava, esticando o seu florão.
Curiosa, assim passava os dias quentes.
A cada ano parecia mais chegada.
Era de casa.  Sem receio se hospedava.
Com jeitinho, batia na vidraça,
E enrubescendo se apoiava ao janelão.
Esta flama de verão me viu crescer,
Chorar amores, estudar, adormecer.
Custa-me vê-lo cair, velho soldado!
Quem irá agora anunciar-me o verão?

O PRAZER DE VIVER

Quem primeiro decidiu comer um caracol?
Quem descobriu a trufa e a carne no siri?
Quem na lufa-lufa abriu uma ostra,
Encontrou uma  pérola à mostra?
Que antecessor nosso, faminto, esquálido,
Descobriu quais cogumelos comer?
Teria morrido ou só desfalecido?
Quantos de nossos avós: nossa linhagem,
Humanos de diferentes origens,
Se envenenaram?  Com desespero ou coragem?
À cata da janta, para manter, fortalecer
Seus corpos minguados, doentes, arados.
Quem sobreviveu, como aprendeu?
Caracóis são venenosos: têm que regurgitar
E evacuar antes que possamos comê-los.
Um décimo dos caranguejos são comestíveis.
Quem achou estes crustáceos irresistíveis,
Saboreou-os sem medo?
São todas iguarias refinadas.  Caras.  Sofisticadas.
Não são encontradas em qualquer caserna ou taberna.
Graças ao sacrifício do homem das cavernas?

Verdadeira iguaria é o bisão,
Principal figura das pinturas nas grutas.
Verdadeira iguaria é o mamão, 
A maçã, o figo, a uva, qualquer das frutas.
Não aparecem todas no Jardim do Éden?
Elas vêm no tamanho certo de consumo,
Em embalagens de fácil manuseio,
As frutas foram os primeiros insumos,
Produtos com design perfeito. 
Só a maçã pegou grande má fama,
Já pela manhã, complicou toda trama,
Expulsando o primeiro casal do Paraíso
Depois de lhes ter  dado o primeiro sorriso.
E levou-os a ter que plantar para comer…
Mas trouxe com ela o prazer de viver!

Fontes:
Peregrina Cultural
À Meia Voz

Lygia Fagundes Telles (A Noite Escura e Mais Eu)

“Ela ficou mas a gota de sangue que pingou na minha luva, a gota de sangue veio comigo” - assim começa a coletânea de nove contos, A Noite Escura e Mais Eu, de Lygia Fagundes Telles, na primeira frase de "Dolly". E termina, na última frase de "Anão de Jardim", história que encerra o livro: “Seja feita a Vossa vontade e (...) então aceito também ser a estrela menor da grande cauda levantada no infinito no infinito deste céu de outubro”. Como dentro de um parêntese, todo o universo de Lygia concentra-se entre essas duas frases, o sangue inevitável das dores da condição humana e a talvez redentora aceitação não só do Divino, mas também da insignificância e humildade que essa condição impõe. A repetição da palavra “infinito” acentua a idéia de eterno retorno, e a referência ao “céu de outubro” remete à primavera e ao renascimento de tudo. Ou seja: o sangue pode ser transmutado, alquimicamente, em luz. Ou pelo menos em ótima literatura.

A Noite Escura e Mais Eu, entre todos os livros de contos de Lygia, talvez seja a sua obra-prima. Pela unidade, pela densidade, pela extraordinária dignidade que confere à língua portuguesa, mesmo quando trata de temas ou situações sórdidas, perversas, violentas.

Lygia volta a temas recorrentes de sua obra, como a morte, a solidão, o amor, a velhice, envolvendo-nos em um mundo riquíssimo em experiências humanas, povoado por anjos e demônios, angústias e alegrias, medos, ilusões e desilusões. A autora está de volta ao seu leque de perplexidades, e suas personagens, aqui, são garotinhas, cachorros, anões, que espiam os homens e suas extravagâncias.

Esse universo misterioso das histórias de Lygia pode ser observado e sentido logo no primeiro conto, "Dolly", ambientado nos anos 20. A personagem é uma moça na faixa dos vinte anos que queria ser artista de cinema mudo. O conto é narrado por Adelaide, da mesma idade, mas de personalidade ingênua e conservadora, com quem Dolly quer dividir a moradia enquanto não alcançava as luzes da ribalta. Adelaide encontra o cadáver de Dolly violentada depois de uma noite de farra e suja suas luvas de sangue ficando, aparentemente, apavorada.

Personagens em crise diante da velhice são apresentados no conto "Boa noite, Maria", que enfoca o amor de uma mulher de sessenta e cinco anos por um homem de cinqüenta. É um conto sobre um possível direito à eutanásia, sobre o horror da decomposição e a fuga da morte como aviltamento. A solidão é o pano de fundo dessa história, a mesma solidão que permeia quase todas as personagens deste livro que, a exemplo dos anteriores da autora, traz enredos ambíguos que às vezes se aproximam do realismo fantástico.

Em "Anões de jardim", um dos melhores da coletânea, o narrador é um ser de pedra que tem alma e quer sobreviver à demolição da casa cujo jardim habita. Fala de uma perseguição à imortalidade, de uma continuação da vida em qualquer forma, mesmo a mais vil. Neste conto, Lygia Fagundes Telles rompe com a linearidade do tempo, calça a sua escritura com “botas de nuvens” e revela a vida como um pesadelo envolvido pela crueldade do homem de todos os tempos a contrastar (fantástico paradoxo!) com a ‘humanidade’ de uma estátua de pedra que pensa e sofre, como testemunha muda e memória dos dramas vividos em uma casa.

Nos outros contos, a autora desliza em verdadeiros instantâneos das relações humanas, como o da mãe à beira do túmulo da filha tentando compreender como ela foi capaz de ter como amante uma outra mulher. Ou a história de Kori, mulher rica e infeliz no casamento, que vai para a cama com o homem que ela sabe que é apaixonado pelo seu marido.

Lygia aposta no absurdo, mantém seu estilo intimista em suas reflexões sobre as fraquezas humanas nesses nove contos de mistério e paixão de A noite escura e mais eu, cujo título nasceu de um poema de Cecília Meirelles: "Ninguém abra a sua porta / pra ver o que aconteceu: / saímos de braço dado / a noite escura e mais eu."

As histórias não se esgotam no enredo. Terminadas de ler pela primeira vez, deixam a vontade de reler uma segunda ou terceira, por suas inúmeras camadas de significados e pela carga de mistério sempre deixada no ar. Às vezes, todo um conflito revela-se numa frase aparentemente perdida no meio do texto, num detalhe. Assim é, por exemplo, em "Dolly"; na perfeição de "Você não Acha que Esfriou?" ou na ousadia do tema lésbico de "Uma Branca Sombra Pálida".

Títulos como "Você não Acha que Esfriou?" e "Papoulas em Feltro Negro" têm um adensamento do ceticismo das mulheres maduras e de sua capacidade de reação. Em "Papoulas em Feltro Negro", por exemplo, uma professora de piano coloca em dúvida o passado de criança perseguida que construíra para si ao reencontrar uma mestra megera, ainda destrutiva, que acusa a ex-aluna de mentirosa e gaga, as falhas da comunicação tornando ambígua a própria memória, roubando-lhe as certezas, ocultando-as sob trevas espessas. Na cama fria do amante improvisado, uma mãe de 45 anos ergue-se para a vingança verbal que derrubará a pose do amigo do marido. Neste conto admiração e respeito à sensibilidade do outro são confundidos com ódio e desprezo. No final, a velha professora Elzira evita de todas as maneiras o olhar da ex-aluna.

Fonte:
Passeiweb

Ialmar Pio Schneider (Soneto à Lila Ripoll - In Memoriam)

Nascimento em 12 de agosto de 1905, em Quaraí/RS

Quem pode me ajudar nesta tarde sombria,
em que o sol vai partindo e a treva vem chegando,
eu que procuro ter para minha alegria
um raio de esperança ao destino nefando?

Lila Ripoll, poetisa, ela vivia amando
a cidade e seu lago e a noite que descia,
traz-me a tranquilidade e fico meditando
nos versos geniais de serena poesia...

Poemas que compôs em ritmo de ansiedade,
sentindo na tristeza o travo da saudade,
para se comover ao som do seu piano...

Quantas vezes, talvez, tocou sua ternura,
amenizando a dor da mansa desventura,
na pauta musical vinda de um desengano !…

Fonte:
O autor

Lila Ripoll (Poemas Escolhidos)

Fita Verde

Prendi uma fita bem verde
nos meus cabelos escuros.
Fiquei quase uma menina
capaz de subir nos muros.

Troquei de alma e de idade
e brinquei entre as crianças.
Meus pesares voaram longe...
e as minhas desesperanças.

Na roda da "Cirandinha"
ninguém cantou como eu.
Cantei, cantei todo o dia
até que o sol se escondeu.

E veio a noite e o cansaço
e nós fomos descansar:
as crianças de verdade
e eu que brinquei de enganar.
(...)

Publicado no livro Céu Vazio: poesia (1941).

Neve

A neve desce
fria e fina.
A neve cresce
e há neblina.

Neva na rua,
neva em meu peito.
Cai neve da lua
no mar,
e em meu leito.

A neve gela
meu pensamento.
Cai neve, neve
nos fios do vento.

A neve desce
pelo meu leito.
A neve cresce
sobre meu peito.

Cai neve, neve
cai e se adensa.
Cai neve, leve,
sobre quem pensa.

Publicado no livro Poemas e Canções (1957)

Retrato

Clara manhã de inverno.
Na rua longa e fria
procuro ansiosamente
um número, uma casa.

(...)

Aguardo a professora,
aguardo e penso,
no agasalho do ambiente de silêncio.
E detenho meus olhos surpreendidos
no retrato maior que a sala guarda.

Reconheço a figura, a fronte ampla,
o olhar audaz e manso ao mesmo tempo.
É ele sim, é o grande Cavaleiro,
Cavaleiro de muitas esperanças.

Que faz ali? Que faz ali? pergunto.
Por que naquela casa silenciosa
tranquilamente antiga e acolhedora,
o retrato de Prestes na parede
sobressai e ilumina a sala inteira?

(...)

"É meu neto, menina. Gosta dele?
É o Luís Carlos, meu neto, não sabia?"

E vejo à minha frente, nobre e simples,
a vovó Ermelinda, de Luís Carlos,
para mim Cavaleiro da Esperança

E a voz continuou serena e mansa:
"Um menino tão terno, tão sensível,
quem diria pudesse ser um dia
um revolucionário?"

(...)

Anda longe o Luís Carlos, de seus dias.
Anda longe e está próximo e presente:

nas palavras apenas murmuradas
— afetivos suspiros e lembranças —
e nas outras que brotam impetuosas
dominando planícies e cidades.

(...)

Seu passo um dia cantará nas pedras
e humildes casas se iluminarão.
E à sua voz, de chama e tempestade,
as vozes triunfais responderão.

Publicado no livro Novos Poemas (1951).

Ternura

Eu te amo com a ternura das mães
que embalam os filhos pequeninos.
E te amo sem desejos.

Perto de ti meus sentidos desaparecem.
Meu corpo tem castidades de santa e de menina.

Quando falas nenhuma sobra se interpõe entre nós dois
Fico presa à palavra de tua boca
e à palavra de teus olhos.
Nada existe fora de nós. Longe de nós...
Tu és o Princípio e o Fim. O Tempo e o Espaço
Cada palavra tua mais espiritualiza
o meu sentimento e a minha ternura.

Tenho vontade de que meus braços se transformem
num grande berço,
para embalar teu sono de homem triste.

Nenhuma estrela brilha mais clara que os teus olhos
na minha alma,
e que a tua palavra no meu coração.

Nenhum homem foi amado com tanta pureza sem pecado,
nem tanta adoração!

Nenhuma mulher vestiu de tanta castidade
seu corpo e sua alma,
para a tristeza de um amor que quer viver,
e quer morrer.

Publicado no livro Céu Vazio: poesia (1941).

Fonte:
http://www.astormentas.com/din/poemas.asp?autor=Lila+Ripoll

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 635)

Uma Trova de Ademar 

Com minha alma enternecida,
confesso com todo ardor;
Deus me deu dois dons na vida:
ser “Pai” e ser “Trovador”!...
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 


De meu pai, em mim gravada,
guardo a imagem, rotineira,
de uma camisa suada
sobre as costas da cadeira...
–Arlindo Tadeu Hagen/MG–

Uma Trova Potiguar 


Adotando os bons conselhos
das faculdades morais,
os filhos serão espelhos
da retidão de seus Pais.
–Djalma Mota/RN–

Uma Trova Premiada 


2001  -  Pouso Alegre/MG
Tema  -  PAI  -  3º Lugar

É de dor a sensação:
meu pai... arrastando os passos;
e eu... puxando pela mão
quem já me levou nos braços!
–Antônio Carlos T. Pinto/DF–

...E Suas Trovas Ficaram 


Disse Deus à humanidade:
“Crescei e multiplicai” ...
É nesta cumplicidade,
que o homem torna-se pai.
–Francisco Macedo/RN–

Uma  Poesia 


Neste domingo de agosto
os sinos bem mais, badalam,
os passarinhos se calam
do sol nascente ao sol posto,
e o sorriso no meu rosto
descreve uma frase assim
cheia de amor, pois, enfim,
do meu peito um clamor sai:
eu quisera ser um pai
tal qual o meu é pra mim.
–Francisco José Pessoa/CE–

Adélia Maria Woellner (A Escritora em Xeque)


Adélia é poeta e escritora, membro da Academia Paranaense de Letras, autora dos livros: Férias no sítio, A água que mudou de nome, A menina que morava no arco-íris (história foi adaptada, por Gil Gabriel, para o teatro de bonecos), e Festa na Cozinha.

Adélia, quando nasceu o seu desejo de ser escritora?
– Para falar francamente, nunca desejei ser escritora. Aconteceu, porque escrever, para mim, sempre foi uma necessidade. Um prazer. O primeiro livro de poemas foi publicado por sugestão de um amigo, em 1963. Depois aconteceram outros, mas só consegui aceitar a condição de escritora há poucos anos.

Por que escreve para o público infantil?
– Eis outro presente que recebi da vida. Quando escrevi o livro "Para Onde Vão as Andorinhas...", relatando a vida de meus antepassados, ao descrever o sítio de meu avô materno, onde passava alguns dias mágicos, encantadores, o texto surgiu em forma de poema.
Um amigo, lendo-o, me sugeriu: "este poema daria um livro infantil". Pois é... E assim nasceu o "Férias no Sítio", que foi ilustrado pelo meu sobrinho-neto Rafael Furtado Casagrande, com apenas 8 anos de idade. Foi uma delícia!
Acho que, aberta a porta, os outros livros aproveitaram a "fresta" e vieram atrás... Você já os citou. Além deles, também nasceram "A menina do vestido de fitas", para colorir, e uma coleção em coautoria com a Heliana Grudzien, em doze volumes: "Valores Humanos", para a Editora Expressão. Este ano será publicado "A vida do papagaio de cara roxa", em projeto aprovado pelo Ministério da Cultura (Lei Rouanet). Espero, também, conseguir captar recursos para outro projeto, para edição da Coleção Tagarela, com cinco pequenas histórias: "A Casa de Cristal", "O Reino das Águas Azuis", "A Menina do Pastoreio", "A Natureza das Coisas... é assim porque é assim..." e "No Céu e no Mar".

Como surgiu a ideia de escrever um livro infantil sobre alimentos?
– A ideia não foi minha. Eliane Aleixo foi quem me sugeriu. Aos poucos, o tema foi "germinando" e, de repente, aconteceu a história de Dona Margarida. As minhas próprias dificuldades em apreciar alimentos naturais me inspiraram. E hoje, mais do que no meu tempo, os alimentos industrializados conquistam, seduzem as crianças que, pouco a pouco, perdem a atração por alimentos importantes e indispensáveis à saúde. Esta a motivação.

Como estão reagindo as crianças ao ver o livro “Festa na Cozinha”?
– As crianças estão se divertindo... e eu, também. Quando escrevo que cenoura tem topete e que cada fatia, cada rodela, parece um olho, elas reconhecem essas características e a curiosidade é consequência. Depois de ler o livro, tenho certeza de que as crianças passam a enxergar os alimentos de outra forma. Sentem-se mais atraídas por verduras, legumes, frutas... Professores e pais estão aproveitando os pequenos poemas de cada página para despertar essa atração.

Você também é palestrante. Quais são os quesitos para você aceitar ministrar palestras em escolas?
– Não faço restrições, nem exigências. Quando sou solicitada, e tendo disponibilidade de tempo, vou falar com as crianças, com a maior satisfação. O brilho nos olhos delas, o sorriso, as gargalhadas, a empolgação, tudo isso me anima e me incentiva a continuar.

Como podem fazer os professores interessados em suas palestras para entrar em contato com você?
– O contato comigo pode ser feito pelo telefone 9975-7108 ou pelo e-mail: adeliamaria@hotmail.com

Isabel Furini é escritora, poeta e palestrante autora de O livro do Escritor.

Fonte:
http://livrodoescritor.blogspot.com/

Nilton Manoel (A Didática da Trova) Parte 3

 Nos concursos literários, em geral,  têm predominado a trova filosófica e, isto, às vezes, provoca  comentários: “ fulano  tem dificuldade em lirismo e  humorismo, escuda-se na filosofia  e  consegue destaque às suas trovas”. Creio que o segredo está em produzir a trova dentro das “exigências”  literárias e da regulamentação do certame. O estudo da história da trova, da movimentação literária pelo  Brasil e  países de língua portuguesa é importante; mais, ainda, ler, reler e refletir  sobre os resultados finais dos concursos através dos textos premiados. A trova deve ter  o tema proposto  e a mensagem clara do concorrente ; ou seja, uma trova para competir precisa  estar bem elaborada tanto na forma como no fundo. O trovador é o técnico da síntese. O fazer trovadoresco depende também do envolvimento que se tem no gênero. Carlos Guimarães, em 1988, no VIII Concurso Nacional Inter-Sedes, editou folheto, contendo Entrevista Simulada com Adelmar Tavares, onde temos a p.7, a resposta a pergunta: “E falando do gênero poético. Qual é o que mais lhe agrada:

A trova foi sempre, das formas de poesia, a que mais me tocou a sensibilidade, porque foi a poesia dos lavradores de meu velho engenho pernambucano, a poesia daquelas violas inesquecíveis que fizeram o engenho  da minha meninice”.

 “A trova quando é erudita demais não é propriamente trova... A trova não precisa ter erudição profunda porque perde assim o seu espírito, aquele espírito de que Luiz Otávio falava...
Os escritores do passado faziam questão de ser poetas e em meio da prosa deixavam versos para  envolver o leitor. As Edições de Ouro,1.979, publicaram Aprenda a Fazer Versos – contendo um Dicionário de Rimas de autoria de Manoel Macedo. O índice tem na  1ª parte – como fazer versos: poesia e verso, gêneros poéticos e generalidades poéticas; na 2ª parte o Dicionário de Rimas. Neste livro uma frase de Machado de Assis.:”Uma coisa é citar versos, outra é crer neles”.

 Não temos a data, mas colhida na seção humorística Garotas, da revista O Cruzeiro de autoria de A. Ladino, em 1974, o Departamento de Educação e Cultura da Prefeitura do Município de Ribeirão Preto (SP), colocou em volta da Fonte Luminosa diversas trovas escritas em placas de lata, entre elas:

Garota, tua bondade,
tonteia qualquer parceiro
pedaço de tempestade,
no céu de rapaz solteiro.
              
Nessa ocasião, a têmpera humorística de Alcy Ribeiro Souto Maior, Rio de Janeiro ( RJ ) provocou polêmica, com um sócio do Clube da Velha Guarda, por causa desta trova premiada em 1º lugar nos XV  Jogos Florais de Nova Friburgo- (RJ), 1974:

  Ao velho diz o Brotinho:
“Quero fugir com você”
Indaga o pobre velhinho:
-“Fugir? Mas... Fugir pra quê?

A trova acabou retirada do local. A comissão nomeada pelo Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal, concluiu mais ou menos assim: - “ o que fica bem num livro, pode não ficar bem, num local público, como a Fonte Luminosa da praça XV de Novembro, marco zero da paulista São Sebastião do Ribeirão Preto.

Na mesma solenidade de premiação de Nova Friburgo,(RJ) Jacy  Pacheco, Niterói ( RJ ) autor de trovas antológicas, obteve o quarto lugar com esta trova em pleno lançamento da palavra paquera em nossos dicionários:

Pobre do velho que abusa
em paquera com mulher:
sofre quando ela o recusa
e sofre mais se ela quer.

No encanto do humorismo, outras trovas, em exposição, na praça XV, tiveram a visita de alunos de várias escolas, sob a  orientação de professores de Língua Portuguesa. Nessas ocasiões, contavam com a presença de trovadores da municipalidade. A trova a seguir corria solta entre os estudantes .
                       
Meu filho, por acaso,
és filho do Zé-Cereja?
Acaso, não, vim no prazo ,
e meu pai casou na igreja.
José Lucas Filho

 Relendo a revista O Cruzeiro de 1952, encontramos:

Com seus dotes estonteantes
e atitudes majestosas,
as garotas fascinantes,
são sempre as mais perigosas.

Na edição (6 de agosto de 1955,ano XXVII, nº 43, p.62-63, desenho de Alceu Pena e texto de A. Ladino) destacamos duas quadrinhas da seção humorística Garotas .  Ei-las:

Garota, que os olhos turvas,
teu lindo destino alinhas,
nas linhas de tuas curvas
nas curvas das tuas linhas.
                     
Desde as eras mais remotas
Que este conceito é profundo;
Está nas mãos das garotas
todo o destino do mundo.

 Alcy esteve em Ribeirão Preto quando, glosando o tema Pátria, recebeu o troféu e a certificação da municipalidade pelo primeiro lugar, em âmbito nacional/internacional, dos II Jogos Florais de Ribeirão Preto,1976.

Pátria, perdão, só agora,
só depois que te deixei,
caminhando mundo a fora,
dentro de mim te encontrei...

 Neste evento, o poeta Nilton da Costa Teixeira, mereceu o primeiro lugar em âmbito municipal com a seguinte trova:

Neste abraço em  que te aperto
com a beatitude de um monge,
sinto meu amor tão perto,
minha esperança tão longe!
               
O trovador conseguiu na síntese de  quatro versos  glosar o tema  abraço e realçar o significado da palavra beatitude: gozo de alma dos que se absorvem em  contemplações místicas. (FERREIRA,2001,p.93)

No ano seguinte, 1977, era lançado o I  Concurso de  Jogos Florais para o Estudante de Ribeirão Preto”. Entre os 30 classificados, o primeiro lugar coube a Sérgio Bianchi Campos, do Colégio Marista, com esta trova  sob o tema “Fraternidade:

 Fraternidade é sofrer
 por todos os semelhantes.
 É amar, e assim quase ser
 Jesus, por breves instantes!”


 Na sessão solene de premiação, realizada no salão nobre da Sociedade Legião Brasileira de Civismo e Cultura,  o poeta Ciro Armando Catta Preta, proferiu belíssima oração,  saudando os estudantes laureados: (...) “ O poeta que se preza, deve estudar a fundo a língua, pois sem o idioma, seu meio de comunicação, não poderá jamais gravar, por meio de palavras, a beleza, a poesia, que somente os poetas têm o dom de captar”.

Os Jogos Florais Estudantis acontecem, anualmente, apoiados na lei  360/78 que, introduz a Trova como atividade curricular dos estabelecimentos de ensino do município. No mesmo ano, ocorre a oficialização dos Jogos Florais de Ribeirão Preto, pela lei 3404/78. Outras leis garantem o movimento da poesia na cidade: Dia Municipal do Trovador (18 de Julho), Dia Municipal da Poesia ( 3 de maio)  e Dia Municipal da  Literatura de Cordel. (12 de março). As datas homenageiam o natalício dos poetas Luiz Otávio, Nilton da Costa Teixeira e Rodolfo Coelho Cavalcante.

As trovas deixaram de circundar a fonte da praça XV, depois da reforma de regressão para tombamento Histórico, mas existe o Recanto do Trovador (lei 3217/76), na área cultural  do município.

Neste capitulo conhecemos a força e o encanto  da trova através séculos. Verificamos a conceituação antiga e moderna sentindo a força de sua mensagem, recordando textos de antigos livros, revistas e almanaques e os gêneros comumente explorados. Os concursos escolares, as trovas na praça, as datas significativas e a confraternização dos Jogos Florais. Neste próximo capítulo, falaremos sobre a estrutura poética da trova.

Continua…

Fonte:
Nilton Manoel. A Didática da Trova. Batatais, 2008.