segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Mia Couto (1955)

António Emílio Leite Couto (Mia Couto) nasceu em Beira, Moçambique, em 1955, a segunda cidade do país. Ganhou o nome Mia do irmãozinho que não conseguia dizer "Emílio". Segundo o próprio autor a utilização deste apelido tem a ver com sua paixão pelos gatos e desde pequeno dizia a sua família que queria ser um deles.
            Ele disse uma vez que não tinha uma "terra-mãe" - tinha uma "água-mãe", referindo-se à tendência daquela cidade baixa e localizada à beira do Oceano Índico para ficar inundada.
            Filho de portugueses que emigraram para Moçambique em meados do século XX, Mia nasceu e foi escolarizado na Beira. Com catorze anos de idade, teve alguns poemas publicados no jornal Notícias da Beira e três anos depois, em 1971, mudou-se para a cidade capital de Lourenço Marques (agora Maputo). Iniciou os estudos universitários em medicina, mas abandonou esta área no princípio do terceiro ano, passando a exercer a profissão de jornalista depois do 25 de Abril de 1974. 
Trabalhou na Tribuna até à destruição das suas instalações em Setembro de 1975, por colonos que se opunham à independência.
            Foi nomeado diretor da Agência de Informação de Moçambique (AIM) e formou ligações de correspondentes entre as províncias moçambicanas durante o tempo da guerra de libertação. A seguir trabalhou como diretor da revista Tempo até 1981 e continuou a carreira no jornal Notícias até 1985. Em 1983, publicou o seu primeiro livro de poesia, Raiz de Orvalho, que inclui poemas contra a propaganda marxista militante. Dois anos depois, demitiu-se da posição de diretor para continuar os estudos universitários na área de biologia.
            Como biólogo, dirige a Avaliações de Impacto Ambiental, IMPACTO Lda., empresa que faz estudos de impacto ambiental, em Moçambique. Mia Couto tem realizado pesquisas em diversas áreas, concentrando-se na gestão de zonas costeiras. Além disso, é professor da cadeira de ecologia em diversos cursos da Universidade Eduardo Mondlane.
            Foi escolhido para ocupar, na categoria de Sócio Correspondente, a Cadeira número 5 da Academia Brasileira de Letras. Sua eleição deu-se em 1998, sendo ali o sexto ocupante.
            Além de considerado um dos escritores mais importantes de Moçambique, é o escritor moçambicano mais traduzido. Em muitas das suas obras, Mia Couto tenta recriar a língua portuguesa com uma influência moçambicana, utilizando o léxico de várias regiões do país e produzindo um novo modelo de narrativa africana. Terra Sonâmbula, o seu primeiro romance, publicado em 1992, ganhou o Premio Nacional de Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos em 1995 e foi considerado um dos doze melhores livros africanos do século XX por um júri criado pela Feira do Livro do Zimbabué. Foi fundador de uma empresa de estudos ambientais da qual é colaborador.
            Recebeu uma série de prêmios literários, entre eles em 1999, o Prêmio Vergílio Ferreira, pelo conjunto da sua obra. Em 2007, o Prêmio União Latina de Literaturas Românicas. Em 2007 foi o vencedor do prêmio Zaffari & Bourbon de Literatura, na Jornada Nacional de Literatura. O Prêmio Camões de 2013, o mais prestigioso da língua portuguesa, e o Neustadt Prize de 2014. Além de prêmios em seu país, recebeu o Prémio da Associação dos Críticos de Arte de S. Paulo (1996)
            Estreou-se no prelo com um livro de Poesia - Raiz de Orvalho, publicado em 1983. Mas já antes tinha sido antologiado por outro dos grandes poetas moçambicanos, Orlando Mendes (outro biólogo), em 1980, numa edição do Instituto Nacional do Livro e do Disco, resultante duma palestra na Organização Nacional dos Jornalistas (actual Sindicato), intitulada "Sobre Literatura Moçambicana".
            Em 1999, relançou Raiz de Orvalho e outros poemas que, em 2001 teve sua 3ª edição. Depois, estreou-se nos contos e numa nova maneira de falar - ou "falinventar" - português, que continua a ser o seu "ex-libris". Nesta categoria de contos publicou. Publicou em livros, algumas das suas crónicas, que continuam a ser coluna num dos semanários publicados em Maputo, capital de Moçambique e alguns romances.
Vozes Anoitecidas (1986); Grande Prémio da Ficção Narrativa em 1990, ex aequo; Cronicando, 1988 (Prémio Nacional de Jornalismo Areosa Pena, em 1989);      Cada Homem é uma Raça (1990); Terra Sonâmbula (1992) Prémio Nacional de Ficção da AEMO em 1995; Estórias Abensonhadas (1994); A Varanda do Frangipani (1996); Contos do Nascer da Terra (1997); Mar Me Quer (1998); Vinte e Zinco (1999); Na Berma de Nenhuma Estrada (1999); O Último Voo do Flamingo (2000); O Gato e o Escuro (2001); Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra (2002) rodado em filme pelo português José Carlos Oliveira; O País do Queixa Andar (2003); O Fio das Missangas (2003); A Chuva Pasmada (2004); Pensatempos. Textos de Opinião (2005); O Outro Pé da Sereia (2006); A Varanda do Frangipani (2007); Idades Cidades Divindades (2007); Venenos de Deus Remédios do Diabo (2008); Jerusalém (2009); Tradutor de Chuvas  (2011); A Confissãol da Leoa (2012); Vozes Anoitecidas (2013)

Resenha de alguns livros:
Raiz de Orvalho : Livro intimista, lírico, uma espécie de contestação contra o domínio absoluto da poesia militante, panfletária.
Idades Cidades Divindades : Mia Couto arrisca novamente um registo poético para narrar o seu universo de quotidianos maravilhosos. Os jogos semânticos e lexicais sustentam os aforismos, as alegorias, as fábulas que aqui se lêem, à imagem do que acontece com as suas narrativas.
Tradutor de Chuvas: Todo o livro passa por uma espécie de um culto, uma homenagem a esse estado de espanto, de pasmo, da capacidade de nos encantarmos, esse não saber, essa ignorância que nos torna depois viajantes, que nos conduz à condição de uma certa dimensão que é a dimensão da poesia”
Vozes Anoitecidas: O que mais dói na miséria é a ignorância que ela tem de si mesma. Confrontados com a ausência de tudo, os homens abstêm-se do sonho, desarmando-se do desejo de serem outros. Existe no nada essa ilusão de plenitude que faz parar a vida e anoitecer as vozes. Estas estórias desadormeceram em mim sempre a partir de qualquer coisa acontecida de verdade mas que me foi contada como se tivesse ocorrido na outra margem do mundo. Na travessia dessa fronteira de sombra escutei vozes que vazaram o sol. Outras foram asas do meu voo de escrever. A umas e a outras dedico este desejo de contar e de inventar.
Estórias Abensonhadas : Livro de histórias que retrata o renascer do país depois da assinatura do Acordo de paz.
Contos do Nascer da Terra : Nos trinta e cinco contos que compõem este livro, Mia Couto traça o retrato de um povo e da sua identidade cultural. Utiliza para isso a fantasia que, naquela escrita africana prenhe de neologismos, possui um encanto muito próprio. O corpo humano e a sua ligação à terra, são uma constante nestas histórias, onde as pessoas ganham raízes, ou se somem no ar qual pássaro exótico. Parte significativa destas histórias inspirou-se na tradição popular.
Terra Sonâmbula: Primeiro romance publicado por Mia Couto, tem como pano de fundo a guerra em Moçambique, da qual traça um quadro de um realismo forte e brutal.
A Varanda do Frangipani : A narrativa decorre na Fortaleza de S. Nicolau, algures em Moçambique. A fortaleza há muito que deixou de ser reduto de defesa e ocupação estrangeira para se transformar num asilo de velhos. A trama policial, as reflexões sobre a guerra e sobre a paz, o Universo mágico, a riqueza de personagens, aliados a uma narrativa pujante e amadurecida, fazem deste livro uma das mais belas obras de Mia Couto.
O Último Voo do Flamingo: O livro começa com uma carta do “tradutor”, que é o narrador do livro, onde ele conta os motivos que o levaram a narrar essa história. Pouco tempo depois da guerra terminar em Moçambique, alguns soldados da Tropa de paz da ONU que estavam na região começaram a explodir. Para tentar entender o que estava acontecendo, o italiano Massimo Risi é enviado à Tizangara, cidade fictícia onde se passa a narrativa, para investigar os estranhos acontecimentos. Para tanto, o governante local contrata o tradutor para acompanhar Risi em sua investigação.
O Gato e o Escuro: Em 2009 recebeu, no Brasil, o Prêmio de Literatura infanto-juvenil. Nesta estória em prosa poética, num primeiro nível textual vemos um pequeno gato malhado que anseia saber como é o escuro e que ao entrar nele vê-se em apuros para sair; afinal, descobre que tinha vivido apenas um sonho: o escuro, que o atemorizava, não lhe era prejudicial pois até morava nos olhos da sua mãe. Mais aprofundadamente, não só fica a importância de autoconhecimento e auto-afirmação como a visão descentrada do eu: não se sendo único na vida, devemos praticar valores como a tolerância, reconhecer o direito à diferença e, fundamentalmente, o respeito pelo outro.
Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra: Um jovem estudante universitário regressa à sua ilha-natal para participar no funeral de seu avô Mariano. Enquanto aguarda pela cerimônia ele é testemunha de estranhas visitações na forma de pessoas e de cartas que lhe chegam do outro lado do mundo. São revelações de um universo dominado por uma espiritualidade que ele vai reaprendendo. À medida que se apercebe desse universo frágil e ameaçado, ele redescobre uma outra história para a sua própria vida e para a da sua terra. A pretexto do relato das extraordinárias peripécias que rodeiam o funeral, este novo romance de Mia Couto traduz, de uma forma a um tempo irônica e profundamente poética, a situação de conflito vivida por uma elite ambiciosa e culturalmente distanciada da maioria rural. Uma vez mais, a escrita de Mia Couto leva-nos para uma zona de fronteira entre diferentes racionalidades, onde percepções diversas do mundo se confrontam, dando conta do mosaico de culturas que é o seu país e das mudanças profundas que atravessam a sociedade moçambicana atual.
O Outro Pé da Sereia: Esta obra aborda a questão da identidade, o sentido de pertença, o pós-colonialismo e o choque entre culturas. Para tanto, o autor entretece duas histórias paralelas, interligadas por uma personagem: A primeira se passa no presente (em 2002) e relata como Mwadia Malunga e seu marido, Zero Madzero, encontram uma imagem de Nossa Senhora (sem um pé) abandonada nas imediações do lugar em que vivem; significativamente denominado Antigamente. Mwadia é encarregada por um feiticeiro de ir a Vila Longe, onde vive sua mãe e a família dela, para providenciar um destino à imagem. Nesta história de retorno à casa natal, nos são apresentados uma série de personagens e seus dramas pessoais.
A segunda é uma narrativa histórica (ambientada em 1560), que, em capítulos alternados, conta como a referida imagem de Nossa Senhora chegou a Moçambique, trazida pelo jesuíta D. Gonçalo da Silveira em uma nau portuguesa. A imagem, benzida pelo papa, era destinada ao imperador do mítico reino de Monomotapa, a fim de catequizar a região. Os acontecimentos dessa viagem, que em certa medida refletem problemas contemporâneos, envolvem, ainda, o conflito pessoal do jovem sacerdote Manuel Antunes, que será seduzido pelos ritos e ritmos africanos, e a relação de um escravo, Nsundi, com uma dama portuguesa e sua aia de origem indiana.
Jesusalém: é seguramente a mais madura e mais conseguida obra de um escritor em plena posse das suas capacidades criativas. Aliando uma narrativa a um tempo complexa e aliciante ao seu estilo poético tão pessoal, Mia Couto confirma o lugar cimeiro de que goza nas literaturas de língua portuguesa. A vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado, diz um dos protagonistas deste romance. A prosa mágica do escritor moçambicano ajuda, certamente, a reencantar este nosso mundo.
Jesusalém, ermo encravado na savana, em Moçambique, abriga cinco almas apartadas das gentes e cidades do mundo. Ali, ensaiam um arremedo de vida: Silvestre e seus dois filhos, Mwanito e Ntunzi, mais o Tio Aproximado e o serviçal Zacaria. O passado para eles é pura negação recortada em torno da figura da mãe morta em circunstâncias misteriosas. E o futuro se afigura inexistente. Silvestre afiança aos filhos e ao criado que o mundo acabou e que a mulher - qualquer mulher - é a desgraça dos homens. Mas um belo dia os donos do mundo voltarão para reivindicar a terra de Jesusalém. E não só isso: uma bela mulher também virá para agitar a inércia dos dias solitários daqueles homens.

Fontes:
 

Jorge Luis Borges (O Livro de Areia)

... Thy rope of sands ...
George Herbert (1593-1623)

 A linha consta de um número infinito de pontos, o plano, de um número infinito de linhas; o volume, de um número infinito de planos, o hipervolume, de um número infinito de volumes... Não, decididamente não é este, more geométrico, o melhor modo de iniciar meu relato.

Afirmar que é verídico é, agora, uma convenção de todo relato fantástico; o meu, no entanto, é verídico.

Vivo só, num quarto andar da Rua Belgrano. Faz alguns meses, ao entardecer ouvi uma batida na porta. Abri e entrou um desconhecido. Era um homem alto, de traços mal conformados. Talvez minha miopia os visse assim. Todo seu aspecto era de uma pobreza decente. Estava de cinza e trazia uma valise cinza na mão. Logo senti que era estrangeiro. A princípio achei-o velho; logo percebi que seu escasso cabelo ruivo, quase branco, à maneira escandinava, me havia enganado. No decorrer de nossa conversa, que não duraria uma hora, soube que procedia das Orcadas.

Apontei-lhe uma cadeira. O homem demorou um pouco a falar. Exalava melancolia, como eu agora.

— Vendo bíblias — disse.

Não sem pedantismo respondi-lhe:

— Nesta casa há algumas bíblias inglesas, inclusive a primeira, a de John Wiclif. Tenho também a de Cipriano de Valera, a de Lutero, que literariamente é a pior, e um exemplar latino da Vulgata. Como o senhor vê, não são precisamente biblias o que me falta.

Ao fim de um silêncio respondeu:

— Não vendo apenas bíblias. Posso mostrar-lhe um livro sagrado que talvez lhe interesse. Eu o adquiri nos confins de Bikanir.

Abriu a valise e o deixou sobre a mesa. Era um volume em oitavo, encadernado em pano. Sem dúvida, havia passado por muitas mãos. Examinei-o; seu peso inusitado me surpreendeu. Na lombada dizia Hali Writ e, abaixo, Bombay.

— Será do século dezenove — observei.

— Não sei. Não soube nunca — foi a resposta.

Abri-o ao acaso. Os caracteres me eram estranhos. As páginas, que me pareceram gastas e de pobre tipografia, estavam impressas em duas colunas, como uma bíblia. O texto era apertado e estava ordenado em versículos. No ângulo superior das páginas, havia cifras arábicas. Chamou-me a atenção que a página par levasse o número (digamos) 80.514 e a ímpar, a seguinte, 999. Virei-a; o dorso estava numerado com outra cifra. Trazia uma pequena ilustração, como é de uso nos dicionários: uma âncora desenhada a pena, como pela desajeitada mão de um menino.

Foi então que o desconhecido disse:

— Olhe-a bem. Já não a verá nunca mais.

Havia uma ameaça na afirmação, mas não na voz.

Fixei-me no lugar e fechei o volume. Imediatamente o abri. Em vão busquei a figura da âncora, folha por folha. Para ocultar meu desconcerto, disse:

— Trata-se de uma versão da Escritura em alguma língua industânica, não é verdade?

— Não — replicou.

Logo baixou a voz como que para me confiar um segredo:

— Adquiri-o em uma povoação da planície, em troca de algumas rúpias e da Bíblia. Seu possuidor não sabia ler. Suspeito que no Livro dos Livros viu um amuleto. Era da casta mais baixa; as pessoas não podiam pisar sua sombra sem contaminação. Disse que seu livro se chamava o Livro de Areia, porque nem o livro nem a areia tem princípio ou fim.

Pediu-me que procurasse a primeira folha.

Apoiei a mão esquerda sobre a portada e abri com o dedo polegar quase pegado ao indicador. Tudo foi inútil: sempre se interpunham várias folhas entre a portada e a mão. Era como se brotassem do livro.

— Agora procure o final.

Também fracassei; apenas consegui balbuciar com uma voz que não era minha:

— Isto não pode ser.

Sempre em voz baixa o vendedor de bíblias me disse:

— Não pode ser, mas é. O número de páginas deste livro é exatamente infinito. Nenhuma é a primeira; nenhuma, a última. Não sei por que estão numeradas desse modo arbitrário. Talvez para dar a entender que os termos de uma série infinita admitem qualquer número.

Depois, como se pensasse em voz alta:

— Se o espaço é infinito, estamos em qualquer ponto do espaço. Se o tempo é infinito, estamos em qualquer ponto do tempo.

Suas considerações me irritaram. Perguntei:

— O senhor é religioso, sem dúvida?

— Sim, sou presbiteriano. Minha consciência está limpa. Estou seguro de não ter ludibriado o nativo quando lhe dei a Palavra do Senhor em troca de seu livro diabólico.

Assegurei-lhe que nada tinha a se recriminar e perguntei-lhe se estava de passagem por estas terras. Respondeu que dentro de alguns dias pensava em regressar à sua pátria. Foi então que soube que era escocês, das ilhas Orcadas. Disse-lhe que a Escócia eu estimava pessoalmente por amor de Stevenson e de Hume.

— E de Robbie Burns — corrigiu.

Enquanto falávamos eu continuava explorando o livro infinito. Com falsa indiferença perguntei:

— O senhor se propõe a oferecer este curioso espécime ao Museu Britânico?

— Não. Ofereço-o ao senhor — replicou e fixou uma soma elevada.

Respondi, com toda a verdade, que essa soma era inacessível para mim e fiquei pensando. Ao fim de poucos minutos, havia urdido meu plano.

— Proponho-lhe uma troca — disse. O senhor obteve este volume por algumas rupias e pela Escritura Sagrada; eu lhe ofereço o montante de minha aposentadoria que acabo de cobrar, e a Bíblia de Wiclif em letras góticas. Herdei-a de meus pais.

— A black letter Wiclif! — murmurou.

Fui ao meu dormitório e trouxe-lhe o dinheiro e o livro. Virou as páginas e estudou a capa com fervor de bibliófilo.

— Trato feito — disse.

Assombrou-me que não regateasse. Só depois compreenderia que havia entrado em minha casa com a decisão de vender o livro. Não contou as notas e guardou-as.

Falamos da Índia, das Orcadas e dos Jarls noruegueses que as governaram. Era noite quando o homem se foi. Não voltei a vê-lo nem sei o seu nome.

Pensei em guardar o Livro de Areia no vão que havia deixado o Wiclif, mas optei finalmente por escondê-lo atrás de uns volumes desemparelhados de As mil e uma Noites.

Deitei-me e não dormi. Às três ou quatro da manhã, acendi a luz. Procurei o livro impossível e virei suas folhas. Em uma delas vi gravada uma máscara. O ângulo levava uma cifra, já não sei qual, elevada à nona potência.

Não mostrei a ninguém meu tesouro. À ventura de possuí-lo se agregou o temor de que o roubassem e, depois, o receio de que não fosse verdadeiramente infinito. Estas duas preocupações agravaram minha já velha misantropia. Restavam-me alguns amigos; deixei de vê-los. Prisioneiro do Livro, quase não saía à rua. Examinei com uma lupa a lombada gasta e as capas e rechacei a possibilidade de algum artifício. Comprovei que as pequenas ilustrações distavam duas mil páginas uma da outra. Fui anotando-as em uma caderneta alfabética, que não demorei a encher. Nunca se repetiram. De noite, nos escassos intervalos que a insônia me concedia, sonhava com o livro.

O verão declinava e compreendi que o livro era monstruoso. De nada me serviu considerar que não menos monstruoso era eu, que o percebia com olhos e o apalpava com dez dedos com unhas. Senti que era um objeto de pesadelo, uma coisa obscena que infamava e corrompia a realidade.

Pensei no fogo, mas temi que a combustão de um livro infinito fosse igualmente infinita e sufocasse o planeta de fumaça.

Lembrei haver lido que o melhor lugar para ocultar uma folha é um bosque. Antes de me aposentar trabalhava na Biblioteca Nacional, que guarda novecentos mil livros; sei que à mão direita do vestíbulo, uma escada curva se some no sótão, onde estão os periódicos e os mapas. Aproveitei um descuido dos empregados para perder o Livro de Areia em uma das úmidas prateleiras. Tratei de não me fixar em que altura, nem a que distância da porta.

Sinto um pouco de alívio, mas não quero passar pela Rua México.

Fonte:
Pequena Antologia para se Ler Jorge Luis Borges. Digital Source.

domingo, 13 de dezembro de 2015

Contos Populares do Tibete (O Primeiro Rei do Tibete)

Na época em que os tibetanos eram governados por doze chefes sem importância, havia muito descontentamento e muitas contendas, pois eles não tinham um chefe único e eram uma nação dividida. Foi durante esse período que o rei de Vatsa, na índia, teve um filho. A criança, porém, não era um menino normal, pois havia nascido com sobrancelhas de cor turquesa, pálpebras salientes e mãos espalmadas.

O rei estava muito aflito e toda a corte se mostrava assustada com o estranho menino. Assim foi que, querendo livrar-se dele, o rei ordenou que o colocassem numa caixa de cobre e que o lançassem ao Rio Ganges. Quando isto se efetivou, o rei e a rainha, assim como todos os do palácio, suspiraram aliviados por se verem livres, finalmente, daquele embaraçoso engendro da natureza.

O menino, entretanto, não morreu, pois foi achado por um camponês. Este, ao abrir a caixa e encontrar dentro dela a estranha criancinha, encheu-se de amor por ela e a levou para a sua casa, a fim de que vivesse como alguém de sua família. Dessa maneira, o menino passou uma infância feliz, amado e cuidado pelo camponês e por sua mulher.

Quando o menino se tornou moço, o camponês achou que já era hora de que conhecesse as suas estranhas origens. Contou-lhe, então, a história de como ele havia sido encontrado numa caixa de chumbo às margens do Ganges. E, para que o rapaz não tivesse a impressão de que havia sido abandonado, o camponês tratou de convencê-lo de que ele era alguém muito especial: na verdade, um "poderoso", nascido de berço rico. O moço, entretanto, se entristeceu muito ao ouvir a história do camponês, pois sempre havia acreditado que fazia parte da família deste, a quem considerava como pai. Em sua aflição, o rapaz fugiu em direção aos Himalaias e cruzou a fronteira do Tibete, onde passou dias e dias sozinho, ao abrigo das montanhas.

Nesse lugar, o moço acabou encontrando alguns sacerdotes tibetanos da antiga religião. Estes, ao verem o estranho jovem, tomaram-no por um deus, pois, ao lhe perguntarem quem era, ele respondera, simplesmente: "Um poderoso".(1) E quando lhe pediram para dizer de onde havia vindo, o rapaz indicara a direção da índia, do outro lado das montanhas — e os sacerdotes acreditaram que estivesse indicando os céus. Devido ao obstáculo da língua, os sacerdotes abandonaram os esforços para comunicar-se com ele; apenas fizeram com que o moço fosse colocado numa cadeira de madeira, que quatro homens carregaram às costas. E os sacerdotes declararam: "Vamos constituí-lo em senhor nosso".

E assim foi como ficou sendo conhecido "o poderoso da cadeira de mãos" e como o Tibete teve constituído o seu primeiro rei.(2)
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Notas
1. Este epíteto (em tibetano btsan-po) passou a ser aplicado a todos os reis do Tibete.
2. Este personagem lendário é conhecido em tibetano como Nyakhri Tsampo (Nyag-khri btsan-po).
Toda "felicidade que existe no mundo nasceu inteiramente do desejo do bem aos outros. Toda a infelicidade que existe nasceu do egoísmo.


Fonte:
Jayang Rinpoche. Contos Populares do Tibete. (Tradução: Lenis E. Gemignani de Almeida).

sábado, 12 de dezembro de 2015

II Concurso Estadual de Trovas da UBT Campos do Jordão/SP (Resultado Final)



Tema: "Inverno"
Vencedores
 1º.
Na primavera eu perfumo;
se é verão, queimo e bronzeio;
no outono sou fruto – assumo!-
e no inverno... eu ‘jordaneio!"
José Ouverney
(Pindamonhangaba/SP)
 .
2º.
Partiste... e com muito jeito,
a saudade, sem desvelos,
vai pondo inverno em meu peito
e neve nos meus cabelos...
Domitilla Beltrame
(São Paulo/SP)
 .
3º.
Saudade é dor que não sara,
e na alma deixa sequela,
inverno algum se compara,
ao frio da ausência dela!
Campos Sales
(São Paulo/SP)

Menção Honrosa

Esse calor que me invade,
junto à lareira aquecida,
também aquece a saudade
no inverno da minha vida.
Selma Patti Spinelli
(São Paulo/SP)
 .
Conserva o sorriso eterno
se sofres dor tão sombria...
- Pior que o frio do inverno
é manter tua alma fria!
José Valdez C. Moura
(Pindamonhangaba/SP)
 .
 3ª
Temos sempre em todo inverno,
pinha, pinheiro e pinhão;
jordanense quer eterno,
seu folclore e tradição.
Nadir Nogueira Giovanelli
(São José dos Campos/SP)
 .
Olho os céus... e num segundo,
a neve que o inverno traz,
parece a prece do mundo:
Rogando o branco da paz!...
Roberto Tchepelentyky
(São Paulo/SP)
 .
 5ª
Se vens, inverno, te aceito,
submisso estou à espera,
mas te previno: em meu peito
há estoques de primavera.
Elbea Priscila de Souza e Silva
(Caçapava/SP)
.
Nós somos inverno e estio
em comunhão comparada
à fúria do mar bravio
e a calma da madrugada…
Renata Paccola
(São Paulo/SP)

Silvana da Rosa (A mulher escritora e personagem nos contos de fadas) Parte VII

Em 1865, surge o clássico Alice no País das Maravilhas, criado pelo inglês Charles Lutwidge Dodgson, tendo como pseudônimo Lewis Carrol. Além dessa obra, em 1872, o autor publica Alice através do espelho e o que Alice encontrou lá.

Realmente, Carrol apresenta a personagem feminina mais próxima do espelho, mais condizente com a sua realidade. A menina Alice sobrepõe-se ao mundo real, ao universo masculino, uma vez que a protagonista assume atitudes até então pertinentes somente aos homens, bem como vive aventuras fora do âmbito familiar.

Nota: Leoni, referindo-se a Andersen, sustenta em sua obra que “no período romântico Hans Christian Andersen conquistou renome mundial com seus deliciosos contos que unem a ingenuidade pictórica com a delicada moral humana” (1966, p. 161-162).

Em 1900, o americano Lyman Frank Baum lança O maravilhoso feiticeiro de Oz, assim primeiramente intitulado, posteriormente foi denominado O mágico de Oz. Em O mágico de Oz, de Baum, o autor salienta as reais potencialidades da figura feminina, através da personagem - protagonista, que está longe da sociedade patriarcal que a comprime e asfixia.

De acordo com Novaes Coelho, “nessa época são criadas inúmeras coleções de livros infantis, que durarão até o início do século XX” (1991, p. 195), sendo que os escritores responsáveis por essas obras foram: Adolfo Coelho; Henrique Marques Júnior; João da Motta Prego; Manoel Pinheiro Chagas, entre outros. Percebe-se que, apesar da abundante literatura da época devido ao predomínio de escritores, a mulher ainda não tinha espaço, enquanto personagem, leitora e escritora, nem as obras escritas por homens privilegiavam o público feminino, além disso, os livros que eram destinadas às crianças, em especial às meninas, apresentavam expressivo cunho moralista.

Aliás, o ponto comum entre essas obras é a instrução didática que se inseriu na Literatura Infantil e esse elo continuou por muito tempo, até incentivar a rejeição dos brasileiros por modelos estrangeiros. No entanto, apesar de a mulher estar inserida nessa instrução “didático - literária”, evidentemente com a finalidade de ser boa filha, boa esposa, boa mãe, ainda se tinha o mundo bem diferenciado dos homens e das mulheres.

Conforme a reação negativa do povo em relação a modelos didáticos estrangeiros, principalmente vindos de Portugal, surge, assim, uma literatura mais próxima da realidade brasileira.

Desse modo, em meados do século XIX, surgiram inúmeras livros infantis voltados ao contexto brasileiro, mas, na verdade, o enfoque atribuído à mulher permanece o mesmo disseminado nas obras anteriores, ou seja, mulheres cruéis ou inexpressivas que necessitam de severa doutrinação. Sendo assim, foram publicadas as obras: O livro do povo (1861), de Antônio Marques Rodrigues; O método Abílio (1868), de Abílio César Borges; O amiguinho Nhonhô (1882), de Meneses Vieira; Série instrutiva (1882), de Hilário Ribeiro; Livros de leitura e série didática (1890), de Felisberto de Carvalho; Coisas brasileiras (1893), de Romão Puiggari; Série Puiggari/Barreto (1895), de Romão Puiggari e Arnaldo de Oliveira Barreto; Cartilha das mães (1895), de Arnaldo de Oliveira Barreto; Livros de leitura (1895), de João Kopke; Antologia nacional (1895), de Fausto Barreto e Carlos de Laet; Contos da carochinha (1896), de Figueiredo Pimentel e leituras infantis (1900), de Francisco Vianna.

Posteriormente e também seguindo a ideia nacionalista, Viriato Correia publica Era uma vez, em 1908; Olavo Bilac e Manuel Bonfim, com Através do Brasil, em 1910; Arnaldo de Oliveira Barreto, com Biblioteca infantil, em 1915 e Tales de Andrade, com Saudade, em 1919.

Segundo Novaes    Coelho, nos     anos 40, dissemina-se a literatura quadrinizada, juntamente com as coleções estrangeiras de “novelas de aventuras da literatura europeia ou norte-americana. Surgem traduções de romances românticos franceses, para o público feminino” (1991, p. 245). Nessa época, para as meninas– moças propagaram-se as coleções: Biblioteca das moças; Coleção menina e moça, Coleção rosa, Biblioteca das senhorinhas, de autores diversos. Visto que, a partir do momento em que novelas e romances são destinados à clientela feminina, percebe-se que novo enfoque é dado à mulher, o de leitora. Da mesma forma, é acessível às meninas-moças leitura selecionada. Evidentemente que, apesar de a mulher enfrentar restrições quanto ao tipo de leitura apropriada ao sexo feminino, por outro lado, ela já se inseriu no mundo intelectual como leitora.

Ainda    nessa    época, a literatura volta-se à    área da informação, consequentemente, os contos de fadas passaram a ser classificados como falsidades que distanciavam os leitores da realidade, incentivando a floração de sentimentos ilusórios nos mesmos. Aliás, de certo modo, as ideias de Rousseau, divulgadas no século XVIII, estavam sendo revigoradas dois séculos mais tarde.

Já Marly Amarilha (1997), referindo-se à Literatura Infantil, salienta que essa foi criada nas últimas décadas do século XVIII, visando aculturar a novos padrões civilizatórios os pequenos leitores. Padrões esses advindos a partir da Revolução Francesa e da crescente industrialização mundial, por isso obras instrucionais e pouco ou nada lúdicas surgiram.

Contudo, somente após o século XIX é que as crianças brasileiras tiveram acesso a textos dessa natureza:

E somente em fins do século XVIII que se consolida um conceito mais específico do que seja infância. A necessidade de se educar essa nova geração e introduzi-la nos moldes civilizatórios que se impunham, com a Revolução Francesa e o processo de industrialização, em toda a Europa, criavam também espaço para a produção cultural ao público emergente.
 
Nasce, assim, uma literatura de cunho didático, em que o lúdico é apenas um recurso para a instrução. A partir de critérios pedagógicos, os livros que compunham as bibliotecas dos adultos foram adaptados para as crianças. As fontes foram diversas: os contos populares, lendas e fábulas se constituíram no primeiro repertório de literatura para as crianças. Essa literatura não tinha um objetivo puramente estético, mas nela predominava o tom instrucional e pedagógico, o que contribuiu para diminuir-lhe o status frente a outras manifestações artísticas. No Brasil, a Literatura Infantil demora a se manifestar. E em torno de 1900 que podemos traçar os primeiros textos dessa natureza, mas aqui também ela se apresenta com as características encontradas na Europa. (AMARILHA, 1997, p. 46)
                     
A partir dos anos 50, a literatura redescobre a fantasia, visto que se percebeu que o lúdico e a magia são itens indispensáveis para se compor a Literatura Infantil. Assim, as histórias em quadrinhos também se disseminaram mundialmente e, no Brasil, a tradução de Beyond (Terror negro) é realizada, e outras histórias surgem, como Histórias macabras (Thomas Morgan); O homem invisível (Tiradez); A garra cinzenta (Bremond/Renato Silva). Além disso, surge Monteiro Lobato, com Narizinho arrebitado, uma espécie de re - escritura das antigas fábulas.

Lajolo e Zilberman teceram comentários a respeito da preocupação de Monteiro Lobato em criar uma Literatura Infantil e Infanto-juvenil especialmente para esse público, pois, antes dele, tinha-se a coletânea de contos de origem europeia, a qual foi, inicialmente, criada para os adultos e, após, adaptada ao público infantil.

Em 1921, Monteiro Lobato publica Narizinho Arrebitado, após ter se preocupado com a literatura infantil, conforme sugere a correspondência trocada com Godofredo Rangel, com quem comenta a necessidade de se escreverem histórias para crianças numa linguagem que as interessasse. (LAJOLO e ZILBERMAN, 1984, p. 45)
                     
Anteriormente a Lobato, já era motivo de preocupação de Romão Puiggari a carência de obras que valorizassem os temas brasileiros, tanto que, em Coisas Brasileiras (1893), ele apresenta, no prefácio de seu livro, o apelo de José Veríssimo a favor da valorização do nacionalismo. Novaes cita o que José Veríssimo afirma:

neste levantamento geral que é preciso promover a favor da educação nacional, uma das mais necessárias reformas é a do livro de leitura. Cumpre que ele seja brasileiro, não só feito por brasileiros, que não é o mais importante, mas brasileiro pelos assuntos, pelo espírito, pelos autores trasladados, pelos poetas reproduzidos e pelo sentimento nacional que o anime. (VERÍSSIMO apud NOVAES, 1991, p. 213)                     
Verifica-se que o interesse pela criação de uma literatura nacionalista era crescente, mas, quanto à figura feminina, esta mostrava-se ainda marginalizada, vista como leitora de obras escritas e selecionadas por homens.

Nos anos 50, alguns contos já haviam sido produzidos pela mídia, através de filmes e desenhos animados cinematográficos, consolidados posteriormente até os nossos dias. Evidentemente que, com essa mudança de suportes (do livro à televisão), alguns personagens perderam ou acentuaram expressivamente as suas características originais. Consequentemente, a publicação e a difusão dessas obras alcançaram o sucesso e o território mundial. Contudo, na maior parte das vezes, os valores patriarcais cultuados tanto nas linhas como nas entrelinhas desses livros, mesmo no discurso televisivo, ainda vigoraram pelas décadas seguintes.

A década de sessenta marcou-se como o período em que inúmeras traduções e adaptações de livros juvenis foram realizadas a partir de obras conhecidas no âmbito literário. Nos anos 70-80, o universo de homens escritores ainda predominava, porém o número de escritoras começava a se mostrar mais animador, tendo em vista as décadas anteriores em que a participação feminina na escritura e publicação de obras era pouco expressiva.

De acordo com isso, os escritores de diversos gêneros literários – e não somente de contos de fadas - dos anos 80, foram, entre outros: Amaury Braga da Silva, Assis Brasil, Antônio Hohlfeldt, Carlos Moraes, Josué Guimarães, Jorge Miguel Marinho, Libério Neves, Lourenço Diaféria, Lino Albergaria, Luiz Galdino, Luís Puntel, Luís Camargo, Pedro Bandeira, Ricardo Azevedo, Ricardo da Cunha Lima, Roniwalter Jatobá. E, nesse contexto de homens escritores, nota-se que a presença masculina realmente era abundante e dominante, enquanto isso, a mulher tentava firmar-se como escritora em território hostil.

Percebe-se que, através das obras dos escritores vistos, houve muitos retrocessos que impossibilitaram a inclusão feminina efetiva no contexto literário. É bem verdade que escritores como Comenius, Andersen, Carrol, Baum e Lobato possibilitaram que a sociedade observasse a personagem feminina sob prisma diferenciado, mas ainda muito faltava para que o sistema vigente, condicionado por obras e discursos que repetiam e disseminavam falsos moralismos, valorizasse a mulher em semelhante posição à do homem.

continua…

Fonte:
Silvana da Rosa. Do tempo medieval ao contemporâneo: o caminho percorrido pela figura feminina, enquanto escritora e personagem, nos contos de fadas. Dissertação de Mestrado em Letras. Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), 2009