domingo, 25 de fevereiro de 2018

SÁ de Carvalho

Silvia Alice de Carvalho Soares - assinatura usada nas obras: SÁ de Carvalho , nascida em Lavras, Estado de Minas Gerais, casada, mãe , avó e bisavó, residente em Angra dos Reis desde os quatro anos de idade.

Membro da Delegacia da União Brasileira de Trovadores de Angra dos Reis (UBT-Angra), acadêmica do Ateneu Angrense de Letras e Artes de Angra dos Reis (AALA).

Publicou dois livros de contos e crônicas : Chronos e o segundo, Mosaico.

Tem participação nas coletâneas da Daya Editora -São Paulo-Revoada de Sonhos I e Revoada de Sonhos II; no projeto da AMPLA - consciência cultural - livro coletivo sobre as impressões, os contos e histórias cotidianas de Angra dos Reis, cujo título é Histórias e Imagens de Angra dos Reis. Participa com trovas , poesias versos livres, sonetos e textos em prosa nas publicações da revista semestral do AALA e do Concurso de Poesia Brasil dos Reis (anual) , obtendo premiações nesses eventos , bem como no Concurso de Pintura Brasil dos Reis( anual). Participação da autora no Concurso de Contos Alípio Mendes , promovido pelo AALA, sem premiação.

Fonte: A poetisa

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Maria Verginia Gonçalves dos Santos (Raízes Africanas)



OLODUNMARÉ

Na Mitologia africana, há um Deus
O qual criou o universo e tudo se deu

Seu nome é OLODUNMARÉ
Governa o mundo com muito axé

Revela-se como vivente eterno
Onipresente, onisciente e fraterno

OLODUNMARÉ se faz presente
Criou planetas, a luz, divinamente

Criou o sol, satélites, as estrelas, a lua
Mas as galáxias, também, é criação sua

Do planeta Terra, ele cuidou com carinho
Em nosso planeta fixou seu larzinho

Na Terra, elegeu a Mãe África com autenticidade
Mãe de Nosso Planeta, Mãe da hereditariedade

MESTIÇA WANGOLE

Sou brasileira, maringaense, mestiça, porém parda
Tenho cabelos encaracolados, pintas e algumas sardas

Carrego em minhas raízes a ancestralidade africana
Meu coração está lá, como uma mulher angolana

Me inspiro na obra o Pensador, emblema de Angola
Símbolo referencial cultural inerente aos wangoles

Pensador, amuleto arte esculpida fidedigna angolana
Exprime sentimentos, das relações fictícias e humanas
Como o Pensador, penso repenso a Oralidade africana
De característica rural antiga tradicional e a nova urbana

Sou mestiça, gingo, Semba, Kuduro Kizomba, Funaná e Samba
Com raízes Kimbundu, Tcchokwe, Umbundu e Bakonga*

Como feijão de óleo de palma e galinha de cabiri e muamba
Sou afro-brasileira com ancestralidade de Angola, Luanda

Nota: * Tribos angolanas


         Maria Verginia Goncalves dos Santos nasceu em Maringá. Professora, advogada e pesquisadora sobre a cultura africana e afro-brasileira, é formada em Pedagogia pela UEM, Especialista em Educação Infantil e Mestre em Fundamento da Educação (UEM), bacharel em Direito pela Faculdade Maringá, especialista em Direito pela Escola de Magistratura do Paraná, e coordenadora do Projeto Abrindo Gavetas, em prol da Cultura Africana e Afro-brasileira. Coordenadora do projeto “Abrindo Gavetas” em prol da diversidade cultural, gênero e etnias.

Fonte: Africa/afro. 20 Informar. Coleção Estudos & Pesquisas Africanas. Maringá: Matioli, 2009

A. A. de Assis (Pacote de Poesia)




Pacote de Poesia

     Carregada de magia, sonoridades, emoções e sentimentos, a poesia é um meio privilegiado de despertar o amor pela leitura escrita. Os artífices, por dotar de encanto as palavras, são os poetas que buscam mostrar um pouco do mundo e de si, usando como forma de expressão a poesia.
     Com o objetivo de levar a poesia ao cotidiano das pessoas de forma lúdica, o Sesc Paço da Liberdade, por meio dos Pacotes de Poesia, vem há muito divulgando parte da arte poética de grandes nomes da língua portuguesa.
     Os famosos pacotes de poesia têm formato simples e dinâmico, que se utiliza das características de uma embalagem em papel kraft, semelhante a de um pacote de pão, caracterizado com uma ilustração. As embalagens vêm acompanhadas de filipetas contendo parte da obra do poeta homenageado e são distribuídos de forma gratuita na unidade do Sesc Paço da Liberdade e em diversas instituições de educação e cultura do Paraná.
     Além de transmitir os sentimentos dos poetas, o projeto busca, de forma lúdica, semear a poesia e fomentar o hábito de leitura.
     Bom mergulho no universo poético.

Alguns Triversos deste pacote do poeta:
Zunzunzum... zunzum...
É um pernilongo brincando
de fórmula um.

Quantas vezes, ah,
eu vi o pião rodar.
E os anos também.

Alô... é da Lua?...
Manda uma cheia, com flores,
para a minha amada.


     O professor, jornalista e poeta Antonio Augusto de Assis (A. A. de Assis) é fluminense de São Fidélis, nasceu no dia 7 de abril de 1933. Como docente, A. A. de Assis atuou na Universidade Estadual de Maringá; como jornalista exerceu a função de diretor nos jornais "Tribuna de Maringá" e "Folha do Norte do Paraná", além de atuar nas revistas "Novo Paraná" (NP) e "Aqui". Trovador premiado no Brasil e no exterior, A. A. de Assis possui diversas publicações e atuações em antologias poéticas, entre as quais podemos destacar: Robson (poemas); Itinerário (poemas); Coleção Cadernos de A. A. de Assis - 10 volumes (crônicas, ensaios e poemas); Poêmica (poemas); Caderno de Trovas; Tábua de Trovas; A. A. de Assis - vida, verso e prosa (autobiografia e textos diversos). Em e-books: Triversos travessos (poesia); Novos triversos (poesia); A língua da gente (linguagem); Microcrônicas (textos curtos); A província do Guairá (história); Antologia 100 trovas inesquecíveis (coord). O poeta é integrante da Academia de Ltras de Maringá e da União Brasileira de Trovadores - seção de Maringá-PR. Visite a página de A. A. de Assis (http://aadeassis.blogspot.com.br) e conheça um pouco mais sobre esse artista de várias faces poéticas.

Fonte: A. A. de Assis (Pacote de Poesia)

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Fernando Pessoa (Quadras ao Gosto Popular) III


Compras carapaus ao cento,
Sardinhas ao quarteirão.
Só tenho no pensamento
Que me disseste que não.

Duas horas te esperei.
Duas mais te esperaria.
Se gostas de mim não sei...
Algum dia há de ser dia...

Nuvem alta, nuvem alta,
Porque é que tão alta vais?
Se tens o amor que me falta,
Desce um pouco, desce mais!

A luva que retiraste
Deixou livre a tua mão.
Foi com ela que tocaste,
Sem tocar, meu coração.

Rouxinol que não cantaste,
Gaio que não cantarás,
Qual de vós me empresta o canto
Para ver o que ela faz?

Quando chegaste à janela
Todos que estavam na rua
Disseram: olha, é aquela,
Tal é a graça que é tua!

«Vou trabalhando a peneira
E pensando assim assim.
Eu não nasci para freira.
Gosto que gostem de mim.»

Roseiral que não dás rosas
Senão quando as rosas vêm,
Há muitas que são formosas
Sem que o amor lhes vá bem.

«Vesti-me toda de novo
E calcei sapato baixo
Para passar entre o povo
E procurar quem não acho.»

O vaso do manjerico
Caiu da janela abaixo.
Vai buscá-lo, que aqui fico
A ver se sem ti te acho.

O cravo que tu me deste
Era de papel rosado.
Mas mais bonito era inda
O amor que me foi negado.

Trazes os sapatos, pretos
Cinzentos de tanto pó.
Feliz é quem tiver netos
De quem tu sejas avó!

Puseste a chaleira ao lume
Com um jeito de desdém.
Suma-te o diabo que sume
Primeiro quem te quer bem!

Lá vem o homem da capa
Que ninguém sabe quem é...
Se o lenço os olhos te tapa
Veio os teus olhos por fé.

Loura dos olhos dormentes,
Que são azuis e amarelos,
Se as minhas mãos fossem pentes,
Penteavam-te os cabelos.

Traze-me um copo com água
E a maneira de o trazer.
Quero ter a minha mágoa
Sem mostrar que a estou a ter.

Olha o teu leque esquecido!
Olha o teu cabelo solto!
Maria, toma sentido!
Maria, senão não volto!

Lavadeira a bater roupa
Na pedra que está na água,
Achas minha mágoa pouca?
É muito tudo o que é mágoa.

O teu lenço foi mal posto
Pela pressa que to pôs.
Mais mal posto é o meu desgosto
Do que não há entre nós.

Teu vestido porque é teu,
Não é de cetim nem chita.
É de sermos tu e eu
E de tu seres bonita.

Meu coração é uma barca
Que não sabe navegar.
Guardo o linho na arca
Com um ar de o acarinhar.

Caiu no chão o novelo
E foi-se desenrolando.
Passas a mão no cabelo.
Não sei em que estás pensando.

A tua saia, que é curta,
Deixa-te a perna a mostrar:
Meu coração já se furta
A sentir sem eu pensar.

Vai longe, na serra alta,
A nuvem que nela toca...
Dá-me aquilo que me falta —
Os beijos da tua boca.

Entornaram-me o cabaz
Quando eu vinha pela estrada.
Como ele estava vazio,
Não houve loiça quebrada.

Castanhetas, castanholas —
Tudo é barulho a estalar.
As que ao negar são mais tolas
São mais espertas ao dar.

O manjerico e a bandeira
Que há no cravo de papel —
Tudo isso enche a noite inteira,
Ó boca de sangue e mel.

Lenço preto de orla branca -
Ataste-o mal a valer
À roda desse pescoço
Que tem que se lhe dizer.

Aquela loura de preto
Com uma flor branca ao peito,
É o retrato completo
De como alguém é perfeito.

Ó pastora, ó pastorinha,
Que tens ovelhas e riso,
Teu riso ecoa no vale
E nada mais é preciso.

PESSOA, Fernando, Quadras ao gosto popular, Lisboa, Ática, 1994.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

João Batista Xavier Oliveira (Trovas Collection) V

Fonte: O Trovador

Érico Veríssimo (As Aventuras de Tibicuera) Capítulos 25 a 28

25 — OLHEM A HOLANDA
Examinem um mapa dessa pobre Europa desgraçada pela guerra. Estão vendo aquele pequeno país apertado entre a Bélgica, a Alemanha e o Mar do Norte? É a Holanda. Tem apenas 33 000 quilômetros quadrados. É menor que o nosso Estado de Sergipe. Tem pouco mais de oito milhões de habitantes. Era um exemplo de paz e trabalho, o que não impediu que os exércitos de Hitler a invadissem, bombardeando-lhe implacavelmente as cidades e aldeias. Em pouco tempo a bela terra dos moinhos e das tulipas foi dominada pelo invasor. No mundo moderno a Holanda não é o que se chama uma Grande Potência.

Entretanto, no século XVII a situação da Holanda era diferente. Os holandeses eram um povo de marinheiros, de descobridores, de conquistadores, de colonizadores. (A maior conquista que fizeram até hoje foi a da própria terra, que eles arrebataram corajosamente ao mar. Não esqueçam de que a Holanda é um país que fica abaixo do nível do mar.) Com apenas um milhão e quinhentos mil habitantes, era a Neerlândia uma potência naval de primeira ordem. Vivia em guerra com as outras grandes nações da Europa daquele tempo: Espanha, França e Inglaterra.

Na Europa contavam-se maravilhas do Brasil. Era uma terra prodigiosamente rica: dava pedras e madeiras preciosas, dava ouro, dava prata, dava tudo. Ora, os holandeses, que já tinham fundado a Companhia das Índias Orientais, para explorar a Índia, resolveram promover o Brasil à categoria de Índia e criaram a Companhia das Índias Ocidentais.

A Holanda não se achava em guerra com a Espanha? O Brasil não pertencia agora à Coroa espanhola? Aí estava uma boa desculpa...

26 — A PRIMEIRA INVASÃO HOLANDESA
Estávamos no ano de 1624. Eu me encontrava na Bahia, já cansado de alguns anos de vida sem aventuras. De repente ouvi uma gritaria que vinha dos lados da praia. Corri para lá e me aproximei dum grupo que falava alto e apontava para a entrada da enseada. Uns vinte e seis navios viajavam na direção do porto. Traziam bandeiras desconhecidas nos mastros. Era um espetáculo maravilhoso o daquelas velas branquejando entre o mar verde e o céu azul.

Amigos ou inimigos? — era a pergunta que todos faziam.

Em breve ficamos sabendo de tudo. Tratava-se duma armada holandesa — uma frota de 26 naus — com 3000 homens e mais de quinhentas bocas-de-fogo. O governador da Bahia preparou-se para defender a cidade. Os holandeses deram um tiro de salva. Mandaram emissários com uma bandeira de paz. Mas os defensores da cidade responderam à salva com um tiro de verdade.

Começou a batalha. Eu dava pulos, não sabendo que fazer. Estava desarmado. Não conhecia ninguém. Não tive outro remédio senão ficar olhando da praia, bem como um “torcedor” olha uma partida de “pingue-pongue”, voltando a cabeça dum lado para outro, olhando os tiros dos navios para a cidade e da cidade para os navios.

Para resumir: os holandeses venceram, tomaram conta de Salvador. E ainda não tinham morrido os ecos de suas trombetas e de seus gritos de vitória, quando surgiu uma expedição luso-espanhola comandada por D. Fradique de Toledo Osório e acabou a festa dos invasores. Houve luta feroz. Os holandeses foram derrotados e D. Fradique e sua gente entraram festivamente na cidade.

Eu estava revoltado. Fora obrigado a assistir às lutas, por assim dizer, de camarote. Isso era contra o meu temperamento. Oh! Mas eu mal sabia que os holandeses ainda nos iam dar trabalho.

Se eu quisesse contar com minúcias o que foram as nossas guerras contra as duas invasões das gentes de Holanda, teria de escrever quinhentas páginas e ainda ficaria muita coisa por contar.

27 — A SEGUNDA INVASÃO
O Brasil era uma tentação. A Holanda preparou durante o ano de 1629 uma grande frota de 50 navios com o fim de empreender a conquista definitiva do Brasil. (É bom notar que essa grande frota hoje poderia ser içada inteirinha para bordo do transatlântico “Normandie”, sem perturbar em absoluto a vida dos passageiros ou o trabalho da tripulação...)

Dessa vez o alvo dos conquistadores foi Recife, cuja defesa era comandada por Matias de Albuquerque. Em breve chegaram a meus ouvidos os ruídos da batalha. Os patriotas resistiram, mas cinquenta navios, 1100 canhões e 8000 homens treinados na arte da guerra não são brincadeira de criança. Recife e Olinda foram tomados em fevereiro de 1630 e Matias de Albuquerque, com os homens que lhe restavam, fundou uma praça de guerra — o Arraial do Bom Jesus — entre os Rios Beberibe e Capibaribe.

Ora, por esse tempo eu tinha algumas economias. Comprei um burro, montei nele e fui para o Recife. A viagem foi dura O burro morreu no caminho, vítima de uma onça. Mas a onça também ficou estendida na estrada, porque Tibicuera não tinha esquecido suas artimanhas de caçador.

Mais morto que vivo cheguei ao Arraial do Bom Jesus e me apresentei a Matias de Albuquerque. Ganhei um facão, um arcabuz e uma espada.

28 — GUERRA DE EMBOSCADAS
Que podia fazer um grupo de homens mal-armados contra oito mil soldados profissionais? A única esperança nossa estava na guerra de emboscadas. Uma noite fui escolhido para comandar um grupo que saiu na direção do Recife. A escuridão era grande, pois no céu não havia lua e as estrelas
estavam quase apagadas. Caminhavam em silêncio, às vezes nos arrastando como lagartos. À margem do Beberibe encontramos uma patrulha holandesa. Seriam uns vinte soldados. Vinham cantando e falando alto. Como achei estranha e pitoresca a língua deles! Ficamos acocorados atrás de arbustos, esperando.

Quando os inimigos se aproximaram, soltei um berro: “Agora!” Nossos homens se precipitaram. Foi uma luta corpo a corpo. Procurávamos evitar que os inimigos gritassem por socorro. O mais terrível de tudo era o silêncio. Um dos holandeses deitou a correr na direção da cidade. Agarrei-me às pernas dele. Derrubei-o e caí-lhe em cima, dominando-o. Quinze minutos depois, cansados, empoeirados, feridos, voltamos para o arraial. Levávamos arcabuzes, espadas, elmos, couraças e munições frescas.

E assim era a nossa guerra. Os holandeses um dia nos atacaram. Mas Matias de Albuquerque era astuto. Ideou e pôs em prática um plano tão hábil, que, com sua pouca gente posta de tocaia em diversos pontos, conseguiu envolver e vencer os invasores.

A minha maior proeza na guerra contra os holandeses foi a que vou contar agora. Uma noite tive uma ideia maluca Resolvi prender fogo na frota que estava fundeada diante da cidade de Recife.

Fonte:
Érico Veríssimo. As aventuras de Tibicuera, que são também do Brasil. (Texto revisto conforme Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em vigor em 2009). Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1937.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

João Batista Xavier Oliveira (Trovas Collection) IV


Olivaldo Júnior (Mais 3 Minicontos de Amor)

O MESMO ÔNIBUS

Maria pegava sempre o mesmo ônibus para a escola. Moça, encantara-se pelo motorista da linha. Ele, José, seu criado, mal sabia da existência dela. Era 'o' profissional.

O caso é que, para chamar a atenção do rapaz, Maria passou a se vestir de modo extravagante, só para ver se José reparava nela. Nada, ele era sério demais para encará-la.

Centenas de looks depois (e uma grana gasta em shopping), Maria, sem remédio, ficou de cama uma semana e, ao sarar, de volta à cena, deixou de tomar enfim o mesmo ônibus...

SE ENAMORA

Homem feito, ainda adorava aquele hit da Turma do Balão Mágico, não sei se você conhece, o Se enamora. Não podia ouvir os acordes iniciais da canção, que se emocionava.

Lembrava dos recreios em sua escola, quando comia a merenda e saía correndo para o pega-pega com os amigos da escola. Não pensava em namorar, nem nada. Gostava da vida.

Hoje, do alto de seus mais de trinta anos, olha para trás e quase não vê mais o rosto alegre do menino de outrora. Se enamora ainda é uma utopia. E o balão, não é mais mágico.

UMA ESTRELA NO SUCO


O jovem não sabia que o amor é um céu de chuva que se reveste de sol, só para enganar os mais 'afoitos'. Duas e quinze da tarde, e chovia muito. No shopping, se abrigou.

Já que estava ali, pediu um suco. Quem lhe veio trazer o néctar dos deuses foi justamente sua ex-namorada. Surpresa! Como estava mais bela!... Serviu-lhe o suco e saiu.

Quem disse que o suco lhe descia goela abaixo? Na garganta, o 'Eu ainda te amo' não deixava o suco descer. Quando o tomou, uma estrela pontiaguda desceu junto. Doeu muito.

Fonte: O Autor

Fernando Pessoa (Quadras ao Gosto Popular) II


Teu xale de seda escura
É posto de tal feição
Que alegre se dependura
Dentro do meu coração.

O manjerico comprado
Não é melhor que o que dão.
Põe o manjerico ao lado
E dá-me o teu coração.

Rosa verde, rosa verde,...
Rosa verde é coisa que há?
É uma coisa que se perde
Quando a gente não está lá.

A rosa que se não colhe
Nem por isso tem mais vida.
Ninguém há que te não olhe
Que te não queira colhida.

Andorinha que passaste,
Quem é que te esperaria?
Só quem te visse passar
E esperasse no outro dia.

Nuvem do céu, que pareces
Tudo quanto a gente quer,
Se tu, ao menos, me desses
O que se não pode ter!

Vai alta a nuvem que passa.
Vai alto o meu pensamento
Que é escravo da tua graça
Como a nuvem o é do vento.

Ambos à beira do poço
Achamos que é muito fundo.
Deita-se a pedra, e o que eu ouço
É teu olhar, que é meu mundo.

Aquela senhora velha
Que fala com tão bom modo
Parece ser uma abelha
Que nos diz: «Não incomodo.»

Dás nós na linha que cose
Para que pare no fim.
Por muito que eu pense e ouse,
Nunca dás nó para mim.

Boca com olhos por cima
Ambos a estar a sorrir...
Já sei onde está a rima
Do que não ouso pedir.

Tinhas um pente espanhol
No cabelo português,
Mas quando te olhava o sol,
Eras só quem Deus te fez.

Boca de riso escarlate
E de sorriso de rir...
Meu coração bate, bate,
Bate de te ver e ouvir.

Acendeste uma candeia
Com esse ar que Deus te deu.
Já não é noite na aldeia
E, se calhar, nem no céu.

As gaivotas, tantas, tantas,
Voam no rio pró mar...
Também sem querer encantas,
Nem é preciso voar.

As ondas que a maré conta
Ninguém as pode contar.
Se, ao passar, ninguém te aponta,
Aponta-te com o olhar.

Todos os dias que passam
Sem passares por aqui
São dias que me desgraçam
Por me privarem de ti.

Não sei que grande tristeza
Me fez só gostar de ti
Quando já tinha a certeza
De te amar porque te vi.

A mantilha de espanhola
Que trazias por trazer
Não te dava um ar de tola
Porque o não podias ter.

O moinho de café
Mói grãos e faz deles pó.
O pó que a minh'alma é
Moeu quem me deixa só.

Boca de riso escarlate
Com dentes brancos no meio,
Meu coração bate, bate,
Mas bate por ter receio.

Se há uma nuvem que passa
Passa uma sombra também.
Ninguém diz que é desgraça
Não ter o que se não tem.

Tu, ao canto da janela,
Sorrias a alguém da rua.
Porquê ao canto, se aquela
Posição não é a tua?

Há grandes sombras na horta
Quando a amiga lá vai ter...
Ser feliz é o que importa,
Não importa como o ser!

Tenho um livrinho onde escrevo
Quando me esqueço de ti.
É um livro de capa negra
Onde inda nada escrevi.

Meu coração a bater
Parece estar-me a lembrar
Que, se um dia te esquecer,
Será por ele parar.

Trazes o vestido novo
Como quem sabe o que faz.
Como és bonita entre o povo,
Mesmo ficando para trás!

A tua boca de riso
Parece olhar para a gente
Com um olhar que é preciso
Para saber que se sente.

Tome lá, minha menina,
O ramalhete que fiz.
Cada flor é pequenina,
Mas tudo junto é feliz.

O avental, que à gaveta
Foste buscar, não terá
Algibeira em que me meta
Para estar contigo já?

PESSOA, Fernando, Quadras ao gosto popular, Lisboa, Ática, 1994.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

João Batista Xavier Oliveira (Trovas Collection) III

Fonte: O Trovador

Olivaldo Júnior (Um passarinho só)


Era uma vez um passarinho. Ou seria um poeta? Bem, era uma vez um passarinho. Um passarinho só. Pássaro que, por um breve momento de sua vida, pensou ter achado os seus para estar entre eles com toda a liberdade. Ledo engano!... Assim como disse a poeta Orides Fontela num de seus versos, "muito além é o país do acolhimento". Ora, ora, ele que não esperaria para ver o trem da vida aparecer no tal país, porque não apareceria mesmo.

Sozinho outra vez, passou a voar na Internet, onde não se voa, mas se navega. Transgressor sem dar na vista, ele voava, deixando rastros, migalhas na tela, para, caso quisesse, um dia poder fazer o caminho de volta, indo direto para casa. Mas onde ficava mesmo sua casa? Onde era seu ninho? Não se lembrava mais, ou, melhor ainda, lembrava-se, mas não era mais possível voltar. Era só e, sozinho mesmo, continuaria. E era tão difícil!

Dia após dia, o mesmo aparente pássaro de sempre voava e voava em busca de.. O que é que ele procurava mesmo? Ah! Muitas vezes lhe fugia a ideia daquilo que estava mesmo buscando, à procura, ou querendo, então, nessas horas, cantava, deixando seu canto ir no ar e no mar de intenções da Internet, a fim de, quem sabe, achar outro náufrago que o escutasse e quisesse trocar umas letras com ele. Muitos, embora o ouvissem, não ligavam.

Cansado, com o peso de suas asas de palavras sobre as costas, sentia a lágrima prender-lhe o canto, e não queria mais saber de nada. O céu azul se escurecia, e a negra noite à luz da alma se instalava, sem perdão. Perdão, onde andará seu caro amigo, que gostava de Baden Powell e outros mais, e sumira no ar como fumaça? Não sabia. Estava só. Cansado de canto, de estrelas trazidas à boca e devolvidas à página, onde brilhavam, sozinhas, por ele.

Fonte:  O Autor

Érico Veríssimo (As Aventuras de Tibicuera) Capítulos 21 a 24

21 — UMA AVENTURA VERTIGINOSA
 
O sol brilhava forte e eu já estava cansado da minha posição. Resolvi sair do esconderijo. Preguei sem querer um grande susto no primeiro marinheiro que me apareceu pela frente.

— Cruzes! — gritou ele, levando a mão à espada.

Fiz um gesto de paz e disse:

— Amigo!

Levaram-me à presença do capitão. Disse-lhe meu nome. Falei em Anchieta e no desejo que eu tinha de combater os franceses. Afirmei-lhe que era valente e hábil na guerra. Quiseram experimentar-me.

— Vamos ver se és ágil e forte. Sobe até o topo daquele mastro. Não hesitei. De um salto agarrei-me à primeira corda que vi. Subi por ele até a primeira verga. Depois abracei o mastro grande e, em poucos minutos, estava no cesto da gávea, pregando outro susto no vigia, que quase me jogou para baixo, julgando ver em mim um fantasma de pele bronzeada.

— Muito bem! — disse o capitão quando pisei de novo as tábuas do convés.

Deram-me pequenos serviços a fazer. Passaram-se alguns dias. A expedição parou em diversos portos para receber reforços. Dois meses depois de nossa saída da Bahia avistamos o inimigo. À tarde começamos o ataque. Nem posso descrever o que foi aquele combate. Só me lembro é de que o vermelhão do crepúsculo se confundia com o vermelhão dos fortes franceses incendiados, com o fulgor das explosões e com o relampejar dos canhões e arcabuzes. No princípio julguei que íamos ser vencidos. Mas depois sentimos o inimigo enfraquecer. Só ficou um forte a resistir, duro, vomitando fogo contra nós.

No meio do barulho infernal da luta, berrei ao ouvido do comandante o meu plano. Ele o achou maluco mas me ordenou a pô-lo em prática. Fiz descerem ao mar um bote pequeno. Joguei para dentro dele duas barricas de pólvora. Comecei a remar com fúria rumo da fortificação que ainda resistia. Por cima de minha cabeça zumbiam projéteis. As pobres estrelas da noitinha estavam sem brilho, como num desmaio. A água do mar dava a impressão de chumbo derretido. E eu remava, remava... O suor escorria pelo meu corpo. Consegui aproximar-me do forte sem ser visto. A proa do meu barco tocou a paliçada. Lá dentro ardia uma fogueira. Calculei a posição dela e arremessei uma barrica. Um estrondo. Joguei a segunda. Nova explosão. Os inimigos gritavam e corriam. Era o pânico. Era a derrota.

Só sei que horas depois, com o corpo todo chamuscado, esfolado e dolorido, eu estava deitado na praia.

22 — ESTRELAS E DIAMANTES
Não voltei mais para bordo. O tempo curou minhas feridas, apagou meu cansaço. O mar me deu alimento. Os rios, água fresca e boa. Andei à toa. Atravessei os matos sem medo dos espíritos maus, porque agora eu era cristão e a cruz de Anchieta ia comigo.

Cheguei ao porto de Santos. Contava-se que Mem de Sá mandara Brás Cubas com um grupo de homens explorar o sertão em busca de ouro e pedras preciosas. Eu achei aquilo muito engraçado. De que valia o ouro? De que
valiam as pedras preciosas? O que havia de gostoso era a aventura. Consegui um lugar na expedição. Achamos ouro. Descobrimos belas pedras. E uma noite, quando o acampamento dormia, olhei para o céu e disse para mim mesmo: Não há pedras mais bonitas que as estrelas com que Deus enfeita as suas noites. Essas, Brás Cubas não pega.

23 — TORNO A ENCONTRAR ANCHIETA
Uma das maiores alegrias que senti depois que deixei o bando de Brás Cubas foi no meu segundo encontro com Anchieta. A coisa se passou assim. Os índios tamoios estavam, como eu já disse, reunidos numa confederação muito forte que atacou a Vila de São Paulo, onde se achavam os jesuítas e alguns índios fiéis comandados por Tibiriçá. O primeiro ataque foi repelido. Os tamoios se retiraram a fim de juntar mais gente para uma segunda investida. São Paulo não poderia resistir ao segundo golpe. Então os Padres Anchieta e Nóbrega foram corajosamente procurar o Cacique Coaquira, chefe tamoio, no aldeamento de Iperoig. Ora, eu sempre me julgara corajoso porque enfrentara inimigos armados de tacape, arco e frecha. Mas passei a me considerar miserável quando vi (sim, porque eu vi) aqueles dois homens irem sorrindo e de mãos vazias ao encontro dos ferozes tamoios. Acompanhei-os até Iperoig, segui-os de longe como um cachorrinho que não está certo da aprovação do dono.

Graças a Anchieta e a Nóbrega negociou-se a paz. Nunca mais esqueci aquele dia em Iperoig. Anchieta estava à beira do mar, escrevendo na areia branca um poema à Virgem. Fiquei parado, olhando. O vulto negro do padre se recortava contra o céu sem nuvens. O mar gemia. As ondas vinham lamber os pés do apóstolo. E com a ponta duma vara ele riscava as palavras do poema...

Foi então que Anchieta me explicou o que era poesia, o que vinha a ser uma sextilha, um soneto. Tive desejos ferozes de ser poeta. E nos dias que se seguiram andei riscando na areia coisas absurdas, poemas sem sentido em que o Tupi se misturava com o Português.

Depois da paz de Iperoig tomei parte num grande combate. Os franceses se haviam estabelecido de novo na baía do Rio de Janeiro. (É curioso. A atração dos estrangeiros pela Baía da Guanabara continua forte até hoje. Felizmente eles nos chegam na qualidade de turistas e não de piratas...) O Governador Mem de Sá veio em pessoa combater os invasores. Foi uma batalha muito linda. Imaginem vocês as águas desta baía coalhadas de igaras! E uma chuva de flechas escurecendo o ar. E os gritos. O fogo dos arcabuzes e dos canhões. Para mim aquilo tudo teve o gosto de uma festa. Recebi um ferimento no ombro. Mas continuei a lutar.

Os franceses foram expulsos pela segunda vez. Estácio de Sá, irmão do governador, tinha fundado em 1565, junto ao Pão de Açúcar, uma cidade a que deu o nome de São Sebastião do Rio de Janeiro, em honra a seu patrono, El Rei de Portugal. (Vocês, que têm o hábito de simplificar tudo, lhe chamam hoje apenas Rio.) Pobre Estácio de Sá! Recebeu em combate uma flechada no rosto.

Foi bem triste sua morte. Eu me lembro... O dia estava claro. Fiquei comovido. Não sei bem por que, pois mal conhecia o homem.

Neste instante de 1942 em que escrevo estas palavras, não resisto à tentação de ir à janela de meu apartamento para olhar o mar. À sombra de grandes guarda-sóis de gomos coloridos vejo banhistas deitados na areia da praia.

Poucos deles se lembrarão agora de que devem a sua magnífica cidade a Estácio de Sá. A vida é assim mesmo.

Depois, nem todos podem ter a minha memória...

24 — NÉVOA, CORSÁRIOS E GOVERNADORES
Agora vem um período meio nevoento de minha vida. Não me lembro do que fiz, do que pensei, do que senti. A História me conta que após a expulsão dos franceses o governo de Lisboa resolveu dividir o Brasil em dois governos, — o do Norte e o do Sul. Na política europeia, sempre perigosa e agitada, desde aqueles remotos tempos, aconteceram coisas muito importantes. D. Sebastião, rei de Portugal, morreu misteriosamente em 1578 na Batalha de Alcácer-Quebir. (No entanto dizem que até hoje existem velhas damas em Portugal que alimentam a esperança de verem de volta à pátria o galante soberano.) O reino passou a ser governado pelo Cardeal D. Henrique, um cidadão de idade avançada.

D. Filipe II, rei de Espanha, sem a menor cerimônia anexou Portugal à sua Coroa. E como o Brasil pertencesse a Portugal, passou em consequência a ser domínio espanhol.

Ora, a Espanha tinha inimigos. Entre estes se achava a Inglaterra. Os ingleses sempre foram temíveis no mar. Os seus corsários eram famosos. Um certo Edwards Fenton em 1583 atacou Santos. Ia já cantar vitória quando apareceu uma esquadra composta de navios portugueses e espanhóis. Os ingleses “abriram o pano” — expressão que na gíria significa fugir e que bem se ajusta à ocasião, pois se tratava de navios a vela. Mas a moda pegou. Vieram outros corsários ingleses. Robert Withrington, que atacou a Bahia, aprisionando os navios que se encontravam no porto. Depois: Thomas Cavendish, seguido, com o intervalo de poucos anos, de James Lancaster. Saquearam eles São Vicente, Santos e Recife; levaram muita coisa, de sorte que, no fim de contas, puderam dizer que tinham feito “a good business” — um bom negócio.

Eu nem conto a vocês o nome dos governadores do Brasil naqueles anos entre 1591 e 1613. Foram tantos e fizeram tão pouco.. . Fizeram pouco — devo esclarecer — porque estavam cercados de perigos, sujeitos aos ataques dos índios e dos piratas estrangeiros. Faltavam-lhes vias de comunicação. O território era grande demais. O diabo quisesse governar o Brasil!

Em 1612 os franceses desembarcaram no Maranhão, fundando a povoação de São Luís. Não sei como eu me achava por essa época entre os homens de Jerônimo Albuquerque, que estava encarregado de expulsar os invasores. Já então eu falava corretamente o português, tendo também outra ideia do mundo e da vida. Sabia manejar um arcabuz e disparar um canhão.

Habituara-me por completo ao uso de roupas europeias E aos poucos esquecia os meus costumes indígenas.

Em 1615, depois de tremendos combates, conseguimos expulsar os invasores.
 
Fonte:
Érico Veríssimo. As aventuras de Tibicuera, que são também do Brasil. (Texto revisto conforme Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em vigor em 2009). Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1937.