terça-feira, 30 de julho de 2019

Renata Paccola (Cristais Poéticos) 2


A ESPERA ANGUSTIA

A espera angustia.
Você pára,
a mente se esvazia.
Aí você acende um cigarro,
começa uma poesia,
e alguém,
que você nunca viu,
começa a encará-lo.
Aí você perde o embalo,
fica sem graça,
coça o braço,
e olha para o outro lado.

A saudade angustia.

LIMITE

Por que adiarmos tanto
a felicidade que nos aguarda?
Por que esperarmos tanto
pelo que sempre foi nosso?
Anos eu te esperei,
amor,
mas agora,
cada segundo a mais
já se torna insuportável.

LUA-DE-MEL

Eu e você, deitados lado-a-lado,
vamos chegando à mesma conclusão:
não existe futuro nem passado,
apenas um momento de ilusão.

Respirando uma só respiração,
não existindo certo nem errado,
compartilhamos de uma só emoção:
o casamento, em seu mais puro estado!

Em nosso momento único e infinito,
vamos lendo o que nunca foi escrito,
e cada qual cumprindo o seu papel.

Envolto pelo laço mais profundo,
vou penetrando aos poucos em teu mundo,
e o mundo cabe num quarto de hotel!

Cada instante do dia-a dia,
doce ou amargo,
recheado de fatos e sensações,
coberto com feitos,
é a vida ou a vivência
de uma história à parte.

QUERO

Quero um dia inteiro de sol.
Quero toda a força da chuva
caindo no coração.

Quero saciar meu corpo e esgotar minha alma,
para depois
esgotar meu corpo e saciar minh'alma.

Quero saciar o insaciável,
esgotar o inesgotável,
atingir o inatingível.

Quero esconder minha face,
e revelar ao mundo meus segredos.

Quero o êxtase poético,
livrando-me das correntes
que prendem meu pensamento.

Quero aquele resto de gim
que deixei no copo por cautela.

Quero a paz,
eterna esperança
que a chuva traz.

REVOLTA

O tempo não falta
pelo excesso de compromissos,
por chefes e submissos,
pela luta de cada dia,
pela dura realidade.
Tempo não é oportunidade.
O tempo só falta
pela ausência do desejo.

SAUDADE

Ah, se eu pudesse desenhar teus olhos,
ou se soubesse esculpir teu corpo,
modelando tua face, até encontrar teus gestos...
e se eu pudesse te abraçar,
sem aquela sensação
de que teu corpo é de barro
ou se desmancha em areia,
talvez eu fosse capaz
de construir tua presença
no mais profundo dos sonhos
e de matar a lembrança
perene de tua ausência.

TUAS PALAVRAS

Tuas palavras
continuam em meu peito.

Teu perfume
continua na minha cabeça.

Teu sorriso
continua em meus olhos.

Teu presente
continua em meu passado.

Vinicius de Moraes (Namorados públicos)


Da mesma forma que os monumentos históricos ou artísticos, as belezas naturais, os bailes e cafés, os parques e jardins - os casais de namorados são coisa que pertencem ao patrimônio de uma cidade. Uma cidade sem namorados públicos não é uma verdadeira cidade. Os cicerones de Paris costumam mostrá-los aos turistas, inteiramente despreocupados em suas ternuras, como típicas curiosidades locais. No Hyde Park, em Londres, é possível vê-los às centenas, sobre o gramado esmeralda desse parque inexcedível como se estivessem em casa. O transeunte margeia beijos intermináveis, abraços infinitos, olhares abissais, namorados que leem romances, namorados que dormem, namorados que brigam, a um passo uns dos outros, perfeitamente indiferentes ao que lhes vai em torno, - e o que é formidável - guardados da curiosidade, ou malícia alheias, por um passante constável, cuja função é zelar pela perfeita consecução de seus carinhos, com uma imparticipação e fidelidade dignas de todos os aplausos. É claro que os namorados não abusam. Mas nessa questão de carinhos de superfície eles se permitem um uso inumerável. Eles trafegam-se em beijos que fariam a inveja de John Gilbert ao tempo da sua paixão por Greta Garbo. Dão-se abraços de não se saber mais quem é o outro. Fazem-se cafunés maravilhosos, esfregam-se os narizes, acarinham-se os rostos, enfim: tudo isso que faz a deliciosa cozinha dos que se amam e que vem sendo a mesma desde os tempos mais recuados no tempo.

Ninguém pode dizer que o Rio não seja uma cidade de namorados: ela o é. Seria difícil, aliás, compreender-se uma cidade tão pródiga em beleza, sem namorados. Mas são namorados, meu Deus, ou tão ousados ou tão tímidos que parecem uma contrafação da natureza humana diante da Natureza. Grande culpada disso foi, até certo tempo, a nossa polícia de costumes, que arrolava todas as carícias de namorados dentro de um mesmo código moral, chegando até ao abuso de prender gente casada que saía para namorar fora de casa. Não. Há carícias e carícias. Que mal existe em se beijarem os namorados em praça pública ou nos cantos de rua? Em que uma coisa dessas ofende a moral? Por que não se poderão eles abraçar ternamente, quando tiverem vontade? Pois parece incrível: outro dia um amigo meu contou que foi "apitado" várias vezes por um guarda do Jardim Botânico, por estar dando um "peguinha" na namorada. De fato: é justo, mais do que justo, que se moralizem os costumes. Nada mais certo. Mas perseguir os namorados, da mesma forma que arrancar as plantas dos parques, ou maltratar os animais, é indício de mau caráter. Que os namorados se beijem à vontade nesta linda Rio de Janeiro. Nada há de mal no beijo dos namorados, como no amor dos pássaros. Deixai-os nos seus parques, nas suas ruas escuras, nos seus portões de casa. Deixai-os namorar, Senhor Prefeito, Senhor Diretor do Jardim Botânico, deixai-os namorar, porque eles têm cada dia menos lugares onde ir esconder seus anseios. Deixai-os se beijarem à vontade, porque o que em seus beijos irrita os burgueses moralizantes é justamente essa liberdade, essa beleza, essa poesia, esse voo que há num beijo de amor. Tréguas aos namorados!

Fonte:
Vinicius de Moraes. Para viver um grande amor.

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Trova 358 - Odenir Follador (Ponta Grossa/PR)


Marina Colasanti (Um Espinho de Marfim)


Amanhecia o sol e lá estava o unicórnio pastando no jardim da Princesa. Por entre flores olhava a janela do quarto onde ela vinha cumprimentar o dia. Depois esperava vê-la no balcão, e, quando o pezinho pequeno pisava no primeiro degrau da escadaria descendo ao jardim, fugia o unicórnio para o escuro da floresta.

Um dia, indo o Rei de manhã cedo visitar a filha em seus aposentos, viu o unicórnio na moita de lírios.
 
 – Quero esse animal para mim.

E imediatamente ordenou a caçada.

Durante dias o Rei e seus cavaleiros caçaram o unicórnio nas florestas e nas campinas. Galopavam os cavalos, corriam os cães e, quando todos estavam certos de tê-lo encurralado, perdiam sua pista, confundiam-se no rastro.

Durante noites o rei e seus cavaleiros acamparam ao redor das fogueiras ouvindo no escuro o relincho cristalino do unicórnio.

Um dia, mais nada. Nenhuma pegada, nenhum sinal da sua presença. E silêncio nas noites.

Desapontado, o rei ordenou a volta ao castelo.

E logo ao chegar foi ao quarto da filha contar o acontecido. A princesa, penalizada com a derrota do pai, prometeu que dentro de três luas lhe daria o unicórnio de presente. Durante três noites trançou com os fios de seus cabelos uma rede de ouro. De manhã vigiava a moita de lírios do jardim. E no nascer do quarto dia, quando o sol encheu com a primeira luz os cálices brancos, ela lançou a rede aprisionando o unicórnio.

Preso nas malhas de ouro, olhava o unicórnio aquela que mais amava, agora sua dona, e que dele nada sabia.

A princesa aproximou-se. Que animal era aquele de olhos tão mansos retido pela artimanha de suas tranças? Veludo do pelo, lacre dos cascos, e desabrochando no meio da testa, espinho de marfim, o chifre único que apontava ao céu.

Doce língua de unicórnio lambeu a mão que o retinha. A princesa estremeceu, afrouxou os laços da rede, o unicórnio ergueu-se nas patas finas.

Quanto tempo demorou a princesa para conhecer o unicórnio? Quantos dias foram precisos para amá-lo?

Na maré das horas banhavam-se de orvalho, corriam com as borboletas, cavalgavam abraçados. Ou apenas conversavam em silêncio de amor, ela na grama, ele deitado a seus pés, esquecidos do prazo.

As três luas, porém já se esgotavam. Na noite antes da data marcada o rei foi ao quarto da filha lembrar-lhe a promessa. Desconfiado, olhou nos cantos, farejou o ar. Mas o unicórnio que comia lírios tinha cheiro de flor, e escondido entre os vestidos da princesa confundia-se com os veludos, confundia-se com os perfumes.

Amanhã é o dia. Quero sua palavra cumprida, disse o rei - virei buscar o unicórnio ao cair do sol.

Saído o rei, as lágrimas da princesa deslizaram no pelo do unicórnio. Era preciso obedecer ao pai, era preciso manter a promessa. Salvar o amor era preciso. Sem saber o que fazer, a princesa pegou o alaúde, e a noite inteira cantou sua tristeza. A lua apagou-se. O sol mais uma vez encheu de luz as corolas. E como no primeiro dia em que se haviam encontrado a princesa aproximou-se do unicórnio. E como no segundo dia olhou-o procurando o fundo dos seus olhos. E como no terceiro dia segurou- lhe a cabeça com as mãos. E nesse último dia aproximou a cabeça do seu peito, com suave força, com força de amor empurrando, cravando o espinho de marfim no coração, enfim florido.

Quando o rei veio em cobrança de promessa, foi isso que o sol morrente lhe entregou, a rosa de sangue e um feixe de lírios.

Fonte:
Marina Colasanti. Um espinho de marfim e outras histórias.

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) XX


CLASSICISMO
   
Longínquo  descendente dos helenos
pelo espírito claro, a alma panteísta,
- amo a beleza esplêndida de Vênus
com uma alegria singular de artista !

Amo a aventura e o belo, amo a conquista !
Nem receio os traidores e os venenos...
- Trago na alma engastada uma ametista,
- meus olhos de esmeraldas são serenos !

Com os pés na terra tenho o olhar no céu;
a alma, pura e irrequieta como as linfas
soltas no chão; nos lábios, tenho mel...

Meu culto é a liberdade e a vida sã.
E ainda hoje sigo e persigo as ninfas
com a minha flauta mágica de Pã !

CONSELHOS DE AMOR…

Incoerência talvez, mas verdades da Vida,
é um mal, um grande mal, amar-se em demasia,
a mulher que se sente adorada e querida
e é pelo teu amor cercada e protegida
é aquela que terás em teus braços mais fria.

Faz-lhe, mil carícias, sim, mas vez em quando
deixa uma frase vaga e indiferente no ar...
Assim, - ela terá com que ficar pensando,
e enquanto desconfia ou fica te esperando
por tanto te querer, talvez chegue a chorar.

O pranto é a chuvarada que prepara a terra
onde lançaste um dia a semente do amor.
O ciúme é o sol que a flor em pétalas descerra,
e o teu carinho, a aragem que nos ramos erra
e conforta as raízes apagando a dor.

E' a mulher que o exige ... Ela te adora e te ama
se souberes ser bom sendo às vezes cruel.
Não te iludas porém, te arrastará na lama
se a rodeares de luxo e a envolveres na chama
de um extremoso amor constantemente fiel!

Sabe sempre pesar sobre ela o teu domínio
não cedas teu lugar nem por mal nem por bem,
se um dia descobrir que tem força e fascínio
datará deste dia o teu fatal declínio
e verás como o amor se transformou também.

Sé perdulário sempre em teu amor, procura
no entanto não perder de vista os teus carinhos.
O amor que se oferece é amor que pouco dura,
- e que a rosa macia da tua ternura
tenha pétalas... sim... mas também tenha espinhos...

Marca na vida dela o rumo dos teus passos
deixando sempre um traço de altivez, viril.
A mulher quer que o homem caia nos seus braços
quer vê-lo - o coração pulsando, os olhos baços,
tendo a vaga impressão de que ele não caiu!

CONTO PERDULÁRIO

Hei de gastar minha alma – a alma dos poetas
é como a luz do Sol ou como o luar,
deve espalhar-se, para embelezar
e iluminar as sombras mais discretas...

Como as águas que cantam, irrequietas,
deve o silêncio, um pouco, musicar,
ou como a onda que se ergue, - a alma dos poetas
deve de espumas enfeitar o mar!

Cumpro assim o meu destino, e neste bando
de versos, perdulário a vou gastando,
e quanto tenho de alma já nem sei...

E hei de esbanjá-la mais, de instante a instante,
e morto – hão de encontrá-la ainda estuante
nos versos onde a vida a desperdicei !

CORAÇÃO SOLITÁRIO

A noite esta fechada na janela aberta.
Uma rua perdeu-se na sombra lá embaixo.
Não existe esta rua - é um beco surrealista
que fugiu de algum quadro louco que não vi.

Ouço meu coração ardente e solitário
com sua música estranha de piano bêbado.
No espelho, meu olhar: duas chamas de estrelas.
Não  sei  se é o vento,  sei que  há  música  na   noite.

Há música no quarto, nas cortinas, música
nos meus cabelos despenteados, nos meus dedos,
no meu rosto, entra e sai pela janela.

Música indefinida a encher a solidão:
- estou no ventre da noite a mexer com os meus sonhos,
ouço o meu coração ardente e solitário.

COVARDIA

O que me falta é a coragem para fazer como Gauguin
e ir pintar as ilhas e as mulheres dos mares do Sul.

Não cair em Jack London
mas pintar pelo menos céus amarelos como os de Van Gogh
e beber absinto como Rimbaud.

O que me falta é a coragem para ir encontro que
marquei comigo mesmo
numa esquina do mundo
para encontrar o destino…

DESCULPA

Me desculpem, amigos, se não consigo sujar o sonho,
torná-lo indecifrável e apocalíptico,
se não consigo lambuzar o símbolo,
se não posso turvar a imaginação.

Me desculpem, amigos, meu jeito é este mesmo de ser poeta,
e a água da minha onda, por mais profundo que seja o mar,
é azul e transparente,
e os peixes tem suas formas, e as algas não tem suas formas,
e as estrelas do mar florescem cinco pontas,
como as palavras que luzem.

Me desculpem, amigos, se venho assim transparente como o  fundo de aquário
num parque para crianças e curiosos,
e se vos ofereço estes velhos símbolos de uma velha e  primitiva poesia
que chegou com os peixes à terra, talvez antes da presença  do homem.

DESEJOS... NA MANHÃ DE SOL

Na manhã de sol
bela e serena,
depois de um dia de chuva
depois que à noite ventou,
- tive desejos de apanhar aquela mulher morena
que passou . . .

Devia ter na boca rubra
um gosto de uva
um gosto bom de vinho,
e quando ela me olhou,
- pensei na fruta madura que o vento da noite derrubou
à margem do caminho...

Ah! o garoto que fui!  Ah! o garoto que sou!
Na inquietação da minha vida,
nas voltas do meu caminho,
sempre a vontade incontida
de desejar as frutas do quintal vizinho!

Na manhã de sol
bela e serena,
- depois de um dia de chuva,
- ah! o garoto que sou!
tive desejos de apanhar aquela mulher morena
que passou!

DESOLAÇÃO
   
Na profunda tristeza deste instante,
em que o irremediável
abalou a minha sorte,
na certeza de que te ausentaste definitivamente,
- eu pensei pela primeira vez na morte ...

Tudo desapareceu aos meus olhos atônitos
e eu me senti sozinho...
- já não há finalidade na minha criação
nem desejo na minha vida...

Só não abro em meu peito o coração, e o ponho na lapela
como rubra papoula em flor,
- porque sei que ainda te encontras dentro dele,
e nem mesmo a tua lembrança eu ousaria ferir
oh! meu amor!

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 2. SP: Ed. Theor, 1965.

Mário de Andrade (Caim, Caim e o Resto)


Belazarte me contou:

Talvez ninguém reparasse, nem eles mesmo, porém foi sim, foi depois daquela noite, que os dois começaram brigando por um nada. Dois manos brigando desse jeito, onde se viu! E dantes tão amigos... Pois foi naquela noite. Sentados um a par do outro, olhavam a quermesse.

O leilão estava engraçado. O Sadresky dera três mil réis por um cravo da Flora, êta mulatinha esperta! Também com cada olhão de jabuticaba rachada, branco e preto luzindo melado, ver suco de jabuticaba mesmo... onde estará ela agora? até com seu doutor Cerquinho!...

– Você foi pagar a conta pra ele, Aldo?

– Já.

Contemplavam o povo entrançado no largo. Seguiam um, seguiam outro, pensando só com os olhos. Nem trocavam palavra, não era preciso mais: se conheciam bem por dentro. De repente viraram-se um pro outro como pra espiar onde que o mano olhava. Aldo fixou Tino. Tino não quis retirar primeiro os olhos. Olho que não pestaneja cansa logo, fica ardendo que nem com areia e pega a relampear. Quatro fuzis, meu caro, quatro fuzis de raiva. Nem raiva, era ódio já. Aldo fez assim um jeito de muxoxo pro magricela do irmão, riu com desprezo.

Tino arreganhou o focinho como gato assanhado.

Se separaram. Aldo foi falar com uns rapazes, Tino foi falar com outros. Às vinte e duas horas tudo se acabava mesmo... voltaram pra casa. Mas cada qual vinha numa calçada. Braço a torcer é que nenhum não dava, não vê! Dentro do quarto brigaram. Por um nadinha, questão de roupa na guarda da cama. Dona Maria veio saber o que era aquilo espantada. Foi uma discussão temível.

Da discussão aos murros não levou três dias. E por quê? Ninguém sabia. A verdade é que a vida mudou pra aqueles três. Inútil a mãe chorar, se lamentar, até insultando os filhos. Quê! nem se o defunto marido estivesse inda vivo!... Pegou fogo e a vida antiga não voltava mais. E dantes tão irmãos um do outro!... Aldo até protegia Tino que era enfezado, cor escura.

Herdara o brasileiro do pai, aquela cor cainha que não dava nada de si e uns musculinhos que nem o trabalho vivo de pedreiro consertava. Quando tirava fora a camisa pra se lavar no sábado, qual! mesmo de camisa e paletó, as espáduas pousavam sobre o dorso curvo como duas asas fechadas.

E era mesmo um anjo o Tino, tão quietinho! humilde, talhado pra sacristão. Cantava com
voz fraca muito bonita, principalmente a Mamma mia num napolitano duvidoso de bairro da Lapa. Quando depois da janta, fazendo algum trabalhinho, lá dentro ele cantava, Aldo junto da janela sentia-se orgulhoso si algum passante parava escutando. Se o tal não parava, Aldo punha este pensamento na cachola: “Esse não gosta de música... estúpido.” Que alguém não apreciasse a voz do Tino, isso Aldo não podia pensar porque adorava o mano. Era bem forte, puxara mais a mãe que o pai. Só que a gordura materna se transformava em músculos no corpo vermelho dele. Pois então, percebendo que os outros abusavam do Tino, não deixava mais que o irmão se empregasse isolado, estavam sempre juntos na construção da mesma casa. Ganhavam bem.

Naquela casinha do bairro da Lapa, a vida era de paraíso. Dona Maria lavava o que não dava o dia. O defunto marido, uma pena morrer tão cedo! fora assinzinho... Homem, até fora bom, porque isso de beber no sábado, quem que não bebe!... Paciência, lavando também se ganha. Além disso, logo os filhos tão bonzinhos principiaram trabalhando. Se a Lina fosse viva... que bonita!... Felizmente os filhos a consolavam. Lhe entregavam todo o dinheiro ganho. Gente pobre e assim é raro.

– Meus filhos, mas vocês podem precisar... Então tomem.

Aqueles dois dez mil réis duravam quase o mês inteirinho. Fumar não fumavam. Uma guaraná no domingo, de vez em quando a entrada no Recreio ou no Carlos Gomes recentemente inaugurado, nos dias dos filmes com muito anúncio. Mas no geral os manos passavam os descansos junto da mãe. No verão iam pra porta, aquelas noites mansas, imensas da Lapa... Plão, tlão, tralharão, tão, plão, plãorrrrr... bonde passava. E o silêncio. A casa ficava um pouco apartada, sem vizinhos paredes-meias.

Na frente, do outro lado da rua, era o muro da fábrica, tal-e-qual uma cinta de couro separando a terra da noite esbranquiçada pela neblina. Chaminés. A cinquenta metros outras casas. O cachorro latia, uau, uau... uau...

– Pedro diz que vai deixar o emprego.

Silêncio.

– Vamos no jogo domingo, Tino?

– Não vale a pena, o Palestra vai perder. Bianco não joga.

– Mas Amílcar.

– Você com seu Amílcar!

Silêncio. Tino não queria ir.

– E tanto pessoal, Aldo...

– Você quer, a gente vai cedo.

Silêncio. Aldo acabava fazendo a vontade do irmão.

Às vezes também algum camarada vinha conversar.

Agora? até já se comenta. Mãe que descomponha, que insulte... Mais chora que descompõe, a coitada! Lá estão os dois discutindo, ninguém sabe por quê. De repente, tapas. E Tino não apanha mais que o outro, não pense, é duma perversidade inventiva extraordinária. O irmão acaba sempre sofrendo mais do que ele. Aldo é mais forte e por isso naturalmente mais saranga. Porém paciência se esgota um dia, e quando se esgotava era cada surra no irmão!

Tino ficava com a cara vermelha de tanta bofetada. Um pouco tonto dos socos. Aldo porém tinha sempre uma mordida, uma alfinetada, coisa assim com perigo de arruinar. Os estragos da briga duravam mais tempo nele.

Não se falavam mais. E agora cada qual andava num emprego diferente. O mais engraçado é que quando um ia no cinema o outro ia também. Sempre era o Tino que espiava Aldo sair, saía atrás.

Nunca iam à missa. De religião só tirar o chapéu quando passavam pela porta das igrejas.
Por que tiravam não sabiam, tinham visto o pai fazer assim e muita gente fazia assim, faziam também, costume. Isso mesmo quando não estavam com algum companheiro que era fascista e anticlerical porque lera no Fanfulla. Então passavam muito indiferentes, mãos nos bolsos talvez. E não sentiam remorso algum.

Pois nesse domingo foram à N. S. da Lapa outra vez. Agora que estavam maus filhos, maus irmãos, enfim maus homens, davam pra ir na missa! Quando a reza acabou ficaram ali, no adro da igreja meia construída, cada um do seu lado, já sabe. Tino à esquerda da porta, Aldo à direita. Toda a gente foi saindo e afinal tudo acabou. Ficaram apenas alguns rapazes proseando.

Aldo voltou pra casa com uma tristeza, Tino com outra que, você vai ver, era a mesma. Até se sentiram mais irmãos por um minuto. Minuto e meio. Desejos de voltar à vida antiga... Era só cada um chegar até no meio da rua, pronto: se abraçavam chorando, “Fratello!...” Que paz viria depois! Mas, e o desespero, então? onde que leva? Reagiram contra o sentimento bom. Uma raiva do irmão... Uma raiva iminente do irmão. Dali, iam só procurar o primeiro motivo e agora que tinham mais essa tristeza por descarregar, temos tapa na certa.

Chegaram em casa e dito-e-feito: brigaram medonhamente. Porca la miséria, dava medo! Se engalfinharam mudos. Aldo, subia o sangue no rosto dele, tinha os olhos que nem fogaréu. Derrubou o mano, agarrou o corpo do outro entre os joelhos e páa! Tino se ajeitando, rilhava os dentes, muito pálido, engolindo tunda numa conta. A janela estava aberta... Dona Maria no quintal, não sei si ouviu, pressentiu com certeza, coitada! era mãe... ia entrar. Porém teve que saudar primeiro a conhecida que vinha passando no outro lado da rua. Até quis botar um riso na boca pra outra não desconfiar.

– Sabe, dona Maria, a conhecida gritava de lá, a Teresinha vai casar! Com o Alfredo.

– Ahn...

– Pois é. De repente. Bom, até logo.

– Té-logo.

O soco parou no ar, inútil, os dois manos se olharam. Viram muito bem que não havia mais razão pra brigas agora. Não havia mesmo, deviam ser irmãos outra vez. A felicidade voltava na certa e aquele sossego antigo... O soco seguiu na trajetória, foi martelar na testa do Tino, peim! seco, seco. Tino com um jeito rápido, histérico, não sei como, virou um bocado entre as pernas de Aldo. Conseguiu com as mãos livres agarrar o pulso do outro. Encolheu-se todinho em bola e mordeu onde pôde, que dentada! Aldo puxou a mão desesperado, pleque! Sofreu com o estralo do dedo que não foi vida. Mas por ver sangue é que cegou.

– Morde agora, filho-da-mãe!

Na garganta. Apertou. Dona Maria entrava.

– Meu filho!

– Morde agora!

Tino desesperado buscava com as mãos alargar aquele nó, sufocava. Encontrou no caminho a mão do outro e uma coisa pendente, meia solta, molhada, agarrou. E num esforço de última vida, puxou pra ver se abria a tenaz que o enforcava. Dona Maria não conseguia separar ninguém. Tino puxou, que eu disse, e de repente a mão dele sem mais resistência riscou um semicírculo no ar. Foi bater no chão aberta ensanguentada, atirando pra longe o dedo arrancado de Aldo.

– Morde agora!

Tino se inteiriçando. Abriu com os dentes uma risada lateral, até corara um pouco. Dona Maria chegava só ao portãozinho, gritando. Não podia ir mais além, lhe dava aquela curiosidade amorosa, entrava de novo. Tino se inteiriçando. Ela saía outra vez:

– Socorro! meu filho!

Meu Deus, era domingo! entrava de novo. Batia com os punhos na cabeça. Pois batesse forte com um pau na cabeça do Aldo! Mas quem disse que ela se lembrava de bater!

– Socorro! meu filho morre!

Entrava. Saía. Às vezes dava umas viravoltas, até parecia que estava dançando... Balancez, tour, era horrível. O primeiro homem que acorreu já chegou tarde. E só três juntos afinal conseguiram livrar o morto das mãos do irmão. Aldo como que enlouquecera, olho parado no meio da testa, boca aberta com uns resmungos ofegantes.

Levaram ele preso. Dona Maria é que nem sei como não enlouqueceu de verdade. Berrava atirada sobre o cadáver do filho, porém quando o outro foi-se embora na ambulância, até bateu nos soldados. Foram brutos com ela. Esses soldados da Polícia são assim mesmo, gente mais ordinária que há! uma mãe... compreende-se que tivesse atos inconscientes! pois tivessem paciência com ela! Que paciência nem mané paciência! em vez, davam cada empurrão na pobre...

– Fique quieta, mulher, senão levo você também!

Fecharam a portinhola e a sereia cantou numa fermata de “Addio” rumo da correção. Seguiu-se toda a miséria do aparelho judiciário. Solidão. Raciocínio. O julgamento. Aldo saiu livre. Pra que vale um dedo perdido? Caso de legítima defesa complicada com perturbação de sentidos, é lógico, art. 32, art. 27 § 4º... A medicina do advogadinho salvou o réu.

Recomeçou no trabalho. Muito silencioso sempre, sossegado, parecia bom. Às vezes parava um pouco o gesto como que refletindo. Afinal todos na obra acabaram esquecendo o passado e Aldo encontrou simpatias. Camaradagens até. Não: camaradagem não, porque não dava mais que duas palavras pra cada um. Mas muitos operários simpatizavam com ele. São coisas que acontecem, falavam, e a culpa fora do mano, a prova é que Aldo saíra livre. E o dedo.

Mas o caso não terminou. Um dia Aldo desapareceu e nem semana depois encontraram ele morto, já bem podrezinho, num campo. Quem seria? Procura daqui, procura dali, a Polícia de São Paulo, você sabe, às vezes é feliz, acabaram descobrindo que o assassino era o marido da Teresinha.

E por que, agora? Ninguém não sabia. A pobre da Teresinha é que chorava agarrada nos dois filhinhos imaginando por que seria que o marido matara esse outro. De que se lembrava muito vagamente, é capaz que dancei com ele numa festa? Mas não lembrava bem, tantos moços... E não pertencera ao grupinho dela. Mas que o Alfredo era bom, ela jurava.

– Meu marido está inocente! repetia cem vezes inúteis por dia. O Alfredo gritava que fora provocado, que o outro o convidara pra irem ver uma casa, não sei o quê! pra irem ver um terreno, e de repente se atirara sobre ele quando atravessavam o campo... Então pra que não veio contar tudo logo! Em vez: continuou tranquilo indo no serviço todo santo dia, muito satisfeito..., que “facínora”! Toda a gente estava contra ele, o Aldo tão quieto!...

O advogado devassou a série completa dos argumentos de defesa própria. E lembrou com termos convincentes que o Alfredo era bom. Afinal vinte e dois anos de honestidade e bom comportamento provam alguma coisa, senhores jurados! E a Teresinha com as duas crianças ali, chorosa... Grupo comovente. O maior, de quinze meses, procurava enfiar o caracaxá vermelho na boca da mãe. Não brinque com essa história de isolar sempre que falo em mãe, o caso é triste. Pois tudo inútil, o criminoso estava com todos os dedos. Foi condenado a nem sei quantos anos de prisão.

A Terezinha lavava roupa, costurava, mas qual! com filho de ano e pouco e outro mamando, trabalhava mal. E, parece incrível! inda por cima com a mãe nas costas, velha, sem valer nada... Se ao menos soubesse aonde que estavam esses irmãos pelas fazendas... Mas não ajudariam, estou certo disso, uns desalmados que nunca deram sinal de si... Então desesperava, ralhava com a mãe, dava nos pequenos que era uma judiaria.

A sogra, essa quando chegava até o porão da nora, trazia uma esmola entre pragas, odiava a moça. Adivinhava muito, com instinto de mãe, e odiava a moça. Amaldiçoava os netos. Os dez mil réis sobre um monte de insultos ficavam ali atirados, aviltantes, relumeando no escuro. Teresinha pegava neles, ia comprar coisas pra si, pros filhos, como ajudavam! Ainda sobrava um pouco pra facilitar o pagamento do aluguel no mês seguinte. Mas não lhe mitigavam a desgraça.

Também lhe faziam propostas, que inda restavam bons pedaços de mulher no corpo dela. Recusava com medo do marido ao sair da prisão, um assassino, credo!

Teresinha era muito infeliz.

Fonte:
Mário de Andrade. Os contos de Belazarte.

domingo, 28 de julho de 2019

Trova 357 - Sonia Regina Rocha Rodrigues (Santos/SP)

Trova enviada pela trovadora. Montagem com imagem obtida na internet, sem autoria.

Antonio Carlos de Barros (João Saudade)


Nota: as palavras em itálico, o significado está no glossário ao final do texto.
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Quando aquele homem rural, campeiro, acostumado com a lida do campo, migra da sua querência para a Cidade Grande, leva em sua canastra de sonhos, o desejo de uma melhor qualidade de vida, de ter acesso a um trabalho não tão bruto como àquele lá de fora, de ter acessos aos diversos canais de Televisão e Rádios, ao lazer, um mercado próximo, cinema, enfim, uma infraestrutura básica, como escolas, hospitais, igrejas, transportes, etc.

Nesse contexto abordo hoje, mais precisamente o Gaúcho, JOÃO SAUDADE, habitante da Fronteira do Rio Grande do Sul, dedicado à vida pastoril e perfeito conhecedor das lides campeiras, ginete e domador por profissão, homem que monta bem, com firmeza e com garbo. Sempre muito bem pilchado como manda as tradições Gaúchas, frequentava os CTG’s (Centro de Tradições Gaúchas) até bailava nas domingueiras, apostava uns trocos nas carreiras, e muitas vezes, gavionando umas prendas bonitas.

Ouvindo mais seu coração que a razão, se foi de mala e cuia para uma cidade grande. O impacto foi grande, assistia estupefato, uma correria de pessoas que ao seu modo de entender, não sabiam para onde iam. Era uma selva de pedras, onde ninguém se conhecia, não havia mais aqueles cumprimentos festivos, o estender as mãos, tudo muito frio e esquisito. Tudo muito diferente da já saudosa Fronteira. Com o passar dos dias, a guaiaca ficou vazia, a pensão não lhe deu prazo no pagamento das diárias, e como consequência esses problemas sociais acentuaram, pois a falta de uma qualificação profissional e educacional, dificilmente conseguiria uma vaga no mercado de trabalho, o que sobrou foi um subemprego, que o avacalhava, se sentia desmoralizado, atorado, triste feito uma tapera velha, abandonado,catando papel e papelão nas ruas e morando em um barraco de uma favela próximo a uma rodovia. A sua vontade era atirar-se por um canhadão abaixo. Acabou-se o garbo e o entono.

Os músicos, cantores e compositores Pedro Neves e Vaine Darde, com muita inspiração, fizeram com grande sucesso, a Música: JOÃO SAUDADE, onde retratam com maestria a história de muitos Joãos, migrantes dos seus meios rurais para as grandes cidades. Vejam o que diz a letra:

No estilo da estampa
Um resto de pampa
Farrapo dos trapos,
Bombacha já rota
Melena revolta
E um jeito de guapo.
Chapéu deformado
Um lenço rasgado
Ainda bandeira,
Guaiaca roída
Rimando com a vida
Do João da Fronteira.

Porque, oh João
Deixaste o galpão
E a lida campeira,
Pra ser na cidade
Mais um João-Saudade
Sem eira, nem beira?

O João da favela
Que a vida atrela
A um carro de mão,
É João-lá-de-fora
Repontando agora
Papel, papelão.

E assim, quem diria,
Que a sorte um dia
Lhe desse este pealo,
O João já nem sente
Que ontem ginete
É hoje o cavalo.

Porque, oh João
Deixaste o galpão
E a lida campeira,
Pra ser na cidade
Mais um João-Saudade
Sem eira, nem beira?
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GLOSSÁRIO:
Atorado - despedaçado.
Bombacha - é uma peça de roupa, calças típicas abotoadas no tornozelo, usada pelos gaúchos. O nome foi adotado do termo espanhol "bombacho", que significa "calças largas". Pode ser feita de brim, linho, tergal, algodão ou tecidos mesclados; de padrão liso, listrado ou xadrez discreto.
Canastra - mala de couro grande para viagens.
Canhadão – Vale, baixadas grandes, extensas, entre coxilhas e serras.
Carreiras – Corridas de cavalos.
Coxilhas – Grandes extensões onduladas de campinas cobertas de pastagens.
Entono - orgulho.
Gavionando – Procurando.
Ginete – bom cavaleiro, domador.
Guaiaca – Cinto largo de couro, que serve para porte de arma e para guardar dinheiro.
Guapo – Forte, vigoroso, valente, bravo.
Melena – Cabelo comprido.
Pealo – Ato de arremessar o laço e por meio dele prender as patas do animal e derrubá-lo.
Pilchado – Trajado com vestimenta típica de Gaúcho.
Prendas - mulheres.
Querência – lugar onde nasceu, se criou, ou se acostumou a viver.
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Nota do blog a título de Curiosidade:
Sem eira nem beira - Significa pessoas sem bens, sem posses. Eira é um terreno de terra batida ou cimento onde grãos ficam ao ar livre para secar. Beira é a beirada da eira.
Quando uma eira não tem beira, o vento leva os grãos e o proprietário fica sem nada. Na região nordeste este ditado tem o mesmo significado mas outra explicação. Dizem que antigamente as casas das pessoas ricas tinham um telhado triplo: a eira, a beira e a tribeira como era chamada a parte mais alta do telhado.
As pessoas mais pobres não tinham condições de fazer este telhado, então construíam somente a tribeira ficando assim "sem eira nem beira".(Soportugues)

Fonte:
Colaboração do autor

Amilton Maciel Monteiro (Poemas Recolhidos) VII


AMOR

O amor possui incrível intuição,
que lhe permite ver o invisível
e também escutar com perfeição
os sons até de uma maneira incrível!

É que o amor é bem rico em expressão.
Nesse aspecto, aliás, ele é imbatível:
tem ternura que vem do coração
e um respeito mútuo que é infalível.

Quem diz que ama, mas não se decide
a amar de fato e para toda a vida,
mente em querer amar somente um dia...

Pois o amor de verdade é o que reside
no coração em que encontrou guarida,
e sabe que deixá-lo é covardia!

ESPERANÇA

Enquanto há vida, eu sei, há esperança
que é uma das virtudes teologais,
foi isso que aprendi desde criança
e na verdade não esqueci jamais.

As outras são: o amor que não se cansa,
e a fé, que todo dia eu tenho mais!
E aí, querida, está minha confiança:
juntos faremos nossos esponsais!

Vou esperar o quanto for preciso,
certo de que não perderei o juízo,
até o dia que você me amar.

E nesse dia eu serei tão feliz,
que vou levar você até a Matriz,
e sob bênçãos, vamos nos casar!

SABEDORIA

Senhor, meu Deus, me dê Sabedoria,
é tudo o que eu mais peço ultimamente,
percebo agora o quanto eu não sabia
e preciso aprender de modo urgente!

São leis que não aprendi na academia,
não sei se por ser pouco inteligente,
ou não interpretei como devia
o Seu bondoso amor, mas exigente.

Eu quero, antes que fique bem tarde,
varrer o erro que em meu peito arde,
por míngua do saber santo e profano.

Almejo viver bem com o amor divino
e com o amor de um anjo feminino,
pois sou filho de Deus, mas sou humano!

TALENTOS

Se eu tivesse talento de um pintor,
ia passar a vida a retratar
o teu rosto a sorrir, meu grande amor,
razão de meu viver e meu sonhar!

Se meu engenho fosse de escultor
talentoso, eu iria trabalhar
dia e noite, buscando com ardor,
tua imagem da pedra retirar...

Mas meu talento é pouco para tanto,
eu só posso sonhar com teu encanto,
sem jamais conseguir representá-lo.

Pois nem sequer eu numa simples trova
consegui retratar-te, como prova
de quanto és linda, para meu regalo!

Fonte:
Colaboração do poeta

Carolina Ramos (Expectativa)


Ficção e otimismo

A tarde caía, intrigantemente enigmática, a encher de desconfiança o pequenino ET, que tudo observava, dentro da invisibilidade, que o protegia de abordagem importuna. Nuvens cor de chumbo encobriam totalmente o espaço celeste, ciosas de esconder, quem sabe, alguma coisa grave.

O pequenino ET escolhera o Brasil para sua primeira incursão pelo planeta azul. Encantamento com as belezas naturais e afinidades com a jovialidade do povo. Temia, agora, que o instante não tivesse sido o mais indicado.

Havia inquietação nos olhos, nos rostos e nas mãos das pessoas que o rodeavam, sem o pressentir.

Algo de muito sutil ligava as atitudes, uniformizando-as, deixando evidente a pressa com que todos se empenhavam em dar fim às tarefas, quanto o mais rápido possível!

A ansiedade era o elemento comum que amalgamava as almas.

Aura estranha e indefinida, insinuava que a nação estava a pique de ser paralisada. Aquela cidade desativada era o exemplo palpável do que acontecia em todo o território nacional. E o que lhe permitiam captar suas aptidões extra sensoriais.

As ruas desertas lembravam veios, exauridos e relegados, de uma cidade morta. Os raríssimos carros, que por elas se aventuravam, passavam rápidos, temerosos de perturbar o marasmo impregnado na atmosfera.

Silêncio, profundo e quase absoluto! O próprio mar recolhia os ímpetos, desenrolando o novelo das ondas com gestos demasiados brandos, bem diversos do costumeiro arrebatamento.

Nos lares, portas fechadas. Famílias agrupadas numa ânsia insólita de companheirismo, que apenas a consciência de um cataclisma iminente costumava favorecer.

Olhos grudados ao televisor, ávidos, magnetizados, bebiam notícias, com sede insaciável.

Sintomas, alarmantes! — Greve geral à vista? Convulsão social? Ameaça de um vírus desconhecido, incontrolável? Talvez! Ou, quem sabe, pairaria sobre as cabeças a suspeita de imediata invasão extra-terrestre?! E, então, tímido e atormentado pelas dúvidas, o ET chegava a sentir-se culpado, temeroso de que sua presença, de algum modo captada, tivesse desencadeado a tensão. Ressabiado, esverdeou, de susto, quase tornando-se visível aos olhos terráqueos!

A resposta, contudo, não se fez esperar. Como rolha de champanhe; livre de amarras, saltou com estrépito, assim que, de repente, o Brasil inteiro ergueu o pé e chutou aquela bola!

Tenso e sofrido, o país abriu as comportas do peito explodindo de alegria! O grito, há muito contido, ecoou de norte a sul, uníssono, como partido de uma só garganta: — GOOOL!

O ETzinho, perplexo, continuou a não entender nada!

Mas... PAPAMOS A TAÇA!!!

Só mais tarde, o extraterrestre compreendeu que os terráqueos tinham por principal alimento uma coisa, às vezes doce, às vezes amarga, que custava pouco e se chamava — Sonho!

Fonte:
Carolina Ramos. Interlúdio: contos. São Paulo: EditorAção, 1993.

sábado, 27 de julho de 2019

Isabel Furini (A Busca)


Carlos Drummond de Andrade (De Fraque)


Ao ser convidado para padrinho de casamento, ia ponderar que há muito perdera a fé, não lhe ficava bem participar de ato religioso. O noivo cortou-lhe a objeção:

— Estou convidando você para padrinho do civil.

— Quer dizer: testemunha.

— É a mesma coisa.

Não era. Testemunha ele podia ser, sem nuvem na consciência. Padrinho, ao pé do altar, diante do padre e de Deus, era coisa mais grave, para a qual não se sentia credenciado.

— É em casa ou na Pretoria?

— É na sacristia, meia hora antes do religioso. O juiz agora vai à igreja, você sabia?

Não sabia; nunca soube nada antes dos outros, ou se sabe esquece logo.

— Se o juiz vai à igreja eu também vou, para casar você. É uma alegria para mim.

— Para mim, então!

— Uma honra.

— Deixa disso, a honra é toda minha.

— Bondade de você.

— De você.

— Vamos aos fatos. Você se casa simples ou solene, com aquele cerimonial todo?

— A coisa mais simples do mundo.

— Não vai ter fraque?

— Que fraque nem mané-fraque!

— Porque — vou ser franco —, se tiver fraque, eu…

— Era o que faltava, botar você de fraque na sacristia!

Deu uma olhada no terno escuro, mandou passá-lo na lavanderia, e estava inocente da vida, na noite de véspera do casamento, quando o noivo telefona:

— Queria dizer a você que o casamento civil não vai ser mais na sacristia. Agora é mais simples.

— Onde é então?

— No altar-mor.

— Complicou.

— Pelo contrário. O civil e o religioso são celebrados ao mesmo tempo.

— Não entendi. O padre e o juiz juntos, no altar?!

— Só o padre, mas ele casa pelos dois, para simplificar. Lavra dois termos, e um deles vai para o Registro Civil.

— Cada dia uma novidade.

— É mesmo. Sendo assim, você vai ficar com os outros padrinhos, ao lado do altar-mor.

— Bem, eu…

— Já sei, não é religioso. Mas também não vai me dizer que é ateu. Quem vai à sacristia não custa chegar até o altar. E depois, você é do civil.

— Está certo.

— Outra coisa. Os padrinhos de minha noiva chegaram de São Paulo e trouxeram fraques. Acham que assim fica melhor, mais distinto. Não estava nos meus planos, mas fico sem jeito de contrariá-los. Não digo que você também vista fraque, pode ir inteiramente a seu gosto, mas se quiser…

— Querer o quê, a uma hora dessas? Eu não tenho, nunca tive esse balandrau.

— Por isso não, que eu arranjei emprestados dois de seu corpo. São de amigos meus, pessoas magras, você experimenta, pode até combinar calça de um com fraque de outro, se der mais certo.

— Isso não. Para que incomodar pessoas que não conheço?

— Então vá como pretendia ir. Não tem problema. Apenas avisei porque se você preferisse ir como os paulistas…

Os paulistas! Passou a noite infeliz, pensando nos paulistas, ele mineiro fazendo feio ao lado dos paulistas, sempre os paulistas. Na manhã seguinte, cedinho, bateu para a Casa Rolas, salvação dos insuficientemente roupidos, e pediu um fraque.

— De colete branco ou de colete preto?

— Qual que acha melhor?

— O senhor é quem resolve.

— Resolva por mim.

— Uns preferem preto, outros branco.

— E então?

— Tanto faz ir com branco ou com preto.

— Vamos tirar a sorte com os dedos. Par é branco, ímpar é preto. Deu ímpar.

— Eu se fosse o senhor ia com branco. Usa mais.

(Os consultores são assim, só em último caso atendem à consulta.)

Pela primeira vez viu-se metido num fraque. As abas não estariam demasiado compridas? O colete, folgado em excesso? E o comprimento da calça? As listras não lhe davam um ar de zebra de dois rabos? Ó angústia indumental, ramo impressentido da velha angústia existencial que acompanha o homem do berço aos sete palmos! O empregado reanimou-o:

— Uma luva. Nem que fosse feito para o senhor.

A angústia recolheu-se, para reaparecer à tarde, ao aproximar-se a hora da entrega a domicílio do fraque alugado. Se não chegasse a tempo? E os paulistas, com seus negros fraques espetaculares? Ah, mundo cão! O portador explicou o atraso: tanta encomenda naquele dia, só num hotel em Copacabana entregara três fraques.

Entrou na igreja fazendo força por deixar patente que nascera de fraque e o usara a vida inteira, mas não estaria ainda mais patente a falsidade da pose? Era como se ostentasse à lapela a etiqueta com o nome da casa, o número da peça…

Fotografado, televisionado, alvo de olhares perscrutadores, não viu bem o casamento, não reparou na beleza da noiva nem no aplomb dos paulistas. Como se ele é que estivesse casando, e de certo modo estava: com o fraque.

— Você está bacanérrimo, está bárbaro de fraque! — disse-lhe o irmão do noivo, empolgado, à hora do champanhe. — Nem se compara com os outros padrinhos, que vieram diretamente do Rolas para o casamento.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas.

Jessé Nascimento (Trovas Esparsas) 2


Afinal, em dois caminhos,
andamos hoje isolados,
como nadam dois peixinhos
em aquários separados.

Ah, primavera de sonho,
ah, sonho de primavera...
Tempo feliz tão risonho,
das ilusões de quimera!

Alguns dias de folia,
quando esquece sua pobreza,
no reino da fantasia
o povo vive a nobreza.

Ante a montanha imponente
e o mar tão vasto e sereno,
eu me quedo reverente:
- Ó Deus, como sou pequeno!

Ao ver-te, eu tive certeza,
foi paixão e sorte minha;
já foste minha princesa,
mas hoje és minha rainha!

A velhice já me alcança,
rugas, canseiras, enfado...
Os meus sonhos e esperança
já são coisas do passado.

Carnaval de antigamente...
Palavras de nostalgia.
Hoje tudo é diferente,
não é a mesma a folia.

Fantasia colorida
e porte de campeão,
ele esquece na avenida
a luta do ganha-pão.

Junto à saudade incontida
de um amor que feneceu,
foste uma insônia atrevida
que jamais trégua me deu...

O Criador, com certeza,
esmerou-se muito bem:
na mulher, na natureza
e na música também.

Por mais que eu tente esconder
de todos a minha idade,
o espelho tem o prazer
de me mostrar a verdade.

Por sua volta aguardei,
tão cheio de ansiedade;
mas foi em vão que esperei,
só restou mesmo a saudade.

Pra acreditar foi um custo;
na primeira gravidez,
levou um tremendo susto:
foram cinco de uma vez!

Que eu jamais seja insensato
na língua, no meu falar,
pois na mentira, de fato,
posso uma vida arruinar.

Se a cada dia me entrego
e me sinto um derrotado,
quanta esperança eu renego
e me rotulo um coitado!

Senhor Deus, misericórdia!
Neste conturbado mundo,
nos corações põe concórdia,
mais perdão e amor profundo!

Tu disseste que me amavas
e eu fingi que acreditei;
sabia que me enganavas,
mas eu também te enganei.

TROVAS À CIDADE DE LINHARES

Ah, pudesse em ti viver,
respirar teus puros ares...
Quero ao menos conhecer
tuas belezas, Linhares!

A ti, entoo o meu canto,
ocupas os meus pensares...
Conhecer-te quero tanto,
ó cidade de Linhares.

Povo bom e hospitaleiro,
paz propagada nos lares;
ah, recanto brasileiro
batizado de Linhares!

Preservas a natureza,
no mar, na terra, nos ares;
por isto, canto a beleza
que existe em ti, ó Linhares!

Sou trovador, és o tema,
mui grato por me inspirares;
és trova, tu és poema,
ó cidade de Linhares!

Alexandre Herculano (Eurico, o Presbítero)


Eurico, o Presbítero é um romance histórico de Alexandre Herculano datado de 1844. Conta a triste história de amor entre Hermengarda e Eurico. A história se passa no início do século VIII na Espanha Visigótica. Eurico e Teodomiro são amigos e lutam juntos com Vitiza (imperador da Espanha) contra os “montanheses rebeldes e contra os francos, seus aliados”.

Depois desse bem sucedido combate, Eurico pede ao Duque de Fávila a mão de sua filha, Hermengarda, em casamento. No entanto, Fávila ao saber da intenção de Eurico e, sabendo ainda que esse era um homem de origem humilde, recusa o pedido de Eurico. Certo de que sua amada também o repelia, o jovem entrega-se ao sacerdócio, sendo ordenado como o presbítero de Carteia.

A vida de Eurico então resume-se às suas funções religiosas e à composição de poemas e hinos religiosos, tarefas essas que ocupavam sua mente, afastando-se das lembranças de Hermengarda. Essa rotina só é quebrada quando ele descobre que os árabes, liderados por Tarrique, invadem a Península Ibérica. Então Eurico toma para si a responsabilidade de combater o avanço árabe. Inicialmente, alerta seu amigo Teodomiro e, posteriormente, já adiante da invasão, o Presbítero de Cartéia transforma-se no enigmático Cavaleiro Negro.

Eurico, ou melhor, o Cavaleiro Negro luta de maneira heroica para defender o solo espanhol. Devido a seu ímpeto, ganha a admiração dos Godos e lhes dá força para combater os invasores. Quando o domínio da batalha parece inclinar-se para os Godos, Sisibuto e Ebas, os filhos do Imperador Vitiza, traem o povo Godo com a intenção de assumir o trono. Assim o domínio do combate volta a ser árabe. Logo em seguida Roderico, rei do Godos, morre no campo de batalha e Teodomiro para a liderar o povo. Nesse meio tempo, os árabes atacam o Mosteiro da Virgem Dolosa e raptam Hermengarda. O Cavaleiro Negro e uns poucos guerreiros conseguem salvá-la quando o “amir” estava prestes a profaná-la.

Durante a fuga, Hermengarda, foi levada desmaiada às montanhas das Astúrias, onde Pelágio, seu irmão, está refugiado. Nesse momento, essas montanhas são o único e verdadeiro refúgio da independência Goda, uma vez que, depois de uma luta terrível contra os campos da Bética, que lhe pertenciam, continuariam em seu poder.

Em segurança, na gruta Covadonga, Hermengarda depara-se com Eurico e, enfim, pôde declarar seu amor. No entanto, Eurico revela a ela que o Presbítero de Carteia e o Cavaleiro Negro são a mesma pessoa. Ao saber disso, Hermengarda perde a razão e Eurico, convicto e ciente das suas obrigações religiosas, parte para um combate suicida contra os árabes.

ANÁLISE CRÍTICA

O romance de 1844, que retrata o início do século VIII ou momento da invasão da Península pelos árabes é considerado, dentre os romances de Herculano, o que menos se prendeu ao rigor historicista, devido à utilização de uma maior liberdade imaginativa e talvez porque a época enfocada fosse pouco documentada.

A obra tem o caráter grandioso de uma “canção de gesta” e situa-se na passagem da epopeia para o romance histórico. A psicologia não podia ser analisada porque as personagens, sobretudo Eurico, desenham-se num módulo acima do humano, quase semi-deuses, como os heróis de Homero, e praticam feitos inverossímeis: o Cavaleiro Negro, na batalha de Criso, a passagem da Sália, o episódio da abadessa do Mosteiro. Vultos agigantados em matéria épica e que é preciso manter na bruma e no prestígio de grandes acontecimentos do passado longínquo.

O estilo da obra ergue-se ao tom solene do dizer profético, não só porque a ação era de calamidades, de castigos e de desfechos providencias como nível dos acontecimentos se situa a uma altura que excede o módulo vulgar do viver. Estilo portanto, sintético e embalado em onda rítmica, sem corte incisivo e minucioso da análise.

O conflito amoroso se dá a partir do amor desigual, contrariado pelo pai de Hermengarda, Fávila, Duque de Cantábria, possuidor de status social e bens materiais à verdadeira nobreza do outro, Eurico, que é poeta e mais puramente apaixonado. A sociedade, mais uma vez, desconhece o mérito autêntico e cria uma vítima que, daí em diante, saboreará na solidão o orgulho da sua própria tristeza. É este, no fundo, o sentido dos primeiros capítulos do livro:

Lá, no tumulto dos cortesões, onde o amor é cálculo de um sentimento grosseiro, terás achado quem te chame sua, quem te aperte entre os braços, quem tivesse para dar ao teu pai o preço do teu corpo e te comprasse como alfaia preciosa para serviço doméstico. O velho estará contente, porque trocou sua filha por ouro. ( p.35)

Com isso, Eurico vê-se “obrigado” a seguir, não sendo para um bem maior, o sacerdócio, isto é, reduz-se a despeito suicida, fruto e expressão do fracasso amoroso. Procura-se assim, uma espécie de morte mais elegante e sensacional, com o prestígio dos martírios ocultos que, por outro lado, se fazem discretamente adivinhar aos olhos dos homens.

De fato, Herculano vicia toda sua tese pela hipótese que lhe está subjacente: Eurico não abraça o sacerdócio e o celibato por vocação, mas à boa maneira romântica, como refúgio ou evasão para a sua frustração no casamento que projeta com Hermengarda. Daí constitua para ele, uma “amputação espiritual” e uma ”solidão irremediável”. Totalmente diferente da visão que a Igreja possui do sacerdócio e do celibato; uma visão sobrenaturalista, à luz da fé, sendo que, só aqueles a quem o dom da fé leva a ver com uma outra luz, e isso, só tem sentido para as pessoas possuidoras da verdadeira vocação a servir Deus a missão que lhes fora chamados.

A solidão de Eurico é paralela a do romancista Herculano, e ambas provocadas pela persuasão do homem superior e incompreendido. Um e outro confundem solidão com a vida interior e riqueza moral, assim, um e outro se suicidam, um na batalha, outro em Vale de Lobos. A mesma linha de individualismo estoico, falho da dulcificação do amor incansável. Nos conflitos, a ausência de perdão; nas crises, ausência de remédio.

O espaço físico é notável quando é descrito o enredo concentrado na Península Ibérica, a baía de Carteia, a Ilha Verde, os vales, as margens de Crissus onde ocorrem as batalhas, etc. Há também aqueles espaços fechados como a caverna, o mosteiro, as tendas dos árabes, o presbítero entre outros.

Tratando-se do espaço social, devido aos conflitos civis e religiosos entre cristãos, godos e muçulmanos, era caracterizado por valores nobres como o patriotismo ao extremo, a busca da liberdade , o heroísmo, etc.

É importante esclarecer, na obra, alguns pontos em ralação ao tempo da narração e da narrativa. O primeiro refere-se ao século XIX em 1844, enquanto que o segundo refere-se à época da Idade Média, no início do século VIII, isso é perfeitamente comprovado pelas informações históricas e por datas citadas pelo autor no início de alguns capítulos.

Dentro da obra o tempo é cronológico e psicológico, sendo que aquele é predominante. Isso é perceptível nos momentos em que o narrador revela uma sucessão cronológica com advérbios de valor temporal e/ou marca datas em alguns capítulos: “Presbítero. Antemanhã. Oito dos idos de abril da era de 749.” (p 28). E a presença do tempo psicológico é em função das vivências subjetivas das personagens, como mostra o trecho a seguir:

Tal era eu quando me assentei sobre as fragas; e a minha alma via passar diante de si esta geração vaidosa e má, que se vê grande e forte, porque sem horror derrama em suas lutas civis o sangue de seus irmãos. (p 22)

Na obra, há a presença dos discursos direto e indireto livre, porém o discurso direto é predominante. O narrador faz uso de uma linguagem culta enriquecendo-a com o emprego de muitas figuras de linguagem. Dentre as quais, podemos perceber a comparação no seguinte trecho:

Hoje, a cobiça assentou-se no lugar da equidade: o juiz vende a consciência no mercado dos poderosos, como as mulheres de Babilônia vendiam a pudicícia nas praças públicas aos que passavam, diante da luz do dia. (p 30)

Os protagonistas são Eurico e Hermengarda, ambas personagens planas, pois não sofrem transformações drásticas e não surpreendem o leitor na diegese.

Quando Eurico, personagem-título, se evade, no sacerdócio seu caráter e sentimentos não mudam, ou seja, continua a ser o eterno apaixonado por Hermengarda, “A nova existência de Eurico tinha modificado, porém não destruído, o seu brilhante caráter.” (p. 24) A personagem não muda fisicamente, apenas se esconde atrás da estringe e da armadura.

Quando aparece como rude cavaleiro negro, sua intenção é defender a fé cristã. Apenas deixar fluir sua revolta com o mundo, isto é, não perde a sensibilidade, o pessimismo, amargura e a melancolia, que marcam a personagem do começo ao fim da narrativa, tratando-se das características do romantismo, pois é consequência da frustração e da impossibilidade de realização do amor, como “Era este o canto doloroso e tétrico, o qual lhe transudava o coração em noites não dormidas.”, e ”Por que te havia eu de amar, se tu nos chamas a realidade é tão triste?” (p. 39), e ainda, “Oh, quantas vezes esse pensamento repugnante me tem feito vaguear louco pelas montanhas, uivando como o lobo esfaimado e tentando despedaçar os rochedos com as mãos, donde me goteja o sangue!” (p. 45)

A visão que o narrador tem da personagem, Eurico, é de admiração e compaixão. Intensifica o sofrimento e destaca seu caráter de homem superior, poeta, piedoso, puro de alma, romântico e apaixonado, íntegro, patriota ao extremo e capaz de realizar grandes atos heroicos, o que faz o protagonista herói: “Eurico era uma destas almas ricas de sublime poesia a que o mundo deu o nome de imaginações desregradas, porque não é para o mundo entendê-las.” (p. 23) e “Mas Eurico era como um anjo tutelas dos amargurados. Nunca sua mão benéfica deixou de estender-se para p lugar onde a aflição se assentava” (p. 26)
 
Hermengarda é uma personificação da mulher do Romantismo, idealizada, pura, casta, ingênua, pálida e recatada. Totalmente submissa, a donzela frágil e indefesa não tem forças para lutar contra seu pai pelo seu amor.

O narrador vê na personagem o motivo que leva Eurico a se consagrar como herói ao salvá-la dos bárbaros e ultrapassar a ponte romana.

Não é tratada pelo narrador com tanta benevolência como Eurico, pois a chama de desdita e ingrata, mas deixa claro que também se compadece do seu sofrimento, ao intensificar o remorso e a vontade de morrer no solilóquio. Como percebemos nos seguintes fragmentos, “A ingratidão de Hermengarda, que parecia ceder em resistência à vontade de seu pai.” (p. 18), “_Sempre ele! Sempre esta visão de remorso!” (p. 166) e “...Bem longo e atroz tem sido meu martírio, porque ainda não achei no mundo alma com quem me fosse dado repartir o cálix do infortúnio... Se vivesses, seria tua, tua esposa, tua escrava...” (p. 166)

Como antagonista surge no enredo Fávila, homem ambicioso, orgulhoso e dominador. Já as demais personagens aparecem secundariamente na diegese: Pelágio, filho de Fávila, irmão de Hermengarda e amigo de Eurico. Liderou a resistência goda com persistência quando muitos já estavam desanimados e conquistou admiradores e seguidores fiéis. O apelo nacionalista é presente nas atitudes heroicas e corajosas desse grande líder godo. Teodomiro: duque de Córduba e amigo de Eurico, continua em combate enquanto os godos fogem. Roderico: Rei dos godos que morre na luta contra os árabes. Juliano: Conde de Septum e traidor do povo godo. Opas: Bispo de Híspalis e traidor do povo godo. Tárique e Obdulaziz: Líderes árabes. Antanagildo: Guerreiro godo. Muguite: Amir da cavalaria árabe, guerreiro que matou Eurico. Cremilda: Abadessa do mosteiro, sacrifica as virgens, pois prefere o martírio a ser violentada pelos árabes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Eurico, o Presbítero, apesar de ser pertencente ao Romantismo, traz características diferenciadas das que estamos acostumadas nessa estética, tornando-a não muito envolvente, pelo fato de a mesma estar mais ligada ao contexto histórico do que à história amorosa dos protagonistas (Eurico e Hermengarda).

A trama amorosa, fundamental para a estética romântica, fica sem a devida atenção, servindo como pano de fundo na obra. O romance do casal é somente um pretexto com fins historicistas (caráter central do autor – bastante evidenciado na obra), sendo que é rico de fatos, de dados verossímeis em que a informação histórica é excedente tornando-se cansativa (isso acontece, também, porque a ação se desenvolve de forma muito lenta), enquanto a intriga novelesca passa despercebida entre os fatos consideráveis relevantes na obra.

Apesar de a narrativa em si não ser muito prazerosa e envolvente, como costumam ser os romances, não deixa de ser construtiva e enriquecedora, pois trabalha aspectos de uma cultura diferenciada e através dela conhecemos um pouco mais da história mundial, dos valores morais que cercam o ser humano e os conflitos dele decorrentes, bem como os valores à Pátria, aos costumes, à religião, dentre outros. Portanto, a obra é para quem, antes de tudo, tem afinidade com a história e pretende enriquecer seus conhecimentos.

Fonte:
Acadêmicos do Curso de Letras – UFPA – Campus de Bragança
Disponível no Blog do Prof. Robson Melo

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Jessé Nascimento (A Despedida)


     Eles se beijavam demoradamente, prendendo a atenção e emocionando a todos que os estavam observando. Pareciam sós naquele local, alheios aos que estavam ao redor.

     Fiquei a imaginar que uma despedida é sempre dolorosa quando o amor é muito forte, mesmo que a separação possa não ser demasiadamente longa.

     Alguns minutos depois, beijaram-se, de maneira alongada, pela última vez, ela foi se afastando e acenando continuamente.

     Ele ficou parado e vi que seu semblante denotava profunda tristeza ou preocupação. Será que eles nunca haviam se separado?

     Apesar de toda a cena ter acontecido em menos de quinze minutos, parecera uma eternidade.

     Por fim, mais um aceno; era a despedida que ele respondeu sem muito entusiasmo, evidentemente como se tímido ou triste.

     Ambos tinham os cabelos muito brancos e seus rostos marcados, demonstrando idades bastante avançadas e uma longa vida de sólida união.

     Barulho do motor, os últimos passageiros entraram, sentaram-se e o ônibus deixou a rodoviária.

     Para muitos, o amor pode mesmo ainda durar "até que a morte os separe.”

Fonte:
Recanto das Letras do autor

Luiz Poeta (Poemas Escolhidos) 4


O SILÊNCIO DE UM  POETA

Quando a palavra se ausenta,
o silêncio é tão profundo,
que o próprio rumor do mundo,
da abstração se alimenta.

A emoção até que tenta
animá-la, comovê-la...
como enxergar uma estrela,
quando a noite é nevoenta?

Por sabê-la desmaiada,
o poeta a reanima,
mas ela amordaça  a rima.
e o  verso não diz mais nada.

Porém, quando a flor é morta,
o pólen dança no ar,
e até no fundo olhar
mais vazio, há uma porta,

E quando menos se espera,
num doce sopro de brisa,
o verso se realiza
e poliniza a primavera.

A palavra é tão esquiva
e desenha o que quiser,
e ela sempre está mais viva
num sorriso de mulher

E é assim que ela projeta
- por ser viva e fascinante -
na mudez de algum instante,
o instante... de um poeta.

DELETO... OU NÃO DELETO ?

Recebo o teu e-mail... e indago,
Por que, com tanta tecnologia,
a minha dor te vê modo vago
e o meu amor apenas fantasia ?

O afeto que tu dizes que me tinhas
desfaz-se nas palavras que me trazes
e na imprecisão de tantas linhas
percebo o quanto os sonhos são fugazes.

Prometes um amor bem mais seleto;
se tens tantos amores, qual me dás ?
aquele bem mais tímido e discreto...
...ou simplesmente amores passionais ?

Confesso, estou confuso... a alegria
desfaz os dissabores e conduz
o amor fragilizado à euforia
do sonho prazeroso que o seduz.

Meu coração escolhe o trampolim
e hesita... quer  pular, mas a razão
algema a intenção que existe em mim.
Meu Deus... que quer de mim meu coração ?

Será que és um spam ? ...meu dedo em riste
não sabe em qual tecla há de tocar
e o enter... excitante... sempre insiste...
em me trazer a luz do teu olhar.

E nessa confusão tão... virtual...
que torna meu desejo tão... concreto,
pergunta o meu amor... imparcial:
- Deleto o teu amor... ou não deleto ?

FOTO DIGITAL

Do teu retrato, tua alma em vão me olha,
pedindo um beijo, uma atenção...qualquer afeto...
tua saudade é como um vento que desfolha
um livro antigo que não é mais predileto.

Há no meu álbum, tantas fotos me pedindo
que eu me recorde de momentos inexatos,
mas quando tento, a lembrança vai fugindo
e eu fico rindo do silêncio dos retratos.

Fotos antigas como as tuas só resgatam
muitas mentiras, farsas e hipocrisias
e os negativos sem sentido só retratam
sombras manchadas de ilusões e utopias.

O teu retrato sedutor perdeu o foco,
a importância, a sedução, a fantasia...
e se ele existe sem razão, logo eu o troco
por outro foco que não é fotografia.

Tua lembrança é uma foto inconsistente,
que se desgasta, pois repousa na moldura
de um coração que já nem sabe se te sente,
quando o que sente é solidão e amargura.

Hoje, eu esqueço a solidão e faço um xis,
mirando as lentes da câmera digital,
mas se percebo uma imagem infeliz,
deleto tudo e busco a foto ideal.

Hoje meu rosto é que serve de modelo
para o fotógrafo que vê uma mulher
como uma linha que se solta do novelo
e em vão  costura o coração de quem a quer.

POR QUE POR QUÊ?

Por que é que tudo  tem que ter sempre um porquê?
... o amor, amada, não precisa de respostas
 e o desamor e a solidão nos  dão as costas,
...se eu expresso  o amor que sinto por você.

Bom é amar, sem ter que dar explicações...
as emoções libertam todo o nosso encanto
e a cada pranto, sempre há novas sensações
de ouvir a voz dos mais sublimes acalantos.

O nosso amor, tão preocupado com sonhar
nunca dá tempo à indagação inconveniente...
... porque o  amor mais sedutor que a gente sente,
responde sempre com o brilho do nosso olhar.

Portanto, amada...  se  alguém lhe perguntar
- com esse "porquê" que interroga e não responde,
diga: - Não sei, o nosso amor só vai aonde
a emoção faz a razão brincar... de amar.

Mardilê Friedrich Fabre (Contos Minimalistas)


CASTO AMOR

Inquirida sobre até onde ele avançara, veio a conformada resposta:

- Ele não entende a linguagem do corpo.
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FUGA

Corria sem direção. Parou ofegante. Dúvida. Que caminho tomar? Dobrou a esquina. Uma dor aguda no peito. Escuridão...

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 NOITE DE CHUVA

Chovia. Na rua, poucos ruídos. Na sala, a jovem ouvia distraída o barulho da chuva. Um grito ressoou no ar. Ela correu até a janela. Iluminado pela luz do poste, um corpo numa poça de sangue. Rasgando a noite, sirenes.
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 SUCESSO

Aos 38 anos, levava uma vida de sucesso. Professora. Excelente profissional. Casada. Dois filhos inteligentes. A vida sorria-lhe magnânima. Até o dia em que descobriu estar com um câncer incurável.
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VIAGEM FATAL

Vaticinaram que morreria carbonizado. Por isso, não viajava de avião.
Ia pela estrada, ar condicionado ligado, vidros fechados...
Não ouviu o estrondo do choque do caminhão de combustível desgovernado contra seu carro.
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 RECOMEÇAR

De frente para o mar, sente o vento bater-lhe forte no rosto. Não sabe se o frio é a maresia ou são as lágrimas que escorrem livres.

Sem ninguém vendo-a, é mais fácil deixar a dor fluir.

Tem vontade de gritar. Mas falta-lhe coragem.

Quisera tanto ficar sozinha! Por que não era feliz?

Estivera presa tantos anos! Agora poderia  fazer o que quisesse, como quisesse, quando quisesse. Por que, então, esta inércia? Seria o costume de ter um carcereiro, conduzindo-a como uma marionete?

Precisa retomar a sua vida. Mas como? Não consegue mexer-se. É uma estátua.

De repente, uma mãozinha pega a sua, e ela ouve:

-Vozinha, vem pa drento, tá fio aí foia.

E ela entende por onde e por que haverá de recomeçar.

Fonte:
Recanto das Letras da autora

Francismar Prestes Leal (Poetrix)


Alopecia?

Tocando teu cabelo,
Percebi que
Estamos por um fio.
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Babel, de Brasil

Os sábios não dizem o que sabem,
Os tolos não sabem o que dizem e
Os políticos dizem que não sabem.
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De banda?

Cidades pequenas
Têm coração grande,
No coreto da praça.
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Fuga

O tempo voa?
Vou dar asas
À imaginação.
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Lado alado

Um lugar sagrado?
Qualquer lugar
Ao teu lado
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Olé

– Olha o picolé!
E voava pátio afora,
Dando olés.
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Pedras no telhado

Se tenho telhado de vidro?
Claro que eu tenho,
Para ver estrelas cadentes.
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Sangrado

O sagrado,
Sangrando,
Crucificado.
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Satélite

Pulso acelerado,
Um punhado de versos,
Meu pequeno universo era teu.
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Sem romance

Depois de certo ponto,
A vida não é mais um conto,
É crônica.
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Sete quedas

A vida é um erro?
Não é mesmo!
São vários.
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Veja…
Olhar é sair da própria carne,
É mandar-se para outro ente,
Sem, contudo, abandonar-se.
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Vivo-morto

– Vamos todos morrer?
– Não fale besteira…
Só os que estão vivos.

Fonte:
Maria Eliana Palma (org.). IV Coletânea dos Poetas de Maringá. Maringá: A. R. Publisher, 2016.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Antonio Carlos de Barros ("Chimarrão da Amizade")


nota:
Cinchar – apertar, encilhar peça de arreios constituída de tira de couro ou pano forte (barrigueira) que passa por baixo da barriga do animal e de um travessão para segurar a sela ou o lombilho.

Francisca Júlia (A Esperança)


A crença mitológica nos conta que os povos antigamente eram felizes, viviam na maior harmonia, sem guerras nem disputas. O mundo era composto de uma só família, onde todos se amavam igualmente e estavam unidos por um afeto fraternal.

Não havia a pobreza, porque a terra, como uma mãe carinhosa, produzia frutos para o aumento de todos. Não se conheciam os ardores do verão, os rigores do inverno, nem a ameaça das tempestades; uma primavera continua refrescava os ares, animava a verdura dos campos e fazia nascer os frutos. Os animais viviam da mesma forma; os pássaros com os répteis, as ovelhas com as feras.

Desta maneira todos se sentiam absolutamente ditosos.

Júpiter, porém, possuía uma caixa, que estava fechada, e que continha todos os males que a humanidade sofre atualmente.

Nela estavam ocultas a amargura, a guerra, a peste, a fome, o assassínio, a ingratidão e todo o gênero de sofrimentos a que o homem está sujeito.

Um dia, Júpiter, tendo de descer do Olimpo com o fim de visitar a terra, como não quisesse abandonar a caixa à curiosidade dos outros deuses, chamou Pandora e falou-lhe assim:

— Toma esta caixa. Ela contém toda a espécie de males criados pelas forças infernais; se a abrires, a humanidade há de sofrer eternamente. É por isso que ta confio, na certeza de que saberás guardai-a com o maior cuidado, não só pelo respeito que deves às minhas ordens, como pela piedade que te inspira a fraqueza humana.

E entregou-a a Pandora.

Esta deusa guardou a caixa durante muito tempo; mas como era excessivamente curiosa, resolveu abri-la.

Abriu-a.

A princípio escapou a guerra: logo os homens começaram a inventar os punhais envenenados, couraças, lanças, setas e toda a variedade de armas de defesa, para, quando fosse ocasião, marchar para o campo da batalha e escravizar os povos vencidos.

A peste abateu os soldados; as lágrimas umedeceram os olhos das mulheres; o falso amigo escondeu no seio o punhal assassino; o filho ridicularizou a velhice dos pais; e assim por diante os males foram saindo da caixa encantada, espalhando-se pelo mundo, acordando sentimentos maus nos corações e derramando por toda a parte a desolação e o luto.

Pandora sentiu remorsos nesse instante e fechou a caixa.

Todos os males, porém, já tinham saído exceto um: a esperança.

A esperança ficou no fundo, escondida, para consolar as mágoas e animar o mundo; de modo que, por mais infelizes que nos julguemos, sempre nos resta a esperança de alcançarmos uma felicidade futura, um suave descanso para as nossas tristezas e um consolo para as nossas aflições.

Fonte:
Francisca Júlia. Livro da Infância. Revisão ortográfica: Iba Mendes.