domingo, 12 de fevereiro de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Eternos Românticos)


Eis os verbetes da palavra romântico, no dicionário: “Diz-se dos escritores e artistas que, no começo do Século XIX, abandonaram as regras de composição e estilo dos autores clássicos. Caracterizam-se pela predominância da sensibilidade e da imaginação sobre a razão, pelo individualismo, pelo lirismo”.

De onde se conclui que, quase todos os artistas, quaisquer que sejam os tempos e as escolas, são ou foram românticos. Costumo afirmar, por isso, que o romantismo, não é apenas uma escola literária, mas um estado de espírito. Românticos foram, através dos tempos, e muito antes do Século XIX, as mais altas expressões das letras e das artes.

Aqui mesmo, em crônica anterior, falamos sobre o tema. O homem hoje parece que se envergonha de ser romântico, ou de ser tido como tal. Como se isto fosse um atestado de doença ou de fraqueza.

Continuaremos, no entanto, românticos, graças a Deus. Há alguns anos, alguém escrevendo sobre minha poesia disse que eu era o “último romântico de nossas letras”. Puro engano. O mundo continua, e seguirá povoado por essa espécie imortal para que a arte sobreviva.

Poderíamos parafrasear a expressão euclidiana, e dizer que “o romântico é antes de tudo um forte”. E por quê? Justamente porque fortes são os que têm a capacidade de sentir. E o romântico é o emotivo, o sentimental, o que expõe o coração. Só ele enriquece a vida com as perspectivas infinitas do sentimento e da fantasia. Os frios, os indiferentes, os “materialistas” num sentido puramente social, são os fracos, os temerosos, e, são, portanto, os que não vivem plenamente.

Os românticos são os que enfunam as velas do sonho e se atiram a todas as correntes. Certamente que sofrem. Mas para eles, vida e sofrimento são palavras que se equivalem, que se identificam. Sabem que o temor ao sofrimento só poderá levar a escapadas e enclausuramentos. São os que não têm medo, portanto, os que se aventuram. Os estóicos. Os que captam a vida em todas as direções, embora feridos, angustiados. Os que não se envergonham de chorar. Coisa engraçada é afirmar-se que o mundo de hoje é um mundo de homens de ferro, duros, insensíveis. Como se isto fosse vantagem, ou, que é mais importante, verdade. Se ontem, as armaduras de ferro dos cavaleiros medievais escondiam corações inflamados de ternura florais, de anseios cavalheirescos, hoje, as pesadas roupas dos astronautas protegem igualmente corações cheios de amor e poesia.

Todos nós lemos as declarações dos astronautas ao voltarem do espaço sideral. Eram falas de poetas, deslumbrados com o espetáculo novo de um universo imprevisto. Um deles, o primeiro, declarou de sua cápsula: o mundo é azul!

Que eles são, mesmo, os poetas do espaço. Hoje, eu diria que até a ciência é romântica: ainda à procura da lua dos poetas e dos namorados.

Os jogadores de futebol, que representam homens de um esporte viril, após as grandes vitórias, ou as fragosas derrotas, desmandam-se a chorar, como bebês. E que de estranho há nisso? São, e continuam sendo apenas homens, como os de todas as épocas, quando inflamados ou aterrados pelas emoções violentas. Choram políticos, choram generais, choram artistas. Na televisão, assistimos todos os dias ao espetáculo dos que desgovernam pelo coração, e são por isso sublimes ou heróicos.

Falsa, inteiramente ilusória, a afirmativa apresentada e superficial, de que deixamos de ser românticos.

Sim, o mundo gira, o mundo se transforma, mas o homem continua o mesmo: Macbeth, Otelo, Romeu ou D. Quixote. O coração continua a ser aquele ponto inevitável sobre o qual se apóia uma das pontas do compasso para traçar as figurações e planos.

E as gerações novas?

Os moços do iê-iê-iê, até na aparência são românticos. Restauram as formas de trajar, os exageros requintados de outras épocas. Quando os vemos, nos lembramos dos poetas do fim do século, de cabelos longos, roupas enfeitadas. Sua música, aparentemente “avançada”, trouxe apenas novidades rítmicas, mas o fundo melódico e as letras traem o eterno romantismo. E aí está o “slogan” dos “hippies”: “The Flower’s power”. Uma geração que faz da flor o seu símbolo, o seu estandarte, a sua mensagem de paz e amor, não é uma geração romântica? As desesperadas tentativas de fuga à realidade pelos entorpecentes, pelo LSD, não se assemelham aquela geração de Byron e Musset, dos cansados da vida aos 20 anos, e que tentavam uma última escalada pelo álcool, “fazendo-se” tuberculosos?

Que fale quem quiser. Posso, melhor que ninguém, dar meu testemunho. Desfraldei minha poesia há cerca de trinta anos, e ela aí está como bandeira no topo do mastro. Sabotada ou não, o povo faz ciranda com ela nas ruas. Dizer-se que não há leitores para a poesia é simples mentira. Não só eu vendo meus livros. Augusto dos Anjos, Raul de Leoni, Guilherme de Almeida, Cassiano Ricardo, Vinícius de Morais e tantos outros poetas esgotam edições. E são todos, cada um a seu modo, poetas românticos. Citaria centenas de cartas de meus leitores, e eu disse leitores, não apenas leitoras, que provam a ressonância da poesia, que me agradecem os versos, como alguém com fome agradeceria um pedaço de pão, ou um pouco de água, se tivesse sêde.

O dicionário completa o verbete: ser romântico é ser “devaneador, poético, apaixonado”. Então, somos todos nós. “Quem não for capaz de sonhar, de encontrar belezas, de amar”, “só passou pela vida, não viveu”, como diria o velho Otaviano Rosa.

Dentro do homem mais seco, e empedernido, do espírito mais cético e pragmático, do filosofo mais materialista, há um cérebro e um coração, para pensar e para sentir. E naqueles momentos de coração que salvam a nossa vida, somos todos românticos. O operário que bota tijolo em cima de tijolo, o dia todo, à noite vira poeta diante do mar, em companhia da namorada; a mocinha do balcão que vendeu qualquer coisa, ou o do escritório que bateu faturas, vai depois copiar poesias em seu caderno; o cronista engraçado que se compraz em ridicularizar boleros, vai cantar tangos na boate, depois da terceira dose de uísque; o motorista, que transporta cargas pelos caminhos, faz poesia e humor nos pára-choques do seu caminhão.

Por muitas razões, usamos máscara trezentos e sessenta dias, e só as tiramos às vezes, no carnaval. Há homens que se envergonham de ter coração, o que é grave; procuram esconde-lo, o que é tolo; tentem nega-lo, o que é absurdo. Salvam-se alguns poetas (façam versos ou não) que têm coragem de permanecer poetas, num mundo que pretende negar a poesia, e que tanto precisa dela. Alguns poetas, que, corajosamente não usam máscaras, continuam falando de amor, como os velhos cristãos ou como... os “hippies”...

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Fernando Sabino (Deixa o Alfredo Falar )


A ARTE brasileira da conversa não é de fácil aprendizado. Como toda arte, exige antes de mais nada uma verdadeira vocação. E essa vocação se aprimora ao longo do caminho que vai da inocência à experiência. Como em toda arte.

Para princípio de conversa, distinga-se: quando falo em conversa, não estou me referindo à lábia, à astúcia, à solércia do brasileiro no passar a bicaria e vender o seu peixe. Falo precisamente no bate-papo, erigido numa das mais requintadas instituições nacionais.

Mas por que arte brasileira? Os outros povos acaso não batem papo? A própria expressão, brasileiríssima, corresponde em inglês exatamente ao verbo “to chat”, na acepção que lhe dá o dicionário: “to converse in an easy or gossipy manner; talk familiarly.” Até os ingleses, meu Deus, os ingleses têm também o seu papo: um deles, na mesa do bar, olha para fora e diz que vai chover; meia hora depois outro diz que não vai chover; meia hora depois o terceiro se retira dizendo que não gosta de discussão. A falta de graça desta velha anedota não está em ser velha, mas na finalidade útil que fez michar o papo. Este não deve ter finalidade alguma, senão a de matar o tempo da melhor maneira possível. É coisa de latino em geral e de brasileiro em particular: fazer da conversa não um meio, mas um fim em si mesmo. Se não me engano, essa é a distância que separa a ciência da arte.

No papo bem batido, a discussão não passa de uma motivação, sem intuito de convencer ninguém, nem de provar que se tem razão. Os que nela se envolvem devem estar sempre prontos a reconhecer, no íntimo, que poderiam muito bem passar a defender o ponto-de-vista oposto, desde que os que o defendem fizessem o mesmo. Os temas devem ser de uma apaixonante gratuidade, a ponto de permitir que, no desenrolar da conversa, de súbito ninguém mais saiba o que se está discutindo. Mesmo nas eternas discussões sobre mulher, religião ou futebol, para que se constituam em bate-papo, longas digressões hão de ser admitidas, desde que pertinentes.

Esta última observação, aliás, é pertinente ela própria, já que falei em futebol, quando se trata de papo acalorado como o que batiam aqueles dois amigos, parados numa esquina, violando o silêncio da rua adormecida:

— Se o último jogo do Campeonato fosse do Botafogo contra o Fluminense...

— Ora, Alfredo, pra cima de mim! Ia ser de goleada.

— Você não me deixou terminar, Dagoberto. Eu queria dizer que o Botafogo...

— Que Botafogo que nada! Com o Vasco diziam a mesma coisa...

— Dagoberto, você não me deixa falar!

— ... e no entanto ele acabou entrando bem. Essa não, Alfredo.

— Não estou falando no Vasco. Eu disse que o Botafogo...

— E no ano passado, que foi que o Botafogo fez? Me diga só o que ele fez.

— Você não me deixa falar, Dagoberto.

— Desde o princípio todo mundo sabia que o Fluminense...

— Você não me deixa falar!

A essa altura abriu-se uma janela no edifício da esquina e surgiu um indivíduo estremunhado:

— Ô Dagoberto! Deixa o Alfredo falar!

A boa conversa implica sempre em deixar o Alfredo falar. Além disso a discussão, ainda que gratuita, pode exaurir o papo diante de uma impossível opção, como a de saber qual é o melhor, Tolstoi ou Dostoievski, Corcel ou Opala, Caetano ou Chico. A menos que ocorra ao discutidor o recurso daquele outro, hábil em conduzir o papo, que teve de se calar quando, no melhor de sua argumentação sobre energia atômica, soube que estava discutindo com um professor de física nuclear:

— Você é presidencialista ou parlamentarista? — perguntou então.

— Presidencialista.

— Pois eu sou parlamentarista.

E recomeçaram a discutir.

Mais ardente praticante do que estes, só mesmo o que um dia se intrometeu na nossa roda, interrompendo animadíssima conversa:

— Posso dar minha opinião?

Todos se calaram para ouvi-lo. E ele, muito sério:

— Qual é o assunto?

Mas percebo que me perdi em discussões, polêmicas, argumentos e desaguisados, afastando-me do verdadeiro espírito que deve presidir o culto dessa arte. De preferência, que ela seja praticada apenas a dois — como diz o mineiro, mais de dois é comício. E entre estes dois, bom será que reine amável concordância, para que, alternada-mente ouvindo e falando, possam ambos conjugar o delicioso verbo discretear.

De minha parte, possa eu encerrar a conversa rendendo minha homenagem a um amigo: àquele que, no consenso geral dos que com ele privam, veio dar a esta arte o melhor do seu talento criador.

Ao longo de minha vida tive a ventura de conviver com excelentes papos, de Jayme Ovalle a Sérgio Porto, de Milton Campos a Mário de Andrade, para só falar nos mortos mais queridos. Não sendo privilégio de gente ilustre, tenho encontrado grandes praticantes entre marceneiros, pescadores, garçons e choferes de táxi.

Mas nenhum como este, cuja despedida à porta de sua casa se prolonga de meia-noite às quatro, deixando-nos a impressão de haver decorrido apenas meia hora; capaz de reter-nos a noite inteira num café em pé, conversando sobre o que seja, do último boato político à imortalidade da alma. Jânio Quadros, quando Presidente, chegou a mandar chamá-lo a Brasília — queria-o como seu assessor:

— Soube que você gosta de bater papo. Venha fazê-lo aqui.

— Fá-lo-ia, Presidente — que língua, a nossa! — se tivesse competência. Mas não passo de um especialista em idéias gerais.

— Eu também! — exclamou o Presidente, batendo no peito. Depois, olhos brilhantes, apontou um mapa na parede: — E este Brasil inteiro entregue a nós dois! Já pensou?

Tinha razão, o Presidente. E tê-lo-ia (!) levado na conversa, se as intenções presidenciais fossem apenas as de conversar. Porque se trata do rei da conversa, o Pelé do bate-papo, reconhecidamente o mais primoroso cultor desta arte sutil. Já tive mesmo a cautela, apontando-o desde já à posteridade, de compor para ele um epitáfio:

“Aqui jaz Otto Lara Resende,
Mineiro vivo, mancebo guapo.
Deixa saudades, isso se entende:
Passou cem anos batendo papo.”

Fonte:
Bar do Escritor

Ney Gastal entrevista Mário Quintana (“Incomoda quando ninguém se preocupa comigo”)


Entrevista realizada por Ney Gastal para o Caderno de Sábado, do Correio do Povo

Podem achar engraçado, mas não vale rir. Em minha coleção de recortes, esta entrevista com Mário Quintana ficou sem data. Talvez haja explicações: o poeta sentava de frente para mim, na antiga redação do Correio. Eu o via todo dia, aguentava suas caretas, ranzinice, mau humor. Aquela imagem de santo barroco que ele cultivava, com a ajuda de todo o pessoal da redação, não era assim, uma verdade. Mas, também, ele tinha lá seus motivos para ser ranzinza. Ninguém, em toda a redação, era tão atazanado por chatos quanto ele.

Certa manhã, jamais vou esquecer, entrou apressado na redação, veio até minha mesa, me empurrou pedindo licença e foi avisando: "Diz que não estou". E enfiou-se debaixo da mesa de aço. Logo atrás, surgiu redação adentro um dos maiores poetas e chatos que este país já teve. Quintana até era seu amigo e admirador de sua poesia, mas, como a maioria, não aguentava sua chatice pessoal e sempre que podia dava um jeito de sumir. Nem que fosse escorregando para baixo da mesa. Era assim, uma figura tão próxima e íntima (quem já teve um grande poeta escondido debaixo da mesa?) que esqueci de datar sua entrevista. Mas prometo pesquisar, descobrir e - assim que puder - colar aqui o devido registro. Por enquanto, basta dizer que foi publicada no "Caderno de Sábado" do "Correio do Povo", relativo ao 70º aniversário do poeta. (Ney Gastal)

Entrevistar o poeta é como um duelo daqueles de filme antigo, em branco e preto, onde o bandido acaba inapelavelmente encurralado. Entrevistar o poeta é como um duelo, onde ele é o mocinho e nós, sem chance, o bandido. Raros são seus momentos de calma. Na semana de seu aniversário sempre há alguém querendo arrancar dele uma ou outra palavra. Por vezes apenas recusa; outras, lança um olhar desolado em torno, dá de ombros e sujeita-se; outras, ainda, levanta-se e traz o potencial entrevistador até o armário atrás de minha mesa, onde está colocada uma cópia da "Declaração Universal dos Direitos do Homem", e aponta o Artigo XII. Apenas isto, e poucos são os que continuam a insistir. Diz o artigo: "Ninguém será sujeito a interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência nem a ataques a sua honra ou reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques". Sinto, poeta, mas era preciso que o 'Caderno de Sábado" tivesse uma entrevista. E, afinal, alguém que é nada mais, nada menos, que a identidade secreta do Anjo Malaquias, deve ter um pouco de paciência, não?

MQ: O Anjo Malaquias é uma figura mitológica que criei como símbolo da frustração. Portanto, não se trata do seu autor.

A esta altura da vida, continuas teimando que te deixem em paz, que deixem de lado tua pessoa em função de tua obra. Mas por de trás desta modéstia deve haver uma grande vaidade por tudo que já foi feito. Não é?

MQ: Não se trata de modéstia. É que eu sou muito orgulhoso para ter vaidades, tão próprias dos satisfeitos. Um poeta, mesmo, nunca é um auto-satisfeito.

- Dizem que "os verdadeiros poetas não lêem outros poetas; os verdadeiros poetas lêem os pequenos anúncios dos jornais". Tu, além disto, vives muito tempo dentro da redação do jornal. Ajuda a poetar?

MQ: Tudo ajuda poetar, tudo atrapalha poetar. Mas, nos momentos de criação, onde quer que se esteja, as injunções de ambiente desaparecem na alegria da criação. Poesia é alegria, porque, por mais infeliz que esteja acaso o poeta, se ele consegue expressar isso com toda a felicidade – cadê tristeza?

- Escreveram que terias dito que "Porto Alegre era uma pequena cidade grande; hoje é uma grande cidade pequena". Foi isso? Pelo que ela era é que nunca saíste daqui?

MQ: O que eu disse, ou pretendia dizer, era que Porto Alegre era uma grande cidade pequena e hoje é uma pequena cidade grande. Será que bolei as trocas sem querer? Ou.serão permutáveis os termos da proposição? Mas até as cidades do interior se estão padronizando: lanchonetes, etc. onde estão aqueles antigos cafés e bares espaçados como um salão de dança?

- Como vive o poeta dentro da estrutura desumanizada que é este nosso planeta?

MQ: Há uma infinidade de gente que julga desumanizado o meio em que vive. Mas convém não esquecer que todos os grandes movimentos começaram com pequenas minorias.

- E a Academia Brasileira de Letras, aceitarias participar dela?

MQ: A Academia não convida. A gente é que tem de candidatar-se, solicitar votos pessoalmente, arranjar pistolões. Há gente que não dá para isso. Eu também não.

- O poeta simples é assunto para críticas complexas. Como vês a crítica e como encaras os críticos?

MQ: Gosto da crítica interpretativa. Só não gosto da que condena um poeta pelo que ele não é.

- A tua poesia tem sido efetivamente compreendida pela crítica?

MQ: Augusto Meyer, Carlos Dante de Morais, Fausto Cunha, Guilhermino César e alguns outros não oficialmente críticos antes de tudo "sentiram" a minha poesia e por isso mesmo a compreenderam.

- Quais os poetas que influíram na tua formação? Há entre eles algum gaúcho?

MQ: Primeiro o "Tico-Tico", depois Antônio Nobre, que foi meu companheiro de infância. Ah, e Camões, o velho bruxo!

- Tuas leituras de moço abrangeram a poesia inglesa ou toda tua formação foi através de francesa?

MQ: Apenas através da língua francesa: vim da "Belle Époque"...

- A pergunta clássica: como conceituas tu mesmo a tua poesia?

MQ: Uma poesia profundamente emotiva. Daí, a ter ela atravessado três gerações.

- Voltando um pouco atrás: conta um pouco de tua vivência aqui na redução do "Correio".

MQ: A minha vivência no "Correio" é ótima para a minha saúde espiritual, devido ao bem com que me tratam..

- Pergunta sugerida por um diretor teatral: és um poeta solteiro ou um poeta sem mulher?

MQ: Agora, aos setenta, sou um solteiro viúvo.

- Do cinema de todas as semanas, o que mais te marcou? Há muito e há pouco tempo.

MQ: Há muito tempo "O Cidadão Kane". Recentemente, "Um Estranho no Ninho" e "Cabaret".

- Do cinema para a televisão. É que seguido estás olhando para o aparelho aqui da redação. Gostas ou é porque ele está tão perto de tua mesa?

MQ: Aquelas figuram que se movem na TV causam o efeito sedativo de quando a gente olha a dança das chamas na lareira. Sedativo, desde que não se preste atenção ao que dizem.

- Recebes melhor estudantes que vêm te entrevistar do que jornalistas. Por que a discriminação?

MQ: Os estudantes e as estudantes me fazem voltar à idade deles. Tenho o dom de sempre me achar com a mesma idade das criaturas com quem estou falando. Se há alguma discriminação, deve ser esse o inconsciente motivo.

- O "Caderno H" é composto de frases sobre vários assuntos. Que tal uma frase sobre o "Caderno H"?

MQ: Hummm... Uma coisa inominável?

- Falam de tua solidão, muita gente diz preocupar-se com ela. Mas não me parece que o poeta seja um ser só. Talvez os outros projetem nele suas próprias solidões. Não é?

MQ: O único problema da solidão é saber como preservá-la. Não poder estar só é o que acontece a um indivíduo (?) do rebanho. Tens razão ao dizer que um poeta não te parece um ser só. Tive amigos, sim. Morreram. É difícil estabelecer novas amizades porque uma amizade se baseia em velhas recordações comuns.

- No futuro os estudiosos da literatura brasileira vão esbarrar num muro de silêncio, ao estudarem Mário Quintana. Por que não falas sobre ti, sobre teu passado. Por que este recato tão grande com tuas recordações ?

MQ: A minha biografia está implícita nos meus poemas. Toda confissão não transfigurada pela arte é uma falta de linha, uma presunção. O que é que os outros tem a ver com isso?

- Três poetas da nova geração e do teu agrado?

MQ: Daqui dos pagos ? Ayala, Duclós, Nejar, Trevisan, em ordem alfabética.

- Pretendes repetir Goethe e ser um velho prolífero ou achas que há um momento para silenciar?

MQ: Às vezes tenho momentos de "Lama, lama, sabáctani" e penso que a lagoa secou e só ficou o jacaré. Mas de repente me dá uma coisa, um treco, e sai um poema, uma observação. Isto me alegra por causa de meus leitores, dos meus fregueses de Caderno.

- Projetos?

MQ: Viver.

- Ressentimentos?

MQ: São passageiros.

- Por que respostas tão curtas?

MQ: O laconismo é a essência do estilo.

- Além de dar e suportar entrevistas, o que mais te incomoda?

MQ: É quando ninguém se preocupa comigo.

Fonte:
http://www.artistasgauchos.com.br/

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 479)

Uma Trova de Ademar

Uma Trova Nacional

Anunciou a partida,
dizendo: ”É melhor assim!”,
e saiu de minha vida,
levando o melhor de mim...
–DARLY O. BARROS/SP–

Uma Trova Potiguar


Quem só vive de beleza,
quem se exalta, se admira,
se esquece que a natureza,
tanto ela dá como tira.
–FABIANO WANDERLEY/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Por esse amor insensato
eu sei que o céu me condena,
mas a escolha do meu ato
eu troco por qualquer pena.
–ALONSO ROCHA/PA–

Uma Trova Premiada


1999 - Cachoeiras de Macacu/RJ
Tema: JORNAL - 3º Lugar


É minha vida um jornal
de anúncio mal redigido
que expõe no editorial
tudo que eu tenho escondido...
–MARIA NASCIMENTO/RJ–

Simplesmente Poesia

O Que Tu És Para Mim
–WELTON MELO/PE–


Sou tão feliz por estar contigo,
és meu abrigo, meu porto seguro,
és meu descanso quando estou cansado;
és meu passado, presente e futuro.

És na partida a dor da saudade,
és liberdade quando estou detido,
tu és o sopro que me deu a vida;
és a saída quando estou perdido.

Tu és precisa numa precisão,
és a razão por que mudei tanto,
tu és o manto que cobriu Maria;
és calmaria que acalmou meu pranto.

Tu és o tudo quando estou sem nada,
és alvorada pra o amanhecer,
tu és a barra do final da tarde
e Deus me livre de perder você!

Estrofe do Dia

O poeta é o portador
das grandes magoas da vida,
seu peito é uma ferida
que nunca se acaba a dor.
Sofre por causa de amor,
menosprezo e fingimento,
desgosto no casamento
e ingratidão de colega;
Todo poeta carrega
um fardo de sentimento!
–JOSÉ ZILMAR/PB–

Soneto do Dia

Toque de Silêncio
–DIVENEI BOSELI/SP–


Foi breve. Começou ao toque da alvorada,
quando este coração, herói de outra trincheira,
marchando de emoção entrou para a fileira
e logo improvisou a frágil barricada.

Foi lindo. Aconteceu da mística maneira
bem própria da paixão: manteve mascarada
a efêmera ilusão que envolve o tudo e o nada
e nem sequer doeu ver baixas na bandeira...

Foi tudo. Anoiteceu. Na última peleja,
derrota o antigo herói quem não o mereceu
e exibe o coração, sem honras, na bandeja...

Foi triste. Terminou... No peito que era meu,
aos toques do clarim, silente, não lateja:
sepulto no silêncio, o coração morreu!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Maurem Kayna (Quem Tem Medo dos Ebooks?)


Medo talvez nem seja o termo, mas achei o título, embora meio chavão, adequado para se refletir sobre este novo elemento no mercado literário brasileiro. O adjetivo mais preciso talvez seja alheamento, apatia inicial.

Durante as férias, envolvida com este projeto coletivo, resolvi perguntar para alguns amigos, parentes e (des)conhecidos com quem troco idéias ou informações (através de grupos de discussão) sobre suas percepções quanto aos livros eletrônicos. Sendo otimista, creio que 30% dos perguntados respondeu. Se considerarmos o percentual geral de retornos isso seria normal e até uma boa amostra de certa população, mas tenhamos em conta que grande parte do público perguntado é gente com razoável ligação ao tema (listas de discussões sobre literatura, ebooks, sites de literatura e amigos que leem bastante – mas somente em meio impresso). Mas vamos adiante.

Muitas matérias tem transitado na web sobre o sucesso dos ebooks no mercado americano e sobre a reserva com que as editoras brasileiras tem tratado o tema (acanhamento seria mais preciso?). Algumas ainda perdem tempo (minha opinião) na discussão sobre a extinção dos livros físicos, mas a tônica geral passa pela interrogação sobre os porquês do estágio letárgico em que o ebook se encontra por enquanto. Quando ele chegará aos consumidores de forma massiva? Ou seria mais adequado perguntar quando os consumidores o quererão com maior apetite?

Vejamos o cenário entre os amigos, parentes e pessoas com interesses comuns aos meus que responderam meu pequeno questionário: a imensa maioria (73%), e isso já era esperado, não possui dispositivos de leitura (ainda são caros no Brasil, isso é inegável), e muitos também não possui smartphones (45%). Isso explica, em parte, o fato de que 58% desses meus amigos e conhecidos nunca comprou (ou sequer baixou gratuitamente) algum ebook. Digo que explica porque é a primeira razão apontada para “justificar” o não uso dos ebooks, mas não é a única, vejam:

32% alegaram não ter comprado ebooks por não possuir um dispositivo de leitura e considerar muito desconfortável a leitura de uma obra literária no computador;

26% disseram que a oferta de títulos é baixa e os que estão disponíveis não atraíram sua atenção (essa é uma resposta válida mesmo para quem já comprou, aliás…);

16% assumem total desinteresse por livros eletrônicos (não aceitação de outro formato além do impresso);

Além destas, outras razões como as dificuldades para entender / manejar os diferentes formatos de arquivo / programas necessários para leitura; o preço elevado dos ebooks no Brasil; desinteresse pela tecnologia e insatisfação com a qualidade dos ebooks também foram citadas como outras razões para não comprar ebooks.

Agora vejamos o que pensa a minoria que já comprou ebooks (42% – o que não deve ser tomado como uma estatística animadora, pois a amostragem é direcionada a um público potencialmente envolvido com os tais) ou fez downloads de títulos gratuitos. Mesmo aqui, nem tudo são flores e as principais queixas são:

a dificuldade de instalar / manejar programas para leitura (50%);

a dificuldade para entender / manejar os diferentes formatos de arquivo utilizados (21%);

dificuldades na transferência dos arquivos para os dipositivos de leitura (7%); e

outras razões, como as limitações impostas pelo uso de DRM e o desconforto da leitura no computador (totalizando 7%).

Este breve levantamento não tem nenhuma preocupação acadêmica nem compromisso com metodologias de amostragem, foi apenas um pretexto para engrenar uma reflexão sobre quais poderiam ser as possibilidades de contribuir para uma mudança no atual cenário. E isso considerando como discussão superada a “competição’ entre livros físicos e eletrônicos, mas vendo os ebooks com uma ferramenta nova e muito útil para fazer a literatura mais acessível a um número maior de pessoas. Mas há muitos entraves para que isso ocorra. Realmente não é agradável ler no computador, e com o preço dos e-readers, temos aí um estímulo a menos. E mesmo para quem está disposto à experimentar o ebook sem ter um e-reader, outro ponto importantíssimo, ao menos para aquele segmento de leitores que prefere distância dos Best Sellers e está mais interessada em literatura com letras maiúsculas, é que realmente a oferta em língua portuguesa ainda deixa muito a desejar (embora tenha melhorado significativamente nos últimos 12 meses). Por outro lado, para os “leitores-avestruz” (não é uma crítica, apenas uma figura de linguagem, sim!?) há uma grande disponibilidade de versões gratuitas (muitas piratas, é verdade!)e uma enxurrada de textos curtos (e muitos são realmente bons) espalhados em zilhões de blogs e similares. Por que, então, comprar um ebook? Essa pergunta um colega de uma lista de discussão jogou como provocação para que refletíssemos e não alimentássemos expectativas excessivas com nosso projeto. E é um argumento corretíssimo.

Esperança zero, então? Não, nem otimismo irracional, tampouco o desespero. Melhor analisar a situação sob o ponto de vista do tempo necessário para que se colham resultados em qualquer intento. Alguém aí já deve ter ouvido falar do livro Outliers, não? Eu não li ainda, mas concordo completamente com o argumento. Sucesso por mero acaso e rapidamente é mito. Por isso, incito quem tenha interesse ou vontade de ver ebooks decolando no Brasil a partilhar certas práticas:

Experimente! Mesmo que não queria comprar ebooks, procure amostras grátis ou publicações gratuitas;

Partilhe! Leu algo que te agradou? Comente, divulgue o link do autor / editora. Não gostou?? Faça o mesmo (com respeito, claro).

Resista menos! Não pense no ebook como um concorrente do insubstituível livro de papel, com cheiro, tato e história, mas como uma facilidade de acesso ao que realmente interessa: o texto!

Fonte:
http://www.artistasgauchos.com.br/

Efigênia Couitinho (Namorada)


Fonte:
Texto e imagem enviados pela autora. Montagem por José Feldman.

A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá) Parte 6


AS MINAS DE PARANAGUÁ

-A pé?...

-Os Torales viajaram a cavalo até Cananeia, no litoral, dali prosseguindo de barco rumo a Paranaguá. As minas de ouro da costa paranaense não eram lá essas coisas. Havia mais lenda do que metal precioso. De qualquer forma, Bartolomeu conseguiu acumular considerável fortuna e entrou na história como um dos principais fundadores de Paranaguá, ao lado de Gabriel de Lara, Heliodoro Ébano, Pedro de Sousa Pereira e outros. Morreu em 1668, aos 71 anos, deixando a família em boa situação.

-Os herdeiros continuaram na mineração?

-Bartolomeu tinha uma filha, que se casou com um paulista e foi para São Vicente levando consigo a mãe viúva; e três filhos homens, que pouco tempo depois migraram para Minas Gerais, atraídos pelo ouro que começava a ser descoberto por lá. O filho adotivo Francisco, o Catu, então com 46 anos, recebeu parte da herança e preferiu subir a serra para tornar-se criador de gado nos campos de Curitiba.

-Já existia Curitiba?

-Estava começando a formar-se a povoação, no local onde está hoje a Praça Tiradentes. Os mineradores do litoral, desiludidos do sonho do ouro fácil, foram mudando de atividade. Muitos deles se deslocaram para Minas Gerais, outros tantos buscaram o planalto. Subiam de canoa, pelos rios, até Morretes, e continuavam a pé utilizando trilhas abertas pelos índios. O roteiro era mais ou menos o que mais tarde viria a ser a Estrada da Graciosa. Em poucos anos Curitiba já rivalizava em importância com Paranaguá e havia intenso comércio
entre os dois núcleos: os curitibanos forneciam bois, cavalos, trigo e erva-mate; do litoral vinham mercadorias estrangeiras: tecidos, bebidas, vinagre, azeite.

-O embrião da comunidade paranaense.

-Correto. A serra do Mar, que antes era um muro entre o litoral e o planalto, passou a ser uma ponte. Catu estabeleceu-se duas léguas ao norte do núcleo pioneiro de Curitiba, numa grande casa de madeira construída em meio a solenes pinheirais.

-Pinheiro, dá-me uma pinha; pinha, dá-me um pinhão...

-Os botânicos chamam o nosso pinheiro de araucaria brasiliensis. É diferente do pinheiro europeu. O da Europa é cônico, tipo árvore de Natal. O nosso lembra uma grande taça. Cresce em linha reta, chegando em média a 30 metros de altura. Alguns atingem 50 metros. Naquele tempo, a araucária era uma árvore nativa, aparecendo em grupos, sem que ninguém plantasse. Descobriu-se depois que o plantio era obra da gralha-azul, pássaro muito bonito que passou a ser um dos símbolos do Paraná. A gralha tem no pinhão o seu alimento favorito. Tira a casca, come a polpa e, previdente como a formiga, enterra boa quantidade de pinhões para serem consumidos na entressafra. Não conseguindo comer todas as sementes escondidas, estas produzem novos pinheirais. Infelizmente, a imprudência dos homens vai pouco a pouco acabando com as nossas preciosas araucárias.

-Catu?...

-Criando gado, cultivando erva-mate e comercializando seus produtos no povoado, Catu viu nascer e desenvolver-se a futura capital paranaense, onde morreu aos 73 anos, em 1695, dois anos após a elevação do arraial de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba à categoria de vila.

-E acaba aí a história do nosso Catu...

-A história de um homem não acaba: desemboca, tal como um rio, na história dos seus descendentes... Catu deixou nove filhos, um dos quais, Henrique Américo Torales, saiu de Curitiba em 1705, aos 18 anos de idade, disposto a estabelecer-se num ponto qualquer ao longo do “Caminho das Tropas”, no comércio de mulas. O caminho atravessava os Campos Gerais, passava por Itararé e continuava até Sorocaba e São Paulo. Vender mulas era ótimo negócio nessa época. Em Minas havia necessidade de muitos desses animais para o transporte do ouro, e os mineradores vinham buscá-los na famosa “Feira de Mulas” de Sorocaba, abastecida pelos criadores do Sul.
Nesse enredo entrou o esperto Henrique Américo.

OS CAMPOS GERAIS

-Esse “Caminho das Tropas” fez história...

-A atual rodovia Ponta Grossa-Itararé foi traçada justamente nos rastros dos antigos tropeiros. Mas voltemos a Henrique: ele saiu de casa com a modesta herança deixada pelo pai, cavalgou pelos campos, permaneceu alguns dias em Vila Velha, no meio daquelas rochas cheias de mistérios, alcançou adiante as margens do rio Pitangui, gostou do lugar, parou ali. Comprou um pequeno sítio e, enquanto construía o rancho, hospedou-se numa pousada de jesuítas: um barracão onde os padres reuniam índios para o catecismo e acolhiam viajantes. Nessa hospedaria ele ouviu dos jesuítas muitas histórias, inclusive sobre as antigas reduções do Guairá. Ao revelar que era filho de um índio nascido numa daquelas reduções, seu prestígio subiu. Os religiosos passaram a tratá-lo com especial carinho, a ponto de convidá-lo a residir com eles. Henrique preferiu morar no rancho, mas com o compromisso de fazer as refeições na casa dos padres.

-Moleza...

-A pousada, aos poucos, tornou-se ponto de reunião de toda a vizinhança: fazendeiros, tropeiros, comerciantes, índios. Foi numa dessas reuniões que surgiu a ideia de formar-se o povoado que veio a ser Ponta Grossa. O mais interessante foi a maneira como escolheram o local: soltaram um pombo, combinando que onde ele pousasse seria construída a futura vila. O pombo pousou no alto da colina. E na colina Ponta Grossa nasceu.

-Isso é uma lenda, ou foi de fato assim?...

-Pelo que me consta, a história do pombo é real. Pois bem: Henrique montou seu negócio de mulas, logo se casou, ganhou dinheiro suficiente para comprar outras terras e tornar-se próspero fazendeiro. Morreu em 1772, com 85 anos de idade. Morreu de alegria!

-Com assim?...

-Uma de suas netas, Jurema, de 16 anos, talvez por influência do sangue indígena que carregava, fugira de casa para viver com uma tribo nos campos de Guarapuava. Ocorre que naquele ano de 1772 houve uma tremenda batalha entre tropas curitibanas comandadas pelo coronel Afonso Botelho e os nativos da região. A missão de Botelho era afastar dali os índios para erguer fortificações com o objetivo de impedir que os espanhóis, anteriormente enxotados pelos bandeirantes, reconquistassem a área.

-A menina estava lá?...

-Chegou a Ponta Grossa a notícia de que os índios haviam vencido bravamente a batalha de Guarapuava. Jurema, tendo entrado na briga ao lado dos guerreiros nativos, teria morrido com um tiro no coração. Dois meses depois, entretanto, ela reapareceu em Ponta Grossa, sã e salva, acompanhada por um jovem índio com quem se casara. O tal tiro, em verdade, causara nela apenas leve ferimento.

-Ainda bem...

-Mas o velho Henrique, ao ver a neta esbanjando saúde, foi tomado de tão forte emoção, que teve um infarto.

-O coração explodiu de alegria!

-Com o desaparecimento de Henrique, os negócios da família ficaram sob o comando do filho mais moço, Arnaldo Júlio Torales, pai de Jurema. Os quatro mais velhos viviam em Paranaguá, trabalhando com exportação e importação.

-Jurema ficou com o pai?

-Não quis ficar. Voltou para a tribo com o marido índio. A última notícia que a família teve dela foi por uma carta datada de 1819, dando conta de que Guarapuava, já então definitivamente conquistada pelos brancos, ganhara o título de freguesia. Na mesma carta, dizia que a partir de Guarapuava prosseguia a expansão rumo oeste, na direção de Foz do Iguaçu; e rumo sudoeste, passando por União da Vitória, alcançando Palmas e penetrando no antigo território das Missões do rio Uruguai. Tenho cá comigo o palpite de que a nossa “indiazinha” Jurema acabou se mandando para o Paraguai.

-Retornemos a Ponta Grossa...

-Arnaldo Júlio viveu até 1791, deixando como sucessor o filho Luís Pedro, que, como a irmã Jurema, era rebelde, brigão, mas dotado de forte espírito cívico. Da “dinastia” dos Torales, foi o que teve mais intensa atuação política. Em 1821, aderiu à célebre “Conjura Separatista”, que detonou a campanha pela emancipação do Paraná. Em 1822, organizou uma cavalgada que marchou até o Rio de Janeiro festejando a proclamação da independência do Brasil. Em 1823, foi um dos maiores batalhadores pela promoção de Ponta Grossa à categoria de freguesia. Em 1853, já velhinho, viveu a maior emoção de sua vida: a conquista definitiva da emancipação do Paraná.
–––––––––––-
continua…

O e-book pode ser feito o download no blog do Assis http://aadeassis.blogspot.com

Fonte:
A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá). e-book. 2011.

Sylvie Neeman (Sábado na Livraria)


artigo por Celso Sisto para o site www.artistasgauchos.com.br

NEEMAN, Sylvie. Sábado na livraria.
Ilustrações de Olivier Tallec.
Tradução de Cássia Silveira.
São Paulo, Cosac Naify, 2010. 32p.


Sempre se pode celebrar a vida com um livro. Com uma boa história. Para presentear a memória, para apaziguar os medos, para refazer a linha do nosso horizonte pessoal.

Pois este livro trata do amor aos livros. Um homem, freqüentador assíduo de uma livraria, é visto pelos olhos de uma menina. Ela acompanha suas ações, porque sempre está na livraria no mesmo dia em que ele está: aos sábados. Ele lê sempre o mesmo livro, sentado em uma poltrona, enquanto ela lê histórias em quadrinhos. O livro dele é pesado, o dela é divertido. O dele é grande, o dela acaba logo. Ele se emociona, ela repara. Até que um dia ele some. A menina se pergunta se ele estaria doente. O Natal se aproxima. Três dias antes, ele aparece novamente na livraria, e quando vai procurar o tal livro nas prateleiras, não o encontra. Estava certo de que ele finalmente havia sido vendido, sabia que esse dia chegaria, e prepara-se para voltar para casa, meio pesaroso, quando é surpreendido pela dona da livraria, com um pacote dourado.

A história é narrada pela menina, que presta atenção em tudo o que o velho faz na lojaa. Ela vai comparando-se a ele, a partir de suas atitudes, seus gostos, suas preferências, suas reações. O olho, como instrumento privilegiado da observação, vai costurando a história, fazendo de sua dona uma grande observadora da vida ao redor e de si mesma. O livro que cada um deles lê é um guardado de afetos: com o lugar (a livraria), com a leitura, com os leitores que se reconhecem na paixão do outro. E embutido nessa relação, estão as ideias de tempo, de constituição do leitor, de funções da leitura. Tudo de forma sutil, é claro.

O texto, bem distribuído nas páginas, é simples, direto, curto, e com lacunas que servem para reforçar um certo clima de mistério, de preservação das intimidades. Mas, também funciona como uma lente, e na medida em que vai se aproximando dos “retratados”, vai revelando, maiores detalhes.

As imagens do livro são grandes, de páginas duplas e com pinceladas fortes, com grande massa de tinta e cenas preparadas para provocar impressões! Predominam os azuis e os amarelos. O azul escuro reforça o tom invernal. O amarelo dá uma dimensão afetiva, uma humanidade para os personagens da história. O ilustrador não esconde os traços de grafite, o que confere ao livro uma atmosfera de intimidade, de participação em um segredo, coerente com o clima de aconchego suscitado por cada página.

A pergunta que fica ecoando por trás das observações da menina que olha o velho enquanto lê, poderia servir para todo e qualquer leitor: quem prazer se pode tirar disso? E vem ainda associada à sensibilidade decorrente do período natalino.

A autora nasceu na Suíça e estreou na literatura infantil com esse sensível livro. O ilustrador é francês e já fez mais de cinqüenta livros infantis. A sutileza da dupla, ao contar uma história tão recheada de emoções conduz o leitor do início ao fim. Não seria essa uma história de fins?
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Celso Sisto
Celso Sisto é escritor, ilustrador, contador de histórias do grupo Morandubetá (RJ), ator, arte-educador, especialista em literatura infantil e juvenil, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Literatura Brasileira, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutor em Teoria da Literatura, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e crítico literário de várias colunas dedicadas à literatura infantil e juvenil, na mídia impressa e on line. www.celsosisto.com/


Fonte:
http://www.artistasgauchos.com.br/

Guerra Junqueiro (Os Cinco Sonhos)


Andando um dia Carlos Magno à caça com uma comitiva numerosa, perseguiu um veado, que dava tais saltos, e corria por tal forma que, apesar da ligeireza do seu cavalo, o rei perdeu-lhe completamente a pista. Foi então que viu que estava só, tendo a sua corte ficado muito para trás e, sentindo-se fatigado, entrou ao cair da noite numa choupana solitária no meio da floresta. Em roda da lareira estavam deitados quatro ladrões. Os salteadores levantaram-se logo, como despertados pelo barulho da entrada do viajante; cada um deles tinha tido um sonho, que lhe quiseram logo contar.

O primeiro que tomou a palavra exprimiu-se desta maneira:

– No meu sonho, tirava eu o capacete de ouro à pessoa que acabava de entrar aqui, e punha-o na minha cabeça.

– Eu, disse o outro, sonhei que vestia a sua couraça.

– E eu, disse o terceiro, que estava pondo o seu manto.

– E eu, disse o último ladrão, para lhe fazer favor, passava em roda do meu pescoço aquela pesada cadeia de ouro, da qual está pendurada a sua trompa de caça.

–Vejo bem, disse o imperador, que têm tenção de me roubar tudo, e mesmo a vida. Reconheço que estou em poder de vocês, e que toda e qualquer resistência seria inútil. Não lhes peço senão uma coisa, é que me deixem tocar pela última vez na minha trompa de caça.

Os salteadores responderam que consentiam, visto que o último pedido de um moribundo devia ser respeitado.

Carlos Magno levou à boca a sua magnífica trompa de marfim, e tirou dela sons tão fortes e sonoros, que em menos de alguns minutos todos os seus companheiros de caça e a sua comitiva estavam ao pé dele.

– Agora, disse o imperador, dirigindo-se aos salteadores, agora também eu devo contar o sonho que tive. Sonhei que vocês todos iam ser enforcados diante deste casebre.

E o sonho realizou-se imediatamente.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Pó de Pirlimpimpim - V – Fim do Visconde de Sabugosa


— E o Visconde com a canastrinha? — lembrou Emília. — Estavam os “dois” amarrados à crina do burro, mas não vejo nem um nem outro.

Sumira-se o Visconde, ninguém sabia como. Devorado pelo pássaro Roca? Afogado naquele mar imenso? Impossível apurar.

Emília ficou aborrecidíssima, não tanto pelo Visconde, apesar de serem muito camaradas, mas pela canastrinha que com ele se perdera. Só se consolou quando dona Benta lhe prometeu outra ainda mais bonita.

Súbito, Narizinho, que se afastara do grupo para juntar caramujos da praia, gritou:

— Corram! Achei o Visconde!...

Todos correram para lá, e de fato viram o pobre Visconde semi enterrado na areia, morto, completamente morto!... Tinha-se afogado, e fora trazido pelas ondas. Pobre Visconde! Sem cartola, de língua de fora, olhos cheios de areia, corpo metade comido pelos peixes... Todos se comoveram profundamente, sobretudo ao verem que não largara a canastrinha. Fiel como um cão, cumpridor da palavra como um verdadeiro nobre, perdera a vida, mas não perdera a carga que lhe fora confiada!... Até o senhor de Munchausen se comoveu.

Descobriu-se, cruzou os braços e ficou de mão no queixo a contemplar aquele triste fim. Emília, porém, demonstrou mais uma vez que não tinha coração. Em vez de derramar uma lágrima, ou dizer umas palavras tristes, a diabinha limitou-se a abrir a canastra – para ver se o Visconde não havia furtado alguma coisa!... Depois teve uma idéia muito prática. “Depenou” o cadáver, isto é, arrancou-lhe as pernas e os braços roídos pelos peixes e guardou o tronco na canastrinha, dizendo:

— Tia Nastácia é uma danada. Com este toco, aposto que faz um Visconde novinho e muito mais bonito.

Por fingimento, ou porque realmente sentisse a morte do Visconde, o barão declarou que iria tomar luto no chapéu por três meses, visto que eles, barões e Viscondes, são parentes entre si — parentes em nobreza. Esse ato do senhor de Munchausen muito sensibilizou dona Benta, a qual cochichou ao ouvido de Narizinho:

— Bem se diz que santo de casa não faz milagres! Nunca demos grande importância ao Visconde e, no entanto, veja, até luto por ele o senhor de Munchausen vai botar...

Nisto ouviram tropel de cavalos. Era a caleça do barão que vinha chegando para levar dona Benta ao castelo.
––––––––––––––
Continua… O Pó de Pirlimpimpim – VI – O pintão

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Clevane Pessoa (Rememórias neste Sábado Morno)


Já havia visto estas Mensagens Poéticas do Ademar, com um de meus poemas, em meu endereço do Yahoo, para onde o caro amigo potiguar as envia..

Adorei reler trova Vasques Filho-quando eu era jovenzinha, ele me mandou uma carta, de Fortaleza para Juiz de Fora, "de homem para homem", a respeito de um artigo meu sobre minissaia. Não sabia que eu era uma jovem .Meu pai e eu achamos graça e respondi-lhe numa folha de papel cor-de-rosa, explicando. Ele e eu passamos a trocar cartas literárias longuíssimas, trocando poemas e desenhos, ele enviava sonetos maravilhosos dentro de cartões com suas aquarelas, eu o publicava em minha página literária da Gazeta Comercial , em Juiz de Fora/MG, nos Anos Sessenta.

Conto isso em alguns lugares – e depois de sua morte, o filho mandou-me seu livro póstumo, porque encontrou, na Internet, minhas referências à essa amizade, entre um Desembargador e uma jovem de menos de vinte anos. Ele foi um grande incentivador de minha carreira literária: versou para o espanhol e mandou poemas meus para a revista Tamaulipas, no México, indicou-me para Delegada Ad Honoren do Instituto de Cultura America (ICA), cujo Presidente, o Barão Elias Domit, que passou a também manter correspondência artístico-literária comigo, foi-me renomeando para cargos outros e eles também colocaram-me na ARIEL (Associação de Livres Pensadores). Um país representava o outro, de forma que eu representava o Uruguai, Portugal.

Os agentes da nossa Ditadura , com sua censura mão de ferro, abria meus envelopes, pois eu , pelos Correios-não havia Internet, lembrem -se- intercambiava por toda a América Latina, em especial onde havia representantes e delegados .Chegavam a rasgar pedaços de minha correspondência cultural. Eu nem desconfiava disso.

O Barão de Domit, irritado, porque queria nomear-me Secretaria geral – algo assim - ameaçava-me brandamente, mas algo irritado, porque a "Srta de Araújo", eu, mandava envelopes sem data e abertos, rasgados ou rasurados. Claro, eu era uma jovem caprichosa, que estudara em colégio de freiras e jamais faria algo assim com missivas e manuscritos. Um dia, ele escreveu algo como -"a menos que haja censura em seu País". Tenho a correspondência, em grande parte, preservada e lia-a para o Poeta Claudio Márcio Barbosa, que me visitava para cuidarmos de detalhes do Paz e Poesia, nosso grupo. Ainda espero publicar em livro, esse testemunho de como era ser censurado, na Imprensa, o que contei na PUC de Betim -MG (Poesia em Cores Vivas) junto aos poetas Wagner Torres e Rogério Salgado, dialogando com professores e estudantes, a convite da aluna de Letras e Poeta Luciana Tannus, que organizara o evento (adoramos, Wagner Torres saiu murmurando "Memorável, Memorável!") , também na PUC Coração Eucarístico em Belo Horizonte (Nona Semana de Comunicação, Vestígios – com Wagner Torres, meu primeiro editor , representante dos Direitos Humanos , muitos alunos e alguns de militares) e também já escrevi rememórias a respeito de meu tempo de repórter (há um e-book chamado "Nas Velas do Tempo" – Memórias de uma repórter na Ditadura (*) , na verdade, um capítulo de livro ainda inédito.

Na redação da Gazeta Comercial, o editor chefe, Paulo Lenz, repassava-me magníficos exemplares da revista Américas, da OEA, já em papel couchê e colorida.

Eu as intercambiava, quando ganhava duplicatas , recebia material em espanhol. Na verdade, talvez fosse esse o crime maior, que lhes dava direito, aos cerceadores da liberdade de ser, de abrir meus envelopes e censurar minhas informações meramente culturais.

Quando iniciei a correspondência epistolar com Vasques Filho, enviei-lhe uma trova que dizia:

Sobe o morro o caixãozinho
levando o recém nascido:
morreu sem nenhum carinho
– volta ao céu sem ter vivido ...


Ele emocionou-se e contou-me que vivera em Juiz de Fora, e que ao ler a trovinha, lembrava-se do Morro da Glória - um outeiro que levava à bela Igreja da Glória - onde minha mana e eu nos casamos e batizamos as crianças (eu, o primogênito Cleanton Alessandro , nos Anos 70 pois o segundo, Gabriel, foi à pia batismal em S.Luiz, Maranhão, onde morei nos anos 80), pois o Cemitério da Glória era ao lado da igreja. Cito que foi com uma pintura desse cemitério, que o grande Carlos Bracher, na juventude, ganhou um prêmio de Viagem ao estrangeiro, indo estudar em Paris.

Também após a linha férrea perto da Fábrica de tecidos Industrial Mineira, ficava, do lado oposto, o Colégio Santa Catarina, onde estudei e escrevi poemas em plena aula de aritmética, aos dez anos e irritando a professora da matéria...

Por esse tempo, Luiz Otávio, o Príncipe dos Trovadores Brasileiros, com quem eu também mantinha correspondência, passava, com Aparício Fernandes, pelas cidades brasileiras, localizando trovadores, para a UBT. Aparício depois, datilografava as trovas, mandava-nos a cópia para aprovarmos e as lia em programa de rádio, no Rio de Janeiro – ele morava em Santa Tereza, onde nos anos 70, fui visitá-lo com meu primeiro marido, o trovador Messias da Rocha. Aparício Fernandes era um entusiasta das "Pequenas Notáveis", conforme sempre as chamei – o que agora repetem muito - e as reunia para antologias gigantescas, "Trovadores do Brasil", por exemplo. Ou "O Rei dos Reis". Estou nelas, com muito orgulho . Luiz Otávio, em nossa casa do bairro Mariano Procópio pediu-me, depois de falar com meu pai, que assumisse a presidência da UBT em Juiz de Fora. Perplexo, papai lhe disse minha pouca idade e eu indaguei "por que eu ?". Ele disse que as UBTs e os Grêmios trovadorescos estavam em contendas e ciúmes, e que verificara que eu me dava bem com todos os trovadores, publicava-os indistintamente, independentemente das facções. Ele buscava a Paz pela Trova. Um pioneiro. Fosse hoje, pela Internet, tudo seria diferente, mas menos humano e próximo, creio...E foi assim, que moça ainda, convivi em meio ao renomado grupo de trovadores de Juiz de Fora. Éramos todos do NUME_(Núcleo Mineiro de Escritores), aonde eu ia todos os dias, depois de trabalhar na redação da Gazeta Comercial , ministrar aulas, etc. Fui jurada de um concurso internacional com tema "cego" e foram vencedores, a poeta-trovadora portuguesa Maria Helena (com J.G.de Araújo Lopes, escreveu "Concerto a Quatro Mãos") e Ludgero Nogueira, trovador deficiente visual .E o concurso teve a maior lisura...Interessante é que sempre tive o maior respeito dos poetas adultos, talvez porque muitas vezes, comparecesse assessorada por mamãe, que papai era de criação "à antiga": "moça direita não anda sozinha à noite", decretava. Mas minha mãe era uma companhia adorável e eu não me importava em que estivesse comigo nesses encontros.

Também me recordo de José Carlos de Lery Guimarães, o grande trovador de Juiz de Fora, que tinha um programa de rádio chamado Contraponto, na Rádio Industrial, que num concurso de ilustrações ditava algumas trovas por dia e repetia as anteriores – até completar cem, o que nos fez decorá-las. Fiz dois cadernos com as trovas e seus autores, manuscritos e meus desenhos a bico de pena (sim , não havia Internet!) .A entrega das premiações foi no Vice-Consulado de Portugal, onde mais tarde fui aluna de Cleonice Rainho, em seu curso de Literatura Portuguesa – maravilhando-me com as centenas de livros doados por Portugal, que nos chegaram da fundação Calouste Goubenkiam – montanhas de livros, a maioria antigos, com páginas de papel-jornal ainda: lembro-me sentada ao chão e manuseando tudo, Cleonice rindo e logo emprestou-me um livro de Camilo Castelo Branco.

No dia da entrega de prêmios, eu, que era muito tímida, pedi a meu mano Luiz Máximo Pessoa de Araújo, que fosse representar-me. Chamaram meu nome e lá se foi ele, recebendo palmas - o que ele contou aos poetas presentes, inclusive talentosos irmãos Macedo (Ademar e Francisco) , em Natal, no ano de 2010, quando fui conhecer os confrades e confreiras da SPVA-RN (Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do RN), por ocasião do I Encontro de Escritores de Língua Portuguesa. A capital do RN faz parte da UCCLA (União de Cidades Capitais de Língua Portuguesa) .E houve um belo evento, onde extremamente comovida, recebi placa "pela contribuição à Língua Portuguesa" – uma ação da capitania das Artes da prefeitura com a cita UCCLA.

Depois de terminado o evento, os irmãos Macedo com Deth Haak (que armara esse dia maravilhosos com a Vereadora Socorro, de lá), Vilmaci Viana e Zelma Furtado Medeiros acompanharam-me à minha terra natal, São José de Mipibu, onde a Câmara Municipal recebeu-me a portas abertas. Onde ouvi emocionada, poetas e seus sotaques, estilos, fraternidade, dando-me as boas vindas .E confraternizei com minha família, que mora em Natal– e que eu não via há tempos.

Ao retornar a Belo Horizonte, onde moro, abri um blog chamado Árvore entre Raízes, onde narrei tudo, minha rememórias e inúmeras fotos. O blog simplesmente, desapareceu e por mais que eu reclamasse, jamais o devolveram.

Foi então que rememorei a terrível censura à época da Ditadura. Sob que censura, em tempos de Internet eu estou? Desde quando falar de Cultura , de lembranças, é crime? Já perdi outros blogs, descobri a ação de hackers, em um caso, mas na maioria das vezes, é apenas a ação individual de pessoas que não suportam o trabalho alheio, brincam de prejudicar, sem lembrar que a verdadeira riqueza está dentro de nós, que criamos sem copiar ou plagiar nada, apenas garimpando nossas próprias reservas de vivências...E essa , não se pode desmanchar...

Por que escevi tanto? Lembranças são semeaduras. Eis a messe imediata, com meu agradecimento pela publicação de meu poema pelo Ademar e indiretamente, por Singrando Horizontes...

Clevane Pessoa de Araujo Lopes
Sábado,11 de fevereiro de 2012


Fontes:
Texto enviado pela autora.
Imagem obtida em http://poesiaemtodaparte.blogspot.com

Trova Ecológica 74 - Wagner Marques Lopes (MG)

Pedro Du Bois (Poemas Avulsos)


PUREZA

Há pureza
pura oferta
apurada
em preços
depurados

contém a licença obrigatória
em fosco vidro temperado

pureza ostentada
em graça
desgraça
desgraçada
imagem

possui a inteireza de caráter
em fosso áspero de saudades

pura ilusão
apurada
na depuração
das palavras.

RETORNAR

Vivo na deslembrança
do espaço paralelo
onde me reencontro
ante as bifurcações
em que as decisões
me afastam do início

recupero o gesto
dispo a roupa da infância
transito amargos jardins
em inexistências

rasgo em torrentes águas aprisionadas
no congelamento em que me transformo
na passagem: não lembrar me liberta

no espaço vazio da inconsequência
e na indeterminação da insanidade
sou o ovo em casca: projeto

aos projetos se permitem liberalidades.

AVANÇAR

Avanço sobre a terra
desnudada de significância
na árdua caminhada
inconsentida em mim

todo desatino leva
o destino ao sentido
inigualável da partida

no avançar a terra se faz áspera
e os pés em chagas reproduzem
passos desnecessários ao futuro

rasgo sobre a terra
a permanência
das propriedades
e me instalo: planta
condenada ao fracasso

o insucesso repete a sina do começo
em versos solidificados de cansaços.

DESEJOS

O tigre dos desejos
mancha a reputação
em peles ásperas
de desencontros

a consciência ilesa
deita a prostituta
na sanha arbitrária
dos desejos

a consome em peles
desprovidas, em ascos
desconhecidos, em sedes
saciadas ao acaso

o desejo abandona a casamata
e batalha: a mortalha cobre
as manchas. Desnudada
em suores, assusta o instante
do alcance e desaparece.

VER-SE

como vejo o velho
doente sobre a cama
do quarto
de janelas cerradas
ao dia
em estranha luz
que de fora
insiste em iluminar
o velho
na manhã
de janelas fechadas
sobre a cama
doente na dor
da luz anterior
ao corpo perdido
em quartos fechados
e ângulos diversos
na igualdade dos velhos
doentes e estendidos
sobre escuras camas.

PERMANENTES

Das ideias permanentes
descarto o passado
entre parentes
e os conselhos
dos mais velhos

o jogo de luzes
visto pelo espelho
carrega o significado
da função dos atos: restam
horas decorridas em jogos
de sexos desprovidos
de maturidade

permanecem os ensaios
não oferecidos ao avesso:
a concretização da descoberta
na transmutação da história
em farsa.

Fonte:
O Autor

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 478)

Uma Trova de Ademar

Uma Trova Nacional

Grita a sogra, lá do morro,
ao ver o genro chegar:
-não te chamo de cachorro
só pra não te elogiar!
–HÉRON PATRÍCIO/SP–

Uma Trova Potiguar


Minha sogra além de feia,
é lúcifer em formato!
Que a aranha tecendo a teia
desvia do seu retrato.
–DJALMA MOTA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Ao se pesar, a Constança,
que é gorda e não pesa pouco,
comenta sobre a balança:
- Esse ponteiro está louco!...
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Uma Trova Premiada


2005 - Belém/PA
Tema: DÍVIDA - M/H


Pensa o luso: - Um pesadelo!
Fiz dívidas... hipoteca...
É de arrepiar o cabelo!
Inda bem que sou careca...
–WANDA DE PAULA MOURTHÈ/MG–

Simplesmente Poesia

O Fantasma
–FRANCISCO MACEDO/RN–


O esposo ligou pro lar,
a mulher logo reclama:
Tem uma alma em nossa cama,
é bom você demorar.
Logo, o marido ao chegar,
vê o espírito de um rapaz
respirando alto demais,
como quem está com asma,
quando apalpou o fantasma,
viu que tinha um “osso” a mais.

Estrofe do Dia

Na vida de Michael Jackson
eu sei o que aconteceu:
não tinha fama, arranjou,
era pobre, enriqueceu;
era preto e ficou branco
mudou de cor e morreu!
–GERALDO AMÂNCIO/CE–

Soneto do Dia

Quanto Custa o Amor?
–JOSÉ OUVERNEY/SP–


“O amor não tem idade!” - Acho isto lindo!
Esse chavão é dos que mais comovem;
entendo que as ideias se renovem,
ao fluxo de emoções interagindo.

Assim como a mulher quer tampa jovem
para a velha panela, ainda ebulindo,
o ancião ao tenro colo ser bem vindo,
talvez os radicais jamais aprovem.

Não quero ser juiz, não tenho o siso,
mas, no desfecho, o que me afrouxa o riso
é constatar, de forma habitual,

que nesse amor moderno e avesso ao crivo,
o dono do aparato aquisitivo
é sempre a parte idosa do casal!...

Fonte:
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J. G. de Araújo Jorge (Erupções de Harmonia)


Moacyr de Almeida, Raul de Leoni e Augusto dos Anjos, eis três dos meus poetas preferidos. Por uma estranha coincidência, são poetas de um único livro. Moacyr, publicou apenas “Gritos Bárbaros”.

Raul de Leoni, “Luz Mediterrânea”, e Augusto dos Anjos, (um dos poetas que mais se vendem no Brasil) é o autor de “Eu, e Outras Poesias”.

Moacyr morreu adolescente, pode-se dizer. Consumiu-o a tuberculose. Nasceu a 22 de abril de 1902 e faleceu a 30 de abril de 1925, com apenas 23 anos. Poderia estar hoje ainda, em nosso convívio, e seria um homem maduro na casa dos 60 anos.

Em 1926, tendo nascido em 1895 morria em Itaipava, perto de Petrópolis, outro extraordinário poeta, Raul de Leoni, vítima do mesmo mal. Raul de Leoni era sete anos mais velho que Moacyr de Almeida, e viveria uns anos mais, morrendo com 31 anos.

De certa forma, se identificavam.

Em Moacyr, o poder verbal era mais empolgante. Em Leoni, a introspeção filosófica, mais profunda. Ambos humanistas. Um, voltava-se mais para o céu, a natureza, os astros; há nos seus cantos ou gritos, qualquer coisa de anímico.

O outro, voltava-se mais para as criaturas, para a vida, a terra.

A “Ode A Um Poeta Morto”, que Raul de Leoni escreveu em memória de Bilac poderia ser repetida, e talvez com maior propriedade, diante do túmulo de Moacyr de Almeida:

“Semeador de harmonia e de beleza
que num glorioso túmulo repousas,
tua alma foi um cântico diverso
cheio de eterna música das coisas:
- uma voz superior da natureza
uma idéia sonora do Universo.”


Eis Moacyr: “Uma idéia sonora do Universo”. Mais do que isto, como ele próprio se definiu, ao referir-se a Wagner: “Erupções de harmonia!”

Agripino Griecco que foi o primeiro, senão dos primeiros que apadrinharam com entusiasmo e ternura a obra do poeta adolescente, escreveu com uma acuidade singular:

“Moacyr tinha o gosto da natureza sobrenatural e a humanidade sobre-humana”

* * *

Moacyr era um mago das palavras. Embebedava-se com sua sonoridade, suas combinações, suas metáforas. E manejava-as com a habilidade de um esgrimista, comprazendo-se nesse “tinir de espadas contra espadas”, com seu tilintar de metais. Era “wagneriano”. Há na sua poesia um sentido orquestral, místico e mítico. Difícil será se precisar, para o poeta, os limites entre a realidade e a ficção. Vivia no seu mundo super imaginativo.

Como Beethoven, preferia às vezes o convívio das árvores ao dos homens. Foi ele que escreveu:

“A musica em um país de belezas estranhas” e para ele, com a música:
“Deus se desfaz em sons e torna-se visível!”.


Lembra às vezes Castro Alves, Augusto dos Anjos, outros que tiveram seu destino. Se para Raul de Leoni, as idéias eram seres, para Moacyr, eram seres as próprias palavras. Fazia-as cantar e dançar, e, seus poemas parecem-nos picadeiros mágicos onde as exibia, sonoras, coloridas, empolgantes. Movimentava-as, como marionetes, ao jogo de seus dedos.

O gosto da sonoridade lhe era inato. Ele não escrevia as palavras: gritava-as, exclamava-as, soluçava-as. Seu livro se chamou por isto: “Gritos Bárbaros”.

E dividiu-o em três partes:

Voz dos abismos
Soluços do deserto
Clamor dos séculos


A palavra em sua poesia, é voz, é grito, é soluço. Curioso: ninguém consegue ler Moacyr de Almeida em silêncio. Instintivamente começamos a balbuciar as palavras, aumentamos a voz, e de repente, quando nos apercebemos do fato, já estamos saboreando a beleza sonora dos versos declamando-os, arrebatados por suas cintilações de ouro e chamas.

Em seu soneto “Prece”, confessa que se inclui entre aqueles que

“sentindo o travo das angústias, vão
enchendo o mundo de um clamor infindo
rebentando num grito o coração.”


Este outro soneto dá idéia de sua força criadora, do seu processo de composição e da paixão pelas palavras musicais:

BEDUÍNO

Olha o imenso deserto em que vivo chorando...
Nunca a sombra do amor desceu sobre os meus dias!
Dorme o meu coração, cheio de um tédio infando
num túmulo de fogo e de areias bravias...

Tu, que eu amo, jamais com teu olhar tão brando
tornarás num vergel este areal de agonias,
com teus beijos florindo o áspero chão nefando,
com teus risos enchendo o espaço de harmonias!

Sofro em tédios de brasa e clarões de martírios...
Ah! Mas tu que és irmã das fontes e dos lírios
e que espero ajoelhado e de braços abertos,

não virás a este amor de beduíno e maldito,
em cuja fronte pesa a aflição do infinito,
em cujo beijo amarga a areia dos desertos...


Mago da palavra, manejava-a como um gladiador romano às adagas metálicas. Há faíscas e lampejos imortais em suas estrofes, em seus versos, em suas rimas. O tom é interjetivo, as imagens, condoreiras. Sua linguagem estala no ar como um chicote, e descobre diante de nós horizontes infinitos, oceânicos.

Sim, a idéia do mar nos ocorre muitas vezes ao ler os seus versos, ao se perceber a imensidade de seu espírito. Ele próprio num soneto de amor, antológico, deixa escapar o grito:

- “Sou oceano!”

E vale a pena relembrar o soneto todo, rico de força, de elan, de beleza.

DOMADORA DO OCEANO

Eis a teus pés o oceano... É teu o oceano!
Deusa do mar teu vulto aclara os mares,
esguio como um ciato romano
nervoso, como a chama dos altares...

A alma das vagas, no ímpeto vesano
ajoelha ante os teus olhos estelares...
Eis a teus pés o oceano... É teu o oceano!
Cobre-o, como verde sol dos teus olhares!

Sou o oceano!... És a aurora! Eis-me de joelhos
ainda ferido nos tufões adversos
lacerado em relâmpagos vermelhos!

Sou teu, divina! E em meus gritos medonhos,
lanço a teus pés a espuma de meus versos
e as pérolas de fogo de meus sonhos!


Como uma cigarra, Moacyr não morreu de tuberculose: morreu de cantar. Estourou. Sua tensão interior era demasiada para o arcabouço físico que a natureza lhe dera. Não pode resistir às altas pressões de seu próprio gênio.

É o que reconhece aliás, Pinheiro de Lemos, em artigo que lhe dedicou:

“Em seu invólucro frágil e precário de evidente candidato à consumação, turbilhonava um vórtice de violências.”

Eu diria: ele todo era uma sonora catedral, de altas torres e coloridos vitrais, a que Deus se esquecera de dar convenientes alicerces, e que se transformou por isso, em luz e canto.

Mas quem lhe traçou melhor, e incisivamente, o p erfil foi o velho Agripino Griecco, em, poucas frases.

“Mal distinguia entre a lenda e a história, o real e irreal, o abstrato e o concreto. Possuía uma imaginação de visionário e até de alucinado. Traia, não raro, algo de um vidente estático.”

Exato: um “vidente estático!” Moacyr de Almeida, era, não apenas o poeta, mas o vate, no sentido de possuir o dom da antevisão. Não apenas transfigurava a realidade, mas vaticinava profeticamente.

Assim como mergulhava no ontem, buscando temas para sua criação, projetava-se no amanhã, em antevisões.

O presente, não era o “estado” natural de sua imaginação. Sua poesia é intemporal.

Seu espírito fez viagens maravilhosas, e como um Sheerazade moderno, transformou em poesia todas as suas descobertas e impressões.

Andou pelo Velho Oriente, pela Índia, esteve na Palestina, na Arábia, no Egito. Chegou à longínqua Sibéria, e se condoeu da sorte dos escravos e perseguidos. Exaltou a América, sua terra. Entrou historia adentro: conviveu com os mais diversos personagens: Homero, Vercingetorix, Átila, Ésquilo, Aníbal, Napoleão. Visitou os Astecas pré-colombianos, e conheceu o país das lendárias Walkírias.

Em “Luta nas selvas” e “Incêndio na floresta” nos dá uma visão da floresta brasileira como só Vicente de Carvalho, antes conseguira, nas estrofes de “Fugindo ao cativeiro”.

Incrível é que, com apenas 23 anos, tenha realizado tanto.

No Brasil, como ele, só Álvares de Azevedo e Castro Alves, ou talvez aquele sergipano extraordinário, Tobias Barreto, tiveram também cintilações de gênio.

Sol que não chegou a amanhecer, que não explodiu em alvorada, iluminou, entretanto, todo o horizonte da poesia brasileira com a sua luz poderosa.

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Ialmar Pio Schneider (E Há Poetas que São Artistas)

Pedro Geraldo Escoteguy

Ocorre-me escrever a respeito de um poeta-artista que conheci na praia do Pinhal em fevereiro de 1984, quando veraneávamos por lá, no Hotel Cassino que havia sido inaugurado naquele ano. Quero falar da mostra Pedro Geraldo Escosteguy – Poéticas Visuais, no MARGS, entre 15 de julho e 14 de setembro de 2003, sendo a primeira retrospectiva e uma homenagem a um dos maiores artistas plásticos do Rio Grande do Sul.

Estava sentado no alpendre do citado hotel do Balneário Pinhal e acabava de compor o seguinte soneto:

À Beira-Mar

As árvores se agitam levemente…
(como são verdes estas casuarinas !) -
dir-se-ia que respiram como a gente
sob os raios solares e neblinas…

Às suas sombras passam as meninas
que vão à praia, nesta tarde quente,
refrescar-se nas águas cristalinas
e deitar-se na areia reluzente.

Passam as horas, vai-se enfim o dia,
a noite chega, aos poucos, de mansinho…
e as moças voltam lânguidas, inquietas,

enchendo todo o ambiente de poesia;
depois andando ao longo do caminho
vão pedalando em suas bicicletas.

(Praia do Pinhal, 14-2-84).


Depois de entabularmos conversa, o Dr. Pedro Geraldo Escosteguy, disse-me que era médico e poeta e que participara como mentor do Grupo Quixote, do qual foi ativista cultural responsável por muitos eventos acontecidos em Porto Alegre e no Estado nos anos 1950. Depois já de volta a Canoas, escrevi um soneto que lhe dediquei e enviei e que diz assim:

Soneto Quixotesco

É preciso escrever, eu quero um mote;
pois assim desenvolvo meu talento
e a investir contra os moinhos de vento
serei o personagem Dom Quixote.

No Rocinante vou seguindo a trote
e o Sancho Pança me acompanha lento,
porém p’ra terminar o meu tormento
desejo Dulcinéia com seu dote.

Minha luta começa todo o dia
e por sempre manter a fidalguia
jamais irei parar à meia viagem.

P’ra tanto tenho força de vontade
e embora encontre tanta adversidade,
não me faltam bravura nem coragem.”

– Canoas, 22.2.84.


Não demorou muito recebi a resposta de minha carta e vinha como só acontece a poetas, de sua autoria:

Soneto Seguinte

– Não te faltam bravura nem coragem,
nem Dulcinéas para o teu tormento,
mas o verso, - levado pelo vento,
perdeu alento para tanta imagem.

Talvez o Rocinante, nesse evento
sofreu o mesmo trauma da miragem,
confundindo a leveza da bagagem
ante a adversidade do momento.

Fora disso, fundiu-se metro e mote,
rendendo o investimento no Quixote
versos de relevante fidalguia.

Essa que louvo e que lembrar prometo
se, - como o faz - , elaborar um dia
no rastro bilaqueano do soneto.


—Pedro Geraldo Escosteguy.- P.Alegre, 9 de março de 1984.

Respondo-lhe então, com estas palavras a sua gentil missiva, em 13 de março de 1984: Chega-me às mãos sua carta de 9 do corrente, e acompanhando-a o volante Quixote 1 – 1960 e a folha Adágio com a linda poesia Visita de Juana de América, pelo que sensibilizado lhe agradeço, justamente quando leio (e em parte releio) nosso imortal Castro Alves, cujo nascimento se comemora no dia 14 deste mês(…). Lendo-lhe os versos não resisto à tentação de “fazer outra barbaridade”, ou seja, aventurar-me, por assim dizer, a dirigir-lhe um dos meus inglórios sonetos, que transcrevo:

Soneto a Castro Alves

Lírico das “Espumas Flutuantes”,
tribuno de “Os Escravos”; defensor
da liberdade, em ímpetos gigantes
alçaste as asas qual feroz condor !…

Na “A Cachoeira de Paulo Afonso”, estuantes
as águas rolam: “brado atroador”…
Também de Eugênia Câmara, inconstantes
ouviste as juras de violento amor…

À tua voz há de ficar clamando
por justiça no mundo e lealdade,
num tom impávido ou suspiro brando…

Passam os anos mas é sempre novo
o teu legado p’ra posteridade,
dizendo: “A praça ! A praça é do povo…”.


Fonte:
Texto enviado pelo autor

Moacyr Scliar (A Colina dos Suspiros)


Com um texto bem-humorado, em A Colina dos Suspiros, de 1999, o autor brinca com a paixão dos brasileiros pelo futebol: se eu morrer na sexta-feira quero ser enterrado no sábado, na hora do jogo. Esse amor pelo clube que está presente nas grandes cidades com os seus jogadores famosos mobiliza também o coração dos torcedores dos times das pequenas cidades, distantes e humildes.

Até a presença do cartola, figura tão criticada no meio futebolístico, se faz representar na cidade de Pau Seco: o fazendeiro da região praticamente sustenta time, e nenhuma decisão é tomada sem o seu consentimento.

A ironia do texto cativa o leitor atento, e a venda do estádio do Pau Seco para a construção de um cemitério verticalizado, ponto turístico da cidade, recebe do autor tratamento primoroso. A escolha do nome "Pirâmide do Repouso Eterno", eufemismo para cemitério, seduz os habitantes da cidade, pois atenderia à vaidade humana na hierarquização dos sepultamento: grande jogada de marketing da personagem, lance do mais fino humor de Scliar.

Enredo

Futebol, intriga, paixão e mistério são os ingredientes desta história. A história é verídica. Nos anos 70, o Esporte Clube Cruzeiro, de Porto Alegre, vendeu seu estádio e o lugar se tornou um cemitério (João XXIII). Entre os torcedores do time figura o escritor gaúcho Moacyr Scliar, que inspirado no episódio escreveu um romance divertido. Justamente sobre uma equipe decadente cujo campo vai abrigar a Pirâmide do Eterno Repouso. Entre os tipos pitorescos que recheiam a trama, o mais estranho é Rubinho, craque com potencial de gênio, atormentado por assombrações.

A ascendência russa e a cultura judaica são decisivas na obra de Moacir Scliar, assim como os conhecimentos, experiências e vivência de médico sanitarista. Admiração confessa pelos escritores Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Franz Kafka e, na música, por Mozart, Philip Glass e Chico Buarque. Futebol é o tema de A colina dos suspiros, do gaúcho Moacyr Scliar, e a pequena cidade de Pau Seco é o cenário.

Da realidade à ficção, o autor apresenta neste romance a pequena cidade de Pau Seco, com dois clubes de futebol que se digladiam há muito tempo. Futebol em Pau Seco é o que move ou paralisa a cidade. O estádio fica junto do cemitério.

Ali, o Pau Seco Futebol Clube, à beira da falência, cede seu estádio para a construção de um cemitério. A salvação está em Rubinho, um dos trabalhadores da obra, que se revela um extraordinário jogador.

Rubinho, a possível salvação dos paussequenses, é o jogador-revelação da cidade, que sofre uma humilhação pública, pois tem medo de marcar gol em frente ao túmulo do falecido ídolo Bugio. Desaparece, e só tem um desejo - vingança. Trata-se de um momento decisivo em sua vida. Com humor e sutileza, questões éticas, políticas, sociais, familiares, amorosas, o bem e o mal são discutidos.

O cemitério volta a ser estádio. Aí aparece de tudo: coronel todo-poderoso com seus mandos e desmandos, pobre que sai do anonimato para a riqueza sem preparo, maracutaias e espertezas. Esta narrativa terá surpreendentes desdobramentos e também por isso, fascina o público jovem ou, melhor, de qualquer idade. Com humor e sutileza, Moacyr Scliar discute questões éticas, políticas, sociais, familiares, amorosas, o bem e o mal. Com humor leve, essa saborosa crônica cativa pelo ótimo texto, só interrompido pelas risadas que desperta.

Fonte:
Passeiweb

Dalva Agne Lynch/SP (Terra)


Terra
sustento a ponte
unindo opostos.
Sustento a morada
o abrigo
contra o vento
e o tormento.
Recebo a semente
germino
dou a luz a flores e frutos
germino
dou a luz ervas daninhas.
Sou alimento
e veneno.
Terra
contenho ouro e prata
lava e ácido.
Sustento e recebo
sufoco e mato.

Sou útero
e
sou cova.

Fonte:
Jacqueline Aisenman. Revista Varal do Brasil: Literário, sem frescuras. Edição Especial: Nosso Planeta Terra. Genebra: abril de 2011.