quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Cláudio Moreno



Cláudio Moreno nascido na cidade do Rio Grande/RS é professor, escritor, ensaísta brasileiro e colunista.

Ainda jovem radicou-se na cidade de Porto Alegre. Em 1969 concluiu o curso de Letras da Universidade Federal do Rio Grande Sul - UFRGS, com habilitação em Português e Grego.

Em 1972 ingressou como docente no Instituto de Letras da mesma universidade, tendo sido responsável por várias disciplinas nos cursos de Letras e de Jornalismo, assim como pela disciplina de Redação para os cursos de Pós-Graduação de Medicina.

Em 1977, concluiu o mestrado em Língua Portuguesa, obtendo em 1997, o título de Doutor em Letras.

Coordena, atualmente, a área de Língua Portuguesa dos Colégios Leonardo da Vinci Alfa e Beta, de Porto Alegre, do Sistema Unificado de Ensino.

É professor regular das Tele-aulas de Língua Portuguesa da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro.

Na imprensa, assinou uma coluna mensal sobre etimologia na revista Mundo Estranho, da editora Abril, e escreve regularmente no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, onde mantém uma seção sobre Mitologia Clássica e outra sobre questões de nosso idioma.

Publicou, em co-autoria, livros sobre a área da redação - Redação Técnica (Formação), Curso Básico de Redação (Ática) e Português para Convencer (Ática). Sobre gramática, publicou o Guia Prático do Português Correto em três volumes: Ortografia (2003), Morfologia (2004) e Sintaxe (2005).

Autor dos dois volumes do livro O Prazer das Palavras, editados em 2007 e 2008, com artigos sobre etimologia e curiosidades de nosso idioma. Além disso, é o autor do romance Tróia (2004) e de dois livros de crônicas sobre Mitologia Clássica, Um Rio que Vem da Grécia (2004) e Cem Lições para Viver Melhor (2008). Além da autoria de vários livros na área de gramática e redação, romance e crônica, Moreno mantém o site Sua Língua, no qual esclarece dúvidas e dá dicas de Português. http://wp.clicrbs.com.br/sualingua/

Fonte:
http://rio-grandinos.blogspot.com/search/label/*%20RIO%20GRANDINOS%20EM%20DESTAQUE

domingo, 13 de setembro de 2009

Trova LII

Antônio Torres (Segundo Nego de Roseno)



– Patrãozinho, me dê uma prata?

– Pra que você quer dinheiro, homem? – disse o menino.

– Me dê uma prata para eu tomar uma.

– Não vai trabalhar? Papai está te esperando.

– Eu vou mas é tomar uma.

– Tome duas e caia logo de vez – disse o menino, pondo as duas moedas na mão do homem e se retirando.

– Deus te ajude, patrãozinho.

Era terça-feira e era o fim de tudo – e o último ser vivo do mundo estava caindo de bêbado, nem bem o sol havia raiado.

Agora não havia mais missa nem feira nem barraca nem pão-de-ló e a rua voltou a ser o que sempre foi: uma solidão única.

O menino percebeu isso ao acordar. Estava sozinho. Como o padre, todos haviam retornado a suas casas de verdade, fazendolas e casebres miseráveis das redondezas que, se somadas, davam mai de nove léguas. Até tio Ascendino, o último dos beatos (o bêbado não contava), tinha abandonado o seu posto e retornado à sua marcenaria. Agora só lhe restava o caminho da roça. O pior não era a solidão. Era a fome. E assim, com as tripas roncando e esfregando os dedos nos olhos para limpar a remela, o menino foi descendo para a venda de Josias Cardoso. Ia comprar um pão de milho. Agora podia comprar o que quisesse, porque as três notas que o padre lhe dera compravam muitas coisas. Mas ia devagar. Lá na roça seu pai o aguardava com uma enxada.

Felizmente não sobraram apenas o menino, o bêbado e o dono da venda. Também havia Nego de Roseno e sua fubica parada na porta do armarinho. A fubica era um pouco mais que o veículo que transportava uma pança negra cheia de níqueis dos roceiros. Era o único orgulho motorizado do Junco – e o prêmio justo para um homem que passara toda uma vida carregando mercadorias no lombo de um burro. O menino também estava fascinado com o progresso desse homem e chegava mesmo a invejar-lhe a liberdade de poder rodar para cima e para baixo na boleia daquele caminhãozinho que, mesmo quebrando e atolando nas estradas, acabava sempre chegando a algum destino. E talvez fosse isso que ele estivesse querendo dizer, nesse momento. Imóvel dentro do armarinho, como se fosse mais um dos caixotes que Nego de Roseno tentava mudar de posição, o menino agora admirava a maneira delicada como ele, um homenzarrão desengonçado, arrumava os frascos de cheiro nas prateleiras. E foi que Nego de Roseno falou. Queria alguma coisa? Queria sim. Aquela camisa ali, quanto é?

Custava mais do que o dinheiro que ele tinha, mas Nego de Roseno deixou pelo dinheiro que ele tinha.

– Seu pai é um bom freguês – disse – Vou lhe fazer um desconto.
Seu pai. Agora precisava inventar uma boa mentira para contar em casa. Por que você demorou tanto? Porque...

Talvez levasse uma surra.

Mas tinha dois pães numa mão e uma camisa na outra – e isso, por enquanto, era o que importava. Uma camiseta branca, de mangas cavadas (diferente, moderna), a primeira coisa na vida que comprava com o seu próprio dinheiro. Também não mandou pôr os pães na conta do pai, como das outras vezes. O problema é que sua alegria não estava sendo maior que o seu medo. Quem mandou demorar tanto?

Quando chegou à marcenaria, tio Ascendino ainda cantava benditos. Era um velho muito só que vivia rezando e praguejando contra as maldades do mundo. Tio Ascendino parou de cantar, parou a enxó, ajeitou os suspensórios e mostrou um caminhão azul para o menino.

– Fiz esse para você. Gosta da cor azul?

O menino ofereceu um dos seus pães para o tio e tio Ascendino aproveitou para fazer um café. Enquanto esperava, e agora com uma alegria redobrada, por causa do presente, trocou de camisa.

– Só está é um pouco folgada – disse tio Ascendino – Mas não faz mal. Quando lavar, ela encolhe. E você está crescendo.

Esquecido do tempo e da enxada e da possibilidade de uma surra, o menino conversou muito, como se fosse um bom companheiro para o tio.

– Essa terra só se alegra quando tem missa, não é?

– É a pura verdade – disse tio Ascendino – È uma pena só ter missa de tempos em tempos. Já estamos precisando de um padre que more aqui e que celebre missa pelo menos todos os domingos.

– Também acho – disse o menino.

– E você, quando vai para o seminário?

– Não sei não, tio.

– Quando vejo você ajudando o padre, tão bonito, fico pedindo a Deus para ver você um dia metido numa batina. Ia ser o maior orgulho deste lugar. Mas talvez eu não viva tanto para ver isso.

Há uma certa hora no Junco que dá para se ouvir um carro de bois cantando do outro lado do universo. Entre 11 da manhã e 3 da tarde o sol treme e até as cigarras param de piar. O menino ia pela estrada atento aos buracos. Atento ao barulho das rodas de seu caminhãozinho, que ele empurrava com uma forquilha.

O presente do tio também serviu de perdão para a sua demora. O que não lhe perdoaram foi o fato de ele ter dado o seu dinheiro numa camisa que não valia nada. Burro. Burro e besta. Seu pai ordenou:

– Volte lá e devolva isso. Traga o dinheiro de volta.

Tinha que voltar à rua. Não havia outro jeito. No caminho, pedia a Deus que lhe jogasse na frente as três notas que ganhara do padre e que agora se encontravam nas mãos de Nego de Roseno. Se isso acontecesse, ele poria a camisa fora e voltava para casa sem ter que enfrentar o dono do armarinho. Era uma humilhação ter que se desfazer de um negócio que fizera por sua livre vontade. Mas se Deus não o iria socorrer, muito menos Nego de Roseno. Pediu o apoio de Dirce, com os olhos molhados. Dirce não se moveu. Pediu o apoio de Neguinho, que um dia havia caído a seus pés, no meio da rua, durante um ataque de epilepsia. Neguinho também não disse nada. Que espécie de homem era ele?, perguntava Nego de Roseno. Comprava uma coisa e depois se arrependia? Além do mais, a camisa estava melada de suor. Em casa, além de enxada, agora aguardava uma nova bateria de ameaças e descomposturas. E esse incidente iria perturbar-lhe o sono durante largo tempo da sua vida.

Como no dia que Neguinho se jogou no tanque velho e morreu afogado, para se vingar de um tapa que levara do pai. Em seus sonhos, o menino via Neguinho se debatendo e espumando no chão, com os olhos arregalados e suplicantes, como se estivesse lhe pedindo socorro. Essa cena iria se repetir noites a fio, por mais que menino pela alma de Neguinho.

Só muito depois, quando a camisa já estava rasgada e não servia mais para nada, foi que ele deu o caso por encerrado.

Uma noite seu pai voltou um pouco tarde da rua e ficou conversando com sua mãe. Estava contado a respeito do que ouvira uns homens dizer sobre o menino.

– Estava eu, Josias, compadre Zeca e Nego de Roseno.

O menino ficou de orelha em pé. Ainda não haviam se esquecido daquela coisa.

– Aí Nego de Roseno disse: dá gosto ouvir aquele menino falar. Aquele menino é um homem – contava o velho – Os outros, todos, disseram a mesma coisa.

Agora, sim. Seu pai estava orgulhoso.

O filho dele era um homem, segundo Nego de Roseno.

Fonte:
Torres, Antônio. Meninos, eu conto. RJ: Record, 1999.

Antônio Torres (Saudade. Uma palavra para melhor se conhecer os poetas)


Genuinamente lusitana, portanto, intraduzível - ou de difícil tradução. E definida, um tanto abstratamente, como a presença da ausência. Musa inspiradora dos suspiros e ais das mais compungidas almas deste mundo, dos excelsos vates (Punge-me agora trágica saudade...)e cancioneiros populares (Saudade, palavra triste, quando se perde um grande amor), aos mais comuns dos mortais (Saudade de você), ela é, antes de qualquer coisa, uma palavra-chave para um começo de conversa que tem tudo para ir longe.

Sua definição, origem e história ainda instigam estudiosos da língua portuguesa. Entendida como um sentimento mais ou menos melancólico de incompletude, ligado pela memória a situações bem vividas, significando isto privação da presença de alguém ou de algo que muito se quer, ou a ausência de certas experiências e prazeres do passado que se deseja reviver, ela traz na sua essência alegria e martírio, tristeza e beleza, riso e lágrima.

Tais ambiguidades ainda seduzem os lexicógrafos contemporâneos, como se pode constatar no verbete que lhe dedicou o educador paulista Paulo Nathanael Pereira de Souza no livro 100 palavras para melhor conhecer o Brasil, organizado pelo prof. Arnaldo Niskier, e publicado em 2008 em edição nipo-brasileira, dentro das comemorações do centenário da imigração japonesa para o nosso país. Diante da esfinge que poderia devorá-lo, tornando-o um saudosista, ele se interroga: “Quem poderá aprofundar melhor do que qualquer outra pessoa as singularidades poéticas que se enrodilham na essencialidade dos sentimentos humanos e suas expressões vocabulares, senão um poeta? E não precisa ser dos maiores. Basta que seja poeta”.

Certo, mestre - pieguices à parte. Pois de Camões (o que escreveu: Se de saudade morrerei, ou não, os meus olhos dirão), a Vinícius de Morais, que a cantou belamente no Samba em prelúdio, que compôs com Baden Powell (Ai, que saudades, que vontade de rever nossas vidas...), e isso, imagine, anos depois do seu grande sucesso, Chega de saudade (daquela vez em dupla com Tom Jobim),nem todos foram capazes de tratá-la com o mesmo engenho e arte. O que não falta nos dois lados de Atlântico é o uso e abuso da coitada da saudade em poesia barata, ou no mínimo de gosto duvidoso, e bota aurora da vida e infância querida nisso.

Nesse sentido, o exemplo clássico é um livro publicado em 1836, e que entrou para a história literária como o marco inicial do Romantismo brasileiro. Título: Suspiros poéticos e saudades. Autor: Gonçalves de Magalhães. Foi ele o precursor de uma corrente que cantava o desgosto da vida, a infância, o amor impossível, a melancolia, a tristeza – ai, meus sais! O inefável poeta veio a se superar em outro volume, intitulado Cantos fúnebres.

Passos mais adiante, a saudade viria a ser mais bem tratada (ou retratada) nas mãos do maranhense Gonçalves Dias, que se consagrou como o primeiro grande poeta romântico do Brasil, e que sentia orgulho de ter em seu sangue as três raças formadoras da nação, por ser filho de um comerciante português com uma mestiça de índios e negros. Estamos falando do autor de Ainda uma vez mais, adeus e Canção do exílio, este escrito quando ele cursava direito na Universidade de Coimbra e morria de saudades do seu país: Minha terra tem palmeiras/ onde canta o sabiá – precisa continuar?

Outra exceção à regra foi o pop star do Romantismo made in Brazil, e sua mais bela cabeleira, o baiano Castro Alves, que, embora tivesse colocado a sua pena a serviço de um mundo mais justo, ao comprometer-se com a construção de uma nova ordem social, e com a causa republicana e abolicionista, não deixou de ser também um flamejante poeta do amor e da melancolia. Na sua obra há pelo menos uns sete poemas com um Adeus no título. Em Horas de saudade escreveu: No piano saudoso, à tua espera/ Dormem sono de morte as harmonias/ E a valsa entreaberta mostra a frase/ A doce frase qu’inda pouco lias”. Castro Alves e Gonçalves Dias foram os românticos brasileiros que deixaram saudade.

Esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal
Alexandre O’Neill/ Um adeus português

Mas como, onde, quando e por que surgiu tal palavra, tão usada e abusada em prosa e verso? Até o autor destas linhas já a maltratou um bocado, como se pode ler no capítulo que lhe dedicou no recém-publicado Dicionário amoroso da língua portuguesa,organizado pelo carioca Marcelo Moutinho e o portuense (ou tripeiro, como se diz em Portugal) Jorge Reis-Sá. Voltemos, porém, ao que interessa aqui:

Filha legítima da última flor do Lácio, portanto tendo o latim no seu DNA, a saudade descende de Solitas e Solis, quer dizer, de uma família chamada Solidão. E por ser vista, por séculos, seculorum, amém, como uma enlutada viúva à beira do cais, a salgar o mar de fados, boleros e guarânias, sambas-canções, toadas, valsas, xotes, maracatus e baiões, presume-se que ela remonta à era das grandes navegações, quando a língua portuguesa atravessou os mares na voz dos intrépidos navegantes que atingiram o Cabo Bojador em 1434, chegaram à Foz do Congo em 1483, dobraram o Cabo da Boa Esperança em 1487 e deram com os seus costados no Brasil (oficialmente) em 1500. Quem partia levava saudades, choradas pelos que ficavam. E assim sendo, a palavra conquistou o seu lugar de pertencimento no coração dos marinheiros e dos que em terra aguardavam o retorno deles, antes mesmo de o português se consolidar como língua literária, entre os séculos XV e XVI, cujo coroamento foi a publicação de Os Lusíadas, em 1572, como sabemos todos um livro monumental escrito por um soldado chamado Luís de Camões, que se meteu em guerras na Índia durante quinze anos, tendo sido ele próprio um herói da epopéia que escreveu. Pronto. Saudade e mar português, tudo a ver, conforme a síntese dessas navegações feita por Fernando Pessoa: Quem quer passar além do Bojador/ Tem que passar além da dor.

Do heróico tempo ficou-se a ver navios. E com olhar esfíngico e fatal. E a fitar o futuro do passado, vendo entre a cerração um vulto baço, que torna. E quem seria esse saudoso vulto cujo retorno se esperou, século após século? De quem poderia ser, senão de O Desejado, o rei morto no campo de batalha em Alcácer-Quibir, no dia 4 de agosto de 1578, seis anos depois da publicação de Os Lusíadas? Este, sim, passou além da dor, salgando o mar com o mais transatlântico saudosismo legado ao mundo que o português criou.

Agora, com a palavra os cantores brasileiros. Luiz Gonzaga, o rei do baião: “Ai quem me dera voltar, pros braços do meu xodó/ saudade assim faz doer/ amarga que nem jiló”. Adoniran Barbosa (nas vozes dos Demônios da Garoa): “Saudosa maloca/ maloca querida...” Ataulfo Alves: saudades da Amélia, que era a mulher de verdade, da professorinha, que lhe ensinou o bêabá. Tom Jobim e a saudade do Rio de Janeiro, no Samba do avião. Um sanfoneiro rasgando as Saudades de Matão num arrasta-pé do interior. Ellis Regina cantando Saudades do Brasil. Dorival Caymmi: “Ai se eu escutasse o que mamãe dizia”. Saudades da Bahia.

Fontes:
http://www.antoniotorres.com.br/vida&obra.htm
Imagem = http://br.geocities.com/.../amigos1/marcos/saudade2.jpg

Antônio Torres (1940)


Antônio Torres nasceu na pequena cidade de Junco (hoje Sátiro Dias), no interior da Bahia, no dia 13 de setembro de 1940. Ainda menino, mudou-se para Alagoinhas para fazer o Ginásio, mais tarde foi parar em Salvador, capital baiana, onde se tornou repórter do Jornal da Bahia. Aos 20 anos transferiu-se para São Paulo, empregando-se no diário Última Hora. Lá, mudou de ramo e passou a trabalhar em publicidade. Viveu por três anos em Portugal e atualmente mora no Rio de Janeiro, onde passou a se dedicar exclusivamente à atividade literária. É casado com Sonia Torres, doutora em literatura comparada, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), e tem dois filhos, Gabriel e Tiago.

Aos 32 anos, Antônio Torres lançou seu primeiro romance, Um cão uivando para a Lua, que causou grande impacto, sendo considerado pela crítica “a revelação do ano”. O segundo “Os Homens dos Pés Redondos”, confirmou as qualidades do primeiro livro. O grande sucesso, porém, veio em 1976, quando publicou Essa terra, narrativa de fortes pinceladas autobiográficas que aborda a questão do êxodo rural de nordestinos em busca de uma vida melhor nas grandes metrópoles do Sul, principalmente São Paulo.

Hoje considerada uma obra-prima, Essa terra ganhou uma edição francesa em 1984, abrindo o caminho para a carreira internacional do escritor baiano, que hoje tem seus livros publicados em Cuba, na Argentina, França, Alemanha, Itália, Inglaterra, Estados Unidos, Israel, Holanda, , Espanha e Portugal. Em 2001 a Editora Record lançou uma reedição comemorativa (25 anos) de Essa Terra. Torres, porém, não restringiu seu universo ao interior do Brasil. Passeia com a mesma desenvoltura por cenários rurais e urbanos, como em Um cão uivando para a Lua, Os homens dos pés redondos, Balada da infância perdida e Um táxi para Viena d’Áustria.

Em 1997, Torres decidiu retornar ao tema e aos personagens do consagrado Essa terra. Vinte anos depois, narrador e protagonista voltam à pequena Junco em O cachorro e o lobo, para encontrar uma cidade já transformada pela chegada do progresso. É um romance de fina carpintaria literária que foi saudado pela crítica, tanto no Brasil como na França, onde foi publicado em 2001.

Foi condecorado pelo governo francês, em 1998, como “Chevalier des Arts et des Lettres”, por seus romances publicados na França até então (Essa terra e Um táxi para Viena d'Áustria). Em 2000, ganhou o Prêmio Machado de Assis 2000, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da sua obra. Em 2001, foi o vencedor (junto com Salim Miguel por Nur na escuridão) do Prêmio Zaffari & Bourbon, da 9a. Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, RS, por seu romance Meu querido canibal, no qual Torres se debruça sobre a vida do líder tupinambá Cunhambebe, o mais temido e adorado guerreiro indígena, para traçar um painel das primeiras décadas de história brasileira.

Dando seqüência às suas pesquisas históricas, ele escreveu o romance O nobre sequestrador, que trata da invasão francesa ao Rio de Janeiro em 1711, comandada por René Duguay-Trouin, o corsário de Luis XIV, que sequestrou a cidade durante 50 dias, até que lhe fosse pago um alto resgate para que ela fosse devolvida a seus habitantes. O nobre sequestrador foi finalista no Prêmio Zaffari & Bourbon de 2003.

Em 2006, Antônio Torres publicou o romance Pelo fundo da agulha, com o que fechou uma trilogia iniciada com Essa terra e prosseguida com O cachorro e o lobo. Este livro foi um dos vencedores do Prêmio Jabuti e finalista do Prêmio Zaffari & Bourbon, da Jornada Literária Nacional de Passo Fundo.

Em resumo: autor premiado, com várias edições no Brasil e traduções em muitos países, Antônio Torres é um dos nomes mais importantes da sua geração, com um obra expressiva que abrange 11 romances, 1 livro de contos, 1 livro para crianças, 1 livro de crônicas, perfis e memórias. além de dois projetos especiais (O centro das nossas desatenções, sobre o centro do Rio de Janeiro - e que rendeu um documentário para a TV Cultura, São Paulo -, e O circo no Brasil, da série História Visual, da Funarte, Fundação Nacional de Arte).

Bibliografia
Um cão uivando para a lua - 1972
Os homens dos pés redondos - 1973
Essa terra - 1976
Carta ao bispo - 1979
Adeus, velho - 1981
Balada da infância perdida - 1986
Um táxi para Viena d’Áustria - 1991
O centro das nossas desatenções - 1996
O cachorro e o lobo - 1997
O circo no Brasil - 1998
Meninos, eu conto - 1999
Meu querido canibal ¾ 2000
Essa Terra (edição comemorativa de 25 anos) - 2001
O Nobre Sequestrador - 2003
Pelo Fundo da Agulha - 2006
Menu, o gato azul - 2007 (história para crianças)
Sobre pessoas - 2007 (crônicas, perfis e memórias)

Fontes:
http://www.antoniotorres.com.br/vida&obra.htm

Estante Virtual nas Bienais do Livro


Estante Virtual na Bienal do Livro de Curitiba

Do dia 27 de agosto ao dia 4 de setembro Curitiba sediou a sua primeira Bienal do Livro. E a Estante Virtual esteve lá, representada por seis dos mais de 50 livreiros curitibanos já conectados ao site. Foi a primeira presença física do portal nos eventos do setor!

O stand contou com quatro sebos e dois livreiros virtuais. Foram eles a Tomorrow Brasil, Livraria Fênix, Livro e Cia, Acervo Almon, Sebo Releituras e Espaço Alternativo. Cada um colocou à venda uma amostra dos seus livros, que também estavam cadastrados no portal. Além disso, o stand contou com 6 computadores para que os visitantes da bienal pudessem acessar o site e fazer seus pedidos dali mesmo, fazendo jus ao anúncio que colocamos na entrada do stand: "Bem vindo! Nosso stand tem 20 milhões de livros!"

Segundo os livreiros participantes, os visitantes que não conheciam o portal adoraram a novidade de ter um país inteiro de sebos ao alcance do mouse. E os que já conheciam, mostraram grande satisfação em saber que a Estante também estava presente fisicamente no evento, transcendendo o mundo virtual.

Estante Virtual na Bienal do Livro do Rio de Janeiro

Às vésperas do aniversário de 4 anos (20 de outubro próximo) presença da Estante Virtual no stand R20 do Pavilhão Verde.

Tente imaginar: uma estante gigante, com 4 metros de altura por 5 metros de largura, que irá abrigar livros vindos de sebos de todo o Brasil. Inclusive neste momento, há algumas centenas de livros nos céus, rumando de diversas partes do país para o Rio. E claro, além dos livros, voarão também os livreiros. Em cada um dos dias da Bienal, no stand, livreiros de diferentes partes do Brasil, que estarão disponíveis para tirar dúvidas sobre livros, pedir sugestões de leitura, enfim, uma verdadeira consultoria literária.

E não é só. Oferecerem um serviço totalmente inédito nas Bienais: a troca de livros. Como funciona? Leve para a Bienal um livro que você já leu e troque no stand por qualquer livro da estante gigante. E ao final do evento, os livros que estiverem no stand serão doados para estimular a leitura em alguma instituição ou comunidade que os próprios visitantes do stand vão indicar.

Já aqueles que, mesmo com tanta coisa "ao vivo", quiserem acessar a estante virtual, haverá um pool de computadores para buscas de outros milhões de livros que permaneceram em solo, nas outras 254 cidades onde há livreiros conectados ao portal.

E se você estiver muito cansado - afinal a Bienal é muito grande - , há também alguns sofás para sentar e relaxar, enquanto lê algum livro que poderá literalmente puxar da estante na hora (com a mão mesmo!). No sofá, terá a companhia de uma grande personalidade da literatura brasileira.

XIV Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro

Data: 10 a 20 de setembro de 2009

Local: Riocentro

Avenida Salvador Allende, nº 6.555 - Barra da Tijuca

nosso stand R20, Pavilhão Verde

Ingressos a R$ 12 inteira e R$ 6 meia

Fonte:
Newsletter Estante Virtual. Edição Nº 25 - 09 de setembro de 2009. Colaboração de André Garcia, diretor e criador da Estante Virtual, que está no site http://www.estantevirtual.com.br/

Antonio Olinto (A Viagem)



Já estavam no mar há muito tempo, Suliman, que marcava os dias a faca numa pilastra de madeira, dizia que eram vinte e oito, quatro semanas, certa manhã o navio amanheceu parado, Mariana saiu para o convés, o mar parecia um pano estendido até lá longe, nada se mexia, as velas pendiam murchas, não havia vento nem ondas, os homens se debruçavam sobre a amurada, a filha de Dona Júlia riu no seu jeito e disse:

- Já era tempo, não agüentava mais aquelas sacudidelas o dia inteiro.

Suliman olhou para ela sério:

- Não diga o que não sabe, moça. O pior que pode acontecer num veleiro é falta de vento.

Contudo houve uma alegria geral naqueles primeiros dias, Mariana brincou mais à vontade, o mulato pernambucano bateu num atabaque até tarde, Maria Gorda jogou uma coisa no mar, seria presente para Iemanjá?, a avó lembrou-se com nitidez de uma velha imagem, a do momento em que o homem que a levara de canoa de Abeokutá a Lagos apontara para longe e dissera: Olha. A lagoa estava tão quieta como este mar de agora, e o que vira fora o conjunto de casas da cidade em que o tio a vendera. Durante vários dias o vento não veio, o mar não se moveu, depois de uma semana de imobilidade o capitão pediu que todos se reunissem no convés, apareceu e explicou:

- Estamos numa zona de calmaria. Nossa água dá para mais de oito meses e quanto à comida não há problema, cada um trouxe o que podia e o navio tem provisões para muito tempo.

Os homens comentavam que não se via mais o Cruzeiro do Sul, durante o dia muita gente pescava, apareceram caniços e anzóis, um crioulo forte chamado Rodrigo pegava peixes enormes e um dia descobriu que mariscos se haviam agarrado ao casco do navio imóvel, desceu até lá numa corda, arrancou os mariscos, pediu a Epifânia que os fervesse e juntou amigos para partilharem do prato. Mariana olhava o céu, nunca vira tantas estrelas, algumas riscavam a noite, o capitão conversava com ela e falava-lhe dos outros planetas, das estrelas cadentes, de outros mundos, de sóis, de cometas.

A alegria dominou durante outra semana ainda o navio, mas foi-se diluindo em pedaços cada vez maiores de silêncio, Mariana começou a sentir moleza no corpo, mulheres e crianças deixaram de sair normalmente ao convés, só os homens é que andavam de um lado para o outro, ficavam olhando o mar parado, alguns mascavam fumo, à noite quase todos bebiam cachaça, então voltava a aparecer um pouco de alegria. O primeiro a ficar doente foi o mulato de Pernambuco, um dia não saiu da cama, o capitão foi vê-lo, a menina ouviu a palavra desinteria, e logo havia mais três doentes, uma das irmãs Borges em vez de coco fez sangue , levaram o vaso para o capitão ver, apareceram remédios surgidos não se sabia de onde, Epifânia tratou de Luzia Borges com todo o cuidado, a avó não abandonava o seu lugar, imóvel num canto da cama, às vezes encolhida, Epifânia era quem fazia agora toda a comida, a água tinha hora certa, vinha numa tina grande que um marinheiro trazia e distribuía para cada um, Mariana voltou a subir ao convés, encontrou todos os malês curvados no chão, rezando em direção a Meca, levantavam-se de vez em quando, tornavam a se ajoelhar, Sulivan ficara mais magro, suas roupas davam a impressão de ter crescido, Mariana acostumou-se a passar horas olhando o mar, Mariana e o mar, perdia-se nele, esquecia as coisas, revia a enchente do Piau, a cara de Padre José, os olhos de vidro do carneiro morto, sentia-se tonta em certos momentos e então voltava a ver o mar, Mariana e o mar, parecia-lhe que o navio se movimentava, mas não, tudo estava quieto, no dia seguinte levou um pedaço de pano para um lugar mais alto, perto do leme, estendeu o pano sobre uma tábua, deitou-se e ficou olhando o mar assim, os dois olhos viam o horizonte igual, perdeu a fome, Epifânia teve de ir buscá-la, deu-lhe comida à força, Emília e Antonio brincavam menos, o cheiro lá embaixo começava a ficar forte, era de azedo, coisa podre, depois de alguns minutos a gente se acostumava, não pensava mais naquilo, a farinha com arroz se atulhava na garganta, fazia a menina tossir, não havia água para lavar as mãos depois da comida, Mariana regressava a seu posto e esperava anoitecer, muita gente passava a noite no convés, de manhã quase ninguém saía do lugar, o capitão distribuía água e bolachas, a menina ia ver a mãe e a avó, o número de doentes aumentava. Epifânia enxugava o rosto dos de cama, limpava a boca de Luzia Borges, uma noite os tambores soaram com mais força, houve dança no meio do porão, marinheiros com facas na cintura ficaram parados vendo os passageiros dançarem, um dia Mariana não conseguiu acordar direito, a mãe deu-lhe água e biscoitos, mais tarde ferveu um pedaço de carne-seca, a menina mastigou com cuidado, não sabe quanto tempo esteve ausente da vida no navio, lembra-se de uma noite de luar, então já estava boa, o mar parecia continuar o convés, a água se imobilizava iluminada.

A primeira morte ocorreu quando a calmaria durava mais de mês, foi de um preto de Alagoas, tinha sido dos mais silenciosos, deixara de comer, como viajava sem família ninguém lhe deu atenção, amanheceu morto, o capitão mandou que o corpo fosse levado para cima dentro de um lençol, Mariana seguiu o acompanhamento, no convés os rostos olhavam para a cara do morto, um marinheiro rezou um Padre-Nosso e uma Ave-Maria em voz alta, os homens que seguravam o lençol levaram-no até a borda do navio, deixaram o morto escorregar, mas o corpo não afundou, ficou boiando, daí a pouco havia peixes que atacavam o cadáver, o capitão disse que deviam ter amarrado um peso no morto, só que não havia muita coisa pesada a bordo que pudesse ser dispensada, os homens ficaram olhando o morto ser arrastado pelos peixes, depois cada um voltou para sua cama, poucos foram os que , na amurada, continuaram de olhos na luta sobre o mar. O segundo morto foi o mulato de Pernambuco, acharam-no no convés com pedaços de biscoito nas mãos, a boca parecia ter sido detida no ato de mastigar, quando seu corpo caiu nas águas um pedaço de pano saiu boiando sobre o liso da superfície. Morreu em seguida a menina Joana, irmã de Abigail, tinha chorado muito durante dias seguidos, uma tarde ficou quieta. Depois de três meses sem vento seis pessoas haviam morrido, Catarina fazia agora questão de subir de manhã para o convés, tomava sol apoiada pela filha e pelos netos, no fundo do pensamento passara a só ver a chagada a Lagos, nada mais existia, mortes não a tocavam, sol e comida, sim, eram importantes, comia com decisão, mastigava bem a farinha e o arroz, às vezes um orobô, pedia que a levassem para a cama no momento em que o sol ficava demasiadamente forte, fechava os olhos e concentrava-se na espera. Diziam que o navio se movera fora do caminho, uma tarde morreu um dos malês, os outros rezaram para o morto, amarraram-lhe os pés, com pedaços de pedra achados no porão, o corpo mergulhou no mar num mergulho sem ruído, Mariana arrastava-se muitas vezes pelo chão, a mãe segurou-lhe o rosto um dia, olhou-a espantada, disse:

- Minha filha, você está com treze anos.

Estava. Sentia-se mais velha, só queria conversar com Abigail, que já era moça, mas de vez em quando corria para perto dos irmãos menores, doida para brincar de roda, ou passava horas sem dizer nada, fitando os objetos, as pessoas, o mar era como se fosse um enorme assoalho brilhante, dava a impressão de que qualquer um podia andar por cima dele. Notou que a comida tinha diminuído, o capitão andava com um revólver aparecendo e chegou o dia em que morreram duas pessoas de uma vez. Mariana estava meio dormindo quando ouviu a notícia. A voz de Maria Gorda tinha um tom de susto:

- Esta noite partiram dois: o Sebastião e o filho do Ribeiro.

A menina foi ver o lugar em que dormia a família Ribeiro, faltava o menino que sempre estivera no grupo, quis achar o Sebastião, um perto magro, de barbicha, e não o encontrou. Soube que os dois tinham sido atirados ao mar durante a noite.

O vento, quando começou a chegar, não parecia suficiente para empurrar o navio. O ar se agitou ligeiramente por muitos dias, os marinheiros entraram numa atividade incessante, quase ninguém comia mais a bordo, o cheiro de fezes se acentuava em certos lugares, o capitão comandou três homens para limparem tudo, jogavam água no porão, no convés, esfregaram o chão com vassouras, mesmo assim morreram três pessoas numa só tarde, num momento em que as ondas se formavam e o navio começava a jogar. Duas velhas e um velho, em que Mariana jamais havia reparado, envoltos em lençóis foram levados para cima, a capitão rezou por eles, desta vez o barulho dos corpos no mar soou nítido no início da noite. E logo os tambores bateram com violência, a avó percebeu que era o toque dos eguns, o axexê dos mortos, mas também era um toque de alegria, dos eguns passaram os atabaquistas a bater para Iansã, Abigail saltou para o meio do porão, dançou forte no assoalho velho, agitou as mãos num abandono, cantou em iorubá. Na manhã seguinte o navio andava, as velas se sacudiam no ar, as cordas balançavam de um lado para o outro, o convés ficou cheio, os rostos negros tomavam sol, pouco se falava, ao meio-dia a comida foi comida com entusiasmo, Epifânia botou dendê no peixe seco, reuniu os filhos ao redor de si, Mariana, Emílai e Antonio comeram em silêncio, as mãos pegavam no peixe, punham farinha no dendê, amassavam tudo até que se formasse um bolo, depois metiam na boca, Emília era a mais delicada, não limpava as mãos no vestido, Mariana encostou-se no corpo da avó depois de comer, ficaram ali de torpor, sentindo o vento que atravessava o convés.

O navio pegou vento durante muitos dias, às vezes vento forte, poucos podiam atravessar o convés em segurança, Maria Gorda levou um tombo. Mariana lembrou-se da queda de Susana na ladeira da Bahia, ela rira de não conseguir parar, hoje não achava graça nas coisas, as contrário, apesar do vento e da animação que voltava a bordo, a menina continuava a sentir o corpo mole, sem vontade de fazer coisa alguma, comer chegava a ser esforço. O vento já soprava há suas semanas quando morreu um marinheiro, foi a última das mortes na viagem, diziam que o homem passara dias sem tomar conhecimento do mundo, a reunião para jogar o corpo no mar se fez quase com raiva, os passageiros olhavam sérios para o lençol, cada um voltado para o rosto quase roxo do morto, carecia atirá-lo o mais depressa possível nas águas, enquanto o faziam era como se soubessem que não haveria outras mortes e tornava-se necessário acabar depressa com aquela, dispor do cadáver rápido e concentrar a atenção no vento que lavava o navio em subidas e descidas sobre as ondas, a tempestade que se abateu sobre ele naquela noite não provocou medos, vento e chuva não permitiam que a embarcação se detivesse, a calma da manhã seguinte foi que assustou, mas o vento continuava a bater nas velas.

Fonte:
OLINTO, Antonio. A casa da água. RJ: Bloch, 1969
Imagem = Toucan Art

Antonio Olinto (1919 – 2009)


Antonio Olinto (Nome completo: Antonio Olyntho Marques da Rocha) nasceu em Ubá (MG), em 10 de maio da 1919, filho de José Marques da Rocha e de Áurea Lourdes Rocha.

Depois dos estudos primários na cidade natal, ingressou no Seminário Católico de Campos (RJ), onde concluiu o curso secundário. Prosseguiu os estudos no curso de Filosofia do Seminário Maior de Belo Horizonte (MG) e no Seminário Maior de São Paulo. Tendo desistido de ser padre, foi durante dez anos professor de Latim, Português, História da Literatura, Francês, Inglês e História da Civilização, em colégios do Rio de Janeiro. Publicou então seu primeiro livro de poesia, Presença. Foi secretário do Grupo Malraux, tendo organizado a 1.a exposição de poesias, montada na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Juntamente com sua atividade de professor ingressou no setor publicitário e no jornalismo. Seu livro Jornalismo e Literatura foi adotado em cursos de jornalismo em todo o Brasil. Da mesma época é seu livro de ensaios o Diário de André Gide.

Foi crítico literário de O Globo ao longo de 25 anos, responsável pela seção “Porta de Livraria”, onde noticiava os principais fatos da vida literária e livreira, e colaborou em jornais de todo o Brasil e de Portugal. Convidado pelo Governo da Suécia para as comemorações do Cinqüentenário do Prêmio Nobel em 1950, fez então conferências nas universidades de Estocolmo e Uppsala e entrevistou William Faulkner, Bertrand Russell e Per Lagerkvist. Em 1952, a convite do Departamento de Estado dos Estados Unidos, percorreu 36 estados norte-americanos fazendo conferências sobre cultura brasileira. Poeta e ensaísta, a sua obra está vinculada, cronologicamente, à Geração de 45. Teve publicados na década de 50 quatro volumes de poesia e dois de crítica literária.

Nomeado Diretor do Serviço de Documentação do então Ministério da Viação e Obras Públicas, pelo presidente Café Filho, em setembro de 1954, ali lançou a Coleção Mauá, de livros técnicos, promoveu exposições de pintura dedicadas a obras que privilegiassem ferrovias, estradas e os caminhos do mar – Salão do Automóvel, Salão Ferroviário, Salão da Estrada, Salão do Mar – e dirigiu a revista Brasil Constrói, redigida em quatro idiomas. Data dessa época o lançamento de mais de trinta concursos literários ligados a livros (exemplos: as melhores vitrines com livros, cartilhas, contos esportivos), culminando com o lançamento do Prêmio Nacional Walmap, considerado o pioneiro dos grandes prêmios literários do país.

Nomeado Adido Cultural em Lagos, Nigéria, pelo governo parlamentarista de 1962, em quase três anos de atividade fez cerca de 120 conferências na África Ocidental, promoveu uma grande exposição de pintura sobre motivos afro-brasileiros, colaborou em revistas nigerianas, enfronhou-se nos assuntos da nova África independente e, como resultado, escreveu uma trilogia de romances – A Casa da Água, O Rei de Keto e Trono de Vidro – hoje traduzidos para dezenove idiomas (inglês, italiano, francês, polonês, romeno, macedônio, croata, búlgaro, sueco, espanhol, alemão, holandês, ucraniano, japonês, coreano, galego, catalão, húngaro e árabe) e com mais de trinta edições fora do Brasil. Seu livro Brasileiros na África, de pesquisa e análise sobre o regresso dos ex-escravos brasileiros ao continente africano, tem sido, desde sua publicação em 1964, motivo de teses, seminários e debates. De 1965 a 1967 foi Professor Visitante na Universidade de Columbia em Nova York, onde ministrou um curso sobre Ensaística Brasileira. Na mesma ocasião, fez conferências nas Universidades de Yale, Harvard, Howard, Indiana, Palo Alto, UCLA, Louisiana e Miami. Escreveu uma série de artigos sobre a Escandinávia, o Reino Unido e a França.

Em 1968 foi nomeado Adido Cultural em Londres, onde desenvolveu uma atividade incessante, através de conferências e um mínimo de cem exposições ao longo de cinco anos.

Membro do PEN Clube do Brasil, ajudou a organizar três congressos do PEN Clube Internacional no Brasil: em 1959, 1979 e 1992. Passou a participar também das atividades do PEN Internacional, com sede em Londres, tendo sido eleito, no começo dos 90, para o cargo de Vice-Presidente Internacional. Na qualidade de Visiting Lecturer vem dando cursos de Cultura Brasileira na Universidade de Essex, Inglaterra.

Dirigiu e apresentou os primeiros programas literários de televisão no Brasil, na TV Tupi, e em seguida nas TVs Continental e Rio. Fez conferências sobre cultura brasileira em universidades e entidades culturais em Tóquio, Seul, Sidney, Luanda, Maputo, Dacar, Lomé, Porto Novo, Lagos, Ifé, Warri, Abidjan, Tanger, Arzila, Buenos Aires, Lisboa, Coimbra, Porto, Madri, Santiago, Barcelona, Lion, Paris, Marselha, Milão, Pádua, Veneza, Bérgamo, Florença, Roma, Belgrado, Zagreb, Bucareste, Sófia, Varsóvia, Cracóvia, Moscou, Estocolmo, Copenhague, Aarhus, Londres, Manchester, Liverpool, Colchester, Newcastle, Edimburgo, Glasgov, St. Andrews, Oxford, Cambridge, Bristol, Dublin.

Conheceu, em 1955, a escritora e jornalista Zora Seljan, com quem se casou. A partir de então, os dois trabalharam juntos em atividades culturais e literárias. Quando Antonio Olinto foi crítico literário de O Globo, Zora Seljan assinava a crítica de teatro no mesmo jornal, sendo que às vezes as duas colunas saíam lado a lado na página. Antes de os dois seguirem para a Nigéria, já Zora havia escrito a maioria de suas peças de teatro afro-brasileiras, das quais, mais tarde, em Londres, uma delas, Exu, Cavaleiro da Encruzilhada, seria levada em inglês por um grupo de atores ingleses e norte-americanos sob a direção de Ray Shell, que participara de produção de Jesus Christ Superstar. Na Nigéria Zora Seljan foi leitora na Universidade de Lagos. De volta da África, Antonio Olinto publicaria um relato de sua missão ali, Brasileiros na África, e Zora Seljan lançaria dois livros: A Educação na Nigéria e No Brasil ainda Tem Gente da Minha Cor?. Em 1973, os dois fundaram um jornal, em Londres e em inglês, The Brazilian Gazette, que vem existindo continuamente até hoje.

Antonio Olinto e Zora Seljan foram eleitos para o Conselho Fiscal do Sindicato dos Escritores, em 7 de maio de 1997.

Zora Seljan faleceu no Rio de Janeiro em 25 de abril de 2006.

Em 31 de julho de 1997 foi eleito para a ABL na Cadeira n.o 8, sucedendo ao escritor Antonio Callado. Foi eleito para o cargo de diretor-tesoureiro nas gestões de 1998-99 e 2000. Nesse período foi também diretor da Comissão de Publicações. Sob a sua direção saíram 24 volumes da Coleção Afrânio Peixoto. Coordenou o seminário Monteiro Lobato: Meio Século Depois (1998) e o ciclo A Língua Portuguesa nos 500 Anos do Brasil (ABL, 1999) e participou do seminário A Língua Portuguesa em Questão (CIEE-São Paulo, 1999) e dos ciclos de conferências sobre Machado de Assis e Rui Barbosa (ABL, 1999).

Nos últimos anos proferiu ainda conferências em seminários no Brasil e no exterior. A convite do Governo português, em 2000, participou das Jornadas da Lusofonia realizadas em Lisboa, Estocolmo, Gotemburgo, Lund e Copenhague.

Em 1998 voltou a circular o Jornal de Letras (n.o 0 em agosto), sendo Antonio Olinto o editor-chefe desta nova fase. Em setembro, no quadro das comemorações do Sete de setembro, a Embaixada do Brasil na Romênia inaugurou, em Bucareste, a Biblioteca Antonio Olinto.

Em 1º de janeiro de 2001 foi nomeado por ato do Prefeito do Rio de Janeiro, Sr. César Maia, para o cargo de Diretor Geral do Departamento de Documentação e Informação Cultural, da Secretaria das Culturas, dirigida pelo Dr. Paulo Alberto Moretzsohn Monteiro de Barros (o Senador Artur da Távola). Encontra-se até os dias de hoje nesse setor, agora com o Secretário das Culturas, Ricardo Macieira, e na sua gestão já inaugurou duas bibliotecas em comunidades carentes, como manteve as 23 bibliotecas municipais em prédios fixos, além de dirigir o Museu da Cidade e o Arquivo Geral da Cidade.

Em 2002, foi eleito presidente da Comissão Nacional Organizadora do Centenário de Nascimento de Ary Barroso, que foi celebrado com várias comemorações pelo país e pelo exterior. Para homenagear Ary Barroso, Antonio Olinto lançou o livro Ary Barroso, a História de uma Paixão, que está sendo apresentado em várias capitais e em sua cidade natal, Ubá.

No dia 17 do mês de julho de 2003 apresentou seus quadros naives no Shopping Cassino Atlântico, juntamente com o lançamento de seu livro Ary Barroso.

Em 2004, ministrou na UniverCidade curso de doze conferências subordinado ao tema “Uma visão literária do Brasil de Anchieta a Rachel de Queiroz”. Por sua iniciativa foi criado o Instituto Antonio Olinto e Zora, que recebeu o patrimônio cultural do casal, de que constam duzentas esculturas de madeira da África, bem como 15 mil volumes da biblioteca de ambos e cerca de 5 mil fotografias ligadas à literatura brasileira.

Recebeu o Prêmio Machado de Assis – 1994, pelo conjunto de obras, da Academia Brasileira de Letras, a mais alta láurea literária do Brasil. Em 2000, recebeu o título de Doutor Honoris Causa, da Faculdade de Letras do Conjunto Universitário de Ubá (MG) e o Diploma de Excelência da Universidade Vasile Goldis, de Arad (Romênia), pelo seu trabalho de difusão da cultura brasileira naquele país. Em 2003, inaugurou na Faculdade de Letras Ozanan Coelho, de Ubá, uma biblioteca de 34 mil volumes que recebeu o seu nome. Em 2004, o Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro outorgou-lhe o Título de Sócio Grande Benemérito.

Em março, teve problemas de saúde e foi internado, mas voltou para casa, onde contava com a ajuda de uma secretária. Faleceu de falência múltipla de órgãos, em sua casa em Copacabana, no Rio de Janeiro em 12 de setembro de 2009.

O corpo do escritor Antonio Olinto, que cintava com 90 anos de idade, foi enterrado no sábado, 12 de setembro, no mausoléu da ABL (Academia Brasileira de Letras) no cemitério de São João Batista, em Botafogo, zona sul do Rio.


Sua obra abrange poesia, romance, ensaio, crítica literária e análise política.

Bibliografia

Poesia
– Presença. Rio de Janeiro: Editora Pongetti, 1949.
– Resumo. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1954.
– O Homem do Madrigal. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1957.
– Nagasaki. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1957.
– O Dia da Ira. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1959.
– As Teorias. Rio de Janeiro: Edição Sinal, 1967.
– Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora Leitura, 1967.
– A Paixão segundo Antonio. Rio de Janeiro: Editora Porta de Livraria, 1967.
– Teorias Novas e Antigas. Rio de Janeiro: Editora Porta de Livraria, 1974.
– Tempo de Verso. Rio de Janeiro: Editora Porta de Livraria, 1992.

Ensaio
– Jornalismo e Literatura. Rio de Janeiro: MEC, 1955.
– O “Journal” de André Gide. Rio de Janeiro: MEC, 1955.
– Dois Ensaios. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1960.
– Brasileiros na África. Rio de Janeiro: Edições GRD, 1964.
– O Problema do Índio Brasileiro. Embaixada do Brasil em Londres, 1973.
– Para onde Vai o Brasil?. Rio de Janeiro: Editora Arca, 1977.
– Do Objeto como Sinal de Deus. Ensaio sobre a arte africana. Londres: RIEX, 1983.
– O Brasil Exporta. História da exportação brasileira. Banco do Brasil, 1984.
– Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Editora LISA, 1994.
– Antonio Olinto apresenta Confúcio e o Caminho do Meio. Rio de Janeiro: Editora Bhum – Ao Livro Técnico, 2001.

Romance
– A Casa da Água. Rio de Janeiro: Edições Bloch, 1969.
– O Cinema de Ubá. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1972.
– Copacabana. Rio de Janeiro: Editora LISA, 1975.
– O Rei de Keto. Rio de Janeiro: Editorial Nórdica, 1980.
– Os Móveis da Bailarina. Rio de Janeiro, 1985.
– Trono de Vidro. Rio de Janeiro: Editorial Nórdica, 1987.
– Tempo de Palhaço. Rio de Janeiro: Editorial Nórdica, 1989.
– Sangue na Floresta. Rio de Janeiro: Editorial Nórdica, 1993.
– A Dor de Cada Um (Coleção Anjos de Branco, vol. 1). Rio de Janeiro: Editora Mondrian, 2001.
– Ary Barroso. A História de uma Paixão. Rio de Janeiro: Editora Mondrian, 2002.

Conto
– O Menino e o Trem. Rio de Janeiro: Editora Blhum – Ao Livro Técnico, 2000.

Literatura infantil
– Ainá no Reino do Baobá. Rio de Janeiro: LISA, 1979.

Crítica literária
– Cadernos de Crítica. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1958.
– A Verdade da Ficção. Rio de Janeiro: COBRAG, 1966.
– A Invenção da Verdade. Rio de Janeiro: Editorial Nórdica, 1983.

Gramática
– Regras Práticas para Bem Escrever / Laudelino Freire (1873-1937) – ampliada e atualizada por Antonio Olinto. Rio de Janeiro: Lótus do Saber Editora, 2000.

Fonte:
Academia Brasileira de Letras