quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Vereda da Poesia = 134=


Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR

A lata
não late
nem o chocolate
mas o vira-lata,
como late!
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

É nos momentos tristonhos
que eu peço à minha lembrança
que traga de volta os sonhos,
no aconchego da esperança…
= = = = = = 

Poema de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Bailarininha

Ela ajeita as sapatilhas pequeninas...
Tão menina, já se enfeita de poesia
Diferente das adultas bailarinas,
Seu bailado é só pura fantasia.

Ela ajeita o tchutchu... tão bonitinha,
Que gracinha é o coque que ela tem
Pinta o rosto, a maquiagem é levinha
Como voo de cada sonho que lhe vem.

Quando, um dia, os padedês forem sem par,
A mulher que há nos seus olhos de menina,
Vai sorrir e o seu amor há de dançar
Nos tablados de uma outra bailarina.

Quem um dia registrou cada momento
Que enfeita a emoção de um camarim,
Há de olhar com alegria e sentimento
Os momentos dessa bela atriz mirim.

O balé há de ficar num tempo ausente,
Mas os sonhos do anjinho que o dançou,
Vão bailar num novo palco do presente
E embalar-se num passado que ficou

Ela, então, há de sonhar com outras danças
E a criança que ela é, há de ficar
No silêncio mais sublime das crianças
Que divertem-se brincando de sonhar.
= = = = = = 

Trova Premiada em Irati/PR, 2023
ALBANO BRACHT 
Toledo / PR

Nas jornadas inseguras
pelas trilhas da emoção,
notei que as pedras mais duras
se encontram no coração.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Brisa em tons de lavanda
 
O aroma de lavanda
Balança na varanda
Os sinos de vento -
Ah... Fugaz tempo...
Entre as reticências
= = = = = = 

Trova Popular

Aqui tens a minha mão
ajunta palma com palma  
domina o meu coração,    
toma posse de minha alma.
= = = = = = 

Soneto de
RAUL DE LEONI
Petrópolis/RJ, 1895-1926

Felicidade

Sombra do nosso Sonho ousado e vão!
De infinitas imagens irradias
E, na dança da tua projeção,
Quanto mais cresces, mais te distancias...

A Alma te vê à luz da posição
Em que fica entre as coisas e entre os dias:
És sombra e, refletindo-te, varias,
Como todas as sombras, pelo chão...

O Homem não te atingiu na vida instável
Porque te embaraçou na filigrana
De um ideal metafísico e divino;

E te busca na selva impraticável,
Ó Bela Adormecida da alma humana!
Trevo de quatro folhas do Destino!…
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Bem-te-vi que bem me vês, 
bem-visto sejas também, 
hoje e sempre e toda vez 
que bem me vires... Amém!
= = = = = = 

Soneto de
AUTA DE SOUZA
Macaíba/RN, 1876 – 1901, Natal/RN
 
Num Leque

Na gaze loura deste leque adeja
Não sei que aroma místico e encantado...
Doce morena! Abençoado seja
O doce aroma de teu leque amado

Quando o entreabres, a sorrir, na Igreja,
O templo inteiro fica embalsamado...
Até minh'alma carinhosa o beija,
Como a toalha de um altar sagrado.

E enquanto o aroma inebriante voa,
Unido aos hinos que, no coro, entoa
A voz de um órgão soluçando dores,

Só me parece que o choroso canto
Sobe da gaze de teu leque santo,
Cheio de luz e de perfume e flores!
= = = = = = 

Trova Humorística de
JOSÉ OUVERNEY
Pindamonhangaba/SP

“Nada de truque, safado,
que eu vi a vizinha à espreita!”
E ele, agora, interessado:
“a da esquerda...ou da direita ?”
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Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Se...

Se eu posso ser a chuva que umedece
O ressequido ânimo de um irmão,
Que, sem saber chorar, então padece
Com a sede de seu próprio coração...

Se eu posso ser a ponte que oferece
Uma oportunidade de, antemão,
Fazer que alguém perdido, logo acesse
O lado firme e bom da salvação...

Se de algum modo, enfim, posso ser útil,
Mas fico empedernido em vida fútil,
Tal qual um fruto torpe do hedonismo...

E se jamais eu rumo para o norte
Da virtude e não largo o meu cinismo...
O que minh´alma aguarda após a morte?
= = = = = = 

Trova de
CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

Avisto do alto da serra
a pujança do sertão
e sinto orgulho da terra
que mora em meu coração!
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Poema de
PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR, 1944 – 1989

a uma carta pluma
só se responde
com alguma resposta nenhuma
algo assim como se a onda
não acabasse em espuma
assim algo como se amar
fosse mais do que a bruma

uma coisa assim complexa
como se um dia de chuva
fosse uma sombrinha aberta
como se, aí, como se,
de quantos se
se faz essa história
que se chama eu e você
= = = = = = 

Trova Funerária Cigana

Meu filho, nada te fiz...
Por me faltar a ventura,
foste pedir agasalho
na terra da sepultura.
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Poemeto de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Nas folhas do tempo
ouço o som do vento.
Às vezes lamento,
outras, só fragmento.

As folhas farfalham,
no vento gargalham.
Pedaços se espalham
no tempo, embaralham.

As folhas se agitam
no tempo, levitam
os restos, hesitam.
Os ventos, excitam.
= = = = = = 

Trova de 
HERMOCLYDES S. FRANCO
Niterói/RJ, 1929 – 2012, Rio de Janeiro/RJ

A tempestade aparente
do teu gênio, por magia,
transformou-se de repente,
ao meu beijo, em calmaria!
= = = = = = 

Poema de 
VITOR OLIVEIRA JORGE
Porto/Portugal

Superfície 

Às vezes o mar enruga-se como uma cortina horizontal.
Até ao infinito.
Como um cântico dos defuntos
Que sob ele jazem, e que voltam com as suas rugas
À superfície, clamando redenção.

 Mas como os defuntos estão reduzidos a fragmentos,
Só se vêem à superfície pequenos pedaços do que foi
O passado de cada pessoa, a história de cada biografia.
São ecos longínquos, que vêm de outro universo,
E entre os quais vamos avançando numa praia baixa,
Afastando cortinas, descortinando sussurros,
Vendo por vezes rostos mortos mais belos
Do que quando eram em vida.

 Passeamos por este mar em pregas.
Como se atravessássemos a saia do mundo
Em busca do que sempre a saia esconde, e mostra,
O seu umbigo cheio de algas, o seu odor.

 E nestas experiências empíricas nos perdemos,
Caminhando, caminhando, enquanto os defuntos cantam,
E o mar ondula como uma cortina, como uma toalha
Nunca lisa, enrugada sobre o passado, num sentimento
De que nada está jamais pronto, reencontrado, completo,
E apenas nos ficam imagens e sons, o coração trespassado
Por cruzes, as mãos incapazes de alisar tudo.
= = = = = = 

Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

Pergunta o "maitre", polido:
(no prato a vespa... tostada!)
- E qual foi o seu pedido?
- O prato da vez passada!
= = = = = = 

Soneto do
Príncipe dos Poetas Piracicabanos
LINO VITTI
Piracicaba/SP, 1920 – 2016

Flor sem nome

É uma flor, nada mais que uma flor que se abre
da carícia solar à glória luminosa.
Rubra, sangrando em luz, balançando radiosa
- coraçãozinho triste espetado num sabre.

À noite, na penumbra, em susto se entreabre
para do orvalho ter lágrima silenciosa.
E quando o dia vem, vestido de cinabre,
entrega-lhe, a sorrir, a essência vaporosa.

Flor humilde do campo, orfãozinha ajoelhada,
de mãos postas em prece , à beira dos caminhos,
vestidinho vermelho a esmolar, a esmolar...

Ela pede somente, escondida e enjeitada,
o afago de quem passa, um pouco de carinho,
o beijo imaculado e longo do luar.
= = = = = = 

Poetrix de
ROQUE ALOISIO WESCHENFELDER
Santa Rosa/RS

Tremômetro

Treme de medo a alma,
De saudade, o coração.
O tremômetro mede a calma.
= = = = = = 

Poema de
DINAIR LEITE
Paranavaí/PR

Espectro

Uivo tristonho do vento
mexe a Saia de névoas em ondas
virgínio claror e sombras
sonho chorado em lamento.

Farfalho suave na noite
enfeite a vigília e temor
aos destemidos amantes, candor.
Vento em carícia e açoite.

Namorado ardente, à amada
desvela desejos, amores
madrugada em primeiros alvores
vidra sítio, amantes, estrada.

O vento sibila ternura
unido ao amor de paixão.
Balouço de Rendas, ventura.

Enlevo aos três seres, fusão
eflúvios dos beijos roubados.
Névoa nutrida. Cumprida a missão.

Manhã surge, em brilhos prateados
que cobrem o lago e, no seio, acomoda
o perfume dos enamorados.

A superfície de prata se borda
abre fenda à Saia de renda
desvela o noivo que acorda
na espera de amor e lenda
visão das névoas que roda
as rendas dançantes - faz-se moda 
alimento que desce à senda.

No fundo, o noivo no aguardo
da paixão em murmúrio soprado
no sonho invivido, sustado.
Amor proibido...petardo
outrora bordado na vida...

Estilhaços nas águas do lago
lavando as mágoas e o mago
sonhado. A vida explodida.

Tormento refreado, aziago
banhado nas águas sutis
arredondado em conta, bago.

Margaridas perfumadas de anis
acolhidas, do lago, a partir
o licor, ficar gris.

Flores jovens em voo radical
mergulham na água o porvir
abraçadas escolheram dormir
repousar o fardo em tumbal.

No lago caíram a espargir
o amor proibido em ritual
jamais encontradas a emergir.

Nem procuradas afinal
puderam o fardo abrir
escorjar, no amor sepulcral.
Morada recebe o delírio 
e transcende o amor sonial.
= = = = = = 

Trova de
AMÉRICO DEGL’IEPOSTI
Santos/SP

Vivendo a terceira idade,
pisando as folhas do outono,
eu bendigo esta saudade
que à noite me embala o sono.
= = = = = = 

Poema de
ESTRELA RUIZ LEMINSKI
Curitiba/PR

“Fazer o quê”

Fazer o quê se sou assim
Se em cada coisa que eu toco
fica o jasmim

Fazer o quê se estou aqui
metade em você
metade em mim

Você está em tudo o que eu gosto
O que quer quando me olho?
Se em tudo que eu pulso
você vibra
Se em tudo que é certo
está teu projeto

com 3 letras teu nome
Meu sobrenome incompleto
Agora não quero
menos que tudo
E um pouco mais
não acerto
= = = = = = 

Trova da
Princesa dos Trovadores
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Ante os dilemas da vida,
embora ilusões destrua,
à mentira bem vestida,
prefiro a verdade nua!
= = = = = = 

Hino de 
Juazeiro do Norte/CE

Ressurgida da fé e da bonança
Cidade varonil querida e forte!
Grande povo, tradição e esperança
Salve! Excelsa Juazeiro do Norte
Tempos idos dominava o "tabuleiro"
Onde um grande "Joaseiro" se ensombrava
Ao lado da Capelinha onde o Romeiro
De joelhos, bem contrito ali orava.

Salve! Hoje ó Cidade do Progresso
Aquela que mais cresce no Ceará
Juazeiro! Tu és parte do Universo
Teu sucesso na História ficará.

Um apóstolo do bem e da verdade
Veio dar sua vida em oblação!
No Nordeste construiu uma cidade
O imortal Padre Cícero Romão!
Pela paz, pelo Cristo e pela fé,
Juazeiro cresceu e se fez forte
De bravura e independência pois de pé,
De trabalho e tradição encheu o Norte.
= = = = = = 

Trova de 
GERALDO PIMENTA DE MORAES
São Sebastião do Paraíso/MG (1913 - ????)

A saudade mais aflita
que o nosso coração sente
é essa saudade esquisita
que a gente sente da gente.
= = = = = = 

Poema de 
CRIS ANVAGO
Lisboa/ Portugal

Tudo é importante?
Não!

Só é importante o que eu quero que seja!
Os teus lábios cor de cereja
O teu sorriso que abraça o meu
O teu corpo mel
E, o meu corpo, extensão do teu…

O teu olhar que me encanta
No rio ou no mar sempre me espanta
A maneira do sorriso do teu olhar

Quando me canso do dia
volto para ti,
tudo é harmonia.
Foram minutos que perdi
que são preciosos todos os dias

Nas madrugadas despertas
Nas horas tão incertas
O sol sempre nasce
mesmo que não apareça

Tu sentes o calor do abraço
Não existe espaço entre nós
O coração bate no mesmo compasso
No mundo que é só nosso!
= = = = = = 

Trova de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Abro a porta do passado
e vejo em pleno apogeu,
um rosto alegre, animado,
teimando que o rosto é o meu.
= = = = = = 

Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O burro e o cavalo

Indo um burro e um cavalo de jornada,
Levava o burro carga tão pesada,
Que disse ao companheiro: «Meu amigo,
Tão grande peso levo, que te digo
Que se não tomas parte e me alivias,
Chegado está o termo dos meus dias.»

O cavalo zombou, e o burro larga,
Estendido no chão, já morto, a carga.
Tratou o dono logo de esfolá-lo;
E não só pôs em cima do cavalo
A carga, mas a pele do esfolado.

«Ah, mísero! dizia o carregado,
Eu tomei o levar parte em desprezo,
E agora levo tudo e contrapeso!»

Figueiredo Pimentel (A princesa adivinha)

Luísa era uma princesa, que tinha tudo quanto pode haver de mais formoso. Quem a via, ficava logo perdido de amores.

Pretendentes sem conta, todos os reis da terra, apareceram, pedindo-a em casamento. Luísa recusou-os, declarando que só se casaria com o homem, fosse quem fosse, capaz de fazer uma adivinhação que ela não conseguisse decifrar.

Sabendo disso, um rapaz, conhecido como Zé Tolinho, quis ver se obtinha aquele impossível. Filho de um viúvo que se casara em segundas núpcias, a madrasta maltratava-o. Era um desgraçado, e tanto lhe fazia viver como morrer. 

Saiu de casa, em companhia de uma cachorra chamada Pita, levando um pedaço de pão, que a madrasta lhe dera.

Ia reparando em tudo quanto via pelo caminho.

Sentindo fome, estava para trincar o pão, quando se lembrou que a madrasta podia tê-lo envenenado.

Para experimentar deu-o à cadelinha, que caiu morta no mesmo instante. 

Estava a enterrar o pobre animalzinho, e ia pô-lo no buraco que cavara, mas não teve tempo: uma nuvem de urubus desceu, e alguns, mais ousados, devoraram-na de pronto. Sete mais esfomeados, morreram.

Tolinho caminhou adiante, levando os urubus mortos.

Chegando a uma casa que havia à beira da estrada, três bandidos tomaram-lhe à força os urubus. Havia muitos dias que se achavam foragidos da polícia, e morriam de fome. Atiraram-se aos urubus, julgando que eram galinhas, e morreram envenenados. 

Vendo-os mortos, Tolinho escolheu a melhor espingarda, e prosseguiu na jornada.

Um pouco mais longe avistou um macaco trepado sobre uma árvore. Apontou a espingarda, fez fogo, mas errou o tiro, indo porém matar uma pomba-rola que não vira.

Depenou-a, assou-a, fazendo fogo com a madeira conhecida como santa-cruz, e comeu-a. Sentia sede, e não tendo água, aparou o suor que lhe escorria do rosto, e bebeu-o.

Terminado o frugal jantar, marchou pelo caminho em fora, encontrando um cavalo morto, levado pela correnteza do rio, enquanto os urubus o comiam.

Meia légua mais além, reparou que um burro escavava o chão, até encontrar uma panela com dinheiro, ali enterrada. Apanhou o dinheiro, montou no animal e chegou ao palácio.

Quando Luísa soube que um novo pretendente se apresentava, marcou a hora para a audiência.

No salão principal do régio paço, perante a corte, na presença dos maiores sábios, e mais ilustres literatos, Tolinho compareceu, e propôs o enigma:

Eu saí com massa e Pita:
A massa matou a Pita;
E Pita matou a sete,
Que também a três mataram.
Das três a melhor colhi,
E atirando no que vi,
Fui matar o que não vi...
Foi com a madeira santa,
Que cozinhei e comi;
Bebi água, não do céu;
Um morto vivos levava;
E o que os homens não sabiam,
Sabia um simples jumento...
Decifre, pra seu tormento...

Em vão Luísa tentou adivinhar o enigma.

Não o conseguindo, cumpriu a sua palavra, desposando Tolinho.

Fonte: Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896. Disponível em Domínio Público.

Recordando Velhas Canções (Incelença do Amor Retirante)


Compositor: Elomar Figueira Melo 

Vem amiga visitar
A terra, o lugar
Que você abandonou
Inda ouço murmurar
Nunca vou te deixar
Por Deus Nosso Senhor
Pena cumpanheira agora
Que você foi embora

Na vida fulorô
Ouço em toda noite escura
Como eu a tua procura
Um grilo a cantar
Lá no fundo do terreiro
Um grilo violeiro
Inhambado a procurar
Mas já pela madrugada
Ouço o canto da amada
Do grilo cantador
Geme os rebanhos na aurora
Mugindo cadê a senhora
Que nunca mais voltou

Faz um ano em janeiro
Que aqui pousou um tropeiro
O cujo prometeu
De na derradeira lua
Trazer notícia tua
Se vive ou se morreu
Derna aquela madrugada
Tenho os olhos na istrada
E a tropa não voltou
Ao sinhô peço clemença
Num canto de incelença
Do amor que ritirou

A Dor do Amor Perdido em 'Incelença Pro Amor Retirante'
A música 'Incelença Pro Amor Retirante' de Elomar Figueira Melo é uma obra poética que retrata a dor e a saudade de um amor que se foi. A letra é rica em imagens e metáforas que evocam a solidão e a espera interminável por notícias da pessoa amada. Desde o início, o eu lírico convida a amiga a visitar o lugar que ela abandonou, revelando um sentimento de abandono e perda. A promessa de nunca deixar o outro, feita em nome de Deus, contrasta com a realidade da separação, intensificando a dor sentida pelo eu lírico.

A presença de elementos da natureza, como o grilo cantador e os rebanhos que gemem na aurora, serve para ilustrar a solidão e a busca incessante pelo amor perdido. O grilo, que canta na escuridão, simboliza a esperança e a procura constante, enquanto os rebanhos mugindo representam a ausência e a saudade. A música também faz referência a um tropeiro que prometeu trazer notícias da amada, mas que nunca voltou, aumentando a sensação de desespero e incerteza sobre o destino do amor.

Elomar, conhecido por sua habilidade em mesclar elementos da cultura sertaneja com uma linguagem poética sofisticada, utiliza a 'incelença' – um canto fúnebre tradicional do sertão – para expressar a dor do amor retirante. A música é uma lamentação profunda, um pedido de clemência ao Senhor pela ausência da amada. A 'incelença' finaliza a canção, reforçando o tom de tristeza e resignação diante da perda irreparável. A obra de Elomar é um testemunho da riqueza cultural do sertão brasileiro e da universalidade dos sentimentos humanos.
Fonte: https://www.letras.mus.br/elomar/376570/ 

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 27

 

Renato Frata (Valor da amizade)

Pedi uma bicicleta ao Papai Noel e ele me deixou no abandono.

Vilipendiou-me a crença da infância ao descobrir, entre soluços, que ele não existia. Mais que isso; descobri que os meus pais usaram o dinheiro da compra para pagarem o aluguel atrasado. O porquê disso, confesso, nunca vou compreender. Ou aceitar.

O aprendizado doeu mais que surra injusta, o que fez com que Papai Noel morresse no meu coração da pior maneira naqueles meus oito anos.

Ficou sendo um ser que jamais devia ter nascido. Ou sido inventado.

Não existe dor maior que a de decepção.

Enquanto eu chorava maldizendo o papelão deles por terem me deixado acreditar que ganharia a bicicleta, meu amigo Marco chegou com sua novinha, para brincarmos.

Ele confiava que eu ganharia uma e, ao saber da história do dinheiro, chorou com meus soluços um choro irmanado de amigos, com a mesma dor e cor de sentimento.

Um choro partilhado na proporção da alegria quando ríamos.

O Marco, que havia pedido ao Papai Noel só um pião de corda com música das naves espaciais do Flash Gordon, ganhara, além dele, também a bicicleta.

Era igualzinha a que eu escolhera, de pneus largos e na cor verde. Monark! Supimpa!

- Se o Papai Noel não existe - indagou encabulado por que não disseram a verdade antes do Natal? Mas — complementou - liga não, a minha dará para nós dois. Veja, ela é grande e tem garupa... Um pouco eu guio, outro pouco você...

- Mas a sua é sua, não é minha - resmunguei na extrema desilusão. - Eu queria uma que fosse minha! Uma que pudesse lavar e enxugar. Encher seus pneus...

- Então vamos fazer assim - retrucou; - Dou a você metade dela e ficamos com partes iguais. Pode escolher, a parte do guidão ou a do selim? Só que minha mãe não pode saber, trato feito?

Olhei para seus olhos azuis molhados de sinceras lágrimas. Abracei-o agradecido sabendo que a bicicleta continuaria dele por inteira, mas, no momento em que mil hienas dilaceravam meu coração de menino, que solução haveria?

O Papai Noel que fosse para o diabo e que lá ficasse na quentura do inferno!

Montamos e saímos pelas ruas a gozar a alegria que a bicicleta oferece e voltei a rir, é claro.

Quem não ri sobre uma bicicleta e do prazer de cortar o vento com a cara?

No fundo, porém, lá no oco da alma, o amargo sabor da mentira continuou a latejar, porque não há doce capaz de amenizá-la.

Sempre haverá, por mais que passem os anos, aquele rastro áspero da decepção.

Talvez o gesto de desprendimento do Marco com a oferta da metade do brinquedo frente à situação de gravidade íntima-financeira que estava a conhecer, terá sido a prova de que uma amizade não tem preço.

Nem mil bicicletas pagariam o que ele fez por espontaneidade, o que me dá a certeza de que não há verdade maior que a amizade, na inteireza que o termo encerra.

Fonte: Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor