segunda-feira, 9 de junho de 2008

Leny Magalhães Mrech (A Criança e o Computador : Novas Formas de Pensar)

1. INTRODUÇÃO

Em todos os países, independentemente do seu grau de desenvolvimento, a Informática tem sido um dos campos que mais tem crescido atualmente. Este processo tem atingido sobretudo as áreas de Educação e Lazer. Em decorrência, constata-se que, no mundo todo, o computador tem entrado cada vez mais cedo na vida das crianças. Tornando-se, então, estratégico saber de que maneira ele pode determinar os novos rumos da construção do pensamento das crianças.

É interessante perceber que tem havido poucas pesquisas no estudo da interação entre as estruturas sócioeconômicas, as estruturas de pensamento da criança e o uso do computador. Na grande maioria das vezes elas se apresentam direcionadas apenas para um dos lados ou, no máximo, visando a interação entre dois aspectos. O que tem faltado é exatamente uma concepção dinâmica que estabeleça uma leitura múltipla direcionada para uma interação entre aqueles referenciais básicos. É o que este artigo se propõe a fazer identificando as relações dinâmicas entre as estruturas sociais, as estruturas do pensamento da criança e o uso dos computadores.

2. OS COMPUTADORES: UM NOVO PRODUTO E UMA NOVA FACE DA CULTURA

Tradicionalmente os computadores têm sido pensados apenas como meros instrumentos de transmissão rápida de informações. No entanto, sua capacidade efetiva ultrapassa bastante este plano redutor.

Os computadores são um novo tipo de produto social. Eles são chamados "produtos inteligentes" ; isto é, produtos com possibilidade de desencadear alterações nas relações entre as pessoas. Portanto, o que os caracteriza basicamente é que eles não são meros produtos para um consumo imediato, trazem acoplado novos rumos para aqueles que os utilizam.

" Estas máquinas inteligentes já estão começando a ser usadas para tudo, desde calcular os impostos da família e monitorar o uso de energia em casa, jogando jogos, conservando um arquivo de petiscos, lembrando seus donos de próximos compromissos e servindo como “datilógrafas espertas”. Isto, entretanto, oferece apenas um minúsculo vislumbre de seu potencial completo. (...) Viver num ambiente assim levanta questões filosóficas de arrepiar. As máquinas assumirão o controle? Poderão máquinas inteligentes, especialmente se entrelaçadas em redes de intercomunicação, ultrapassar a nossa habilidade de compreendê-las e controlá-las? (...) Até que ponto nos tornaremos dependentes do computador e do cartão? Na medida em que bombearmos mais e mais inteligência no ambiente material, atrofiar-se-ão as nossas próprias mentes?”

Há, geralmente, uma postura inicial que acompanha a todos aqueles que se iniciam na utilização de computadores : uma maneira preconceituosa de concebê-los. Primeiramente, os usuários partem da crença de que eles são máquinas que não pensam. Na verdade, eles são produtos de ponta de uma tecnologia inteligente, isto é, uma tecnologia que se desenvolve e se estrutura a partir de componentes oriundos da decodificação de processos cerebrais. São máquinas semânticas, utilizando formas de linguagem bastante sofisticadas, tais como : imagens, códigos de linguagem, processadores de texto e cálculo, etc.

Em segundo lugar, os computadores costumam ser vistos como máquinas frias que não possibilitam o contato humano. Contudo, este processo tem mudado rapidamente através das redes de computação. O que possibilitou a emergência de novas maneiras de conceber as relações sociais. Surgiram as chamadas relações virtuais. Elas são estabelecidas através dos microcomputadores conectados em rede. Em decorrência, seja através dos grandes bancos de dados, das trocas de mensagens por correio eletrônico ou dos chats (conversas online em pares ou grupos); o que acaba por se estruturar são novas formas de interação, onde as distâncias e o tempo se encurtam nos processos de comunicação entre as pessoas.

" (Invadir) o cotidiano com a tecnologia eletrônica de massa e individual, visando à sua saturação com informações, diversões e serviços. Na Era da Informática, que é o tratamento computadorizado do conhecimento e da informação, lidamos mais com signos do que com coisas. Preferimos a imagem ao objeto, a cópia ao original, o simulacro (a reprodução técnica) ao real. PORQUE DESDE A PERSPECTIVA RENASCENTISTA ATÉ A TELEVISÃO, QUE PEGA O FATO AO VIVO, A CULTURA OCIDENTAL FOI UMA CORRIDA EM BUSCA DO SIMULACRO. SIMULAR POR IMAGENS COMO NA TV, QUE DÁ O MUNDO ACONTECENDO, SIGNIFICA APAGAR A DIFERENÇA ENTRE REAL E IMAGINÁRIO, SER E APARÊNCIA. Mas o simulacro, tal qual a fotografia a cores, embeleza, intensifica o real. Ele fabrica um hiper-real, espetacular, um real mais real e mais interessante que a própria realidade. O hiper-real simulado nos fascina porque é o real intensificado na cor, na forma, no tamanho, nas suas propriedades. (...) ELES NÃO NOS INFORMAM SOBRE O MUNDO; ELES O REFAZEM À SUA MANEIRA, HIPER-REALIZAM O MUNDO , TRANSFORMANDO-O NUM ESPETÁCULO." (GRIFO NOSSO)

Quando o aluno se volta para a sociedade atual, através da Informática, não está apenas frente a um novo instrumento de consumo ou brinquedo. O computador estrutura um novo recorte da realidade. Um recorte que possibilita ao usuário recriar uma parte da realidade. Este fato nunca antes tinha acontecido nas dimensõe atuais. O real ficava sempre como o último recurso da certeza do sujeito. Era no real que estava a concretude do pensamento. Era nele que o professor teria que se basear para estruturar o seu processo de ensino-aprendizagem. No momento atual, assinala Jair Ferreira dos Santos " (que) os filósofos estão chamando de desreferencialização do real e dessubstancialização do sujeito, ou seja, o referente (a realidade) se degrada em fantasmagoria e o sujeito (o indivíduo) perde a substância interior, sente-se vazio."

Com o processo de desreferencialização do real e dessubstancialização do sujeito como é que fica o processo de formação dos alunos? De que maneira o professor deverá agir para lidar com os alunos a partir desta nova realidade?

" Não é o saber ou o saber fazer o fulcro da ação educativa: é a criança, o adolescente, que devem ser preparados para viverem com os seus semelhantes, para dialogarem com eles, para participarem em sociedades gradualmente mais tirânicas, sem por isso deixarem de ser eles mesmos, sem serem dominados, avassalados por máquinas e burocracia de qualquer tipo".

Pode-se dizer que os computadores não são apenas os produtos mais comuns da nossa época. Eles são a metáfora do nosso tempo. Eles trazem em seu bojo as possíveis transformações que a sociedade do futuro terá. Uma sociedade que exige que os sujeitos sejam preparados para viver em realidades cada vez mais redefinidas e recortadas, onde o conceito de real e de realidade antigos não dão conta das indicações dos caminhos por onde ir. Os alunos precisam ser preparados para uma sociedade pós-moderna onde os parâmetros cognitivos serão continuamente redefinidos.

A questão básica passa a ser, em decorrência, o que a Educação pode fazer para auxiliar os alunos e professores neste processo. No passado partia-se do privilegiamento do plano da razão ou consciência.

3. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO COM BASE NO EIXO DA RAZÃO

Durante muitos séculos o grande marco norteador da história do pensamento humano foi o chamado modelo consciencialista, baseado no modelo filosófico. Foi através dele que o ser humano se pensou e tem se pensado para encontrar o rumo da sua sociedade e de si próprio.

Neste nível, pode-se dizer que a história do pensamento filosófico durante muitos séculos foi também a história do processo educacional. Ou seja, os grandes filósofos foram, ao mesmo tempo, os grandes pensadores e educadores da humanidade. Foram eles que ajudaram a construir o conhecimento e a inteligência universais. Eles que determinaram o que deveria ser visto e pensado.

A partir daí, a consciência passou a ser vista como sinônimo do próprio processo de conhecimento e de desenvolvimento da inteligência. Uma pessoa inteligente era acima de tudo uma pessoa consciente, e uma pessoa consciente era uma pessoa sábia.

A razão tornou-se o instrumento indispensável de autodeterminação do ser humano. A crença era que, através da razão, o homem encontraria a medida e os elos de ligação entre o social e o individual, entre o estático e o dinâmico, entre o particular e o universal. Isto acabou por levar à uma concepção onde a consciência e a inteligência eram vistas como faces da mesma moeda.

Entretanto, com o desenvolvimento das sociedades e das transformações tecnológicas tudo isto se altera. As produções gradativamente se tornaram mais sofisticadas intelectualmente.

Atualmente é possível comprar produtos mais elaborados do ponto de vista cultural: um texto denso de um escritor de vanguarda, um computador de última geração, uma música inovadora, um livro que aborde a última teoria de ciências, etc. O capitalismo criou um novo modelo de saber, onde a tecnologia assume uma dinâmica cada vez maior. As Artes e a Literatura também se densificaram e se estruturaram de outra forma. Os produtos atuais não usam apenas uma mídia como no passado, mas várias. Por exemplo, o músico Jean-Michel Jarre em seus trabalhos usa dos recursos multi-midia que incluem dança, parte cênica ( iluminação e o cenário), cinema e tv ( exibição de vídeos e filmes), ao mesmo tempo em que ele e o seus músicos tocam a sua última produção artística ( a música contemporânea - o jazz- fusion).

Em suma, o modelo capitalista de produção, distribuição e consumo instituiu novas formas de se pensar a cultura, a própria sociedade e o indivíduo. Em síntese, do ponto de vista da história do conhecimento humano, a ciência contemporânea trouxe uma mudança bastante radical em relação aos paradigmas de saber anteriores. A própria concepção de pensamento e inteligência humana foi alterada.

" As grandes teorias sociais construíram o seu paradigma sob a influência da crença no triunfo inexorável da razão e do progresso, numa história civilizatória da humanidade. As Ciências Sociais (às quais à Filosofia e à Educação estão estreitamente ligadas) tiveram, até agora como premissa que a vida social está condicionada por uma lógica, que vai da tradição à modernidade, da fé à razão, da reprodução à produção, da comunidade à sociedade (SADER,1988). Forjou-se, assim, um modelo geral de análise de caráter macroscópico, que privilegia a apreensão das regularidades sociais, a partir dos movimentos que gravitam no plano institucional e nas estruturas sociais. Contudo, todas essas teorias e suas premissas, que orientavam a pesquisa social, foram-se mostrando progressivamente insuficientes e incapazes de explicar os fenômenos sociais nas sociedades contemporâneas. Emergiram, com força crescente, novas dimensões da realidade que, até então, eram insuficientes, surpreendendo os cientistas sociais."

Quando se pensa nas estruturas de pensamento das crianças, as pesquisas se voltam para o desenvolvimento da inteligência. Isto quer dizer que aquilo que interessa aos psicólogos, professores, psicopedagogos e psicanalistas são as formas de pensar mais eficazes, aquelas que possibilitam o crescimento maior dos sujeitos. Porém, esta não é uma tarefa fácil de ser executada, porque a Psicologia e a Psicanálise constataram que os sujeitos não se direcionam apenas para o seu bem, mas também para a sua destruição. Isto quer dizer que, através da utilização da razão, os seres humanos ainda não conseguiram deter as fontes de sua própria destruição. Eles apenas conseguiram mapeá-las ligeiramente. É o que Freud designa como pulsão de morte, isto é, o que leva o sujeito a sempre escolher o pior, aquilo que leva à sua destruição.

Este aspecto torna-se um elemento fundamental nas discussões porque tem sido feita uma ligação muito grande entre as possilidades de mau uso dos computadores e a destruição dos sujeitos ou da humanidade.

Como se, através do mau uso dos computadores, emergisse uma dinâmica destrutiva não constatada anteriormente. No entanto, a questão não é bem esta. Na história da humanidade sempre houve guerras e os seres humanos continuamente se destruiram. Nos dois últimos séculos chegamos a duas guerras mundiais. Mas por que isto acontece? As razões para os processos destrutivos nos seres humanos não se encontram nos computadores, mas nos próprios sujeitos e nos seus processos culturais. Além disso, do ponto de vista dos computadores, acredito que haja aqui um enorme descompasso. Normalmente os sujeitos lidam com eles como se fossem objetos produzidos da mesma forma que os demais produtos da cultura. Mas será que isto é verdadeiro?

Em primeiro lugar, os computadores fazem parte de uma linhagem nova de produtos: aqueles que são a concretização de formas de pensamento concebidas através da linguagem. Este processo começou a ser identificado com mais clareza a partir do século passado com a emergência da Linguística e da Antropologia. A linguagem remete-nos à uma instância que é fundamentalmente de orientação social. Ela seria o elemento maior de ligação entre o social e o individual.

Um dos autores que mais estudou este processo foi Lev Vygotsky. Ele partia da perspectiva de que a linguagem é socialmente formada e que, aos poucos, a criança a incorpora atraves daquilo que vivencia na família.

Dessa forma, o processo de construção da realidade social é um dos principais fatores do processo de construção da inteligência humana. Há um vínculo estreito entre a estruturação das chamadas funções psíquicas superiores dos sujeitos e o processo de construção da linguagem e da fala.

" Essa nova abordagem para a psicologia fica explícita em três idéias centrais que podemos considerar como sendo os "pilares" básicos do pensamento de Vygotsky: *as funções psicológicas têm um suporte biológico pois são produtos da atividade cerebral; *o funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior,as quais desenvolvem-se num processo histórico; *a relação homem/mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos."

Tradicionalmente a construção da inteligência humana tem sido pensada apenas como se fosse um mero produto biológico decorrente da combinação de gens humanos ou um produto social. O modelo de Vygotsky incorpora estes dois aspectos, privilegiando tanto um corpo genéticamente construído quanto à sua vinculação com o social no desenvolvimento das potencialidades do sujeito. Consequentemente, a concepção torna-se dialética, onde a interação entre as variáveis biológicas e sociais é constantemente referida a um processo contínuo de mudança.

Não há apenas o cérebro genéticamente dado, mas um cérebro que, após o nascimento, se estrutura e transforma a partir de conteúdos oriundos do ambiente social do sujeito.

4. AS ONDAS SOCIAIS E O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA INTELIGÊNCIA HUMANA: AS INTERAÇÕES ENTRE O SOCIAL E O INDIVIDUAL

Os historiadores contemporâneos estudando a sociedade atual delineam três períodos na história da humanidade. No campo da Informática e Educação, uma das leituras mais divulgadas, neste sentido, tem sido aquela proposta pelo futurólogo Alvin Tofler. Seus trabalhos se iniciaram na década de 60.
O seu livro de maior impacto foi A Terceira Onda, lançado em 1983, onde é feito um relato das três “ondas” sucessivas de civilização humana. A metáfora da onda é usada para designar um fluir da sociedade que não vai em uma direção só, mas que apresenta fluxos e refluxos contínuos, tal como a água do mar, em seus aspectos superficiais e profundos de dinamização.

A primeira onda surgiu no início dos tempos e vigorou até finais do século XVII. A sociedade neste período se caracterizava por ser essencialmente agrícola. As pessoas viviam em bandos isolados, produzindo alimentos para o seu próprio consumo. Os antropólogos nomearam este tipo de civilização de sociedade primitiva.

A segunda onda surgiu após o século XVII e se caracterizou por apresentar um enorme desenvolvimento industrial. Houve a própria transformação das relações agrárias, através da produção de quantidades cada vez maiores de alimentos. Com isso, tornou-se possível a saída das pessoas do campo na direção das cidades. O que acabou por levar as indústrias a incorporarem cada vez mais mão de obra.

A sociedade da segunda onda introduziu uma nova forma de pensar e se relacionar, distinta daquela apresentada pelo modelo da primeira onda. Enquanto na primeira onda as pessoas eram tanto produtores quanto consumidores, na segunda onda tornou-se patente a emergência de um novo modelo social onde a produção e o consumo foram drásticamente dissociados. Ou seja, na segunda onda, as pessoas não produziam mais os seus produtos. Elas consumiam os produtos previamente preparados pelos produtores.

Um outro aspecto a ser assinalado, ao longo da segunda onda, é que a própria civilização tornou-se um produto de consumo. A própria cultura passou a ser industrializada. Houve a produção, distribuição e massificação das informações. A estrutura de pensamento passou a se direcionar para o consumo de maiores quantidades de informações, produtos,etc.

Atualmente, nos países de primeiro mundo, nós já chegamos à chamada terceira onda de civilização, onde os produtos passam a ser personalizados e direcionados para um consumo interativo entre os sujeitos.

5. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA INTELIGÊNCIA HUMANA: OS DIVERSOS EM CONFRONTO

Normalmente quando as pessoas analisam as sociedades, elas o fazem através de uma leitura redutora do social, como se este fosse apenas o delineamento de uma tendência. O modelo tradicionalmente predominante é aquele onde o social é apreendido como se fosse uma totalidade. Na realidade, o modelo de Toffler revela que a sociedade é uma realidade multifacetada, em constante processo de transformação, a partir de um entrejogo de várias tendências e perspectivas estruturantes.

Para começar, muitas das mudanças da atualidade não são independentes umas das outras. Nem são fortuitas. (...) Enquanto as considerarmos mudanças isoladas e nos escapar esta significação maior, não poderemos idear uma resposta coerente e eficaz para elas. Como indivíduos, nossas decisões pessoais ficam sem objetivo ou autoneutralizadas. Como governos, caminhamos aos trancos de crises para programas de emergência, entrando pelo futuro adentro sem plano, sem esperança e sem visão.”

Neste sentido, cumpre assinalar que, da mesma forma que o social é reduzido à uma única vertente, o processo educacional também. Com isso, a realidade educacional perde seu entrejogo do diverso, diluindo-se em captações imaginárias semelhantes. Ou seja, apreende-se as semelhanças entre as várias instituições escolares a partir de seus contextos sociais e exclui-se tudo aquilo que aparece de diferente nelas. A proposta de Alvin Toffler resgata este encaminhamento multifacetado e interativo entre o social e o educacional. Ela captura tanto o aspecto macrossocial quanto microssocial. O social e o sujeito. As instituições e o grupo. Em suma, ela incorpora tanto o processo social mais abrangente, o microssocial e a própria interação entre eles, em uma construção com múltiplas formas e vários caminhos possíveis. Como conseqüência imediata, o próprio processo de construção da inteligência da criança é apreendido de maneira mais complexa. Não sendo reduzido à uma vertente social e educacional única, mas capturado em um entrejogo de possibilidades, que fogem muitas vezes da própria percepção mais direta do aluno, do professor e de especialistas.

Um dos aspectos principais das colocações de Alvin Toffler diz respeito a convivência, ao mesmo tempo, dos determinantes das três ondas civilizatórias. Eles sobrevivem no mundo todo e em cada país. Quando os partidários de uma das tendências se encontra com os demais, há a emergência de situações de brigas e confronto de idéias.

" Personalizo às vezes a própria civilização, argumentando que a civilização da Primeira Onda ou da Segunda Onda “fez” isto ou aquilo. Naturalmente, eu sei, e os leitores sabem, que as civilizações não fazem nada; as pessoas é que o fazem. Mas, atribuindo isto ou aquilo, de vez em quando, a uma civilização , poupa-se tempo e fôlego. (...) A Terceira Onda descreve a civilização de uma “tecnosfera”, uma “sociosfera”, uma “infosfera” e “poderesfera”; depois dispõe-se a mostrar como cada uma destas está sofrendo mudança revolucionária no mundo atual; tenta mostrar as relações destas partes de uma com a outra, bem como com a “biosfera” e a “psicosfera” - esta estrutura de relações psicológicas e pessoais através da qual mudanças ocorridas no mundo exterior afetam as nossas vidas mais íntimas”.

Os sociólogos, antropólogos e psicólogos têm percebido gradativamente a importância de uma concepção que privilegia a chamada superestrutura. É através dela onde se jogam os rumos da construção do pensamento dos sujeitos. Toffler chama este processo, emergido a partir da segunda onda, de indust-realidade.

“ A Segunda Onda criou não só uma nova realidade para milhões, mas também um novo modo de pensar a realidade.

Chocando-se em mil pontos com os valores, os conceitos, os mitos e os costumes da sociedade agrícola, a Segunda Onda trouxe consigo uma redefinição de Deus ... de justiça ... de amor... de poder ... de beleza. Despertou novas idéias, atitudes e analogias. Subverteu e suplantou pressuposições antigas a respeito do tempo, do espaço , da matéria e da causalidade. Emergiu uma visão de um mundo poderoso, coerente, que não só explicava, mas também justificava a realidade da Segunda Onda. Esta visão da sociedade industrial do mundo não tem um nome. Poderia ser designada “indust-realidade”.

Um dos aspectos da “indus-realidade” é que ela traz em seu bojo uma forma bastante abrangente de compreensão do mundo.

“Cada um de nós cria em seu cérebro um modelo mental da realidade - um armazém de imagens. Algumas destas são visuais, outras auditivas, mesmo palpáveis. Algumas são apenas “ perceptos” - vestígios de informaçõe sobre o nosso meio, como um vislumbre do céu azul visto pelo rabo de um olho. Outras são “ligações” que definem relações, como as duas palavras “mãe” e “filho”. Algumas são simples, outras complexas e conceptuais, como a idéias de que a “inflação é causada pelo aumento dos salários”. Juntas, tais imagens formam a nossa imagem de mundo, localizando-nos no tempo, no espaço e na rede de relações pessoais em volta de nós.”

Durante a primeira onda os “perceptos” foram estabelecidos basicamente através das relações pessoais familiares ou grupais. Eram os parentes próximos, os mais velhos, as autoridades políticas e religiosas, etc ; que propiciavam ao sujeito as informações básicas e necessárias. Grande parte da humanidade, nesta época, jamais saiu do seu local de nascimento. Vivia-se com as informações que eram transmitidas através das gerações passadas.

Com a segunda onda tudo isso começa a mudar. A ampliação do mercado, devido à quantidade enorme de produtos produzidos pelas indústrias e pelo campo, levou à exploração de novos mercados. Os limites das aldeias, cidades e países foram ultrapassados. Os contatos comerciais se tornaram determinantes na busca de novos locais onde achar um mercado comprador ainda virgem.

“A segunda Onda multiplicou o número de canais de que o indivíduo tirava a imagem da realidade. A criança não mais recebia apenas imagens da natureza ou das pessoas, mas também as recebia dos jornais, das revistas de massa, do rádio e, mais tarde, da televisão.

Pela maior parte, a igreja, o estado, o lar e a escola continuaram a falar em uníssono, reforçando-se uns aos outros. (...) Certas imagens visuais, por exemplo, foram tão amplamente distribuídas em massa e foram implantadas em tantos milhões de memórias particulares que, com efeito, se transformaram em ícones. A imagem de Lenin, o queixo projetado para a frente em triunfo sob uma esvoaçante bandeira vermelha, assim se tornou tão icônica para milhões de pessoas como a imagem de Jesus Cristo na cruz. A imagem de Charlie Chaplin, com chapéu- coco e bengala, ou Hitler esbravejando em Nuremberg, a imagem de corpos empilhados em Buchenwald, de Churchill fazendo o sinal do V ou Roosevelt usando uma capa preta, de Marilyn Monroe com a saia levantada pelo vento, de centenas de estrelas de propaganda e milhares de diferentes produtos comerciais universalmente reconhecíveis - a barra do sabão Ivory nos Estados Unidos, o chocolate Morinaga no Japão, a garrafa de Perrier na França - todas figuras se tornaram peças padronizadas de um arquivo universal de imagens.

Estas fantasias produzidas centralmente, injetadas na “mente da massa” pelos meios de comunicação de massa, ajudaram a produzir a padronização do comportamento exigida pelo sistema de produção industrial.”

Ao longo da segunda onda emergiu um novo modelo social onde a moral, os costumes, as idéias foram pré-fabricadas. Este processo instituiu uma padronização das formas de pensar, através da chamada indústria cultural. Cada produto era simplificado ao máximo para poder ser consumido por todos. Isto acabou por criar uma cultura de aparência, onde as informações eram minimamente capturadas.

Na terceira onda tudo isto mudou. Com a criação da rede de computadores, e principalmente da Internet, não basta apenas o sujeito aprender a lidar com as informações mais gerais. É preciso aprofundá-las, decodificando-as em toda a sua complexidade. Isto porque agora o sujeito está sozinho frente ao processo de transmissão e produção/reprodução das informações. Cada vez mais elas tendem a crescer e apresentar um fluxo contínuo avassalador. O sujeito precisa saber lidar com as informações, selecionando-as , agrupando-as , reordenando-as.

“ O que na superfície parece ser uma série de eventos desconexos resulta ser uma onda de mudanças intimamente correlatas, rodando através do horizonte dos meios comunicação, dos jornais e rádio num extremo, às revistas e televisão no outro. Os meios de comunicação de massas estão sob ataque. Novos veículos de comunicação desmassificados estão proliferando, desafiando - e algumas vezes mesmo substituindo - os meios de comunicação em massa que foram dominantes em todas as sociedades da Segunda Onda.

A Terceira Onda começa assim uma verdadeira nova era: a idade dos veículos de comunicação desmassificados. Uma nova infosfera está emergindo juntamente com a nova tecnosfera. E esta terá um impacto de longo alcance nessa esfera, a mais importante de todas , a que está dentro dos nosso cérebros. Pois, tomandas em conjunto, estas mudanças revolucionarão a nossa imagem do mundo e a nossa habilidade para lhe encontrar sentido.”

O sujeito na terceira onda adquiriu um novo status no campo do conhecimento. De um mero recebedor de informações como na segunda onda, ele precisa tornar-se um produconsumidor, isto é, o que Alvin Toffler designa como um produtor/consumidor de informações. Não basta apenas ele consumir as informações, ele tem de criá-las também. Sob este aspecto pode-se dizer que a cultura na Terceira Onda acabou por se personalizar. Ela não é mais um produto de massa.

“ A desmassificação dos meios de comunicação de massa desmassifica igualmente as nossas mentes. Durante a era da Segunda Onda o martelar contínuo das imagens padronizadas expelidas pela propaganda criou o que os críticos chamaram uma “mentalidade de massa”. Hoje, em vez de massas de pessoas recebendo todas as mesmas mensagens, grupos desmassificados menores recebem e enviam grandes quantidades de suas próprias imagens de uns para os outros. Enquanto a sociedade inteira se desloca para a diversidade da Terceira Onda, os novos meios de comunicação refletem e aceleram o processo. (...) O consenso de despedaça. Num nível pessoal, são todos cercados e assaltados por fragmentos de fantasia, contraditória e desconexa, que abala as nossas velhas idéias e chega até nós sob a forma de blips quebrados ou desencarnados. Nós vivemos, de fato, numa “ cultura do blip”.

Com isto, há uma diferença básica entre a vivência dos sujeitos da Segunda Onda e da Terceira Onda: a criação de uma autonomia maior. O que leva os indivíduos presos aos valores da Segunda Onda a se sentirem ameaçados pelos valores e propostas da Terceira Onda.

“ As pessoas da Segunda Onda, ansiosas pela moral pronta para uso e as certezas ideológicas do passado, estão incomodadas e desorientadas pela blitz de informação. Sentem nostalgia dos programas de rádio da década de 30 ou dos filmes da década de 40. Sentem-se excluídos do ambiente dos novos meios de comunicação, não apenas porque muito do que ouvem é ameaçador ou perturbador, mas porque as próprias embalagens em que chega a informação são estranhas.”

Face à um novo mundo que cobra posições pessoais, o sujeito se sente muitas vezes, a partir de suas vivências anteriores, incapaz de dar uma resposta. São principalmente aqueles que aprenderam a pensar através de processos simplificados préviamente estabelecidos. Ao fazê-lo no circuito atual sentem-se impotentes, sem os parâmetros necessários de avaliação. Por outro lado, frente à geração passada, a geração atual criada dentro do contexto da Terceira Onda se vê com grandes vantagens..

“Em vez de recebermos longas e relacionadas “enfiadas” de idéias, organizadas e sintetizadas para nós, estamos cada vez mais a breves e modelares blips de informação - anúncios, pedidos, teorias, fiapos de notícias, fragmentos truncados que se recusam a encaixar-se perfeitamente nos nossos arquivos mentais preexistentes. As novas fantasias resistem à classificação, em parte porque freqüentemente caem fora das velhas categorias conceituais, mas também porque vêm em embalagens demasiado estranhas de forma, transitórias e desconexas. Assaltadas pelo que elas percebem como o tumulto da cultura blip, as pessoas da Segunda Onda sentem uma raiva reprimida contra os meios de comunicação.

As pessoas da Terceira Onda, ao contrário, estão mais à vontade no meio deste bombardeio de blips - a intersecção de recortes de notícias (devido) a um comercial de 30 segundos, um fragmento de canção e letra, um cabeçalho, um cartoon, uma montagem, um item de panfleto, um print-out de computador. Leitores insaciáveis de livros de bolso de ler e jogar fora e de revistas de interesse especial engolem enormes quantidades de informação em pequenos bocados. Mas também estão de olho naqueles novos conceitos ou metáforas que reúnem ou organizam blips em totalidades maiores. Em vez de tentarem atulhar com os novos dados modulares as categorias ou estruturas padronizadas da Segunda Onda, aprendem a fazer as suas, a formar as suas próprias “enfiadas” do material “blipado” disparado sobre eles pelos novos meios de propaganda. “

Em decorrência, são introduzidas formas diferentes de pensar a partir dos dois tipos de civilização : a Segunda e a Terceira Onda. Na Segunda Onda o aluno vai estar pedindo modelos prontos, enquanto que aqueles que vivenciaram os valores da Terceira Onda estarão pedindo mais liberdade para pensar individualmente.

Em vez de apenas recebermos o nosso modelo mental de realidade, nós agora somos impelidos a inventá-lo e continuamente a reinventá-lo. Isto coloca um enorme fardo sobre nós. Mas também conduz à maior individualidade, à desmassificação da personalidade, assim como da cultura. Alguns de nós rebetam sob a nova pressão ou se recolhem à apatia ou à raiva. Outros emergem como indivíduos bem formados, crescendo continuamente, competentes, capazes de operar, por assim dizer, num nível mais alto. ( Num ou noutro caso, quer a tensão se revele grande demais ou não, o resultado está muito longe dos robôs uniformes, padronizados, facilmente arregimentados, previstos por tantos sociólogos e escritores da ficção científica da era da Segunda Onda).

Acima de tudo isto, a desmassificação da civilização, que reflete e intensifica os meios de comunicação, traz com ela um enorme salto na quantidade de informação que todos trocaremos uns com os outros. E é este aumento que explica por que estamos nos tornando uma “sociedade de informação”. “

6. CONCLUSÃO: O NOVO PAPEL DA EDUCAÇÃO

O que isso tem a ver com as necessidades básicas do professor em seu processo de formação e posterior prática pedagógica? Acreditamos que a Terceira Onda introduza uma posição inédita na cultura humana: por um lado, o professor é um elemento altamente estratégico e, por outro, pode ser facilmente dispensável. No primeiro caso, ele pode auxiliar os alunos a aprender a selecionar melhor as suas alternativas e recursos de acesso à informação. Em segundo lugar, o professor precisará estar constantemente atualizado para não se tornar um elemento descartável.

Uma outra variável que não pode ser esquecida : tal como o professor o aluno precisará de reciclagens constantes. A diferença é que ele necessitará de um professor com um alto nível técnico de formação e informação.

Isto introduz uma alteração significativa no quadro de professores. A atualização de conhecimentos torna-se um processo estratégico. Alguns serão facilmente dispensáveis; aqueles não se atualizam. Para os demais, haverá sempre um novo campo de trabalho a ser tecido e estruturado, a partir da própria demanda dos alunos.

Em decorrência, pode-se dizer que a própria escola muda. Enquanto na Segunda Onda as informações básicas vinham através dela, na Terceira Onda os computadores parecem deter este lugar estratégico. A base de informações maiores não virá dos professores, mas dos próprios computadores que poderão ser acionados nos lares, nas bibliotecas ou na própria escola. O professor se tornará então um orientador de formas de estudo mais adaptadas às necessidades dos alunos. Assim, por exemplo, em vez de uma aula de história tradicional, um cd-room elaborado com os mais recentes recursos de multimídia propiciará ao aluno um contato mais aprofundado com a matéria. Ele poderá receber, além de um relato sobre os fatos mais importantes do evento histórico, outras informações complementares. Saber como se constituia a terra naquela época, como era o clima, o céu, a saúde dos sujeitos, etc. Ou seja, estamos saindo de uma história monocromática para uma hipercromática e de recursos de multimídia.

Cabe aos professores, se quiserem participar deste processo de transformação social, uma constante reciclagem. Para que eles não se tornem - como já ouvimos de muitos professores - o "lixo" descartável desta nova era. Um professor atualizado é aquele que tem olhos no futuro e a ação no presente, para não perder as possibilidades que o momento atual continuamente lhe apresenta. Porém, isto não é alguma coisa que o sistema educacional possa obrigar os professores a fazerem. A Informática é ainda uma opção, uma decisão do professor frente aos seus novos rumos de trabalho.

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

Fonte:
http://www.educacaoonline.pro.br/

O folclore negro na literatura norte-americana

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 28 de setembro de 1947
Neste texto foi mantida a grafia original

A idéia do negro assustadiço, patologicamente supersticioso, já deu varias vezes a volta ao mundo, nas asas da literatura. O cinema, onde raramente aparece um afro-americano que não faça palhaçadas, acaricie a "patinha de coelho" ou se espante com fantasmas, encarregou-se de recolher essa patranha.

No entanto, a brilhante tradição revolucionaria dos filhos de Cam - afirma o sr. Nestor R. Ortiz Oderigo, no interessante artigo sobre o folclore negro na literatura americana, que publicou na revista argentina Nosostros - deram ao mundo figuras admiraveis como as de Toussaint Louverture e Falucho, Maceo e Denmark Vessey, Nat Turner e Barcala, Ansina e John Brown.

Muitos historiadores se empenharam em afirmar que, durante a guerra civil norte-americana, os negros não lutaram nos exercitos do norte, ficando, apenas, a cuidar das casas, enquanto os senhores iam à frente de batalha. Sobram, porem, documentos comprobatorios do contrario.

As danças, a musica, a poesia e as narrações que, por tradição, correm de boca em boca, exerceram poderosa atração sobre a critica e o publico do mundo inteiro, notando-se na densa trama da literatura norte-americana diversos traços do folclore afroamericano.

Na Cabana do Pai Tomás, no capítulo intitulado "Uma noite na cabana de Pai Tomás", aparecem versos do cancioneiro de Alabama, do escritor Carl Cramer; os dramas de acerbo conteudo social, como Dont't You Want to be Free?, de Langston Hughes, por exemplo, em cujas paginas deslizam melancolicos blues, estão todos saturados de criações de arte negras.

Referindo-se aos escritores jovens, principalmente os regionalistas e nativistas, diz Ortiz Oderigo que se nota neles a salutar tendencia de dar aos negros o lugar que merecem. A maioria dos que se dedicam a esses generos conhece perfeitamente o material de que se serve.

Entre os primeiros escritores que trataram do assunto, está Dorothy Scarborough, que publicou, há dois decenios, a novela In the Land of Cotton, que tem como cenario as plantações de algodão do Estado de Texas. A autora, que conhece a fundo as canções de trabalho dos negros humildes, pois as estudou com carinho em suas numerosas viagens, teceu com elas, em seu livro, uma trama vivida, que se entrelaça ao enredo, dando à sua obra um carater de indiscutivel conteudo humano.

Ao grupo de escritores provenientes da Carolina do Sul pertencia o novelista e dramaturgo DuBose Heyward, falecido em 1940, cujos livros refletem a vida dos negros "gullah""(termo derivado de Angola, segundo o etnologo A. E. González) em seu "ghetto" da cidade de Charleston, denominado "Catfish Row". Porgy (1925) e Mamba's Daughters (1927), que constituiram extraordinario exito nos palcos de Nova York, se desenvolvem dessa moldura.

Pertence, também, ao grupo da Carolina do Sul, a novelista Julia Peterkin, dona da plantação Lang Syne, nesse Estado norte-americano. Seus livros refletem os velhos conceitos que sobre a raça negra tinham os senhores do sul. Não obstante, revelam rica fonte de ensinamentos sobre os curiosos rituais e tradições praticados pelos escravos e seus descendentes. A autora desenvolve com notavel desembaraço o tema folclorico. Em Black April (1927) descreve, com riqueza de material, as superstições do homem do campo, suas interpretações dos fenomenos fisicos, seus pressentimentos, distanciando-se da tecnica novelistica para aproximar-se do denso estudo do folclore. A sua obra mais importante, Scarlet Sister Mary, apareceu em 1928, sendo-lhe outorgado, pela sua realização, o premio "Pulitzer" de literatura desse ano.

Roark Bradford tambem se dedicou profundamente ao folclore em seus contos, novelas e obras teatrais. Embora pertença às ultimas gerações de escritores, encontra em seu ponto de vista de lastro dos autores sulistas do seculo passado, para os quais o negro constituia objeto decorativo. Sem chegar ao plano reacionario de Octavius Roy Cohen, Bradford adultera o material folclorico, deturpa-o, como os menestréis desvirtuavam as canções afro-americanas. Em This Side of Jordan, Bradford narrar a vida dos negros nos campos que o imenso Mississippi banha e fertiliza, rio que é, ao mesmo tempo, o Nilo e o Jordão dos homens de côr. Há, nesse livro, grande abundancia de "folk songs". Os "revival meetings" - os batismos nas calidas aguas do rio descoberto por De Soto - são descritos com grande riqueza de pormenores.

Em seu estudo, Ortiz Oderigo transcreve a seguinte canção, que aqui reproduzimos para os leitores brasileiros:
Não tenho dinheiro,
Não tenho blusa,
Não tenho "overalls",
Mas agradeço a Deus,
Porque possuo uns empoeirados,
Empoeirados, empoeirados sapatos!

Quanto às tendências do autor de This Side of Jordan, podemos ter delas uma idéia através dos versos por ele escolhidos, pois o livro não inclui nenhum dos cantos de protesto ante o trato dos brancos e as injustiças sofridas pela gente de côr. Pertence ao mesmo autor a serie de narrações intitulada Ol'man Adam an'his Chillun, concebidas sobre cenas do Antigo Testamento nas quais a inclusão de "Spirituals" se justifica plenamente.

O dramaturgo Marc Connelly inspirou-se nesses contos de Bradfort para conceber a sua farsa Green Pastures, muito popular nos Estados Unidos, e da qual se fez uma versão cinematografica. Nesse trabalho, os argumentos se misturam, de maneira indissoluvel, com o material e os cantos folcloricos, constituindo um todo sobremaneira homogeneo.

Zora Neale Hurston é o nome de outra cultura do folclore. O notável etnologo Franz Boas, da Universidade de Columbia, considera-na como a melhor entre os escritores que reconheceram em seus livros as tradições, os cantos, as danças e as superstições do afroamericano do campo. Prenhe de conteudo folclorico é a sua novela intitulada Jonah's Gourd Vine, em que narra a vida de um humilde negro de Alabama.

Embora em plano diferente do de Zora Neale Hurston, a escritora Edna Ferber tambem contribuiu para a divulgação do tema literario folclorico, utilizando em seu melodrama Show Boat, de maneira discreta, cantos dos remadores do Mississippi, derivados dos "cantos de remar" dos africanos.

Na parte final do seu artigo, Ortiz Oderigo refere-se ao interesse de Eugene O'Neill, o maior dramaturgo norte-americano, pelo tema negro folclorico, do qual se utilizou, pela primeira vez, em 1918, em sua peça The Moon of the aribees que trata dos afroantilhanos, iniciando com essa obra o seu "ciclo negro". Lançou, em seguida, Emperor Jones (1920), conhecida no Brasil, tambem, através da versão cinematografica de Paul Robeson. Dreamy Kid (1921) e All God's Chillun Got Wings encerram esse ciclo.

Dentre as figuras folcloricas da gente de côr dos Estados Unidos que entraram na novela, na narração, no palco, na poesia - diz Oderigo - a que despertou maior interesse entre os escritores foi John Henry, figura legendaria, recortada pela fantasia inesgotavel do povo, mas com inquestionavel fundo humano e real, personificada por um negro operario da construção do tunel Big Bend, em West Virginia. John Henry viveu há mais de meio seculo, sendo admirado pelos trabalhadores negros dos Estados Unidos pela sua capacidade de trabalho, pois "podia trabalhar por seis homens", e pela sua tragica morte, lamentadissima, ocorrida na defesa dos seus afazeres. Seu perfil, refletiu-se na poesia, na musica, no teatro e na novela folcloricos norte-americanos.

Terminando o seu estudo sobre o tema folclorico afro-americano, Ortiz Oderigo menciona diversos poetas raciais, entre os quais Langston Hughes, Sterling Brown, Alexander e James Weldon Johnson, e, entre os brancos que se dedicam à poesia negra, Carl Sandburg, DuBose Heyward Clemente Wood e E. L. Adams.

Fonte:
http://almanaque.folha.uol.com.br

Emir Macedo Nogueira (O homem que colecionava caixas de fosforos)

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 1º de fevereiro de 1953.

Neste texto foi mantida a grafia original


Cada louco com sua mania. Balduino, apesar de não ser louco —pelo contrario, era até um individuo bem lucido, perfeitamente normal— tambem tinha a sua mania: a mais prosaica, a mais inofensiva, talvez a mais tola das manias: colecionar caixas de fosforos. Bem conservadas ou não, de qualquer formato, de qualquer marca. Balduino nunca se vexou de apanhar uma caixa de fosforos na rua, mesmo que estivesse acompanhado por sua namorada (mais tarde sua esposa), por um amigo ou pelo patrão.

Para se compreender bem o que aconteceu com o Balduino, em consequencia de sua mania, não se pode esquecer que ele viveu a vida toda em uma cidadezinha pequena, dessas onde todo o mundo se conhece. Não é de estranhar, portanto, que todos soubessem de seu singular habito, a ponto de ninguem mais reparar nele. Para a Mariazinha, vizinha do Balduino e que o namorou durante nove anos, vindo depois a casar-se com ele, nem essa atenuante ficou: a de poder dizer aos tribunais que "ele era um sujeito muito bonzinho, equilibrado, um chefe de familia exemplar mas de repente pegou uma mania, uma verdadeira obsessão, que transformou a vida conjugal em um 'inferno'".

A verdade é que a Mariazinha sempre pareceu ser muita compreensiva e tolerante, em relação à mania do Balduino, pelo menos enquanto não o desposou. No longo tempo de namoro e noivado (este durou seis anos), ela até o ajudava a encontrar novas caixas de fosforo, não reprimia interjeições admirativas diante dos castelos que ele construia com esse modesto material e até mesmo o incentivava a juntar mais e mais.

Foi só casar, porem, e... Minto. Começou antes. Já a confecção do bolo do casamento provocara a primeira rusga seria entre os dois. Balduino insistia em que o bolo tivesse a forma de uma caixa de fosforo, meio aberta, com os palitos aparecendo. E no alto dela, duas figurinhas simbolizando o casal de noivos. Mariazinha fez pé firme e, numa demonstração de como agiria depois de casada, colocou o futuro marido num dilema: ou ela (a caixa de fosforos) ou eu. Acredito que em outras circunstancias Balduino não hesitaria: optaria pela sua caixa de fosforo, sem pensar duas vezes. Mas, fosse porque gostasse mesmo da Mariazinha, ou porque os convites já tivessem sido distribuidos, os doces prontos, a cerimonia religiosa encomendada - fosse porque fosse, enfim - decidiu ceder dessa vez. Mas com uma conclusão: a de que as alianças fossem levadas, por dois garotinhos, para o casamento na igreja, dentro de caixas de fosforos, artisticamente enfeitadas...

Dizem as más linguas que, no dia do casamento Mariazinha ficou mais de meia hora em frente ao padre, com a igreja cheia, os convidados impacientes, esperando o noivo, que lá ficara, na casa que tinha alugado para a nova vida, tentando arrumar um lugar "decente" para as suas caixas de fosforos. Pode ser que seja verdade, mas eu não garanto.

Enfim, com todos esses pequeninos contratempos, o casamento se realizou. Durante os primeiros meses, parece que tudo correu normalmente, porque, como eu já disse, Balduino era um bom sujeito, compreensivo, muito simpatico e gostava da Mariazinha. Ninguem sabe quando esta começou de fato, realmente, ferozmente, a implicar com a mania do Balduino. A principio, apenas o impediu de apanhar novas caixas na rua. Quando os dois passavam para ir ao cinema, ou dar uma volta no jardim e Balduino vislumbrava na rua um dos pequeninos objetos que eram a sua obsessão, imediatamente começava a dobrar a espinha, para apanhá-lo e metê-lo no bolso. Mas com a Mariazinha ao lado, o gesto ficava inacabado. Ela se agarrava ao braço do marido, puxava-o com força e passava-lhe um sermão em regra, sobre comportamento de pessoas na rua, "o ridiculo a que muita gente se submete", etc. De tal forma o azedume da cara-metade era pronunciado, nessas ocasiões, que Balduino teve de resignar-se a renunciar a 312 caixinhas de fosforos, bem contadas, que lhe apareceram sob as vistas, sempre que estava em companhia da Mariazinha (durante os sete meses em que permaneceram juntos). Em compensação, os companheiros de trabalho do Balduino (trabalhavam numa modesta selaria que até hoje não sei porque cargas dagua se chamava "A Agulha de Aço"), nunca deixaram de lhe aumentar a coleção, seja reservando-lhe as proprias caixas que usavam, seja guardando para ele as que acaso achavam na rua.

Apesar de pouco ter transpirado, é facil supor que a vida do Balduino foi-se tornando um inferno, em vista da implicancia da Mariazinha. Volta e meia se comentava um novo ato dela, com relação direta à mania do marido: um dia, jogava no lixo (sem querer, dizia ela) uma meia duzia de caixas que o Balduino pacientemente tinha selecionado, entre as mais perfeitas da coleção; outro, pisava (tambem inadvertidamente), em cima de alguma caixa que o marido tinha esquecido de guardar); certa ocasião, chegou a jogar no fogo um castelo muito bonito, estilo medieval, que com paciencia beneditina o Balduino conseguira armar.

Como pobre casa sem ter nada e aos poucos vai comprando tudo aquilo de que necessita, quando Balduino e Mariazinha chegaram ao quinto mês de casados, sua modesta residencia já estava mais ou menos abarrotada de moveis, utensilios domesticos e bugigangas de toda especie. Mariazinha então começou a apertar o cerco:

"Baldo, a gente já vive esprimidinha aqui dentro, não tem nem lugar pra guardar a louça e você ainda enche a casa com esses baús cheios de 'porcaria'". Precisamos jogar essas porcarias fora."

Naturalmente, havia um certo exagero nas palavras de Mariazinha porque Balduino tinha apenas dois baús, grandes, é certo (de uns oitenta centimetros de comprimento), onde guardava as suas caixas de fosforo. Mas a mulher insistia tanto, falava, brigava, fazia cenas, que o Balduino decidiu adotar a solução extrema, dois meses depois.

"Já faz sete meses que estamos casados. Nem sinal de filho ainda. Quer dizer que Deus não abençoou mesmo o nosso casamento. Ela me martiriza todo dia. Não compreende a necessidade que eu sinto de ser artista, de criar alguma coisa, um castelo feito com caixas de fósforo, por exemplo. Então, o que é que eu estou fazendo nesta casa? Que vá às favas o casamento".

Deve ter sido esse o pensamento de Balduino, pois logo depois ele abandonou a mulher e voltou a residir com a mãe, viuva, com a qual morava antes de casar-se. Não dramatizou o rompimento, não discutiu, nem pediu ou impôs nada. Disse à mulher que não poderiam viver juntos, que ela tambem voltasse para a casa dos pais e ele continuaria dando-lhe uma pequena mesada, do parco ordenado que recebia na selaria.
Não se sabe qual foi a reação da Mariazinha diante da resolução do Balduino, porque se este, alma simples e ingenua, contou todos os fatos acima narrados aos companheiros de trabalho, ela não se abriu com ninguem.

O desfecho do caso não se fez esperar. Três dias depois da separação, Mariazinha apareceu na selaria e pediu para falar com o Balduino, num cantinho, longe dos ouvidos dos outros empregados. Dizem que não conversaram mais de três minutos. Um dos companheiros do Balduino, mais curioso, que não despregara os olhos do casal, viu o rapaz balançar resolutamente a cabeça, em sinal negativo, provavelmente diante de um pedido de reconciliação da esposa. Imediatamente, Mariazinha, desvairada, pegou em cima de uma mesa um instrumento de cortar couro, afiadissimo, em forma de meia-lua, e cravou-o no pescoço do Balduino, que não teve tempo de esboçar sequer um gesto de defesa. Os companheiros acorreram rapidamente, mas nada podiam fazer. O corte fora fundo, Balduino sangrava abundantemente e morreu ali mesmo, poucos instantes depois.
A cidade comenta até hoje as razões do gesto de Mariazinha. Para uns, foi a vaidade ferida, a vergonha de ter sido abandonada e todo o mundo, onde viviam, saber isso. Outros acham que ela amava realmente o marido e não poderia viver sem ele. Eu, por mim, acho que foi vaidade, sim, vergonha tambem: mas vergonha por ter sido vencida, na afeição do marido, por uma miseravel caixinha de madeira, fragil e feia.

Todos os moradores da cidade onde se desenrolou o drama ficaram profundamente consternados com a morte do Balduino. E, por iniciativa dos companheiros de trabalho do assassinado, decidiram prestar-lhe uma ultima homenagem, a mais significativa que puderam imaginar: organizaram uma lista para custear o enterro. E mandaram fazer um caixão com a forma, igualzinha, à de uma caixa de fosforos.

Fonte:
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Laboratório de Poéticas (Encontros, Palestras, Debates)

O Ponto de Cultura Laboratório de Poéticas, revista voltada à diversidade cultural em Diadema, realiza periodicamente ciclos de discussões, oficinas, palestras, recitais e outros eventos. Estas são algumas das atividades programadas para 2008.

CAFÉ POR ACASO - CICLO MULTICULTURALISMO E DIVERSIDADE
Realizado pelo Núcleo de Pesquisa Le Hasard. Com mediação de Jimmy Brandon Ávila e William Figueiredo, o Café Por Acaso é um núcleo de discussões sobre temas contemporâneos. O ciclo Multiculturalismo e Diversidade abordará os seguintes tópicos:
1. O Oriente visto pelo Ocidente - 10/5, às 15 h
2. Hibridismo e identidade cultural - 19/7, às 15 h
3. Estudos culturais e multiculturalismo - 2/8, às 15 h
4. A terceira cultura - 6/9, às 15 h

GESTÃO CULTURAL E CAPTAÇÃO DE RECURSOS
Série de 5 encontros com o captador de recursos Gilbert Bijoux. Esta breve oficina de gestão cultural focalizará questões como elaboração de projetos e abordagens para a captação de recursos. Dias 14, 21, 28/6, 5 e 12/7, às 14 h

POESIA E PROSA FICCIONAL
Série de 6 encontros com o contista e romancista João Silvério Trevisan. Constituindo uma rápida oficina de criação literária, as atividades pretendem subsidiar trabalhos práticos do ponto de vista das técnicas necessárias a um bom texto literário, abordando questões como estruturas narrativas ou poemáticas, construção de personagens ficcionais e noções de ritmo. Dias 7, 14, 21, 28/8, 4 e 11/9, às 19 h

A CENA E O TEATRO NA CONTEMPORANEIDADE
Encontro com Silvana Garcia, dramaturga, professora de Teoria do Teatro na ECA/USP e autora de livros como Teatro da Militância. Uma conversa sobre alguns dos aspectos das artes cênicas na atualidade. Dia 9/8, às 15 h.

PRODUÇÃO DE REVISTA IMPRESSA E DIGITAL
Atividades de formação interna voltada aos redatores, colaboradores e visitantes da revista Laboratório de Poéticas - Antenas & Raízes. Ao longo de todo o período de 2008 o Ponto de Cultura realiza encontros de criação editorial através de workshops, abordando questões como projeto gráfico e criação de web-sites.
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As atividades ocorrem no porão do Centro de Memória (Av. Alda, 255, Praça da Moça, Diadema). São voltadas a escritores, pesquisadores, artistas e interessados em geral (maiores de idade). Não há necessidade de inscrição prévia. Programação sujeita a alterações

Lançamento da revista Laboratório de Poéticas (Antenas & Raízes) nº 2
22 de junho de 2008, às 15 horas
Centro de Memória de Diadema (Av. Alda, 255, Praça da Moça, Diadema, SP.)

Obs.: Diadema: a 15 minutos do Metrô Jabaquara.*

Como chegar (de São Paulo): Metrô até Estação Jabaquara, na própria Estação tem o Terminal de Trólebus (linha exclusiva que serve o ABC); pode pegar dois destinos: São Bernardo do Campo ou Piraporinha, descer na parada 'Castelo Branco', uma parada após o terminal Diadema; fica cerca de uns 7 minutos dessa parada.

Como chegar (do ABC): Trólebus; destino: Diadema ou Jabaquara, descer na parada 'Castelo Branco', uma parada antes o terminal Diadema; fica cerca de uns 7 minutos dessa parada.

Ponto de Cultura Laboratório de Poéticas
Imaginário & Diversidade Cultural em Diadema
http://www.labpoeticas.org

O QUE É LABORATÓRIO DE POÉTICAS

1. Laboratório de Poéticas é um entre as centenas de pontos de cultura (Programa Cultura Viva do Ministério de Cultura) cuja rede está sendo tramada no Brasil & exterior, através de convênio com órgãos públicos &/ou entidades da sociedade civil. Os pontos pretendem formar uma teia de conexões entre local & global, popular & erudito, população & Universidade, tradição & ruptura, identidade & diversidade – entre as raízes & as antenas.
http://www.labpoeticas.org

Fonte:
Douglas Lara. In http://www.sorocaba.com.br/acontece

Sandra Kezen (Caravelas)

Escrevo palavras breves.
Escrevo e não sei por quê.
Escrevo versos bem leves.
Escrevo o que ninguém lê.

Escrevo, que a noite é fria.
Escrevo mais para mim.
Escrevo em agonia.
Não sei por que sou assim.

Procuro a palavra solta,
aquela que ninguém vê,
que colho no ar, revolta,

idéia imprecisa e bela,
que escolho sem ter por quê
e lanço ao mar, caravela.
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Sobre a Autora
Sandra Kezen é professora e coordenadora do Laboratório de Línguas da Faculdade de Direito de Campos e da Faculdade de Odontologia de Campos.
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Fonte:
Revista Partes - Ano V - novembro de 2004 - nº 51
http://www.partes.com.br

Entrevista com a escritora Eliane Potiguara

Eliane Potiguara - Mulher, índia, defensora da natureza!

1. Quem é Eliane Potiguara?

Sempre que alguém me pergunta quem eu sou, existe quase que uma obrigatoriedade de você ter que responder a cerca de seus títulos, seu estado civil, idade, o que você faz, o que fez, o que pretende fazer, onde nasceu, quem são seus parentes? Eu hoje tive vontade de falar de outra coisa. Eu sempre tive que transpor obstáculos para sobreviver. Toda minha família indígena, extremamente empobrecida, imigrou das terras indígenas paraibanas para Pernambuco por ação na neo-colonização do algodão por volta de 1922. Em pouco tempo, imigrou num navio sub-humano para o Rio de Janeiro. Nasci ali, num gueto formado por indígenas e judeus imigrantes da 2ª guerra Mundial que se tornaram bananeiros, carvoeiros. Minha família morou literalmente nas ruas, no Mangue na área de prostituição perto da Central do Brasil, mas ninguém participou desse contexto. Eu dormia num baú que um português deu a gente, por causa das ratazanas que vinham morder meus pés. Nenhum parente meu ficou na área indígena, por medo e vergonha! O falecido Sr. Marujo, um índio muito velhinho e cego foi que se lembrou dessa história quando lhe perguntei em 1979, na Paraíba. As quatro irmãs, um irmão e mãe fugiram porque o pai delas havia desaparecido e elas estavam sendo ameaçadas.Vovó já saiu grávida, vitimada com 12 anos!

Fiquei presa vários anos num quarto na minha infância e quando via o sol desmaiava. O cômodo era sombrio, o banheiro imensamente sujo, cheio de insetos e cheio de limo e fora da casa. Todos os moradores dali utilizavam aquele fétido banheiro público!Tudo era da pior qualidade. Eu tive anemia profunda e tuberculose. Tive tumores no super-cílio e no mamilo, curados com visgo de jaca, teia de aranha e minhoca amassada, mistura essa aplicada por muitas e muitas vezes para a cura. Tenho esse cheiro até hoje no meu olfato!

A única coisa diferente era a educação, a espiritualidade e o amor que eu recebia de minha avó, mãe e tias indígenas. Elas me cobriam de amor, afeto e me protegiam contra a sociedade, que as discriminavam por serem diferentes. Por isso fiquei presa muitos anos, naquele cômodo escuro. Aprendi a escrever ali mesmo. Foi ali que me tornei escritora com 7 anos, escrevendo as cartas que vovó analfabeta ditava pra mim. Eram histórias de muita dor, saudade, abandono, discriminação racial, social, intolerâncias. Ela me chamou de Potiguara, porque ela conhecia a cura pelas ervas, ensinadas pelos seus pais. Hoje meu nome de escritora é Eliane Potiguara, reforçado pelas lideranças indígenas que participaram na luta do movimento indígena nesses últimos 30 anos.

Quando fui à escola não entendia porque riam de mim e de vovó que todos os dias vendia bananas na porta da escola! Ali comecei a me sentir diferente das crianças e adultos. Minha avó bebia e eu chorava muito porque não conseguia entender nada do que a professora ensinava e porque vovó bebia e se embalava no fumo de rolo. Minha escola era outra!Anos mais tarde, pisei tapetes vermelhos na Europa e pisei na lama encharcada de sangue-sugas literalmente e na vida! Mas sou a mesma pessoa que vovó criou. A pobreza batia à nossa porta e minha família não conseguiu ficar comigo quando fiz 8 anos. Fui para a Funabem, foi um choque, eu me perdi no tempo e no espaço, mas fiquei muito pouquinho tempo, porque logo minha família banhada em lágrimas me retirou de lá, quando me encontrou imunda, cheia de piolhos, chatos e fedendo como carniça e em pele e osso, roupa rasgada, descalça, quase morrendo de anemia. Eu sou Eliane Potiguara, uma mulher que muitos pajés disseram que ando com a força da ancestralidade e da espiritualidade à minha frente e que de minha boca, palavras ecoam abrindo caminhos, despertando consciências. Isso me foi dito, não são minhas palavras. Nunca havia falado isso até hoje, pois eu achava que se falasse, parecia pretensão de minha parte. Mas nos meus 54 anos de idade, mãe e avó, está na hora de falar.

2. Você está lançando seu segundo livro "Metade Cara, Metade Máscara" de quais assuntos trata nesta obra? Qual é o objetivo da obra?

O livro fala de amor, relações humanas, paz, identidade, histórias de vida, mulher, ancestralidade e família. É uma mensagem para o mundo, na medida em que descreve valores abafados pelo poder dominante e, quando resgatados, submergem o self selvagem, a força espiritual, a intuição, o grande espírito, o ancestral, o velho, a velha, o mais profundo sentimento de reencontro de cada um consigo mesmo, reacendendo e fortalecendo o eu interior, contra uma auto-estima imposta pelo consumismo, imediatismo e exclusão social e racial ao longo dos séculos.

O texto discorre sobre a luta do movimento indígena nacional/ internacional, da imigração indígena por violência à sua cultura e conseqüências. O papel fundamental da mulher indígena no contexto cultural e sua contribuição na sociedade brasileira é um expoente. Poeticamente, conta as dores das mulheres e seus desejos mais íntimos.

Links sobre direitos indígenas como propriedade intelectual, conhecimentos tradicionais, meio ambiente, terra e território, biodiversidade, espiritualidade, contribuição da ética e cosmovisão indígenas para um novo homem/mulher são destacados neste livro em forma de histórias, cânticos, sussurros e gritos. Essa criação vai mexer com seu imaginário e fazer você viajar nas profundezas da mente em prol de mudanças concretas.

3. Há outra obra em processo?

Sim, pretendo aprofundar mais o tema sobre a construção do "pensamento indígena brasileiro", para contribuir com a construção da auto-determinação do povo indígena nacional que há 5 séculos está entrelaçado nas amarras do paternalismo oficial, religioso, institucional. Tudo isso pra mim é uma forma de discriminação contra a capacidade da gestão indígena. O código civil dizia que os indígenas eram incapazes. Isso acabou na teoria, mas na prática é uma realidade, por isso a importância da educação diferenciada para o crescimento dos povos indígenas e o estabelecimento da Universidade Indígena, num futuro breve! Continuo estudando muito para elaborar novas abordagens. Na juventude me formei professora com os esforços das vendas de bananas que vovó fazia. Muito importante também é me reportar ao discurso oral de minha família analfabeta. Tudo que sou devo à minha família indígena, mesmo fora das terras tradicionais. Por outro lado, a inspiração, os sonhos que determinam a minha criação literária, a minha espiritualidade e fortalecimento de minha ancestralidade, me direcionam para uma nova obra, se nossos guias espirituais e o Grande espírito permitirem.

4. Ser mulher, ser índia. Qual o desafio desta dupla identidade?

Fortalecer essas identidades para mim foi muito difícil, principalmente porque a maioria das pessoas de minha família eram mulheres. Eu digo eram, porque minha família era muito pequenininha, hoje só tenho uma tia, já doente.Todos faleceram, inclusive mamãe, "a sacerdotiza das águas". Imaginem querer ser mulher num contexto altamente discriminatório social e racial e de gênero e etnia!!!! Mas a força das mulheres da minha família, que também andavam com a velha guerreira à sua frente, e que possuía o poder da palavra transformadora que motivava mentes, tudo isso construiu para a mulher que sou. Eu tenho um texto chamado PELE DE FOCA, inspirado na escritora Clarissa Pinkola que é um desabafo sobre ser Mulher, na sociedade que impõe valores adversos. O texto está no meu site pessoal http://www.elianepotiguara.org.br .

Ser mulher índia, para mim é um orgulho, pois devemos sempre assumir nossa etnia e não nos envergonharmos, como queriam os colonizadores. Nunca fomos vergonha nacional para os jesuítas e ideologicamente nunca fomos objeto de cama e mesa para os capitães-de-índios, apesar de muitas mulheres terem suas vidas ceifadas por eles. A colonização é longa, mesmo nos tempos atuais. Desde as idéias abertas, libertárias e transformadoras do filósofo Sócrates, que viveu 399 anos antes de Cristo até hoje, não conseguimos mudar o ranço do poder pátreo e implantar a verdadeira democracia, a verdadeira paz através do diálogo,compreensão e tolerâncias. Fala-se muito na construção da ética, da paz, da igualdade social, racial e de gênero. Mas muita coisa fica na teoria quando esbarra no poder, no capital, isso todo mundo está cansado de saber.

Falo no meu livro "Metade Cara, Metade Máscara", da dualidade intrínseca no ser humano que enfrenta a todo momento o predador natural de sua psique: o "self selvagem", o lado intuitivo, o libertador e o "ego", o ser humano egoísta, que constrói "a mais valia", o lucro fácil, o "passar por cima do outro", desrespeitando a verdadeira ética humana. E o papel da mulher indígena na construção de um novo homem/nova mulher na sociedade brasileira precisa ser uma realidade a ser reconhecido e assimilado. As mulheres indígenas vem beijando as feridas do mundo para essa construção.

Motivada pela sabedoria de vovó, há 28 anos atrás visitei pela primeira vez várias etnias indígenas, isso motivou a criação do Grumin/Grupo Mulher -Educação Indígena que trabalhava para o empowerment da mulher indígena através de projetos de capacitação e geração de rendas. Não existiam Ongs. Isso contribuiu para a elevação da sua auto-estima contra o sistema opressor. Hoje o Grumin é a Rede de Comunicação Indígena.

Há muito tempo tenho dito em meus textos: "Mulheres indígenas, construam suas organizações mesmo dentro de suas casas. O meu trabalho até hoje nunca foi construir o materialismo e sim a filosofia para a construção de uma qualidade de vida digna para Povos Indígenas, por isso políticas públicas do governo são altamente positivas para essa dignidade, além da demarcação das terras, reconhecimento do território ancestral que define a cosmovisão indígena.

Construir as identidades mulher e indígena é condição "se ne qua non" para construção de outras identidades como escritora, juíza, professora,esposa, mãe, etc... o que muitas mulheres indígenas estão à busca hoje.

5. Em que estágio encontra-se a luta dos povos indígenas no Brasil?

Ao meu ver, a luta dos povos indígenas brasileiros esteve muito atrasada em relação à luta indígena dos povos Norte-Meso Americanos. Basta ver que o Fórum Permanente para Povos Indígenas criado na Onu, conquista nossa (ali também estive e outros indígenas brasileiros!) não possui um representante indígena brasileiro, ainda, enquanto todas as cadeiras estão representadas por sua regiões e indígenas ali estão sentados. Porquê será que o indígena do Brasil não está ali?

Tudo inicialmente começou com os jesuítas e donatários das capitanias hereditárias, apesar da Bula papal de 1337, de Urbano da Espanha , que já proibia a escravidão indígena desde aquela época. Em 1566, Mem de Sá cria o cargo capitão-do-índio, em 1759. Francisco Xavier, irmão do Marquês de Pombal, cria os diretor-do-índio, em face da " brutalidade natural e manifesta ignorância indígena" (quanto racismo!). Em 1910, é criado o SPI (Serviço de Proteção do Índio). Esse serviço pertenceu inicialmente ao Ministério do Trabalho (claro, os índios eram mão de obra escrava!), Indústria e Comércio. Em 1934 pertenceu ao Ministério da Guerra e depois da Agricultura, nesse processo e encima dessas ideologias, foram criados os cargos de Chefe de Posto Indígena. O cacique foi criado nesta perspectiva também. Em plena ditadura militar, 1965, foi criada a Funai que esteve na maior parte do tempo nas mãos de militares. Essa política sempre foi a mesma: a tutela, a paternalização, mesmo no governo atual e com as atuais demarcações de terras indígenas já vitoriosas pelo nosso Presidente Lula da Silva. Há de se fazer essa leitura, por favor!!! Onde estavam os pajés, as pajés, os guerreiros autênticos, as mulheres guerreiras, os velhos, as velhas???? Abafados pelo poder!

Se o governo atual pensar nesse caminhar histórico, chegará a conclusão que alguma coisa está errada!

Políticas públicas, cotas para povos indígenas, reconhecimento histórico da cosmologia e territorialidade indígenas, fortalecimento dos líderes de base, fortalecimento das organizações indígenas, fortalecimento das candidaturas indígenas, inserção de povos indígenas em todos os programas de governo, fortalecimento das estratégias para a Educação, saúde e desenvolvimento indígenas diferenciados, etc...etc...etc.... são caminhos concretos para a verdadeira construção da dignidade dos povos indígenas e o fortalecimento da luta indígena no Brasil. Indígenas não podem mais passar o pires, indígenas não podem mais aceitar paternalismos, indígenas estão paulatinamente construindo a política indígena brasileira, começou com a vitória na Constituição de 1988. Agora o novo Estatuto do índio precisa ser uma realidade. Tudo faz parte de processo histórico e certamente a vitória chegará, apesar do atraso que considerei no início do parágrafo.

Como tenho falado, indígenas precisam ser vistos como as primeiras nações desse extenso Brasil, respeitados e nunca vistos empunhando bordunas e fazendo Marchas para a constituição de seus Direitos Humanos. A verdadeira imagem indígena e intrínseca é de paz, de amor, de equilíbrio com a natureza, patrimônios éticos relativos aos conhecimentos tradicionais indígenas.

A entrevista acima foi concedida, por e-mail, para o editor da revista P@rtes, Gilberto da Silva no inicio de novembro.

Fonte:
Revista Partes - Ano V - novembro de 2004 - nº 51
http://www.partes.com.br

A Fala-Adornada-do-Espírito, as Aldeias da Serra do Mar & a Terra em que Vivemos

por Rubens Zarate

Experimente observar os traços físicos das pessoas à sua volta – conhecidos, desconhecidos – no trabalho, ponto de ônibus, na Praça da Moça ou casas de forró. Aquela loira oxigenada com uns olhinhos meio rasgados, uma dobra diferente no canto dos olhos; aquele senhor evangélico com a ossatura da face meio proeminente; aquele adolescente ouvindo pagode ou tecno, beiçudo & de pele castanho-avermelhada. Costuma-se dizer que o Brasil é um país negro & mulato. Isso é correto até certo ponto. Quando o tráfico negreiro começou a tornar-se significativo já se havia passado meio século de intensa mestiçagem entre ibéricos & indígenas (principalmente guaranis, no sudeste, & jês & tupis, mais ao norte). Darcy Ribeiro, por exemplo, defende a tese de uma protocélula Brasil mameluca ou cabocla, surgida nos primeiros 50 anos de colonização, base das nossas populações camponesas, com ou sem terras. Desse ponto de vista o mais correto seria dizer que o Brasil é um país cafuzo. Na verdade, esse tipo de abordagem fenotípicoracial parece estar um tanto ultrapassado. O século XIX criou, com base nos traços físicos dos indivíduos, uma série de estereótipos, caricaturas a respeito do que viria a ser um “índio”, “negro” ou mestiço. A antropologia contemporânea, inclusive Darcy Ribeiro, prefere entender que indígena é todo aquele que se reconhece & é reconhecido como indígena por uma comunidade indígena. Não vamos então cair naquele tipo de chavão segundo o qual “o brasileiro é musical” por ter um pé na senzala ou “amante da natureza” por ter o outro na taba. Sociedades & indivíduos não são resultado de determinismos genético-raciais, geográficos-ambientais ou sócio-econômicos, mas produções de um imaginário social, de significações simbólicas, de um devir histórico de incessante criação coletiva de imagens, aquilo que Castoriadis chama poiésis – & o homem é antes de tudo um animal poiético, isto é, imaginante & imaginário. Roger Bastide, antropólogo francês & professor da USP, ao pesquisar os terreiros de candomblé procurou enxergar os praticantes do culto com o olhar do Outro – o chamado “olhar antropológico” –, no caso, um olhar afrodescendente. Acabou descobrindo que era filho de Xangô & apresentado ao panteão nagô como membro da linhagem do orixá do trovão & do machado-de-duas-faces. Passou a ser nagô? De certo modo. Nem por isso deixou de ser europeu & lecionar na USP & na Sorbonne. Caso parecido é o de Leon Cadogan, etnólogo paraguaio rebatizado com o nome de Tupã Kuchuvy pelo pajé da aldeia mbyáguarani que pesquisava.

O inverso vale também. Sabe-se que, graças aos mitos & falas sagradas mbyá registrados por Cadogan, muitos indivíduos geneticamente indígenas puderam se tornar indígenas culturalmente, tomando contato com suas tradições através da leitura de textos etnográficos, publicados por editoras ou Universidades. Não existem, portanto, “culturas autênticas”, do tipo “folclore em conserva”. Noções como “autenticidade” ou legitimidade” são entulhos ideológicos, abandonados há décadas pelas ciências sociais. Todo processo cultural é híbrido, sincrético, uma combinação de elementos heterogêneos, endógenos & exógenos, nativos & estrangeiros, “legítimos” ou “espúrios” – como nos cultos da umbanda, do catimbó ou do Santo Daime

Há quatro aldeias mbyá na Grande São Paulo (duas delas à beira da Billings): Tenondé-Porã (Parelheiros), Krukutú (Parelheiros/São Bernardo do Campo), M’Boi Mirim & Jaraguá, que se interligam a pelo menos mais quatro no litoral paulista, em Itanhaém, Peruíbe, Ubatuba & São Sebastião. Seus habitantes vivem como estrangeiros quase invisíveis nas frestas & franjas da área mais capitalizada & cosmopolita da América Latina, estabelecendo relações entre o modo de vida tradicional do interior das aldeias & a periferia & o centro das cidades da Grande São Paulo. É curioso notar que a sociedade brasileira, que nas últimas décadas vem aprendendo a reconhecer seu legado afrodescendente, ainda se recusa a assumir sua face indígena & mameluca. O Brasil finge que o índio (real) não existe – a não ser como avis rara empalhada, museológica & exótica.

Os mbyá, originários do Paraguai oriental, são um dos grupos culturais que formam o povo guarani – os outros dois são os kaiowá & os ñandeva –, aquele que melhor preservou suas tradições originais diante da devastação provocada a partir de 1500 pela pirataria ibérica & pela catequese romana. Antes mesmo da invenção do Brasil pelos europeus, a cultura guarani se caracterizava pelas migrações à procura da terra-sem-mal (yvy marãey), situada do outro lado do mar. Esses êxodos, ocorrentes desde a época pré-cabralina até metade do século XX, eram induzidos por visionários em transe, os karay, uma categoria especial de pajé, que recitando falas sagradas incitavam as aldeias às migrações. O mar, na cosmologia guarani, representa o lugar onde o destino humano pode se cumprir: é ao mesmo tempo um ponto de chegada & um obstáculo a ser transposto para se atingir o éden. A Serra do Mar, nesse contexto, passa a ter um significado especial: é a barragem do mar (yvy paiãry jocoã). Nos antigos mitos ñandeva há menção explícita à Serra do Mar. Talvez por isso os guarani tenham ocupado as encostas da serra, ao invés do litoral como os antigos tupi. Nas tradições mbyá & ñandeva, as terras do leste teriam sido ocupadas por seus antepassados, & sua atual reocupação representa o tekoa, o lugar-onde-se-pode-ser-aquilo-que-se-é.
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Para Curt Nimuendaju, etnólogo alemão que pesquisou as migrações guarani ocorridas do final do século XIX à metade do XX, a busca da terra-sem-mal é um fenômeno fundamentalmente mágico-religioso, esteja ou não relacionada a injunções da vida material, como guerras ou procura de novas áreas de cultivo. É curioso notar que, enquanto os mbyá migraram para o leste (lugar de Karay, o espírito do fogo), indo do Paraguai para o Mato Grosso & Paraná, & dali para a Serra do Mar, os atuais avá-chiriguanos da Bolívia, do grupo ñandeva, migraram para o oeste (lugar de Tupã, espírito das águas & tempestades), chegando a invadir o Império Inca no século XVI.

Em seu clássico A Sociedade Contra o Estado, Pierre Clastres faz uma leitura bastante original sobre a questão, com grande repercussão nos campos da Etnologia & da Política. Sendo as sociedades tribais sociedades sem Estado, o fenômeno dos profetas karay & da busca da terra-sem-mal representariam uma reação contrária ao surgimento
dos cacicados, chefi as políticas centralizadas nas mãos dos líderes guerreiros. Signifi cariam, portanto, uma rebelião mística contra o aparecimento de um proto-Estado monopolizador do poder – & o poder, para os mbyá, é o poder da palavra. “Falar é, antes de tudo, deter o poder de falar”. Os karay, “profetas selvagens”, pregariam as migrações para a terra-sem-mal – isto é, sem Estado – visando a desestabilização das chefias. Essa guerra simbólica entre xamãs & caciques implicaria, para Clastres, na dissolução da própria sociedade mbyá, que, diante da ameaça de dominação social pelo Estado, teria optado (como ocorre hoje com os kaiowá do Mato Grosso) pela auto-extinção.
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A cultura mbyá se define pelo visionarismo xamânico, & este pelo caráter mágico-religioso da palavra mitopoética, recitada ou cantada. Para Mircea Eliade o sagrado é, na religiosidade arcaica, o centro & a origem da realidade, o núcleo a partir do qual se propaga o mundo profano. Assim todo rito & todo mito representam o retorno ao centro
& à origem do real, o regresso ao sagrado. Não há, nas culturas arcaicas, a separação judaico-cristã, platônica ou cartesiana entre essas duas esferas.

Nas cosmogonias indígenas não existe um deus criador apartado do mundo por ele engendrado. Sagrado & profano, deuses & criaturas são estágios ou pólos de um mesmo processo. O universo é visto como um incessante desdobrar-se e redobrar-se, uma continuidade entre a unidade original & a multiplicidade do mundo. Para os mbyá, a criação do mundo se dá quando Ñamandu, o Mistério das Origens, desdobra-se a partir de si mesmo – como um sol que se ilumina, uma semente que irrompe ou uma asa de pássaro que se abre. É o oguero-jerá, conceito fundamental da metafísica mbyá, que poderia ser traduzido como aquilo-quegermina-de-sua-própria-germinação, ou aquilo-quese-desdobra-em-seu-próprio-desdobramento, ou ainda aquilo-que-se-ilumina-da-iluminação-de-si-mesmo. A cosmogênese é uma ereção do avá, força sagrada da verticalidade. Manifesta-se como ayvu, espírito-sompalavra que vem à Terra; individualiza-se como ñe’e, alma-cântico-fala que encarna nos seres viventes. O mundo passa a existir através do ato da poetização, da nomeação, do canto-recitação.
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No idioma guarani não há plural ou conjugação dos tempos verbais. Um único termo pode ser substantivo, verbo ou adjetivo. Para Cadogan, “todo o domínio semântico guarani comprova sua extrema riqueza. Sua linguagem não tem declinações passadas ou futuras. Todo seu falar é no presente: a ação reflete a realidade eterna do ser”. Além da fala comum, cotidiana, há uma linguagem secreta, esotérica, que só os karay sabem proferir & que não se dirige aos homens, mas ao sagrado. As palavras ganham um nível semântico cujo sentido & uso é exclusivamente mágico-religioso. Porã, por exemplo, costuma ser utilizado no sentido de “belo”; mas em seu significado esotérico é, literalmente, aquilo-que-é-adornado-com-plumas.

Sendo as penas dos pássaros signos do sagrado, porã equivale a “adornado, embelezado pelos deuses”. Ayvu comumente signifi ca linguagem, palavra, fala, recitação ou canto; mas em seu sentido mitopoético corresponde ao sagrado, ao espírito, à vida divina ou à música dos deuses. Ñe’e tem os mesmos sentidos, mas refere-se à fala dos seres vivos, humanos ou não. Outro exemplo é o nome Karay, que designa o espírito do leste, o nascer do sol & as chamas. Secretamente a palavra denota também os próprios poetas-visionários, aqueles-que-falam-asfalas- sagradas. Há também palavras-montagens de imagens. Cachimbo é “o esqueleto da névoa”, sendo os ossos considerados a morada da alma imortal dos seres vivos, enquanto a neblina & a fumaça são o hálito de Jakairah, o norte, lugar dos ancestrais & do conhecimento dos anciãos.

Por isso a cerimônia de batismo, ñi-mongaray, talvez seja a mais importante entre os mbyá. Uma criança que nasce é considerada encarnação de uma palavra-alma, um “nome-que-se-assenta-&-ergue”. O pajé pode ler na névoa do tabaco qual é essa palavra, a linhagem espiritual da qual provém aquele a ser batizado – leste, oeste, sul, norte ou zênite –, qual é seu nome, isto é, sua essência & origem. Receber um nome é receber ñe’e, uma alma-vida-fala. Do mesmo modo, o ato de cura é a restituição do ñe’e perdido do enfermo. O pajécurandeiro utiliza o cachimbo & o fumo, lembrando o nevoeiro que Jakairah trouxe à terra junto à palavra & ao pensamento, & opera analogamente ao deus da neblina que infunde a vida como orvalho à vegetação na passagem do inverno à primavera. Voltar à vida, devolver a alma-palavra é também o ato de curar. Há uma relação direta entre o sagrado, a linguagem, a vida & a verticalidade. É verdadeiro aquilo que está ereto, erguido. Avá, que comumente designa a condição humana, esotericamente representa o estado da verticalidade. O milho, planta sagrada & solar, é
avaty, o vegetal-ereto.

Considerando a importância central que os guarani atribuem à palavra, sinônimo de vida, alma & espírito, é significativo que os atuais habitantes da Serra do Mar tenham sido denominados mbyá: Aqueles-que-Vieram-de-Longe, os Estrangeiros, os Outros.
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O mitopoema que traduzo nas páginas seguintes é a parte inicial, o primeiro ciclo da cosmogonia mbyá, Maino Reko Ypy Kue (Os Atos Primeiros de Colibri-o- Pássaro-Primeiro). Há mais quatro traduções deste texto, todas baseadas nas falas sagradas recolhidas em 1953 por Leon Cadogan entre os mbyá do Paraguai: para o espanhol, pelo próprio Cadogan (1959); para o francês, por Pierre Clastres (1974); para o português, por Yara Miowa (1999) & por Kaka Werá Jecupé (2001). Todas elas foram cotejadas em minha versão, que também parte do original, em idioma mbyá paraguaio. É preciso lembrar que toda etnotradução é uma utopia: impossível traduzir a melopéia da recitação guarani para uma língua européia como a nossa.

Maino narra a passagem do araymá, o tempo primeiro do inverno ou caos primordial, ao arapoty, tempo da primavera, ou arapyaú ñemokandyre, tempo da terra-em-que-vivemos & dos sóis-que-nascem-&- morrem-&-nascem-novamente. É possivelmente a essa idade do ouro ou éden terrestre (bem diversa do paraíso cristão) que se referem as migrações para o leste (lugar do sol, primavera simbólica) em busca da terra-sem-mal.

Ñamandu, a Origem-de-Tudo, desdobra-se a partir de si mesmo. As primeiras imagens sugerem ao mesmo tempo o vir-à-luz (invertido) de uma criança & o desabrochar de uma palmeira cujas folhas são um cocar de plumas. Lembram também o popyguá, o cetro adornado com plumas que é portado pelos que falam as falas sagradas. Essas imagens parecem se referir também ao uiraçú ou gavião-real (Harpia harpya), a águia-de-penacho que é a maior animal de rapina do planeta & pássaro sagrado em várias culturas indígenas. Antes de desdobrar-se em gavião-real, ave solar, Ñamandu aparece como coruja, urukure’a, pássaro da noite. O mundo em seu desabrochar é ao mesmo tempo um sol & uma fl or, sobre o qual esvoaça o colibri primordial, maino, o pássaro-primeiro.

A passagem do caos ao cosmos seria então, na tradição mbyá, o despertar de um pássaro cujos olhos, ao se abrirem, fazem o sol nascer pela primeira vez. Uma coruja se solariza ao sol de si mesma & Vê-que-Éum- Gavião. É o primeiro oguero-jerá. O inverno dos primeiros ventos, o araymá ou caos primordial, dá lugar à primavera das fl ores do ipê-amarelo, o arapoty. O tempo-sem-tempo em que tudo é idêntico a si mesmo dá lugar ao arapyaú ñemokandyre, era das madrugadas & primaveras que nascem-&-morrem- &-nascem-novamente. Tempo da temporalidade: dos cânticos da diversidade da Terra: Yvy Piaú, a terra-em-que-vivemos. Mas também a terra que, em nossa condição de estrangeiros em perpétuo fl uxo migratório, buscamos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bartolomé, M.A. - Chamanismo y Religión entre los Ava Katu Ede. Instituto Indigenista, México, s/d
Cadogan, L - Chonó Kybwyrá. Revista Del Ateneo Paraguayo, Assunción, 1968.
- Aywu Rapytá. Boletim 227 de Filosofi a, Ciências e Letras da USP, S. Paulo,1959.
Carneiro da Cunha, M (org) - História dos Índios no Brasil. Cia. Das Letras, S. Paulo, 1998.
Castoriadis, C. - A Instituição Imaginária da Sociedade. Paz & Terra, Rio, 1982.
Clastres, P. - A Sociedade contra o Estado. Francisco Alves, Rio, 1978.
- A Fala Sagrada. Papirus, Campinas, 1990.
Clastres, H. - A Terra Sem Mal. Brasiliense, S. Paulo, 1978.
Eliade, M. - O Sagrado & o Profano. Edições Livros do Brasil, Lisboa, s/d.
Ladeira, M. I. - Os Índios da Serra do Mar. Nova Stella, S. Paulo, 1988.
Miowa, Y. - Kuarahycorá. Elevação, S. Paulo, 1999.
Nimuendaju, C. - Lenda da Criação do Mundo como Fundamento da Religião dos Apapokuva-Guarani. EDUSP, S. Paulo, 1978.
Ribeiro, D. - As Américas & a Civilização. Vozes, Petrópolis, 1978.
Vainfas, R. - A Heresia dos Índios. Cia. Das Letras, S. Paulo, 1995.
Werá Jecupé, K. - Tupã Tenondé. Peirópolis, 2001.

Fonte:
Laboratório de Poéticas Antenas & Raízes
n.1. Diadema: Ponto de Cultura do Imaginário & da Diversidade. 2007. p.36-39.

domingo, 8 de junho de 2008

Adalberto Nascimento (Okinawanos)

E na verdade havia, sim, cota para amarelos; mas uma cota conquistada por méritos através da educação, decorrente da determinação de seus pais

Eles praticavam várias cerimônias para reverenciar os espíritos dos antepassados. Uma delas, particularmente importante, era o 'Obon'. Um dia antes da data dessa cerimônia, as pessoas acendiam uma fogueira em frente a suas casas para orientar a chegada dos espíritos ancestrais. Era o fogo da recepção ('Mukaebi'). Num altar ('butsudan'), colocavam bebidas e alimentos como oferendas. No dia seguinte ao 'Obon', acendiam novamente o fogo para orientar o retorno dos espíritos. Era o fogo da despedida ('Okuribi'). Não sei se esse marcante ritual okinawano ainda persiste em nosso país. Para quem quiser saber mais dessa história, sugiro a leitura de 'O Súdito', de Jorge J. Okubaro.

No dia 18 de junho deste ano, teremos as comemorações dos 100 anos da chegada ao nosso país da primeira leva oficial de imigrantes japoneses. Nesse dia de junho, em 1908, o navio 'Kasatu Maru' aportou em Santos, trazendo 781 trabalhadores contratados e doze livres. Do total de 793 japoneses, 324 eram procedentes de Okinawa (cerca de 40%). Atarracados, de pele escura, homens de barba cerrada e todos falando uma língua indecifrável. Estranhos para os brasileiros e para os demais japoneses.

O Japão é um arquipélago, sendo que suas maiores ilhas são Kokkaido, Honshu (a mais populosa), Shikoku e Kyushu. Okinawa, 'o Caribe do Japão', é um subconjunto de ilhas (arquipélago Ryukyu), a sudoeste das ilhas principais e a meio caminho entre o restante do território japonês e a China. Daí o fato de a cultura e a língua dos seus habitantes terem sido fortemente influenciadas pelo continente asiático. Okinawa, antes um reino independente (e também terra do karatê, que quer dizer 'mãos vazias'), foi incorporada ao Japão como província em 1879. E depois da Segunda Guerra ficou sob jurisdição norte-americana, retornando ao Japão somente em 1972. É por isso que nos meus tempos de faculdade alguns estudantes de origem japonesa se referiam a um okinawano, em tom de brincadeira, como 'American Japanese'. Eu, na ocasião, achava que isso acontecia somente por existir uma base americana naquela ilha.

Os americanos penaram para conquistar Okinawa. Foi a batalha mais sangrenta de toda a guerra do Pacífico. Em menos de três meses morreram cerca de 107 mil soldados japoneses e Okinawa teve sua população reduzida em mais de um terço. Passou de 300 mil a 196 mil habitantes. Gente bravia que resistiu até o fim. Bravia e de comportamento diferenciado, tal como aqui se pode constatar quando, maltratados e desiludidos, muitos colonos japoneses fugiam das fazendas para as quais foram designados. A maioria era de okinawanos. Pessoas honradas, generosas, portadoras de caráter inquebrantável e, em geral, teimosas. Quem conhece o vereador Yabiku sabe do que estou falando.

Muita gente pode imaginar que estou desprezando o Japão propriamente dito. Nada disso. Tenho amigos japoneses de todas as etnias. A quantidade desses amigos ficou bem mais numerosa no tempo da Poli. Parecia até que no meu tempo de faculdade havia uma cota racial pra essa gente. E na verdade havia, sim, cota para amarelos; mas uma cota conquistada por méritos através da educação, decorrente da determinação de seus pais. Devemos, por isso, ser gratos àqueles imigrantes, em sua maioria composta de pessoas simples. Simples, mas portadoras de um significativo lastro de educação que possibilitou, além de colherem café, semearem cérebros em nosso país.

O sucesso japonês... é simples: educação. Poucos anos depois de Okinawa virar província japonesa, o Império Meiji promoveu uma revolução educacional para todo o Japão. Uma revolução pra valer, anunciada em 1872, e que também tornava o ensino obrigatório. Em 1880, a freqüência escolar em Okinawa era menor que 2%. Em 1908, era de 93%. A escola primária durava 8 anos, sendo os quatro primeiros obrigatórios. As aulas duravam cinco horas, seis dias por semana. Não tinha moleza. O objetivo era, com ensino público de qualidade, produzir bons e educados cidadãos. A disciplina era militar, sem esse lero-lero hipócrita do 'politicamente correto'. E só para ilustrar a importância que os imigrantes japoneses deram à educação no Brasil, em 1938 havia em São Paulo 294 escolas japonesas, 20 escolas alemãs e 8 italianas.

Além das escolas, muitas associações nipônicas foram fundadas. No início eram separadas - japonesas e okinawanas. Mas é aí que entram os brasileiros, com algo que é só nosso: esse caldeirão do mundo para brancos, negros e amarelos. E se existirem azuis, que venham; faremos uma mistura invejável ao resto do mundo. Em nossa cidade, temos a Ucens, União Cultural e Esportiva Nippo-Brasileira de Sorocaba, cuja história, contada na Internet, tem como intróito uma prece escrita por Keiko Yabiku - que, se não é, casou-se com um okinawano.

Fonte:
Notícia publicada na edição de 08/06/2008 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A
http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia.phl?editoria=44&id=92994
Colaboração de Sorocaba News.
http://www.globalsecurity.org (imagem)

A. A. de Assis (Trovas Brincantes)



01.
Teu beijo, pela Internet,
vem sempre com tal calor,
que qualquer dia derrete
meu pobre computador!
02.
Trova é bom para a saúde,
faz amigos, dá prazer.
Talvez até nos ajude
a esquecer de envelhecer...
03.
A velhice não perdoa
quem da alegria se furta...
– Curta a vida numa boa,
porque a vida, amigo, é curta!
04.
Na minha idade se diz
que a prudência sai de cena.
Se há chance de ser feliz,
todo risco vale a pena.
05.
Veja a mata: é lindo o verde;
veja o céu: o azul é belo.
Por que é que então eu vou ter de
manter o humor amarelo?...
06.
Moderna e esperta, a formiga
à cigarra se juntou:
– uma canta, enquanto a amiga
monta o circo e vende o show...
07.
Fim do filme... Na saída,
pergunta à pulga o pulgão:
– Voltamos a pé, querida,
ou vamos tomar um cão?
08.
Finalmente um cão bilíngüe,
que, além do nativo au-au,
se expressa e até se distingue
fluentemente em miau...
09.
No carrão recém-comprado
da motorista barbeira:
"Atenção, muito cuidado...
amaciando carteira!"
10.
Da formiga ao boi colosso,
dando um chega no bacana:
– Por sorte sua, seu moço,
eu sou vegetariana!
11.
Como foi, como não foi,
conte dois que eu conto um...
Num belo inglês, diz o boi,
olhando a Lua: moon... moooon...
12.
Porco sofre: além do nome,
que o deixa triste e avexado,
quem o frita e à mesa o come
chama o pobre de "capado"!
13.
Esse tal de capital
deixa todo mundo louco.
– Dinheiro faz muito mal...
sobretudo quando é pouco!
14.
O nobre faz e acontece,
porém me responda, ó meu:
se o trabalho é que enobrece,
como é que ele enobreceu?...
15.
Diz o sábio, e quase chora,
por modéstia ou caçoada:
– Sou doutor "honóvis fora";
quer dizer: doutor em nada!
16.
Não te cases por dinheiro...
sai dessa... tô te falando...
Afinal, qualquer banqueiro
empresta a juro mais brando!
17.
A mulher, que é toda encanto,
lembra a abelha, meiga e boa:
dá mel gostoso; no entanto,
se for preciso, ferroa!
18.
Num momento de euforia,
cedemos-lhe uma costela.
Fomos cedendo... e hoje em dia
quem manda no mundo é ela!
19.
Muito cara que se julga
ladino, culto, elegante,
no fim não passa de pulga
com mania de elefante!
20.
Uma andorinha, voando,
sozinha, não faz verão...
Passando, no entanto, em bando,
chove "adubo" em profusão!
21.
Corre a bola, deita e rola,
salta de pé para pé...
Quica, requica, rebola,
no grito do povo: – olééé!
22.
No reino dos passarinhos,
joão-de-barro é o burguesão:
– de todos os seus vizinhos,
só ele mora em mansão...
23.
Pernilongo em meu ouvido
faz zunzum... zunzum... zunzum...
Julga-se, ao certo, o exibido
chofer de fórmula um...
24.
Procura-se ortopedista,
de preferência letrado,
pra vaga de especialista
em versos de pé quebrado...
25.
Criança que muito apronta
exige rigor dos pais:
– Água mole não dá conta,
se a pedra é dura demais!
26.
O povo sempre descobre
metaforinhas incríveis:
couve-flor: "repolho nobre";
as hortas: "jardins comíveis..."
27.
Perdoe-me se ofensa for,
mas couve-flor, certamente,
não é nem couve nem flor:
é só um repolho emergente...
28.
Pediste, na "vez passada",
que eu melhorasse a comida...
Pois hoje está caprichada:
vou servir "vespa cozida"!
29.
Menininho, numa prova,
sabiamente assim se exprime:
– Lua nova?... Lua nova
é a cheia que fez regime!
30.
De um caboclo perspicaz
ensinando a geografia:
– O "çul" fica sempre atrás...
com "cedia" ou sem "cedia"...
31.
É natural que aconteça,
ao cometa e a certa gente,
por ter pequena a cabeça,
mostrar a cauda somente...
32.
Pastel, pudim, rabanada,
e o mais que te apetecer...
Nada disso engorda nada:
basta apenas não comer!
33.
Pra casar moça bonita,
carece exibi-la não...
Que nem lá no Sul se dita:
"Bom vinho escusa pregão!"
34.
Já não suporta a trutinha
o que a todo instante escuta:
alguém chamando-a, tadinha,
de bela filha... da truta!
35.
O acento é muito importante,
e este exemplo o evidencia:
– Para um cágado é bastante
uma cágada por dia...
36.
O sapo coaracoacoacha
ante a sapa, sua estrela.
– Ela é um poema, ele acha,
e estufa-se todo ao vê-la!
37.
Dor no velho e na velhinha,
cada dia é num lugar:
nas cadeiras ou na espinha,
na nuca ou no calcanhar...
38.
Até os sessenta se assunta:
– Como vai, meu grande herói?
Depois é outra a pergunta:
– Olá, meu velho, onde dói?
39.
Misto de sábio e de herói,
ensina o pobre de leve:
– Quem de seu nada pissói
é o que mais tranquilo veve!
40.
Vaga-lume é um belo bicho;
tem no entanto algo incomum:
por esquisito capricho,
traz o farol no bumbum...
41.
Entre o passado e o futuro,
mudou o amor um bocado:
– o que o vovô fez no escuro,
faz o neto escancarado!
42.
Lingüiça das boas, uai,
faz-se assim, vovó dizia:
do porco a tripa se extrai;
na tripa o porco se enfia.
43.
Ah, como é útil a avó,
com seus cuidados e afetos!
Já o avô, serve tão-só
pra ensinar besteira aos netos...
44.
Avó é a mãe que imagina
que a sua parte já fez...
mas, quando a missão termina,
começa tudo outra vez!
45.
Mas ora-ora, dirás,
é fácil ouvir estrelas...
– Quem leva um chute por trás,
além de as ouvir... vai vê-las!
46.
– Na briga lobo-cordeiro,
qual deles terá razão?
– Depende, meu companheiro,
de qual dos dois é o patrão...
47.
Os gaúchos, mui serenos,
dizem rindo: – Calma, irmão...
Se o mundo tá mais ou menos,
então tá louco de bão!
48.
Eis um problema intrigante,
ainda sem solução:
– O touro é um bode gigante,
ou o bode é que é um touro anão?...
49.
Até na fauna há esse horror
da diferença aqui exposta:
– Há o esperto: o beija-flor,
e há o coitado: o vira-bosta!
50.
Dizem que em boca fechada
não entra mosca... sabia?
Também não entra mais nada:
deixa a barriga vazia...
51.
Se de jeca lhe dão nome,
ele responde: – "Tá bão...
Mas, se ocê não passa fome,
é graças ao meu feijão!..."
52.
Esta é uma antiga lorota,
que jamais se esclareceu:
– Se Judas nem tinha bota,
como foi que ele a perdeu?...
53.
Quando se casa a enteada,
mais a madrasta se ouriça:
Além de "mãe emprestada",
agora é "sogra postiça"...
54.
De longe se escuta o eco
da turma de cara cheia,
no alvoroço do boteco
pondo em dia a vida alheia...
55.
Só dos homens e dos grilos
a mulher tem medo ainda:
– dos grilos, porque são grilos;
dos homens... porque ela é linda!
56.
De grão em grão a galinha
enche o papo, e não tão-só:
também enche "o" da vizinha
com o seu cocorocó...
57.
Quem com vida dá banquete,
mas não convida o povão,
finda a vida, um alfinete
pode furar-lhe o balão!
58.
O bom discurso amoroso
dispensa texto comprido.
Basta um "te gosto" gostoso,
murmurado ao pé do ouvido...
59.
A ciência hoje é um colosso,
com tudo fora de centro:
faz laranja sem caroço,
gravidez sem filho dentro...
60.
Passo à frente este estribilho
que escutei de um pai grisalho:
– Dá trabalho pro teu filho,
que ele não te dá trabalho...
61.
Era um guri tão terror,
que a escola inteira o temia.
Cresceu... virou professor...
paga com juro hoje em dia!
62.
Se tens filho, escuta aqui,
que um lembrete eu vou deixar-te:
– Guri que já faz guri,
se fica solto, faz arte!...
63.
É uma atitude marota,
ambígua e um tanto arriscada
perguntar a uma garota
se ela quer jogar "pelada"...
64.
Não há diferença alguma
se a festa é pobre ou de gala.
– Tanto noutra quanto numa,
quem bebe demais se rala!
65.
Cuidado, amigo, atenção...
não beba o primeiro trago.
– Quando se escuta o trovão,
o raio já fez o estrago!
66.
Atrás das "outras" não perca
o seu juízo... cuidado!
Boi que muito pula cerca
volta um dia "desfalcado"...
67.
Nem o amor nem a amizade
resistem se entre os parceiros
não existe afinidade
nem de roncos... nem de cheiros...
68.
Me desculpe se isto aflige-a,
mas o progresso endoidou:
mais premia a calipígia
do que a moça que estudou!...
69.
Segura, peão, segura,
que a vida é um grande rodeio...
É bela, no entanto é dura,
com muitos trancos no meio!
70.
O candidato se inflama,
promete mundos e fundos.
Cai do coreto... na lama:
sai com seus fundos imundos!
71.
O bom cabrito não berra;
gato sabido não mia...
Menos sofre e menos erra
quem menos fala hoje em dia.
72.
"Tem o amor certas razões
que nem a razão conhece."
– Por exemplo: as emoções
que um gordo cheque oferece...
73.
Morre o peixe quando aboca
seu jantar com muito anseio...
Sobretudo se a minhoca
traz anzol como recheio!
74.
Água parada, ao moinho
não move... nem moveria.
Somente serve de ninho
para mosquito dar cria...
75.
Canarinho, quando canta,
que será que o faz cantar?
– Sei lá... mas a mim me espanta
que ele cante sem cobrar...
76.
Disse-me um dia um vovô,
todo prosa e convencido:
– Me sinto que nem ioiô
nas mãos do neto querido!
77.
Se tal força o avô tivesse,
o neto não cresceria:
– crescendo, desaparece,
e leva junto a alegria...
78.
Pica-pau, sossega o taco...
faz uma pausa, ó carinha!
Teu toque-toque enche o saco
da passarada inteirinha...
79.
De biquíni ou minissaia,
a verdade se revela...
– Não há mentira na praia:
feia é feia, bela é bela!
80.
Mosquito para a mosquita,
nadando na sopa quente:
– Eta piscina bonita...
a pena é que engorda a gente!
81.
O cravo, ao que se comenta,
coisou a flor do vizinho...
A rosa, toda ciumenta,
fincou-lhe na coisa o espinho!
82.
De todos ela atraía
mil sorrisos, mas... que dó:
casada, sofre hoje em dia
os maus homores de um só...
83.
A laranja era tão doce,
que o limão ficou com medo:
– por inveja, ou lá o que fosse,
acabou ficando azedo...
84.
Muito teimosa, a franguinha
com um ganso se casou.
Ao ter um ovo, tadinha...
de cesárea precisou!
85.
O que faz a boca torta
é o cachimbo – assim se diz.
Quem bate a cara na porta
entorta a boca e o nariz!
86.
O gavião sobe e some,
que nem certos liderinhos.
Só desce quando tem fome...
pra comer os passarinhos.
87.
Eis um dito dos mais sábios
para tempo de eleição:
– Discurso fácil nos lábios,
mentira no coração!
88.
Quando a eleição se avizinha,
dando início à falação,
de ovo em ovo a galinha
municia a oposição...
89.
Assim como faz o gato
para o cocô não feder,
muito ilustre candidato
tenta o passado esconder...
90.
Ao fim de qualquer mandato,
somando-se o dito e feito,
no saldo exibe o relato
muito mais dito que feito...
91.
O ex-chefe ao novo espicaça,
e insulta, e provoca, e xinga...
– É o outro agora a vidraça;
ele o estilingue... e se vinga!
92.
Muito sepulcro caiado,
que bota pose de puro,
no claro é distinto e honrado...
mas como apronta no escuro!
93.
Li num muro, em sábio piche,
que "a virtude está no meio".
De fato: "do sanduíche,
o mais gostoso é o recheio"...
94.
Papai Noel é, de fato,
um puxa-saco... ah se é:
para alguns dá até o sapato;
para os demais, só o chulé...
95.
Sempre que ensaia um passeio,
assim se apresta o janota:
reparte o cabelo ao meio,
bota a calça, calça a bota.
96.
Rodo, rodo, rodo, rodo,
devagar a divagar...
divagando sobre o modo
menos vago de vagar...
97.
Tão boa é aquela senhora,
tão generosa e tão pura,
que nem passando a ter nora
perdeu jamais a ternura...
98.
Pergunto: – Serás a lenda
que eu vi no mar e na areia?
Se rindo, linda, ela emenda:
– Não sou ainda... sereia!
99.
No quintal da casa em frente,
mora um meigo sabiá...
Mando um beijo e ele, contente,
manda um gorjeio de lá!
100.
Poeta, à porta do Pai,
entra fácil, certamente.
Se São Pedro se distrai,
São Francisco empurra a gente!

Fonte:
ASSIS, Antonio Augusto de. Trovas Brincantes. Setembro de 2004.
Portal CEN
http://www.caestamosnos.org

Nilto Maciel (Jornal de domingo)

Escondido atrás do jornal, o professor Luiz Vaz passava o domingo. E catava pedras preciosas, por puro deleite. Ou para exibi-las a seus alunos.

Fora-se o tempo de Virgílio, Camões, Bilac. Agora só queria os novos poetas. Nada de vertitur interea coelum (Entretanto o céu gira. Virgílio, Eneida, Livro II; 250).

Olhos enfiados no chão da folha, Vaz sonhava. Nunca o chamariam velho. Antes, o eterno jovem. O mestre da língua viva. Polêmico, moderno, brasileiríssimo.

Súbita emoção. Arregalou os olhos. Um poema de Noto de Sissa! Leu o título. Uma beleza! O primeiro verso. Um primor!

Com sofreguidão, percorreu todo o poema. Voltou ao título, ao primeiro verso. Releu tudo, cheio de entusiasmo.

***
Na sala de aula, Luiz Vaz freou sua emoção. E amarrou a rubra língua no céu da boca. Queria um comentário escrito de cada aluno ao poema que copiava no quadro-de-giz.

***
Riu na cara dos alunos. Não aprendiam nada. Pareciam idiotas. Especialmente a "crítica" feita por Oton.

– Uma barbaridade!

E se pôs a falar os versos de Noto de Sissa. Pequena obra-prima da poesia épica.

A maioria dos jovens abriu a boca e queda ficou. Um, porém, não concordou com a análise do mestre. E defendeu com língua e dentes sua opinião.

Irritado com a presunção de Oton, o professor tratou de humilhá-lo. Não passava de um aluno, um fedelho. Longe ainda se achava de atingir os primeiros degraus do saber. Enquanto ele, Luiz Vaz, já alcançara o ápice da cultura literária. Ora, exercia a crítica e a cátedra há trinta anos. Escrevia para revistas estrangeiras. Correspondia-se com pessoas do tamanho de Barthes, Foucault, Jakobson.

Oton de Assis nada mais falou. Na verdade, não podia se comparar àquele homem.

E continuou anônimo entre os colegas. Seu lirismo, porém, ainda germinaria páginas tão belas como as publicadas no jornal daquele domingo.

Fonte:
Jornal de Poesia
http://www.secrel.com.br/jpoesia/

Artur Eduardo Benevides (Dois contistas cearenses)

Entre os cearenses que triunfaram lá fora, em decorrência do seu merecimento literário, dois, por coincidência residindo em Brasília, mereceram sempre minha maior atenção e acompanhei, por isso mesmo, com grande interesse o seu êxito, na Poesia e no Conto. Refiro-me a José Hélder de Sousa, cujos poemas estão atingindo um alto clima de despojamento formal, em favor da essencialidade, e a Nilto Maciel, que lançou, não faz muito, nova coleção de contos – As Insolentes Patas do Cão – deixando-me a impressão de que se acha no melhor momento de uma criação, no gênero.

José Hélder, que hoje integra a Academia Brasiliense de Letras, tendo como patrono o admirável Raul de Leoni, uma de minhas devoções literárias mais intensas, é autor de belos poemas interpretativos do ser e do mundo, com alguns versos isolados da maior grandeza, dignos de um Jorge de Lima, de um Augusto Frederico Schmidt, de um Vinícius de Moraes. Isso, a contar de sua estréia, com A Musa e o Homem, aos poemas que se acham em As relvas do Planalto, com uma visão madura das cousas reais e irreais.

Agora, surpreende-me com a beleza desse Rio dos Ventos, volume de contos e novelas, numa demonstração de que nasceu vocacionado também para a ficção. E o livro é excelente, deixando no leitor a impressão de haver sido escrito por quem tem o segredo do fazer literário e se aprimora cada vez mais em seu ofício, graças ao talento que trouxe do berço, como uma predestinação.

Destaco a sugestiva peça inaugural que dá título ao livro. Um título, diga-se de passagem, muito poético. E a narrativa surge, maiúscula, pungente, sofrida e humana. O autor conta uma saga do Brasil antigo, nas ribeiras do Acaraú, em que aparecem Profiqua Mendes Carneiro, do casamento à morte; Chico Pachola, o senhor de terras e seu marido; o vigário apaixonado; as “noivas do rei”; a casa cheia de roseiras, jasmins e manacás; as tricas e futricas de campanário; a vila humilde e nascente. Uma história densa, romântica em alguns lances e trágica no desfecho. Realíssima e de certa forma lírica. Ou pastoral.

Considerei muito bom o casamento da ficção e da História. José Hélder, que usa também o recurso em “Senhorão”, tem ótimo desempenho como narrador, cousa que aprendeu, sem dúvida, nos longes da infância, em Massapê e Sobral, ouvindo os Contos e Histórias de Proveito e Exemplo, do português Gonçalo Fernandes Trancoso.

Rio dos Ventos, no meu entender e julgar, merece leitura e releitura. O autor atinge, nesse livro, um dos momentos mais significativos de sua arte, com a mesma força que já nos acostumáramos a ver no poeta que ele é.

O outro escritor a que me referi de início é Nilto Maciel, que se iniciou na década de 70 com os promissores contos de Itinerário, publicando depois, no mesmo gênero, Tempos de Mula Preta, A Guerra da Donzela e Punhalzinho Cravado de Ódio, este considerado por Sânzio de Azevedo um excelente livro.

Dele, leio agora, com certo encanto pelo poder das imagens e de síntese, As Insolentes Patas do Cão, em que trabalha com elementos oníricos e mágicos, poéticos e míticos, combinando universalismo e regionalismo, lembranças, vivências fundas, lendas e realidade. E se sai muito bem dessa tarefa, com alguns contos admiráveis, em conteúdo e estrutura, ou fundo e forma.

A partir de “Ícaro”, com que abre o livro, trabalha os seus contos de forma moderna, evitando o descritivismo exagerado da era Maupassant, e se atendo ao essencial, em breves (mas profundas, às vezes) registros de um momento, que caracterizam a short-story. Mesmo o erotismo, como em “Incubação”, é comedido. E há traços machadianos na “Teoria do Amor Socrático”, em “Os Belos Olhos de Sônia” e “O Inseto”. Já o inesperado surge em “A Voz Indecorosa”, em “Mon Amour” e “O Confessor Lascivo”. E o fantástico lá está, muito bem lançado, em “O Vencedor” e “A Última Festa de um Homem Só”.

Nilto Maciel, com muito talento, combina, para meu agrado, como seu leitor, o real e o fantástico, cousa rara na Literatura Cearense, se bem que tenhamos exemplos em Emília Freitas, no século passado, em Moacir Lopes (“O Passageiro da Nau Catarineta”) e José Alcides Pinto. Ele não teme trabalhar com elementos assim, desafiadores, chegando a resultados excelentes.

Outro aspecto a destacar, na ficção de Nilto Maciel: a fascinante presença da fábula, como em “A Fala dos Cães” e outros momentos do livro. Esse é um legítimo conto medieval. Ou uma quase parábola, em que, desmentindo um pouco o Professor Massaud Moisés, de vasto saber, para quem “animais não podem ser personagens” (in Dicionário de Termos Literários) ele prova o contrário. E traz, como figurantes de outras histórias, serpentes, gatos e ratos, da mesma forma que o velho Calderón de la Barca transformara a fé, a esperança, a água e o fogo em personagens. Mas, esse é outro problema, muito interessante, por sinal.

Em resumo: As Insolentes Patas do Cão (que título expressivo!) são contos que se acham na categoria de muito bons e de excelentes. Contos com a marca registrada de Nilto Maciel, expressa através do binômio – talento e autenticidade. E já é muito, hoje em dia, com tantos naufrágios por aí, nesse importante gênero.

Fonte:
Jornal de Poesia
http://www.secrel.com.br/jpoesia/artur5.html