quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Mia Couto (Terra Sonâmbula - Venenos de deus, remédios do diabo)

artigo O GUARDADOR DE SONHOS Em Venenos de deus, remédios do diabo e Terra sonâmbula por Mariana Ianelli

Mia Couto recupera o poder do sonho e a necessidade do mito

Nasce mulata a poesia moçambicana, em meados do século 19, no casamento do poeta Tomás Antônio Gonzaga, de sangue luso-brasileiro, com Juliana de Sousa Mascarenhas, da Ilha de Moçambique. A respeito desse rico intercâmbio de culturas falava o escritor Mia Couto, quatro anos atrás, em uma comunicação na Academia Brasileira de Letras. Foi assim que, estreitando laços de vizinhança, entre 1950 e 1970, as vozes de Manuel Bandeira, Drummond, Graciliano Ramos, Jorge Amado e tantos outros aportaram em Moçambique, para semear ali a gênese de uma identidade lingüística ainda carente de matizes que pudessem distingui-la do português colonial.

Dessa partilha que transcende a dimensão da língua e toca o fundo de um parentesco mágico, deriva o encontro de alma especialíssimo de Mia Couto com Guimarães Rosa. Em um sertão que desemboca em savana, levanta-se agora, mais uma vez, a flor mestiça, re-encantada em cores de beleza universal. Tudo o que Mia Couto reconhece marcar a experiência de recriação da escrita em Guimarães, podemos também reconhecer em seu trabalho, bem entranhado nos sais da terra moçambicana: o uso de "neologismos, da desarticulação da frase feita, da reinvenção dos provérbios, do resgatar dos materiais da oralidade". Poetas por excelência, ambos são feiticeiros da linguagem, desbravadores de uma pátria mítica em que nos descobrimos antes unidos por um sonho que separados por diferenças de raça.

Onde paira a névoa e, desde logo, qualquer prerrogativa de certeza se desfaz, é o sonho justamente que aparece e se propaga como elemento fundador das viagens nos livros de Mia Couto. Em Terra sonâmbula, a névoa está por toda parte. Uma estrada arrasada pela guerra, a carcaça de um automóvel incendiado, uma misteriosa mala ao lado de um cadáver: eis toda a paisagem, ou quase. Um baobá ali de pé dá sinais de que a terra não definhou completamente, que ainda serve de refúgio. Nesse lugar, a meio de um caminho, instalam-se Muindinga e Tuahir, sobreviventes de um país em luto. Nada se move enquanto eles não enterram seus mortos.

Dentro da mala, uma herança os aguarda: os cadernos manuscritos de Kindzu, um menino nascido no seio da guerra, cujo nome é o mesmo "que se dá às palmeiritas mindinhas, essas que se curvam junto às praias". Com efeito, as palavras dessa criança lançam raízes e plantam no pequeno Muindinga a memória de um passado que lhe falta, desabrocham no velho Tuahir sua capacidade de sonhar. Começa aqui a viagem. Das águas para a terra, desde as páginas de uma ilíada, os dois andarilhos empreendem sua odisséia da estrada para o mar, traçando, sem saber, um itinerário de volta a casa: o pertencimento a uma nação que por muito tempo esteve esquecida, oculta sob o sono e sob as armas.

Palavra fabulosa

Tal como Kindzu recebe de um adivinho o "amuleto dos viajeiros" para começar sua jornada e curar-se "das leis, mandos e desmandos", Muindinga e Tuahir recebem a palavra fabulosa que os vai libertando da "miséria de existir pouco". E quanto mais avançam na leitura dos cadernos, mais a paisagem em torno deles se transforma. É a estrada que caminha, enevoada, diluindo os contornos de uma dura realidade, por dentro se fazendo fértil para a colheita do futuro. Povoam-se de árvores as estórias de Kindzu - canhoeiros, massaleiras, cajueiros, djambalaueiros - e o mato à beira da estrada viceja, "num moçambique de verdes". O sagrado se abastece de forças na genealogia poética do filho das águas, da filha do Céu, e já Tuahir passa a sofrer de uma outra fome se o pequeno Muindinga demora a retomar o diário - uma fome que só a fantasia satisfaz. O garoto lê as páginas, o velho lê as folhagens, um alimenta no outro os motivos de estar vivo. No desfile dos espectros da guerra, nas imprecações dos espíritos, põem-se "os tempos, em sua mansa ordem, conforme esperas e sofrências", e o tempo presente se resolve. Finalmente, os mortos podem ser sepultados pela segunda vez, com as devidas cerimônias.

Um cadáver abandonado a céu aberto, um elefante agonizando na savana, em Terra sonâmbula, são variações do mesmo retrato de um país acometido pelo fantasma da guerra bem depois de a guerra haver terminado. Tuahir diz ao pequeno Muindinga: "eu vivi num tempo em que o amor era uma coisa perigosa. Tu vives num tempo em que o amor é uma coisa estúpida". Órfão de pai e mãe, Muindinga cumpre o destino de escapar de muitas mortes, e ser, como Kindzu, um portador da paz. Com o corpo doente de "mantakassa", o veneno da mandioca apodrecida, é salvo de sua primeira agonia pelo velho Tuahir quando está prestes a ser atirado a uma vala. Sua tarefa tem o peso de uma raça: escapar da terra contaminada e proteger-se das enfermidades da alma, que se abrem nas feridas invisíveis do medo, da loucura, da desesperança. Trata-se também de outra orfandade, esta contra a qual luta o pequeno Muindinga: a perda do encanto das tradições, a derrocada de um país pelo império da violência, o desprezo dos homens por um sentido de comunidade.

No livro, a proclamação da Independência de Moçambique torna-se um de seus personagens fantásticos: Vinticinco de Junho, o Junhito, irmão menor de Kindzu. Para ser poupado da morte que o pai lhe sentencia em uma de suas predestinações, Junhito é encerrado em um galinheiro, disfarçado com um saco de penas, e aos poucos vai desaprendendo a falar. Desaparece certa manhã, sem deixar rastro, para ressurgir aos olhos de Kindzu em uma capoeira improvisada dentro de um tanque militar. Apenas concretizada a travessia, na última fábula do diário, Junhito finalmente se humaniza, embalado pelo som de uma canção.

Merece um destaque à parte, no romance, a estória de Nhamataca, filho de um amor durante a "estação das brumas" entre um homem e uma mulher, em margens opostas de um rio, que as águas acabam por unir em uma jangada. Mia Couto narra um episódio familiar no conto Nas águas do tempo, de Estórias abensonhadas: um velho que ensina seu neto a enxergar por trás do nevoeiro o vulto que lhes acena um pano branco. O avô segreda a lição: "nós temos olhos que se abrem para dentro, esses que usamos para ver os sonhos. O que acontece, meu filho, é que quase todos estão cegos, deixaram de ver esses outros que nos visitam. Os outros? Sim, esses que nos acenam da outra margem". Como diz Kindzu, em Terra sonâmbula: "O sonho é o olho da vida. Nós estávamos cegos". É então, para voltar a ver, que o menino guarda suas fantasias no bojo de uma viagem, as páginas do seu diário transformadas em páginas de uma estrada.

Epidemia

Tons mais sóbrios marcam a paisagem de Venenos de deus, remédios do diabo, o romance recém-lançado de Mia Couto. Sob uma névoa que agora batiza e cobre uma vila africana, as intimidades dos habitantes silenciam, debaixo de pequenas mentiras, saberes que não mentem. Cada sonho é um modo de esquivar-se de um presente de poucas distrações. São breves os arredores de Vila Cacimba, porém, dentro da casa de D. Munda e Bartolomeu Sozinho, uma geografia se desdobra em distâncias. Além dos devaneios da memória, que adoecem de melancolia esse universo entre quatro paredes onde se concentra a narrativa, uma epidemia contamina as redondezas da vila, convertendo os soldados em "tresandarilhos".

Encarregado de conter a doença, que os moradores do lugarejo atribuem a um "mau-olhado", o médico português Sidônio Rosa esconde outro motivo para estar ali, uma saudade chamada Deolinda. O nome dessa mulata atravessa o livro como uma segunda neblina, uma sombra que acompanha seus personagens, miscigenando lembranças de um passado cujo verdadeiro nome é o de uma terra perdida. Sidônio não esquece o caso de amor que teve com a mulata durante um congresso em Lisboa, e viaja à sua procura, no fundo, para resgatar a si mesmo. Os velhos Bartolomeu e D. Munda tampouco esquecem Deolinda, que partiu "para fora" deixando na casa a ausência de uma filha. Aqui tem início a travessia do romance, nas visitas diárias que Sidônio faz a Bartolomeu, para tratá-lo de tristezas tão venenosas quanto a epidemia da vila.

Na casa dos Sozinhos, as janelas estão sempre fechadas. Bartolomeu e D. Munda também se fecham, repetindo a escuridão do ambiente, doentes de "saudade da Vida". Bartolomeu, trancado no quarto, vive de remoer nostalgias da época do colonialismo, quando trabalhava a bordo do transatlântico Infante D. Henrique. A queda do regime colonial inaugurava o fim das viagens, um novo tempo sem "partida nem chegada", por isso os cravos vermelhos de 1974, para ele, nunca foram símbolo de festa, mas sinal de despedida. D. Munda, fechada em si mesma, chora ritualmente todos os dias, e "arruma no vazio das prateleiras o vazio que está dentro dela", na tarefa de enterrar as alegrias. Sidônio Rosa, apesar de médico, não tem a cura para essa doença de "solitária lonjura" dos velhos; ele próprio, aliás, sofre de uma saudade parecida, uma espécie de inexistência para a qual o único remédio é voltar a sonhar.

Em Venenos de deus, remédios do diabo, diferentes identidades se embaralham, dissolvem pressupostos históricos e preconceitos de raça, familiarizam-se na solidão. O estrangeiro não se traduz mais como aquele que vem de fora, senão como quem perdeu seu convívio com a terra - o reconhecimento, em si mesmo, de uma pátria. "Afinal, os homens também são lentos países. E onde se pensa haver carne e sangue há raiz e pedra." Sidônio Rosa se esquiva do abraço de D. Munda para evitar "um trânsito de alma", Bartolomeu Sozinho simplesmente desiste, porque o "amor envelheceu". Amigos de infância, Bartolomeu e Alfredo Suacelência, administrador da Vila Cacimba, agora rivalizam, por razões políticas já cansadas de guerra.

Com a mentira a serviço da fábula, a mestiçagem de corpos e de almas, viagens e cartas inventadas, Mia Couto recupera, neste e em seus outros livros, o poder do sonho e a necessidade do mito, questionando noções de pertença e ilusões de pureza de raça. Como disse em sua intervenção na cerimônia do Prêmio Internacional dos 12 melhores Romances de África, para o qual foi selecionado com seu romance Terra sonâmbula, em 2002: "Os escritores moçambicanos cumprem hoje um compromisso ético: pensar este Moçambique e sonhar um outro Moçambique. (...) Estamos aguardando pelo renovar de um estado de paixão que já experimentamos, esperamos pelo reacender do amor entre a escrita e a nação enquanto casa feita para sonhar. O que queremos e sonhamos é uma pátria e um continente que já não precisem de heróis".

O AUTOR

MIA COUTO, pseudônimo de António Emílio Leite Couto, nasceu em Beira, cidade de Moçambique, em 1955. Filho de portugueses, estudou medicina, praticou o jornalismo e foi militante da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), tendo trabalhado para o governo à época da guerra civil (1976-1992). Formou-se em biologia, atividade que exerce ainda hoje, além de dedicar-se a estudos de impacto ambiental em Moçambique. Estreou na literatura com o livro de poesia Raiz de orvalho, em 1983 e, três anos depois, lançou seu primeiro livro de contos, Vozes anoitecidas. Desde então, freqüenta diversos gêneros da prosa - de romances, contos e novelas, a histórias infanto-juvenis e crônicas. Considerado um dos escritores moçambicanos mais conhecidos internacionalmente, tem seus livros traduzidos para o alemão, francês, inglês, italiano e catalão. Em 1999, conquistou o Prêmio Vergílio Ferreira, pelo conjunto da obra e, no ano passado, o Prêmio União Latina de Literaturas Românicas. Entre seus títulos mais consagrados estão Terra sonâmbula (1992), selecionado pelo júri da Feira Internacional do Zimbabwe um dos doze melhores livros africanos do século 20, com o qual obteve o Prêmio Nacional de Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos em 1995, O último voo do flamingo (2000), com o qual obteve o Prêmio Mário António de ficção, Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra (2002), tornado filme pelo português José Carlos Oliveira e O outro pé da sereia (2006), pelo qual recebeu o Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon de Literatura, na 12ª Jornada de Literatura em Passo Fundo (RS), em 2007.

TRECHO • Terra sonâmbula

O adivinho olhou a terra como se dele dependesse o destino do universo. Pesava nos seus olhos a gravíssima decisão de criar um outro dia. (...) Então, levantando o seu cajado, sentenciou:

- Que morram as estradas, se apaguem os caminhos e desabem as pontes!

Depois, começou o discurso, desfiando palavras lentas, rasgando a voz de encontro ao vento:

- Chorais pelos dias de hoje? Pois saibam que os dias que virão serão ainda piores. Foi por isso que fizeram esta guerra, para envenenar o ventre do tempo, para que o presente parisse monstros no lugar da esperança. Não mais procureis vossos familiares que saíram para outras terras em busca da paz. Mesmo que os reencontreis eles não vos reconhecerão. Vós vos convertêsteis em bichos, sem família, sem nação. Porque esta guerra não foi feita para vos tirar do país mas para tirar o país de dentro de vós. Agora, a arma é a vossa alma. Roubaram-vos tanto que nem sequer os sonhos são vossos, nada de vossa terra vos pertence, e até o céu e o mar serão propriedade de estranhos. (...) No final, porém, restará uma manhã como esta, cheia de luz nova e se escutará uma voz longínqua como se fosse uma memória de antes de sermos gente. (...) Aceitemos morrer como gente que já não somos. Deixai que morra o animal em que esta guerra nos converteu.

Fontes:
http://rascunho.rpc.com.br/
Foto: http://www.ufmg.br/

Entrevista com Raimundo Carrero

por Marcio Renato dos Santos (Curitiba – PR)

Os segredos da ficção - Um guia da arte de escrever
Raimundo Carrero
Agir
336 págs.

Valendo-se de sua vasta experiência como escritor e também de sua performance à frente de uma oficina de criação literária - que já revelou Marcelino Freire, entre outros -, Raimundo Carrero acaba de publicar um livro que pode ser de muita valia a quem quer que deseje produzir literatura. A esse tipo de leitor, Os segredos da ficção - Um guia da arte de escrever apresenta um bom número de caminhos a seguir. Na obra, Carrero também desmonta o mito da inspiração. "Não faz mais sentido falar nisso. A inspiração tem causado muitos danos à literatura brasileira", diz. "Há escritores inspirados demais por aí, escrevendo histórias bonitinhas. E a culpa é sempre da inspiração." Ele salienta que todos os que realmente quiserem escrever podem vir a ser escritores. Vontade e disciplina são requisitos fundamentais - bem como disposição para ler, ler, ler e escrever, escrever, escrever. E reescrever, reescrever, reescrever.

Raimundo conhece as regras da arte: "Escreve-se obedecendo a quatro movimentos: impulso, intuição, técnica e pulsação". Mas isso não quer dizer que Os segredos da ficção seja um manual a ser obedecido hipnótica e cegamente. "Muito pelo contrário", explica Carrero. "São sugestões de exame, análise, reflexão. Passo para o autor iniciante uma série de técnicas e informações que devem ser estudadas. Quem vai decidir depois é ele próprio."

Raimundo Carrero nasceu em 1947, em Salgueiro, no sertão pernambucano, e hoje vive em Recife, de onde conversou, por e-mail, com o jornalista Marcio Renato dos Santos. Carrero é autor, entre tantos livros, de Somos pedras que se consomem (que recebeu os prêmios APCA e Machado de Assis, em 1999) e As sombrias ruínas da alma (vencedor do Jabuti, em 2000). Jornalista profissional, tem intensa relação com a música. "Cheguei a tocar em bandas de rock. Fui às trevas e voltei, conheci a loucura e estou aqui, chamuscado, mas possuído pela vontade de construir um mundo."

Qualquer pessoa pode escrever ficção?

Pode. E quando falo em qualquer pessoa, é claro que estou me referindo àquela que gosta e tem o hábito de escrever. Que tem vontade, palavra mágica que substitui a inspiração. O que atrapalha é o vício da perfeição no primeiro instante, ainda na descoberta da voz narrativa. Depois dela, escreve-se obedecendo a quatro movimentos: impulso, intuição, técnica e pulsação - substituta da forma, a palavra mais flutuante da literatura. No primeiro instante, no impulso, não há problema que seja feio e ruim o que se escreve. Henry Miller diz: ruim ou bom, saiu das minhas palavras. Daquilo de que sou capaz. Não se escreve com críticos nos ombros. Retire os críticos e trabalhe. Crítico vem depois. Trabalhe duro, por entre ruídos, gritos e gemidos. Só assim é possível descobrir a voz narrativa. Passe vergonha, decepção. No impulso, a dor da vergonha é possível. É, aliás, inevitável. Na intuição, as coisas vão ficando mais claras. Então invista ainda mais. Não há regra absoluta no campo das artes. Uma coisa pode estar ruim para a tradição, mas não exatamente para o criador. É diferente. Cito sempre o conto Pomba enamorada, de Lygia Fagundes Telles. É bom ou ruim dizer que "a rainha é uma bela bosta" ou que "vou amar ele para sempre"? Isso é circulação de vozes - personagem que narra. Se alguma coisa está errada, está no leitor ou no crítico. Por isso, esse tipo de frase pode aparecer na voz narrativa ou no impulso, e a tendência é dizer que não presta. Calma. Na intuição, é fácil perceber que o problema pede solução na técnica. Ela é um problema de cada um. E cada um descobre sua própria técnica, sem imitar ninguém. As técnicas pessoais e intransferíveis estão nos nossos trabalhos. Com exercícios - inclusive ou sobretudo de leituras -, isso se aprende.

O começo de tudo é a voz narrativa. Erramos sempre porque não respeitamos a nossa voz narrativa, não amamos o nosso timbre, queremos imitar a tradição. No princípio é o tom. Gostaria que o senhor comentasse essas frases-idéias presentes em seu livro.

Sem acreditar na voz narrativa é impossível criar. A princípio ela é barulhenta, confusa, equivocada. Não importa. A experiência de sua descoberta é única. Deve-se acreditar sinceramente nisso, trabalhar com força. Porque, se não for assim, começamos por imitar os consagrados, os clássicos. Há escritores que preferem cortar uma palavra, alterar a montagem de uma frase para que ela se pareça com a tradição, com aquilo que se convencionou chamar de limpeza da frase, renunciando à visão e ao espírito do personagem. Mesmo assim, o escritor precisa saber que rimas internas, cacofonias e alterações têm a sua função. A tradição diz que é errado, feio e cruel mas, e se for preciso chamar a atenção do leitor para a intimidade do personagem? Para a função da frase na cena? Para a alternância de pontos de vista? Renuncia-se, porque o denominado estilo do autor mão-de-ferro, onisciente, exige? Com habilidade, arte e jeito, isso se resolve. O problema não é harmonizar o texto convencional, mesmo quando ele parece torto, mas a intimidade do personagem. Chamo a atenção para os exemplos de Hemingway e Lygia que apresento no livro, além do conto Chuva, de Luiz Vilela. Daí a questão do tom que, aliás, vem de Poe. Sem um tom correto a narrativa desaba. Pode ser intuitivo ou técnico, mas sem ele não há salvação.

Em Os segredos da ficção, o senhor questiona o mito da inspiração e aponta para o impulso.

Não faz mais sentido falar em inspiração. Ela tem causado muitos danos, sobretudo à literatura brasileira. Há escritores inspirados demais por aí, escrevendo histórias bonitinhas. E a culpa é sempre da inspiração. Além do mais, a psicanálise desmancha essa história, de modo definitivo. A vontade de construir um novo mundo, particular e solitário, por absoluta inadequação a este - e até, contraditoriamente, por amor a este -, leva o escritor a inventar textos a partir da observação e da experiência. Assim nasce o que o velho francês Albert Albalat chamou de primeiro impulso imperfeito. Freud intitulou-a escrita automática, chegando a Jung como impulso básico. Todos os escritores conscientes esclarecem que é no embate com a vida que o escritor nasce. Basta citar o caso de Gabriel García Márquez, para quem há uma tensão permanente entre o escritor e o seu tema - o mundo. Dessa tensão surge o texto. Quando perguntaram a Faulkner o que era inspiração, ele respondeu: "Nunca fui apresentado a essa senhora". E acrescentou que a inspiração deve conhecer o muque do escritor. É leviana e irresponsável. Quase a mesma coisa diz Osman Lins, assegurando que o escritor que acredita nela é igualmente irresponsável.

• "Alguns escrevem bem, muito bem, muitíssimo bem, mas não escrevem ficção." Poderia comentar essa frase de seu livro?

Alguns de nossos antepassados confundiam escrever ensaio com escrever ficção. Na tradição luso-brasileira isso se tornou lei. Queriam colocar no texto ficcional as mesmas preocupações ensaísticas: elegância, eloqüência, adjetivos, excesso de adversativas, frases de efeito. O autor se mostrando inteiro. Isso é pânico puro. Porque escritor de ficção não pode ter mão-de-ferro. Afinal, escritor não tem estilo. Quem tem é o personagem - que também é narrador. Todos os grandes novelistas sabiam disso. Mario Vargas Llosa demonstra que o Dom Quixote foi escrito por dois narradores: o misterioso Cide Hamete Benengeli, que escreveu a história original em árabe, e o narrador anônimo, que o traduziu. Se têm estilos diferentes, podem escrever coisas diferentes, em linguagens diferentes. E aí reside a grandeza de Cervantes. Quando o personagem se manifesta, manifesta-se também o seu estilo, e é possível que diga asneiras. Veja ainda o caso de Dom Casmurro, de Machado de Assis. Um livro escrito por três personagens: primeiro, o narrador oculto, Machado; segundo, o narrador cronista e evasivo, irônico, alter ego de Bentinho, Dom Casmurro; e terceiro, o narrador acusador e grosseiro, Bentinho. E Dom Casmurro e Bentinho não são os mesmos? Em corpo, sim; em caráter, são diferentes. É o caráter que escreve. Ninguém se manifesta segundo seu físico, mas segundo sua personalidade. Madame Bovary, de Flaubert, tem vários narradores, alguns escandalosos; e Dostoiévski criou a polifonia, em que muitas vozes circulam no texto. Flaubert sempre optou pelo personagem. Ninguém mais revolucionário do que ele. Às vezes parece um louco. Dava uma importância enorme aos tempos verbais.

Veja a abertura de Um coração simples: "Por cem francos ao ano, ela cuidava da casa e da cozinha, costurava, lavava, passava, sabia arrear um cavalo, engordar as aves de criação, fazer manteiga - e continuou fiel à patroa, que entretanto não era uma pessoa agradável". A tradição com certeza condenaria o uso excessivo do imperfeito - "costurava", "lavava" e "passava" - e dos verbos "arrear", "engordar" e "fazer", em oposição ao imperfeito. Em nome do estilo, alguma coisa tinha de sair, faltava coesão e harmonia, havia sobras. O imperfeito elastece o tempo, e o tempo aí não tem fim. Qualquer mexida tiraria o efeito de escravidão da personagem. Hoje há quem suporte. Na época foi um deus-nos-acuda; Flaubert era acusado de não saber escrever. Até Proust foi na onda. Depois mudou. Na verdade, a personagem era uma escrava, fazia de tudo. Se escrevesse isso, com essas palavras, cometeria um abuso de escritor onisciente. Feito Hemingway: "Francis Macomber era muito alto, bem-feito de corpo (se não se levassem em conta seus ossos longos), moreno, cabelos cortados rente como os de um remador universitário, lábios finos". Escreve bem, mas não escreve ficção. O personagem está pronto e resolvido demais e o leitor não tem chances: o homem está preso no papel. Aí está a diferença entre escrever bem e escrever ficção.

O senhor aconselha o escritor a anotar, não confiando na memória. Já foi traído por ela? Em que circunstância? Que escritores foram traídos por seu excesso de confiança na memória?

O depoimento vem de grandes escritores, entre eles, Clarice Lispector. Todos falam em cadernos e livros de anotações. Uma frase nasce emocional e por isso deve ser logo anotada. Depois, na frieza do distanciamento, precisa ser trabalhada, com cuidado para que não perca o mistério de solidão e silêncio que tinha ao nascer. Autran Dourado diz que Biela, de Uma vida em segredo, lhe surgiu num sonho. Entrou em seu quarto, sentou-se num baú, e começou a falar, detalhando a história. Ele acordou em plena madrugada e taquigrafou tudo. Se ele não soubesse taquigrafia - ou deixasse aquilo para depois - certamente o perderia. A frase nasce no impulso. Se ele se perde, nunca mais é recuperado. Já perdi muitos textos porque não tinha lápis e papel na mão. E, se ele voltar, não volta com a mesma força. A palavra se deteriora. Está guardada no inconsciente e irrompe por algum motivo. Aloja-se, fica esquecida. Num momento, precisa sair, para não enlouquecer o escritor.

Para o senhor, o escritor precisa de disciplina e de uma rotina agradável: o ato de escrever deve proporcionar prazer. Como é o seu processo, o seu local e o horário de escrever?

Levanto-me às quatro horas e me ponho a escrever. Não espero que as palavras se ajustem, que as cenas se resolvam. Outro dia, percebi que não tinha nada a dizer. Então comecei a me xingar, porque era um domingo pela manhã e eu queria escrever. Era um dia muito bonito de verão pernambucano: sol, areia, mar. E cerveja, muita cerveja, mulheres, lindas mulheres. Irritei-me. Me insultava. Terminei a tarefa. Tempos depois, pediram-me um conto para publicação imediata. Peguei aquele texto, coloquei um personagem e a história estava pronta. Chama-se Os deliciosos peitinhos murchos (publicado primeiramente no Rascunho). Li-o na Festa Literária Internacional de Paraty. Sai este mês na antologia Crimes feitos em casa, pela Record, organizada por Flávio Moreira da Costa. Deve ser o título do meu próximo livro de contos. Aconselho que o iniciante escreva sempre no mesmo horário, sob as mesmas condições. A isso chamo de condições objetivas. Não basta querer ser escritor, é preciso criar condições: uma boa biblioteca, com o básico, a que ele se dedicará todos os dias. Com silêncio. Computador, papel, caneta. Todos os dias, na mesma hora. Mesmo quando estiver triste ou irritado. E deve-se escrever sempre, ainda que seja um desabafo, ou uma carta. Um escritor precisa escrever aos amigos. De preferência cartas. Ou e-mails. Ajudam muito. Uma dica básica: quando as coisas não estiverem indo bem no texto, sente-se e escreva cartas. Aos amigos. A gente nem sempre tem o que dizer ao leitor, mas tem o que dizer aos amigos. Faça isso. É deslumbrante. Os escritores também têm manias: Gabriel García Márquez não escreve sem uma flor amarela na mesa; Goethe cheirava maçãs podres. Clarice escrevia com a máquina de datilografia sobre as pernas, enquanto tomava conta das crianças. Provoque a sua mania também. Talvez descalço. Rezando. Plantando bananeira. Eu rezo muito, tenho esse vício. Descubro-me rezando mesmo nas ruas. Relembre os melhores poemas, leia os melhores poemas, tenha livros de cabeceira, repita versos e estrofes. Para um prosador, a poesia faz um bem incrível. Autran Dourado gosta de ler poemas antes de escrever. Crie as condições objetivas. Sempre. E aí, segundo Flaubert, a literatura se transformará numa orgia perpétua.

Na sua opinião, o autor pode buscar assunto em manchetes de jornais. O senhor ainda afirma ser possível transformar um lugar-comum em grande arte. Gostaria que falasse sobre a busca do mote.

Há anos, recebi um pedido das Edições Bagaço, uma bela editora pernambucana, para escrever uma novela. Mas pedi: "Me telefonem cobrando, sempre". Acontece que eu estava trabalhando muito, na Televisão Universitária, na campanha de Eduardo Campos, ex-ministro de Ciência e Tecnologia, para a prefeitura do Recife. E adiava sempre o projeto. E o dono da editora me telefonando: "Como é, Carrero, já escreveu?". Embora sem haver escrito uma única palavra, eu respondia: "Estou escrevendo". Ele insistia: "Passo quando para receber o texto?". De repente, respondi: "Terça-feira". Era uma sexta. Cheguei tarde em casa e me dei conta da estupidez que dissera. Fui dormir e, no outro dia, peguei o Jornal do Commercio para verificar o noticiário. Tive um susto com a manchete: "Um corpo no telhado". Estava ali minha história. Precisava começar. A matéria falava de um corpo no telhado, talvez assassinado, talvez morto por enfarte. A causa estava sendo examinada. Transformei-me num desempregado que encontra ocupação numa agência de detetives, falida, e fui investigar o caso. Na terça, entreguei a novela. Então, sempre destaco que as manchetes servem para novelas, romances ou contos, nem que sejam apenas como exercícios. Exercício é fundamental. Henry James chamava o exercício de escrever histórias de a "Teoria do Bordado". Ou seja, basta fechar os furos de uma manchete para que a história apareça. Assim: "Mulher tenta o suicídio no mar e é salva por pescadores". Onde estão os furos? Em cada um dos espaços em branco. Primeiro furo: "Mulher". Tente descobrir que mulher é essa, seu nome, suas razões para o suicídio. Pode ser que esses detalhes nunca cheguem aos leitores. Mas são conhecidos pelo autor, que os guarda para o momento certo. Segundo furo: "tenta". Explique como foi a tentativa, o que deu errado, detalhes. Tudo isso pode não servir, mas será anotado. Terceiro furo: "suicídio". Como pulou dentro d'água? Estava vestida, nua, usou um barco, gritava, não gritava? Enfim, é assim que se escreve uma história: fechando furos.

E se der um branco? E se der bloqueio? Já passou por isso?

Em 1975, publiquei minha primeira novela, A história de Bernarda Soledade - A tigre do sertão. A Veja publicou uma enorme sobre ela, assinada por Affonso Romano de Sant'Anna, com foto e tudo. Foi minha primeira resenha nacional. Fiquei louco. Feliz. Uma resenha equilibrada: nem tanto às flores, nem tanto à terra. Mesmo assim, entrei em pânico. Em seguida, veio uma crítica de O Globo, assinada por Haroldo Bruno. E outra e mais outra. O pânico aumentou. O jornal Movimento me pediu um conto e eu descobri, desoladíssimo, que não sabia mais escrever. Era tudo uma porcaria. Não acertava numa única palavra. Endoidei, fiz análise. Somente seis anos depois escrevi outra novela, As sementes do Sol - O semeador, e, em seguida, A dupla face do baralho. Aliás, essas três novelas saem juntas, agora, pela Iluminuras, com um título geral, O delicado abismo da loucura, com um belo prefácio de José Castello. Portanto, um branco de seis anos é uma parada. E os pequenos brancos acontecem, sim. Não com freqüência, mas acontecem. Aí, fica-se brincando, procurando companhia para as palavras e escrevendo cartas.

E a questão do autor-filósofo? Aponte exemplos, negativos, de quem fez de uma obra literária mero ensaio pseudofilosófico.

É o grande risco do escritor de ficção. Filosofar num romance é um erro básico. Até porque o romance não serve para provar nada. Ficção é para contar histórias e alcançar alto nível artístico. Obra de arte, em geral, não tem que provar nada. E quando o autor não é filósofo, a besteira se torna torturante. Substitui a beleza pelo discurso estéril. Veja o caso de Sartre. Um filósofo notável, com um trabalho de categoria, um ótimo pensador. No entanto, quando tenta defender suas idéias numa obra de arte - a trilogia de romances Os caminhos da liberdade, com A idade da razão, Com a morte na alma e Sursis - leva uma queda danada. Não é mau escritor, claro. Continua polêmico e vibrante. Mas seus livros não são obras sistêmicas de filosofia, nem são obras de arte. Ficam no meio do caminho. Porque a filosofia impede o desenvolvimento artístico. Quando muito, talvez se possa usar um personagem-filósofo. Mesmo assim é um risco muito grande. E, no caso do iniciante, o risco ainda é maior. Porque, na maioria das vezes, ele nem está preparado para pensar filosoficamente - intui umas coisinhas aqui e ali, e já chama isso de filosofia. É o risco. Romancista tem que lidar com problema de romancista. O que já é muito trabalho.

O senhor comenta que, em literatura, tudo pode ser usado, até mesmo o adjetivo, que se tornou um monstro a ser evitado, e mesmo os advérbios, também condenados por alguns especialistas.

É famosa a afirmação de Flaubert de que até um pé de coentro dá uma obra de arte. E é verdade. No plano artístico, tudo é possível. E em pleno século 21, depois de todas as experimentações, de vanguarda ou não, que tivemos, a questão fica ainda mais clara. O que importa na obra de arte é a arte. Ponto pacífico. Desde os antigos tempos do formalismo e do estruturalismo, sabe-se, com a maior certeza, que não existe obra de arte sem radicalismo. Então, o que procuro transmitir aos meus alunos na Oficina de Criação Literária, no Recife, é que tudo é possível numa obra de ficção, desde que tenha função e efeito. No caso do adjetivo, por exemplo. Em princípio, considera-se o ponto de vista do personagem e, é claro, sua estrutura psicológica. Para um personagem de ritmo eloqüente é perfeitamente razoável que se use o adjetivo. Faz parte da maneira como ele enfrenta, ou vê, o mundo. De forma que se pode dizer: "João encontrou uma linda mulher". Mas o adjetivo pode ser substituído por uma breve descrição da mulher - um olhar, um toque no cabelo, um jeito de andar. E basta. Ou um outro personagem faz o exame. Lembrando, todavia, que o deslocamento do adjetivo provoca outro tipo de emoção e de afirmação. Uma mulher linda não é o mesmo que uma linda mulher. No geral, uma linda mulher considera aspectos físicos; uma mulher linda considera generosidade, comportamento, maneira de ser. A ausência do adjetivo, porém, cria um abismo. A mulher surge e, diante dela, está o seu abismo. A narrativa cuida de revelá-la ou não. Assim, a técnica resolve o que se deve fazer. Quanto aos advérbios, tenho preocupações com os de modo, terminados em "mente" - objetivamente, por exemplo. Primeiro porque é um problema para a frase, do ponto de vista visual. Quebra qualquer estrutura. Mas e a função? Ele pode ter uma função de força, de isolamento, ou de afeto, digamos. No meio da frase, é "de força": "Quero, objetivamente, tratar desse problema". Provoca tensão no leitor. No começo da frase, parece se isolar: "Objetivamente, quero tratar desse problema". Os olhos passam rápido por ele e a palavra fica sozinha, isolada, encolhida. Some. No final da frase: "Quero tratar desse problema, objetivamente". O advérbio cai num tom menor. É afetuoso. Não é agressivo, como no meio, nem isolado, feito no começo. Ganha ternura. Isso se chama "termo flutuante da oração". É semelhante às palavras denotativas agora, então, assim.

O senhor se vale de exemplos musicais. Qual a importância da música em sua vida? De que forma ela pode ajudar o escritor?

Tudo é música. No andar, no olhar, no escrever. Sem harmonia e ritmo tudo viraria caos. A música é tão poderosa que não precisa nem de assistência. Ninguém precisa se voltar, nem ver, nem pensar. A música está ali, eterna. Bela, permanente. Ouvida, escutada, amada. Não olhe para a direita nem para a esquerda, para a frente e para os lados. Apenas escute. Por isso meu livro Ao redor do escorpião... uma tarântula é feito de sons e de ritmos, de movimentos. E tem, como intertítulo, Orquestração para dançar e ouvir. O problema é que a minha formação, embora popular, é musical. Aos 10 anos de idade eu já era músico, tocava na banda da minha cidade, em bailes e festas. A música circula no meu sangue. Cheguei a tocar em bandas de rock, fui às trevas e voltei, conheci a loucura e estou aqui, chamuscado, mas possuído pela vontade de construir um mundo. Se a pessoa souber música, compreende melhor o que é uma palavra, uma cena, um diálogo. As notas e os compassos estão ali. Basta tocá-los. E chamá-los. Eles vêem.

No seu livro, muito é dito e pensado a respeito da relevância do personagem. Dalton Trevisan criou o Nelsinho, um nome traz informações sobre uma situação provinciana. Qual a importância dos nomes e da confecção dos personagens?

O nome do personagem é fundamental. É a base da ficção. Já imaginou se Riobaldo se chamasse Zé Fror? Ou se Capitu fosse Açucena? E João da Ega atendesse por João da Égua? Um desastre absoluto. É preciso ter muito cuidado. Nelsinho é um bom nome urbano. Às vezes de uma consciência suburbana. Dalton conhece bem esses segredos. Tem nome mais misterioso do que Macabéa? Por aí as coisas vão bem. Um nome monta, de imediato, uma estrutura psicológica. Por isso aconselho que, antes de definir o nome, o autor trabalhe o texto, mesmo na fase de anotações, e consulte dicionários de nomes, para evitar equívocos. Cuidado com nome formado. A não ser nos casos de ironias e brincadeiras. A minha novela As sementes do Sol - O semeador é uma remontagem de um episódio entre o rei Davi e Betsabé. Para recriá-lo, precisei de nomes pernambucanos e metafóricos. Assim, Davi é Davino; Amnon é Agamenon; e Tamar é Mariana. Somente Absalão continua Absalão, por ter um nome mais universal. O nome da fazenda onde eles moram é Arcassanta - ou seja, a Arca Santa, à volta da qual Davi dançava. O nome do personagem também pode mudar enquanto o livro é escrito.

O escritor precisa saber o que cortar e saber decidir. Quem vai narrar, por exemplo. Isso angustia?

O foco narrativo é um dos problemas mais graves da ficção. Se o autor erra no foco narrativo, errará em tudo o mais. Com certeza. Não há saída. Por isso ele precisa aprender a decidir desde cedo. Muitas vezes, a narrativa é contada através do personagem principal. E não fica bem. Sempre existirá alguma dúvida. Aí, entrega-se a narrativa ao personagem secundário, que, por força de sua distância do texto, tem conhecimento de detalhes que o protagonista não conhece. Vejamos o caso de Educação sentimental, de Flaubert, que entrega toda a narrativa a Frédéric, o que Henry James considerou um erro fundamental. E não é. Flaubert queria iluminar a mãe de Frédéric a partir de uma perspectiva única. Uma visão fechada do episódio. E conseguiu efeitos incríveis. Um desafio completo: escrever todo o livro sob a perspectiva de um personagem completamente medíocre. Isso é terrível. É um punho fechado no rosto do escritor. Assumir o caminho do medíocre para construir um mundo superior. E você sabe o que significa Frédéric? "Príncipe da paz". Ou seja: aquele que por natureza está pacificado, que não sofre de inquietações, que não precisa reagir. Não é um bom nome de personagem para quem vê a vida de uma única perspectiva, pacificada e medíocre? Quando escrevi Sombra severa, precisei falar da vida de dois irmãos e do sacrifício de um deles. Optei pelo nome Judas, mas era necessário criar sua antítese. Que, por todas as razões do mundo, não podia ser Cristo. Escolhi Abel - que é assassinado pelo irmão Caim. Escondi Caim. E fui buscar em Dina, a mulher que atravessa o deserto escondida num caixão de defunto, a personagem feminina. Daí, saí para Sara, a mãe das mães. Estudo sempre meus personagens com calma, lentidão e paciência. Portanto, o problema do foco narrativo é decisivo.

Apesar das muitas opções, o senhor mesmo observa que a arte não tem regras. Poderia comentar isso?

Não existe regra fixa no campo da arte. Nada está decidido. Meu livro não é uma cartilha que deve ser seguida cegamente. Muito pelo contrário: são sugestões de exame, análise, reflexão. Passo para o autor iniciante uma série de técnicas e informações que devem ser estudadas. Veja bem: estudadas. Depois, quem decide é o próprio escritor. Cada obra - ainda que seja um bilhete - tem a sua própria técnica. Ela está ali, pedindo manifestação, é sempre pessoal e intransferível. Cabe a cada um descobri-la. Procurá-la. E, aí, entra o exame da intimidade com o texto, ou com a cena: silêncio entre pontuações, colocação de pronomes, mudanças do tempo verbal, andamento, ritmo. Mais uma vez: tudo isso é muito pessoal. Cada pessoa tem uma pulsação e um movimento diferentes. E cada personagem, cada cena, cada ação. Conhecer é resolver.

Se fosse para dar uma dica a quem quer escrever o senhor diria "ler, ler, ler e escrever, escrever, escrever todo dia"?

Com toda a certeza. Mas tudo isso com um cuidado meticuloso de relojoeiro. De quem conhece situação por situação. Lembrando, no entanto, que a pessoa não deve desanimar, no princípio, porque a voz narrativa pareça ruim, confusa ou barulhenta. Os ajustes vêem por conta do movimento criador permanente: impulso, intuição, técnica e pulsação. O ajuste demora. Literatura é amadurecimento lento e persistente.

Fonte:
http://rascunho.rpc.com.br/

Mhario Vicenti (O Homem que Chorava) – Lançamento

Noite de Autógrafos

11 de Setembro – 19h
Local: Livraria Nobel do Shopping JL

13 de Setembro – 20h
Local: Casa da Cultura – Cafelândia (Paraná)
(45) 3241 – 1362

Escritor cascavelense Mhário Vicenti lançou na Bienal do Livro de São Paulo, entre 14 e 24 de agosto, o romance “O homem que chorava”, baseado em uma história real sobre a felicidade através do perdão e a resignação humana.

Uma estréia audaciosa e bem preparada do autor paranaense que tem na veia a literatura por excelência. Apesar do pequeno espaço como autor estreante e participação limitada na Bienal, a obra despertou o interesse do leitor pela qualidade gráfica além da resenha simples e objetiva, o que resultou num excelente contrato com uma grande distribuidora paulista para venda e distribuição de seus livros nas principais livrarias do país.

Aos 47 anos, Mhário se rende aos impulsos e as evidências, que durante anos lhe acenaram para abraçar a carreira literária por vocação. O autor transita na área da comunicação desde os 15 anos quando iniciou a carreira de jornalista no Oeste do Paraná como repórter e fotógrafo, passando por vários veículos de comunicação, incluindo agência de propaganda em São Paulo, cinco anos fora do Brasil, 15 anos em assessoria de imprensa e consultoria de marketing, até criar seu próprio jornal: “Integração de Cafelândia”.

Em seu primeiro romance de ficção, o autor faz prosa com sensibilidade a flor da pele, aos encontros e devaneios do personagem principal na constante busca pela felicidade.
Entendendo que chegou a hora de externar toda a poesia e experiência acumulada em sua trajetória profissional e de vida, Mhário expõem em seu estilo, uma raridade literária com olhar assertivo na essência da vida, mergulhando pela alma de seus personagens como um passeio no parque.

SALTO

Quem sabe,
Um dia,
Terei asas para planar em todos
Os horizontes,
E com elas ter você,
Infinitamente
A qualquer altura
...

Agora "alado" em sua estréia na literatura de ficção, o escritor Mhário Vicenti está pronto para alçar o seu vôo grande vôo "literalmente".

A peregrinação

Desde a primeira das 281 páginas de “O homem que chorava”, Mhário confirma e nos convence de que é um romancista nato, quando abre coração e alma para contar em sua história, a surpreendente aventura de Maxxi.

Aos 46 anos, Maxxi decide sair em busca da felicidade. Vivendo à sombra de suas angústias, radicaliza seu estilo de vida ao deixar as conquistas e realizações para mergulhar na essência perdida ao peregrinar pelo milenar Caminho de Santiago de Compostela. Nessa longa jornada, seu olhar lacrimoso sobre a infância pobre e traumática vai se dissipando, amenizando a conturbada trajetória de vida. Uma nova percepção coloca Maxxi em xeque entre suas lembranças e pensamentos. É através do “caminho” que ele deixa para trás toda a carga de culpa e sentimentos de rejeição, conforme sua memória o transporta nas diferentes aventuras.

O homem que chorava parecia viver na contramão do destino por causa de seu espírito cigano. Essa inquietude se traduziu ao final da peregrinação em respostas que lhe deram a paz necessária, entendendo que não precisava mais provar nada para ninguém, nem mesmo para si mesmo, é quando encontra o caminho da felicidade.

Com uma narrativa coloquial, objetiva e sensível, Mhário Vicenti deixa o leitor abduzido nessa história cheia de aventuras insólitas, que muda constantemente seu desfecho na exemplar vida de Maxxi. Um homem-menino que tinha tudo para engrossar as estatísticas negativas do país, por estar sempre à beira da marginalidade, chorando as injustiças da vida, mas decidiu virar o jogo e perseguir à tão sonhada felicidade, desejo de qualquer ser humano.

O primeiro livro de Mhário Vicenti, “Natureza Clandestina”, com 150 páginas de crônicas e poesias teve a primeira edição publicada em 1988. Nessa época, o escritor apenas amadurecia a idéia de abraçar a carreira literária entre versos profundos e derradeiros sobre a alma humana, imaginando que seu dia de escritor seria apenas uma questão de calendário.

Passaram-se exatamente 20 anos para Mhário Vicenti decidir pelo segundo livro e mergulhar em sua carreira de escritor.

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O Autor

Mhário Vicenti, 47 anos, casado, natural de Cascavel-PR.

Economista, jornalista, publicitário e consultor pós-graduado em Marketing e MBA em Cooperativismo pela FGV. Proprietário e editor-chefe do Jornal Integração do Oeste do Paraná há cinco anos.

Assessor de Comunicação por 12 anos no Paraná.

Foi presidente do MOLICA – Movimento Literário de Cascavel até 1988.

O primeiro livro “Natureza Clandestina” foi publicado em 1987, é de Poesias e Crônicas.

Estréia no gênero da ficção brasileira com o romance: O homem que chorava, 281 pgs.

Fontes:
http://www.ube.org.br/
http://www.cascavel.pr.gov.br/secom
http://www.paralerepensar.com.br/
http://www.ohomemquechorava.com.br/
http://www.jintegracao.com.br/ (Jornal Integração, de Cafelândia)
Panfleto com Convite recolhido na Faculdade ÚNICA, de Cafelândia

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Artur de Azevedo (As Barbas do Romualdo)

(Conto que não é conto)

O Romualdo tinha nascido, talvez, para os mais altos destinos; mas como os pais se esqueceram de mandar educá-lo, e ele mal sabia ler e escrever, o mais que arranjou foi ser soldado do exército, e, depois de obtida a sua baixa, contínuo de secretaria.

Releva dizer que o Romualdo só deixou crescer as barbas depois de contínuo; se as usasse quando era soldado e guerreava no Paraguai, chegaria a capitão pelo menos.

Mas que contínuo! Alto, gordo, ereto, com aquelas opulentas suíças brancas a emoldurar-lhe a cara, sem bigodes, mais parecia um magistrado, cuja figura estava ao pintar para presidir a um júri sensacional, e essa ilusão só se desfazia quando ele falava, porque o Romualdo, benza-o Deus! por mais que compusesse a sua fisionomia austera e veneranda, tinha o estilo e a prosápia do "povo da lira". Calado era um juiz; falando, um capadócio.

Os praticantes amanuenses e mais funcionários do chefe de secção para baixo envergonhavam-se de o chamar a toque de campainha, que naquele tempo as campainhas burocráticas ainda não eram elétricas. As de hoje são menos humilhantes, não sei se devido à. eletricidade, se à ausência do badalo. O badalo foi sempre impertinente e autoritário.

Era, em verdade, pelo menos desagradável para um funcionário rapazola ver diante da sua mesa de trabalho aquele homem solene, a dizer-lhe, por exemplo: — Leve este ofício à portaria.

O Romualdo não ignorava o respeito que infundia ao pessoal da repartição, e abusava da respeitabilidade das suas barbas. Muitas vezes estava sentado no saguão da secretaria, de óculos, entretido a ler o seu jornal, quando o retintim de uma campainha tímida lhe entrava pelos ouvidos, chamando-o à realidade da sua situação de subalterno.

Era o mesmo que se não tivesse ouvido. Quando o som argentino retinia pela terceira vez, ele murmurava sem interromper a leitura e não tão baixo que o não ouvissem: — Pois sim!...toca p'r'aí!...súcia de vadios!...não têm mais que fazer senão dar ao badalo!...

— Tlin! tlin! tlin!...

— Toca, toca, meu menino!...estou bem aqui!...

Afinal, abria-se um reposteiro, para deixar passar a cabeça do funcionário incipiente...e impaciente:

— Então, seu Romualdo? Há uma hora que estou a tocar!

O contínuo erguia a cabeça, tirava os óculos, guardava-os na algibeira, dobrava com lentidão o jornal, erguia-se majestosamente, e perguntava do alto das suas barbas:

— Que temos?

Nem uma palavra de desculpa, nem a sombra de uma explicação!

O amanuense não se atrevia a protestar: intimidava-o aquele aspecto de pessoa grada ou cidadão conspícuo.

Em casa, depois que deixara crescer as suíças, o Romualdo poderia dizer-se oráculo. A mulher e os filhos admiravam-no; os parentes diziam todos à uma que era clamoroso estar ali um simples contínuo, quando tinha capacidade para dirigir uma repartição de primeira ordem.

Nos penates ele falava pelas tripas do Judas, discorrendo sobre todos os assuntos sociais ou políticos, e dando sobre cada um a sua opinião individual. Nessas ocasiões só dizia parvoices, mas a família ouvia-o embevecida e assombrada diante de tanto saber. Era um efeito das barbas.

Nas ruas, o Romualdo era cumprimentado por muita gente que o não conhecia, porque a sua figura solicitava a consideração e o respeito dos estranhos. Alguns, depois de passar por ele, olhavam para traz e perguntavam a si mesmos: Quem será aquele figurão?

Quando o deputado foi nomeado ministro e pela primeira vez entrou na secretaria, impressionaram-no aquelas barbas, e indagou a quem pertenciam. Quando lhe responderam que o Romualdo era um simples contínuo, imediatamente ordenou que ele fosse servir no gabinete. Achou-o decorativo.

Ao lado do ministro, o Romualdo, sem que para isso concorresse outra coisa mais que não fosse a exibição das suas barbas, captou a confiança e até certo ponto, a familiaridade de s. ex., e isso o tornou ainda mais solene e majestático.

Quando ficava trabalhando em casa, sem aparecer na repartição, o ministro queria o contínuo perto de si, pronto para receber, introduzir ou mandar embora os visitantes, ou levar à secretaria, rapidamente, qualquer ordem de s. ex. Naquele tempo ainda não havia telefone.

No anunciar visitas e dar recados, o nosso homem, que era positivamente um mau contínuo, revelou qualidades excepcionais, e de uma vez até pôs as suas gloriosas suíças ao serviço da boa harmonia administrativa.

O caso conto como o caso foi.

O ministro andava, não sei porque, às turras com o diretor da Estrada de Ferro, e já o teria demitido, ou por outra apresentado em conselho o respectivo decreto, se não soubesse que o homem era protegido pelo imperador, e ele, ministro, não fosse tão agarrado à pasta.

Um dia o alto funcionário precisou falar ao ministro sobre matéria urgente de serviço, e, não o achando na secretaria, foi ter à sua casa.

Encontrou na ante-sala as barbas do Romualdo, que cochilava sentado numa cadeira.

— O ministro está?

— Está, sim, senhor.

— Vá dizer a esse idiota que o diretor da Estrada de Ferro precisa falar-lhe com urgência.

O Romualdo, que já se havia erguido, inclinou-se, penetrou no gabinete do ministro, e disse-lhe:

— Está aí o sr. diretor da Estrada de Ferro que pede a v. ex. o obséquio de lhe conceder alguns minutos de atenção para assunto urgente.

O ministro, sem levantar os olhos do seu trabalho, respondeu:

— Diga a essa besta que não estou para o aturar, e que não me amole!

O Romualdo inclinou-se, saiu, e veio dizer ao funcionário:

— O sr. conselheiro manda pedir a v. ex. o obséquio de procurá-lo noutra ocasião, porque neste momento está muito ocupado, e sente não poder prestar a v. ex. toda a atenção que v. ex. merece.

O diretor da Estrada de Ferro saiu arrebatadamente, gritando:

— Pois diga—lhe que vá para o diabo que o carregue!

O Romualdo voltou ao gabinete, e assim falou :

— O sr. diretor da Estrada de Ferro manda agradecer a bondade com que v. ex. o tratou, e diz que mais tarde procurará v. ex. na secretaria.

Com aquelas suíças, quem poderia supor que o Romualdo mentisse?

Fontes:
R. Magalhães Jr. Antologia de Humorismo e Sátira", Ed. Civilização Brasileira — Rio de Janeiro, 1957,
http://www.releituras.com/

Artur de Azevedo (A filha do patrão)

A Artur de Mendonça

O comendador Ferreira esteve quase a agarrá-lo pelas orelhas e atirá-lo pela escada abaixo com um pontapé bem aplicado. Pois não! um biltre, um farroupilha, um pobre-diabo sem eira, nem beira, nem ramo de figueira, atrever-se a pedir-lhe a menina em casamento! Era o que faltava! que ele estivesse durante tantos anos a ajuntar dinheiro para encher os bolsos a um valdevinos daquela espécie, dando-lhe a filha ainda por cima, a filha, que era a rapariga mais bonita e mais bem educada de toda a rua de S. Clemente! Boas!

O comendador Ferreira limitou-se a dar-lhe uma resposta seca e decisiva, um «Não, meu caro senhor» capaz de desanimar o namorado mais decidido ao emprego de todas as astúcias do coração.

O pobre rapaz saiu atordoado, como se realmente houvesse apanhado o puxão de orelhas e o pontapé, que felizmente não passaram de tímido projeto.

Na rua, sentindo-se ao ar livre, cobrou ânimo e disse aos seus botões: — Pois há de ser minha, custe o que custar! — Voltou-se, viu numa janela Adosinda, a filha do comendador, que desesperadamente lhe fazia com a cabeça sinais interrogativos. Ele estalou nos dentes a unha do polegar, o que muito claramente queria dizer: — Babau! — e, como eram apenas onze horas, foi dali direitinho espairecer no Derby-Clúb. Era domingo e havia corridas.

O comendador Ferreira, mal o rapaz desceu a escada, foi para o quarto da filha, e surpreendeu-a a fazer os tais sinais interrogativos. Dizer que ela não apanhou o puxão de orelhas destinado ao moço, seria faltar à verdade que devo aos pacientes leitores; apanhou-o, coitadinha! e naturalmente, a julgar pelo grito estrídulo que deu, exagerou a dor física produzida por aquela grosseira manifestação da cólera paterna.

Seguiu-se um diálogo terrível:

— Quem é aquele pelintra?

— Chama-se Borges.

— De onde você o conhece?

— Do Clube Guanabarense... daquela noite em que papai me levou...

— Ele em que se emprega? que faz ele?...

— Faz versos.

— E você não tem vergonha de gostar de um homem que faz versos?

— Não tenho culpa; culpado é o meu coração.

— Esse vagabundo algum dia lhe escreveu?

— Escreveu-me uma carta.

— Quem lhe trouxe?

— Ninguém. Ele mesmo atirou-a com uma pedra, por esta janela.

— Que lhe dizia ele nessa carta?

— Nada que me ofendesse; queria a minha autorização para pedir-me em casamento.

— Onde está ela?

— Ela quem?

— A carta!

Adosinda, sem dizer uma palavra, tirou a carta do seio. O comendador abriu-a, leu-a, e guardou-a no bolso. Depois continuou:

— Você respondeu a isto?

A moça gaguejou.

— Não minta!

— Respondi, sim, senhor.

— Em que termos?

— Respondi que sim, que me pedisse.

— Pois olhe: proíbo-lhe, percebe? pro-í-bo-lhe que de hoje em diante dê trela a esse peralvilho! Se me contar que ele anda a rondar-me a casa, ou que se corresponde com você, mando desancar-lhe os ossos pelo Benvindo (Benvindo era o cozinheiro do comendador Ferreira), e a você, minha sirigaita... a você... Não lhe digo nada!...
II
Três dias depois desse diálogo, Adosinda fugiu de casa em companhia do seu Borges, e o rapto foi auxiliado pelo próprio Benvindo, com quem o namorado dividiu um dinheiro ganho nas corridas do Derby. Até hoje ignora o comendador que o seu fiel cozinheiro contribuísse para tão lastimoso incidente.

O pai ficou possesso, mas não fez escândalo, não foi à polícia, não disse nada nem mesmo aos amigos íntimos; não se queixou, não desabafou, não deixou transparecer o seu profundo desgostO.

E teve razão, porque, passados quatro dias, Adosinda e o Borges vinham, à noite, ajoelhar-se aos seus pés e pedir-lhe a bênção, como nos dramalhões e novelas sentimentais.
III
Para que o conto acabasse a contento da maioria dos meus leitores, o comendador Ferreira deveria perdoar os dois namorados, e tratar de casá-los sem perda de tempo; mas infelizmente as coisas não se passarão assim, e a moral, como vão ver, foi sacrificada pelo egoísmo.

Com a resolução de quem longamente se preparara para o que desse e viesse, o comendador tirou do bolso um revólver e apontou-o contra o raptor de sua filha, vociferando:

— Seu biltre, ponha-se imediatamente no olho da rua, se não quer que lhe faça saltar os miolos!...

A esse argumento intempestivo e concludente, o namorado, que tinha muito amor à pele, fugiu como se o arrebatassem asas invisíveis.

O pai foi fechar a porta, guardou o revólver, e, aproximando-se de Adosinda, que, encostada ao piano tremia como varas verdes, abraçou-a e beijou-a com um carinho que nunca manifestara em ocasiões menos inoportunas.

A moça estava assombrada: esperava, pelo menos, a maldição paterna; era, desde pequenina, órfã de mãe, e habituara-se às brutalidades do pai; aquele beijo e aquele abraço afetuosos encheram-na de confusão e pasmo.

O comendador foi o primeiro a falar:

— Vês? — disse ele, apontando para a porta — vês? O homem por quem abandonaste teu pai é um covarde, um miserável, que foge diante do cano de um revólver! Não é um homem!...

— Isso é ele — murmurou Adosinda baixando os olhos, ao mesmo tempo que duas rosas lhe desfaziam a palidez do rosto.

O pai sentou-se no sofá, chamou a filha para perto de si, fê-la sentar-se nos seus joelhos, e, num tom de voz meigo e untuoso, pediu-lhe que se esquecesse do homem que a raptara, um troca-tintas, um leguelhé que lhe queria o dote, e nada mais; pintou-lhe um futuro de vicissitudes e misérias, longe do pai, que a desprezaria se semelhante casamento se realizasse; desse pai, que tinha exterioridades de bruto, mas no fundo era o melhor, o mais carinhoso dos pais.

No fim dessa catequese, a moça parecia convencida de que nos braços do Borges não encontraria realmente toda a felicidade possível; mas...

— Mas agora... é tarde — balbuciou ela; e voltaram-lhe à face as purpurinas rosas de ainda há pouco.

— Não; não é tarde — disse o comendador. — Conheces o Manuel, o meu primeiro caixeiro do armazém?

— Conheço: é um enjoado.

— Qual enjoado! É um rapaz de muito futuro no comércio, um homem de conta, peso e medida! Não descobriu a pólvora, não faz versos, não é janota, mas tem um tino para o negócio, uma perspicácia que o levará longe, hás de ver!

E durante um quarto de hora o comendador Ferreira gabou as excelências do seu caixeiro Manuel.

Adosinda ficou vencida.

A conferência terminou por estas palavras:

— Falo-lhe?

— Fale, papai.
IV
No dia seguinte o comendador chamou o caixeiro ao escritório, e disse-lhe:

— Seu Manuel, estou muito contente com os seus serviços.

— Oh! patrão!

— Você é um empregado zeloso, ativo e morigerado; é o modelo dos empregados.

— Oh! patrão!

— Não sou ingrato. Do dia primeiro em diante você é interessado na minha casa: dou-lhe cinco por cento além do ordenado.

— Oh! patrão! isso não faz um pai ao filho!...

— Ainda não é tudo. Quero que você se case com minha filha. Doto-a com cinqüenta contos.

O pobre-diabo sentiu-se engasgado pela comoção: não pôde articular uma palavra.

— Mas eu sou um homem sério — continuou o patrão. — A minha lealdade obriga-me a confessar-lhe que minha filha... não é virgem.

O noivo espalmou as mãos, inclinou a cabeça para a esquerda, baixou as pálpebras, ajustou os lábios em bico, e respondeu com um sorriso resignado e humilde:

— Oh! patrão! ainda mesmo que fosse, não fazia mal!

Fontes:
Contos fora de moda", Editorial Alhambra – Rio de Janeiro, 1982.
http://www.releituras.com

Alvares de Azevedo (Esperanças – Despedidas – Desalento -Meu Sonho)

Esperanças

Oh! si elle m’eût aimé...
ALFRED DE VIGNY, Chatterton

Se a ilusão de minh’alma foi mentida
E, leviana, da árvore da vida,
As flores desbotei...
Se por sonhos do amor de uma donzela
Imolei meu porvir e o ser por ela
Em prantos esgotei...

Se a alma consumi na dor que mata
E banhei de uma lágrima insensata
A última esperança,
Oh! não me odeies, não! eu te amo ainda,
Como dos mares pela noite infinda
A estrela da bonança!

Como nas folhas do Missal do templo
Os mistérios de Deus em ti contemplo
E na tu’alma os sinto!
Às vezes, delirante, se eu maldigo
As esperanças que sonhei contigo,
Perdoa-me, que minto!

Oh! não me odeies, não! eu te amo ainda,
Como do peito a aspiração infinda
Que me influi o viver...
E como a nuvem de azulado incenso...
Como eu amo esse afeto único, imenso
Que me fará morrer!

Rompeste a alva túnica luzente
Que eu doirava por ti de amor demente
E aromei de abusões...
Deste-me em troco lágrimas aspérrimas...
Ah! que morreram a sangrar misérrimas
As minhas ilusões!

Nos encantos das fadas da ventura
Podes dormir ao sol da formosura
Sempre bela e feliz!
Irmã dos anjos, sonharei contigo:
A alma a quem negaste o último abrigo
Chora... não te maldiz!

Chora e sonha e espera: a negra sina
Talvez no céu se apague em purpurina
Alvorada de amor...
E eu acorde no céu num teu abraço
E repouse tremendo em teu regaço
Teu pobre sonhador!
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Despedidas

Se entrares, ó meu anjo, alguma vez
Na solidão onde eu sonhava em ti,
Ah! vota uma saudade aos belos dias
Que a teus joelhos pálido vivi!

Adeus, minh’alma, adeus! eu vou chorando...
Sinto o peito doer na despedida...
Sem ti o mundo é um deserto escuro
E tu és minha vida...

Só por teus olhos eu viver podia
E por teu coração amar e crer...
Em teus braços minh’alma unir à tua
E em teu seio morrer!

Mas se o fado me afasta da ventura,
Levo no coração a tua imagem...
De noite mandarei-te os meus suspiros
No murmúrio da aragem!

Quando a noite vier saudosa e pura,
Contempla a estrela do pastor nos céus,
Quando a ela eu volver o olhar em pranto...
Verei os olhos teus!

Mas antes de partir, antes que a vida,
Se afogue numa lágrima de dor,
Consente que em teus lábios num só beijo
Eu suspire de amor!

Sonhei muito! sonhei noites ardentes
Tua boca beijar... eu o primeiro!
A ventura negou-me... mesmo até
O beijo derradeiro!

Só contigo eu podia ser ditoso,
Em teus olhos sentir os lábios meus!
Eu morro de ciúme e de saudade...
Adeus, meu anjo, adeus!
==================================

Desalento

Por que havíeis passar tão doces dias?
A. F. DE SERPA PIMENTEL

Feliz daquele que no livro d’alma
Não tem folhas escritas
E nem saudade amarga, arrependida,
Nem lágrimas malditas!

Feliz daquele que de um anjo as tranças
Não respirou sequer
E nem bebeu eflúvios descorando
Numa voz de mulher...

E não sentiu-lhe a mão cheirosa e branca
Perdida em seus cabelos,
Nem resvalou do sonho deleitoso
A reais pesadelos...

Quem nunca te beijou, flor dos amores,
Flor do meu coração,
E não pediu frescor, febril e insano
Da noite à viração!

Ah! feliz quem dormiu no colo ardente
Da huri dos amores,
Que sôfrego bebeu o orvalho santo
Das perfumadas flores...

E pôde vê-la morta ou esquecida
Dos longos beijos seus,
Sem blasfemar das ilusões mais puras
E sem rir-se de Deus!

Mas, nesse doloroso sofrimento
Do pobre peito meu,
Sentir no coração que à dor da vida
A esperança morreu!...

Que me resta, meu Deus? aos meus suspiros
Nem geme a viração...
E dentro, no deserto do meu peito,
Não dorme o coração!
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Meu Sonho

EU
Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras
Com a espada sanguenta na mão?
Por que brilham teus olhos ardentes
E gemidos nos lábios frementes
Vertem fogo do teu coração?

Cavaleiro, quem és? — O remorso?
Do corcel te debruças no dorso...
E galopas do vale através...
Oh! da estrada acordando as poeiras
Não escutas gritar as caveiras
E morder-te o fantasma nos pés?

Onde vais pelas trevas impuras,
Cavaleiro das armas escuras,
Macilento qual morto na tumba?...
Tu escutas... Na longa montanha
Um tropel teu galope acompanha?
E um clamor de vingança retumba?

Cavaleiro, quem és? que mistério...
Quem te força da morte no império
Pela noite assombrada a vagar?

O FANTASMA
Sou o sonho de tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar!...

Fonte:
http://www.coladaweb.com.br

Raduan Nassar (Lavoura Arcaica)

O enredo da obra "Lavoura Arcaica" se constitui numa trama dos costumes de uma família onde é mostrado a fuga de André, um adolescente que sempre fora criado na fazenda sob um duro modelo educativo passado por seu pai, o chefe do modelo familiar. Tal fuga de casa pode ser entendida pelo grande amor que André sentia por Ana, sua própria irmã. Paixão esta que nunca poderia ser compreendida por seu pai. Assim, ele foge para um vilarejo. A reação de Pedro, seu irmão mais velho, foi a de ir até a pensão onde ele estava e tentar traze-lo de volta para sua casa na fazenda, onde sua mãe o esperava com ansiedade, sofria bastante com seu filho longe. Ao achar André, Pedro começou a contar sobre os acontecimentos que estavam ocorrendo na fazenda sem ele. O irmão o recebeu contando lições sobre questões e preceitos da família como a história de um homem faminto que pediu comida. Demostrou seus pensamentos, apesar de pouca idade acreditava que não valia a pena esperar em algum momento, em certas ocasiões era necessário agir, e logo. Contudo, nada disse sobre sua volta à fazenda. Suas irmãs apenas rezavam para sua volta, cumpriam as ordens do pai e da mãe, e esta última apenas cumpria com suas funções de dona de casa.

André acaba voltando para casa, suas idéias não batiam com as dos pais que não entendiam a que se passava com o filho. E ele não aceitava a situação de amar a irmã e nada poder fazer. Porém desabafou ao pai que estava cansado, humilde, entendendo a solidão e a miséria, pedindo o seu perdão e amor. Seu outro irmão, o Lula, acaba dizendo que também queria fugir de casa, que não aguenta mais aquela vida parada da fazenda. No dia seguinte à chegada de André foi preparada uma festa por seu pai. E assim como iniciou a obra sua irmã Ana dança sensualmente para ele. Foi nesta festa que o pai percebeu o que realmente passava com os irmãos. Desesperado o pai sofre um ataque de tristeza e morre.

Fontes:
http://www.coladaweb.com/resumos/lavoura.htm
Imagem
http://sidneypsico.blogspot.com

Jorge Amado (Dona Flor e seus Dois Maridos)

Modernismo de segunda fase. A história é dividida em 5 partes (cada uma aberta por uma lição de culinária de Flor, que é professora desta arte, com exceção da quarta parte, aberta por um programa para o concerto de Teodoro) e um intervalo.

A primeira começa com a morte de Vadinho em pleno Domingo de Carnaval. Vestido de baiana, Vadinho cai enquanto dançava e seu funeral é muito concorrido. Nele voltam as lembranças de todos sobre o falecido: os amigos de farra, as possíveis (prováveis) amantes, os conhecidos e principalmente da esposa, Flor. Flor lembra do marido infiel, cheio de lábia, espertalhão, jogador e malicioso que era Vadinho, mas ainda assim extremamente adorável. Na definição de um dos presentes no funeral, Vadinho "Era um porreta". O anteriormente referido intervalo se trata da discussão que ocorreu na cidade sobre a autoria da elegia a Vadinho, poesia anônima picante.

A segunda parte passasse-se durante o período de luto de Flor. Inconsolável com a morte de Vadinho, sua mãe volta para a cidade e a situação piora. Dona Rozilda é o mais perfeito modelo de sogra: odeia o genro, é chata, controladora, exibida e pretende sempre escalar na vida social. Passa a fazer intriga sobre o falecido ("era morte para festa") com várias beatas, enquanto algumas poucas defendem Vadinho (não seus atos) por ele ser uma pessoa excepcional (no sentido de incomum, não o de maravilhoso ou com deficiência mental).

Assim em flashback é mais detalhado o passado do casal. A mãe de Flor queria que as filhas se casassem com homens ricos, e Vadinho apareceu. Eles se conheceram numa festa chique (Vadinho entrou de penetra, com a ajuda do tio) e começaram o namoro com a benção de Dona Rozilda, até que ela descobriu quem era o genro. Mais tarde Flor sai de casa e se casa (de azul, porque não teve coragem de por o branco) e começa o casamento. Vadinho é um marido ausente, sempre gastando o dinheiro (dos outros) no jogo e nas mulheres.

Certa vez Flor quase adotou um menino que ela achava ser filho de Vadinho (Flor é estéril; o filho era do "xará"). E assim são mostrados os vários acontecimentos, em flashback, da vida matrimonial com aquele adorável cafajeste, generoso gastador, infiel e amantíssimo marido que era Vadinho. O capítulo acaba com Flor pondo flores sobre o túmulo do falecido, superando melhor o passamento dele.

A terceira parte é passada nos meses seguintes. Flor está mais alegre, apesar de manter ainda a fachada de viúva. Todas as beatas competem para achar-lhe um bom pretendente e quem aparece é Eduardo, o Príncipe, calhorda que enganava viúvas para roubar-lhes as economias. Descoberto, Flor passa a se retrair. Seu sono torna-se mais agitado, seu desejo cresce na medida em que ela deixa os homens fora de sua vida pessoal. Mas então o farmacêutico Teodoro Madureira, respeitado solteirão (ele ficara solteiro para cuidar da mãe paralítica, que morreu pouco antes), ele propõe casamento a Dona Flor e eles tem o mais casto dos noivados, nunca ficando juntos sozinhos. O capítulo acaba com o casamento de Flor, desta vez aprovado por sua mãe (que havia saído da cidade no começo do capítulo; nem as outras beatas agüentavam Dona Rozilda).

A quarta parte começa com a lua-de-mel de Dona Flor. Teodoro é diferente do falecido em tudo. Fiel (não compreende mesmo quando uma cliente da farmácia levanta o vestido BEM alto para tentá-lo), regular (sexo às quartas e sábados, bis aos sábados e facultativo às quartas) e inteligente, Teodoro trás a paz de volta à vida de Dona Flor. Teodoro toca fagote numa orquestra de amadores e o maestro compõem uma linda música para ela que Teodoro toca solo (o convite abre o capítulo) e no dia do aniversário de casamento, após os convidados partirem Flor vê Vadinho, nu como o viu na cama no dia de sua morte, a puxá-la e tentá-la. Ela se recusa naquele momento, fiel ao marido. Teodoro vai dormir e Vadinho sai logo depois, qundo Flor ia procurá-lo. Começa aqui a parte do livro que o deixou famoso: Flor, Teodoro e Vadinho, vivendo em matrimônio ao mesmo tempo, Vadinho nu, invisível a todos menos Flor.

A quinta parte, que tornou famoso livro, filme, seriado e tantas quanto foram as adaptações desta obra, começa com o Vadinho vindo de volta dos mortos, tentando Flor. Flor sente-se dividida entre o esposo atual e Vadinho, mas este diz-lhe que não há por que o estar: são colegas, casados frente ao juiz e ao padre. Flor vai aos poucos perdendo a resistência e chega a encomendar um trabalho para mandar Vadinho de volta para onde estava. Enquanto isso se passa Vadinho vai manipulando as mesas de jogo, favorecendo velhos amigos, levando Pellanchi Moulas, rei do jogo em Salvador, ao desespero e a todos os "místicos" da Bahia para se livrar do azar. Vadinho só para quando seus amigos cansam (Mirandão, companheiro seu quando era vivo, para de jogar definitivamente, assustado com o repetir de vezes que caía no 17, número de sorte de Vadinho). Por fim Dona Flor sucumbe a Vadinho e passam a viver harmoniosamente os três uma vida conjugal (mesmo que Teodoro não o saiba). Vadinho chega a fazer o milagre de expulsar a sogra quando ela chega de mala e cuia para ficar.

Vadinho começa então a desaparecer e Flor se dá conta de que era por causa do feitiço por ela encomendado. Há uma batalha entre vários deuses contra Exu (identificado por alguns como sendo o diabo católico), que protege Vadinho. Quando Exu estava perdendo, o amor e a volúpia de Vadinho ganham a batalha. A obra acaba com Flor andando feliz com Teodoro e Vadinho (nu, como sempre) ao seu lado, pelas ruas de Salvador. Esta parte acentua duas características gerais da obra: a religiosidade que mistura ao mesmo tempo o catolicismo e o candomblé, pondo todas as figuras míticas das duas religiões junto e eficientemente simultâneas (algo como é a religiosidade baiana, já que Salvador tem mais igrejas que qualquer outra cidade do Brasil e ainda assim é centro das religiões de origem africana). A outra característica vem a ser o fato de que Vadinho e Teodoro são metáforas para o id e o superego, respectivamente. Vadinho é rebelde, impulsivo, espontâneo e dado ao caos (no seu caso, o jogo); Teodoro é metódico e controlado ("Um lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugar" é seu lema, pendurado na farmácia). Assim, a imagem de Flor pacificamente com os dois, totalmente feliz, invoca o ideal de equilíbrio entre os dois.

Fontes:
http://www.coladaweb.com/resumos/flor.htm

domingo, 7 de setembro de 2008

Gcina Mhlope (1959)

(tradução: José Feldman)

Gcina Mhlope é uma famosa batalhadora pela liberdade da África do Sul, ativista, atriz, contadora de histórias, poeta, dramaturga, diretora e autora. A narração é uma atividade profundamente tradicional na África e Mhlope é uma dos poucas mulheres contadoras de histórias em um país dominado por homerns. Ela a faz o seu mais importante trabalho através de desempenhos carismáticos, trabalhando para preservar a narração como meio de manter viva a história e encorajando as crianças da África do Sul a ler. Ela conta as histórias dela em quatro dos idiomas de África do Sul: Inglês, holandês sul-africano, zulu e Xhosa.

Vida e carreira

Mhlope nasceu em 1959 em KwaZulu. Filha de uma mãe Xhosa e um pai zulu. Ela começou a vida como uma empregada domésticao, depois trabalhando como redatora na Press Trust e Radio BBC, então como uma escritora para Learn and Teach, uma revista para pessoas recentemente-alfabetizadas. O timbre sem igual da voz dela a fez eventualmente realizar performances no exterior.

Várias experiências inspiraram Mhlope para adotar a carreira como contadora de histórias. Ela credita a habilidade de contadora à avó dela, que a apresentou no Transkei. Mhlope diz, " Minha avó me ensinou tudo sobre revelações das histórias . Quando eu estava crescendo, em meio as crianças em nosso bairro, vinham e passavam a noite em casa de forma que eles poderiam escutar izinganekwane (contos)".

Ela começou a adquirir um senso da demanda por histórias em Chicago, em 1988. Ela executou em uma biblioteca em um bairro principalmente-preto para uma audiência já-crescente que a convidava para retornar. Ainda, Mhlope só começou a pensar em narração como uma carreira depois de conhecer um Imbongi, um dos poetas legendários de folclore africano, e depois de encorajado por Mannie Manim, o então diretor do Market Theatre, Johannesburg.

Desde então Mhlope apareceu em teatros de Soweto até Londres e muito do seu trabalho foi traduzido em alemão, francês, italiano, Swahili e japonês. Mhlope tem viajado extensivamente na África e outras partes do mundo dando workshops sobre narração de histórias.

A realização de seus sonhos é um motivator fundamental para si e ela está passando o seu entusiasmo infeccioso para desenvolver talentos jovens para levar o trabalho de narração adiante pela Zanendaba Initiative(Traga uma história para mim) . Esta iniciativa, estabelecida em 2002, é uma colaboração com o Market Theatre e READ, uma organização de alfabetização nacional.

Atualmente, Mhlope pretende fazer livros disponíveis para as comunidades rurais pobres da África do Sul, para que sejam construídas bibliotecas, providos com livros relevantes culturalmente.

Eventos
- 1984, atuou em Black Dog: Inj'emnyama
- 1986, Place of Weeping (film)
- 1986, Have you seen Zandile? (autobiographical play, at the Market Theatre, Johannesburg, Mhlope as Zandile)
- 1987, Born in the RSA (New York)
- 1989, narrou o festival at the Market Theatre (houve muitos desde então)
- 1989, performance em um poema de louvor em honra de Nokukhanya Luthuli, 1961, ganhador do Prêmio Nobel da Paz
- 1990, performance em Have you seen Zandile? at the Edinburgh Festival
- Turnê de Have you seen Zandile? através da Europa e Estados Unidos
- 1989-1990, diretora do Market Theatre, Johannesburg
- Coordenadora da READ, Organização Nacional de Alfabetização.
- 1993, Music for Little People (CD)
- Ladysmith Black Mambazo (album)
- 1997, Poesia da Africa, apresentadora
- 1999, oradora do the Perth Writers Festival
- Philharmonic Orchestra (London)
- Royal Albert Hall (London)
- Cologne Philharmonie, Africa at the Opera
- Doutorado Honorário da London Open University
- Doutorado honorário da University of Natal
- Conferencista em várias universidades
- 2000, performance em Peter und der Wolf, no Komische Oper (Berlin)
- Escreve músicas para a série de televisão da SABC TV, Gcina & Friends
- 2002, Fudukazi's Magic, adaptação para filmagem em Durban, para o Festival de Filme da União Africana
- 2002, The Bones of Memory (performance como contadora de histórias da velha e nova Africa do Sulfrom)
- 2003, ministra o seminário de contação de histórias para at the Eye of the Beholder seminar
- 2003, Mata Mata (performance, musical familiar)

Colaborações com:

- Pops Mohamed, músico e conservador de música tribal.
- Ladysmith Black Mambazo,grupo coral, The Gift of the Tortoise (CD), 1994 and Music for Little People in America (CD), 1993
- Bheki Khoza, guitarrista, Animated Tales of the World (séries de TV para Right Angle na Grã-Bretanha e para a SABC)
- Anant Singh, produção de vídeo, Fudukazi's Magic (CD e vídeo para audiencias alemãs)
- Biblionef South Africa, agencia de doação de livros infantis,

Aparecimento em Documentários

- Atuou e narrou Travelling Songs
- 1990, performance como poeta em Songolo: voices of change (como aspectos de cultura na África do Sul se tornaram parte da luta de anti-apartheid)
- 1993, The Travelling Song (o processo contemporâneo de coleção de histórias)
- Literacy Alive
- Art Works

Prêmios

- Designada para Noma Award por Queen of the Tortoises, 1991
- Prêmio Chat Award por Molo Zoleka
- OBBIE Theatrical Award (New York) por Born in the RSA
- Fringe First Award (Edinburgh) por Have you seen Zandile?
- Joseph Jefferson Award para as melhores atrizes (Chicago) por Have you seen Zandile?
- Sony Award por Radio Drama da BBC Radio Africa por Have you seen Zandile?

Bibliografia
- Mhlope, Gcina. Molo Zoleka New Africa Education, 1994. (Livro para crianças)
MaZanendaba (Livro para crianças)
- Mhlope, Gcina. The Snake with Seven Heads (A cobra com sete cabeças). Johannesburg, Skotaville Publishers, 1989. (Livro para crianças, traduzido em 5 linguas africanas e cuja edição inglesa é requerida nas bibliotecas escolares da Africa do Sul)
- Mhlope, Gcina. Have you seen Zandile?. Portsmouth, NH: Heinemann, 1990. (baseado em sua infância, obrigatório nas bibliotecas universitárias da Africa do Sul)
- Mhlope, Gcina. Queen of the Tortoises (Rainha das Tartarugas). Johannesburg: Skotaville, 1990. (Livro para crianças)
- Mhlope, Gcina. The Singing Dog (O cachorro cantor). Johannesburg: Skotaville, 1992. (Livro para crianças)
- Mhlope, Gcina. Nalohima, the Deaf Tortoise. (Nalohima, a tartaruga surda)Gamsbek, 1999.
- Mhlope, Gcina. Fudukazi's Magic (A mágica de Fuduzaki). Cambridge: Cambridge University Press, 1999. (CD - letras, músicas e performance)
- Mhlope, Gcina. Fudukazi's Magic (A mágica de Fuduzaki). Cambridge University Press, 2000 (CD - música e letra, performance para audiência alemã)
- Mhlope, Gcina. Nozincwadi, Mother of Books (Nozincwadi, a mãe dos livros). Maskew Miller Longman, 2001. (CD e livro, para escolas rurais da Africa do Sul)
- Mhlope, Gcina. African Mother of Christmas (Natal na África Mãe). Maskew Miller Longman, 2002. (CD e livro)
- Mhlope, Gcina. Love Child. Durban: University of Natal Press, 2002. (Memórais, coleção de histórias)
- Margaret Daymond et al. (eds). Women Writing Africa: the southern region. (Mulheres que escrevem a África: a região sul) Johannesburg: Witwatersrand University Press, 2002.
- Mhlope, Gcina. Stories of Africa (Histórias da África). University of Natal Press, 2003. (Livro para crianças)
- Mhlope, Gcina. Queen of Imbira (Rainha de Imbira). Maskew Miller Longman. (Livro para crianças)

Fonte:
http://en.wikipedia.org/wiki/Gcina_Mhlope

Gcina Mhlophe (Histórias da África)

Contos africanos para os quatro cantos do mundo

Histórias da África, de autoria de Gcina Mhlophe, reúne alguns contos africanos bastante tradicionais. Mais do que entreter, as dez histórias apresentadas nesta obra têm a função de transmitir ensinamentos e lições de vida e de moral.

“Sabe ... essa história me fez pensar que as respostas que procuro para minhas perguntas estão dentro de mim, lá no fundo. Sinto que estão nas profundezas do oceano, do oceano que é meu coração e a minha alma.”

Do contato com sua avó, a netinha Gcina Mhlophe, hoje renomada escritora, aprendeu muito cedo a gostar de histórias fantásticas e dos contos infantis que marcaram tantas gerações dos povos africanos. Guardadas na lembrança, algumas destas histórias serviram para que Gcina elaborasse sua mais recente obra: Histórias da África, publicada pela Paulinas.

São dez histórias que trazem nas entrelinhas exemplos de valores supremos, aqueles que regem a vida do ser humano em qualquer parte do planeta, como justiça, ética e respeito.

Despertando a curiosidade e o sentimento lúdico infantis, a autora demonstra, em todos os seus textos, o respeito à oralidade, condição que torna a leitura mais agradável e, ao mesmo tempo, fácil para a compreensão do leitor.

Escritos para depois serem “partilhados”, ou melhor, “recontados” para outras pessoas, os contos encantam pelas mensagens e capacidade de despertar a reflexão de adultos e crianças: por que o Crocodilo queria o coração do Macaco? Como a Tartaruga conseguia ser respeitada? E a inimizade entre o Leão e a Lebre, como surgiu? O poder de cura do velho leopardo Filani ... o casamento de Lungile, a moça bonita da aldeia que amava tanto os pássaros ... entre tantas outras histórias do folclore africano.

As ilustrações, de cinco artistas residentes na África do Sul, foram feitas com diferentes técnicas (pintura a óleo, artesanais tradicionais, imagens computadorizadas, xilogravura e aquarela) e trabalhadas em variados estilos; juntas, porém, complementam e enriquecem as histórias contadas por Gcina.

A autora :

Gcina Mhlophe é uma das mais populares contadoras de história da África do Sul. É também atriz e produtora. Nascida em KwaZulu-Natal, atualmente vive em Johannesburg.

Os ilustradores:

As ilustrações são de um grupo de cinco artistas (Kalle Becker, Jeannie Kinsler, Kim Longhurst, Lalelani Mbhele e Junior Valentim), que possuem diferentes formações e usam, neste livro, as mais diversas técnicas. Ao exibirem juntos suas obras, colaboram para enriquecer Histórias da África com um rico mosaico artístico.

Título: Histórias da África
Autora: Gcina Mhlophe
Editora: Paulinas
Tema: Livros infanto-juvenis, Literatura, África , Fábulas e lendas, Folclore
Público-alvo: leitor fluente
Coleção: Tecendo histórias
Formato: 21,0 x 28,0
Páginas: 60

Fonte:
http://animalivre.uol.com.br/home/?tipo=noticia&id=2426

Paulo Urban (À Minha Altura)

Nada havia, como era costume, a comemorar naquela data. Ele acordara cinqüentão. Pra que a festa?

Afinal, dali pra frente, os anos seriam passos em declínio para a morte. Se na década anterior ele já presumira a noção da meia-idade, agora era certo, aquela era a primeira manhã de sua vida em que ele acordava cônscio de que pela frente nada mais poderia haver do que, simplesmente, no máximo, a outra metade. Lembrou-se, nem poderia explicar o porquê, do velho Napoleão que, certa feita, do alto de seu 1.58m de altura, disse quando admoestado por não passar de um nanico: “Um homem não se mede por sua estatura, senão por onde até ele leva o seu destino”.

Seu consolo era esse, ainda havia tempo para dar conta de sua missão, ou ao menos descobrir qual era ela. Uma angústia apertou-lhe o peito, fez-se o nó, engoliu em seco. Olhou pro lado e o rádio-relógio marcava em quartzo-rubro a data de seu aniversário e o horário da manhã de dia útil. Era hora de apropriar-se de suas próprias pernas, levantar da cama e buscar encontrar ao longo do dia a própria altura. Propriamente, era aquela manhã uma hora de cura, a de olhar-se cara a cara no espelho e dizer-se bem lá dentralto a si mesmo: eu quero ter-ser essa minha metadinteira!

À MINHA ALTURA

Minha metade verme me quer homem,
e a metade homem sempre busca a Deus;
caminho por meus passos, sigo os meus
sinais, livre dos ais que me consomem.

Minha vontade fraca já morreu,
queimei-a na fogueira dos que somem,
à luz da Lua-mãe de um lobisomem
que a paz fez com seu lobo e já cresceu.

Minha vontade forte mata o bicho,
eu dreno o imenso pântano do Estige
e assumo o bom tamanho que me cabe;

Mas se hoje eu incinero todo o lixo,
além desses cinqüenta, a alma em metade,
serei o homem do qual me regozije!
===================================
Fonte:
http://www.mhariolincoln.jor.br/

7º Festival Estudantil Sesi de Teatro

Começa hoje o 7º Festival Estudantil Sesi de Teatro

Espetáculos de Sorocaba e Itapetininga dão início, hoje, ao “7º Festival Estudantil Sesi de Teatro”, que estende-se até o próximo sábado, levando ao público, durante toda a semana, montagens nas categorias infantil e adulto. Participam, ao todo, 12 grupos de diversas escolas do interior do Estado de São Paulo. Os espetáculos infantis poderão ser vistos sempre às 15h, e os adultos às 20h, ambos no Teatro Popular do Sesi. A novidade para este ano é a oficina “A Pedagogia no Teatro”, que será ministrada por Marly Bonome, da Universidade Sagrado Coração (USC), de Bauru. A oficina será realizada de segunda a sexta-feira, com 20 vagas abertas para a comunidade. Neste domingo, as crianças poderão conferir, à tarde, “A Lenda de Pluft”. Já no período da noite, a montagem “Revolução” será apresentada para os adultos.

Júnior Mosko, diretor de Teatro do Sesi e criador do Festival, acredita que o evento - já em sua sétima edição - tem estimulado a prática do teatro dentro das escolas. “Um festival de teatro estudantil tem como característica básica a fomentação do teatro entre a própria comunidade. Eu costumo dizer que é um dos mais agregadores porque o pai se transforma em cenógrafo, a mãe figurinista, a professora de geografia pode virar diretora, enfim, dissemina a arte de maneira que contamine a todos, desde o porteiro da escola até seus coordenadores”, afirma.

O Grupo Teatral “Tapanaraca Mutatis Mutandis”, da Escola Estadual “Professor Abílio Fontes” e Instituto Peixoto Gomide, de Itapetininga, apresenta hoje, às 15h, “A Lenda de Pluft”, sobre um fantasminha muito esperto que vive com sua mãe no sótão de uma velha casa à beira-mar. Pluft é um fantasminha que tem muito medo de gente, e que acaba conhecendo Maribel, uma menina que tem muito medo de fantasma. Texto de Maria Clara Machado. Direção e adaptação de Fábio Jurera.

À noite, a partir das 20h, o núcleo Descobrir de Teatro, ligado à Associação Teatral de Sorocaba (ATS), apresenta “Revolução”, espetáculo que narra a trajetória de José da Silva, metáfora do povo (ou do próprio teatro brasileiro). Para contar a história de José, o Núcleo utiliza-se de outra história: a de um grupo de teatro, às vésperas da estréia, que enfrenta seus inúmeros problemas para colocar seu espetáculo no palco. Augusto, o ator, se depara com a pesquisa e as descobertas na construção de sua personagem: o pobre José da Silva. Texto baseado nas obras de Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e outros nomes da dramaturgia brasileira. Direção de Carlos Doles.

Fontes:
Douglas Lara. In http://www.sorocaba.com.br/acontece
http://www.jcsol.com.br/materia.phl?editoria=42&id=117444