quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Ulisses Tavares (Um Dia Típico de Um Escritor Brasileiro)



Há mais de quarenta anos (estou com 56, comecei cedo, aos 9) que me revezo entre oito profissões para ganhar a vida.

Me acostumei a, quando me interessa e preciso, exercer uma ou outra atividade e muitas vezes fazer tudo ao mesmo tempo.

Tenho sido jornalista, professor de pós-graduação, compositor, dramaturgo, roteirista de cinema e televisão, criativo publicitário, marketeiro político e treinador de executivos em web business e criatividade.

Nos intervalos, nunca deixei de ser poeta e, talvez por isso, ter uma montanha de livros de poesia para crianças, jovens e adultos, e estar com mais de quatro milhões de exemplares vendidos, o que, no Brasil, até a mim espanta.

Daí, de três anos para cá, resolvi ser apenas escritor profissional.

A decisão foi difícil mas estou satisfeito pelo seu principal efeito colateral: como meu status caiu de um carro importado para um fusquinha, nunca mais serei rico a ponto de atrair mulheres interesseiras.

Quem me amar vai me amar pelo que sou: um poeta tupiniquim, apaixonado, mas durango.

Meio chato é quando novos conhecidos me perguntam minha profissão e eu respondo que sou poeta.

Inevitavelmente, vem a pergunta seguinte:

- Tá bom, mas você trabalha em quê?

Como poeta não trabalha mesmo nunca, segundo o senso comum, acordo eu bem cedinho disposto a escrever meu artigo para esta revista, já atrasado.

Mas, antes, abro os e-mails e vejo se tem alguma coisa urgente para resolver.

Tem várias, pela ordem:

Uma editora não quer aceitar meu contrato de um novo livro porque não abro mão dos 10% de direitos autorais. Como a maioria dos escritores possui outra fonte de renda paralela, também a maioria das editoras se acostumou a pagar menos de 10% já que o autor não vai depender dessa renda para sobreviver. Ou seja, escritor brasileiro é mal pago por culpa dele mesmo, tsc, tsc.

Outra editora alega que é impossível adiantar um dinheiro para que eu escreva um livro histórico, ou seja, um projeto que vai me consumir um ano inteiro. Ao contrário dos estados desunidos e das ôropas, aqui a editora lança uma porção de livros sem custo autoral inicial. Se colar, colou. Se for sucesso, ótimo. Lá fora, o critério é mais rígido. Lança-se menos títulos, mas se investe no projeto do escritor rotineiramente. O Brasil é um dos países que maior quantidade de livros edita no mundo. Mais de 10 títulos novos por dia! E as tiragens são cada vez menores.

E finalmente outro e-mail me informa que minha agente literária é uma chata porque teima em discutir item por item dos meus contratos. Traduzindo: a Maria Moura, minha agente, é uma pentelha porque é profissional cuidadosa. As editoras gostam de escritor que assina tudo sem ler nada, como eu já fiz muitas vezes.

Para não ficar ainda mais careca de preocupação com esses problemas que já estou careca de saber, deixo de lado e me concentro em escrever.

Nem começo e já sou interrompido por dois telefonemas:

O primeiro, um convite para bolar um artigo para uma revista de educação, dirigida as professoras. Pedem minha compreensão para o fato que só podem pagar cem reais pelas quatro páginas de texto. Olho o pedreiro que contratei para consertar as telhas estragadas pelas últimas chuvas em Sampa, com inveja. Ele está me cobrando o preço de 3 artigos da revista!

O segundo telefonema é um convite da secretaria de cultura para um mega evento de poetas e escritores paulistanos. Acontecimento bonito, bem organizado e bem divulgado. O único detalhe dissonante é que o edital não prevê nenhum cachê para os participantes. A alma da festa não irá receber um tostão para o pão nosso de cada dia. Escritores e poetas devem se contentar com os aplausos, desde que tenham dinheiro para a passagem até o palco, claro.

Mas vamos escrever que essa é a vida que escolhi e quis.

Paro na primeira frase porque chegou o carteiro com uma pilha de cartas. Nenhuma cartinha simpática de leitor. Nenhum cartão de feliz aniversário atrasado. Apenas contas a pagar e malas-diretas me oferecendo cartões de crédito. O correio eletrônico tornou o carteiro apenas um portador de más notícias!

Desanimado, leio que esqueci de pagar uma conta de IPTU de anos atrás. Mas posso ficar tranqüilo que a Prefeitura me oferece parcelamento da dívida. Desde que eu perca metade do dia indo até a tesouraria, evidente!

E nem isso posso fazer porque meus rendimentos de direitos autorais não cobrem o valor do IPTU. Acho que nem minha modesta casa vale tanto assim. Como são férias escolares, meus livros infanto-juvenis despencam nas vendas. Há muito tempo que as escolas, via programas do governo, são as únicas e principais compradoras de livros infanto-juvenis. E evidentemente não compram nas férias. E se amanhã o governo deixar de dar verbas para aquisição de livros para distribuição gratuita aos alunos, a maioria das editoras fecha as portas em seguida. Todos os envolvidos nessa questão, se fazem de cegos em tiroteio. Afinal, é chocante saber que em mais de uma década de distribuição gratuita de livros para estudantes de escolas públicas…não se formou um leitor a mais! Simplesmente porque a educação continua uma porcaria frita e os alunos, coitados, mal passados, não aprendem a ler. Sem saber ler, vão fazer o que com os livros que ganham? É como dar rapadura para um banguela. Simples e trágico assim.

Já que não consigo escrever o artigo para a Revista Discutindo Literatura, relaxo e vou para o lançamento de amigos escritores num bar de Vila Madalena. Vai ser bom rir um pouco que não sou de ferro e minha coluna muito menos. Tenho a popular “coluna de escritor”. De tanto escrever horas a fio com a coluna torta, o escritor é um candidato à corcunda de Notre Dame.
O lançamento é interrompido violentamente, o bar fecha as portas, todo mundo sai correndo porque o PCC acabou de incendiar um ônibus na rua ao lado.

Volto pra casa, ligo a televisão e vejo o governador dizendo que a violência está sob controle, que ataques dos bandidos não irão intimidar as autoridades. Como não sou autoridade…fico intimidado.

O dia está terminando e talvez dê tempo de escrever, afinal este é meu ofício.

Mas, humanamente, durmo.

Quem sabe amanhã eu acorde e resolva mudar para uma profissão menos folgada que esta de típico escritor brasileiro.

Sei que minto para mim mesmo, para me consolar.

Escrever, para quem gosta, já não é ofício. Rimando sem querer, é um vício.

Fonte:
http://www.ulissestavares.com.br

Miriam Mermelstein (Sobre o gosto da leitura na escola)



A autora enumera alguns pressupostos para a introdução dos alunos no mundo da literatura, como a importância de ter um ambiente cultural no qual o livro esteja presente, de ampliar o repertório do aluno apresentando-o a uma diversidade de gêneros textuais, de ensinar a ler com prazer, de respeitar as escolhas dos jovens diante do universo desvelado pelos livros. Aborda ainda a estreita ligação entre o ler e o escrever, oferecendo sugestões de exercícios para o desbloqueio da escrita criativa.

O professor de literatura e crítico literário, Carlos Felipe Moisés, com quem estudo há 10 anos, na apresentação de seu livro “Poesia não é difícil” cita questões muito comuns de serem ouvidas na escola: ‘Como posso gostar de poesia se não a entendo?’ ‘E como entender sem gostar?’

Ficamos em um círculo vicioso, uma armadilha, afirma o autor, pois como saber se gostamos (ou não) se não a conhecemos? Aí entra o papel do professor educador e mediador da cultura em introduzir novos conteúdos e novas experiências no mundo do aluno.

Mas como? Eis a questão crucial. O objetivo deste texto é enumerar alguns pressupostos e algumas atividades de linguagem como idéias a serem adaptadas por vocês, professores, em seus planos.

Um pressuposto refere-se à significação de um ambiente cultural na formação do leitor. Desde muito pequenos, os alunos podem ‘ler’ textos, entendido o verbo de forma não literal: quando o professor lê para a classe, quando o aluno conta suas vivências na roda, quando o aluno ouve o colega contar ou descrever algo, quando o aluno ouve uma cantiga e sua letra, quando o aluno ‘lê’ ilustrações de um livro, quando ele tem acesso constante aos livros da sala ou da biblioteca, quando sabe que a leitura é uma atividade valorizada pelo professor.

Sabemos das dificuldades de obtenção e veiculação de livros nas escolas. Bibliotecas sem bibliotecários, livros não tombados e, portanto, não passíveis de circulação, mas sabemos também que existem outras formas de contornar essa situação. Saraus, pedidos em editoras, mutirões do livro, de organização das salas de leitura, feiras culturais, intercâmbios entre classes, cartas a autoridades competentes, etc. são alguns dos recursos que a escola deve utilizar para garantir o acesso do aluno ao livro.

Outro pressuposto refere-se ao grau de complexidade dos textos e das atividades com textos. Não devemos poupar os alunos de novos desafios. A função da escola é ensinar novidades, ampliar o repertório do aluno com exposição de maior diversidade de gêneros textuais. A dosagem e as exigências serão planejadas considerando que a formação do leitor é um processo de amadurecimento. Quanto antes começar, mais sentido fará na vida do aluno-leitor.

O livro é um objeto inserido em um contexto. Tem autoria, propósito, um tempo e um espaço delimitado (de criação e de circulação). Saber sobre o autor e sua época, conhecer suas condições de produção ajuda a inferir sobre outros tempos e outros espaços. Um exercício interessante é o de comparar textos literários de uma mesma temática, mesmo local e épocas diferentes, ou textos oriundos de culturas diferentes abordando o mesmo tema. “É a polifonia e a pluralidade contra o monólogo e a palavra autoritária”. (Sonia Kramer, 2001). Por exemplo, mixar conteúdos da História com textos literários também é um recurso em que ambas as áreas ficam enriquecidas.

Sabemos que a escola tem um plano a cumprir e dentro dele as atividades de linguagem que devem ser realizadas e avaliadas. Ensinar a ler com prazer, a tirar proveito pessoal da leitura esbarra quase sempre na questão do número de alunos na sala para acompanhar e na dificuldade em avaliar objetivamente o aproveitamento, o prazer e a fruição. Mas sem paixão não avançamos. Principalmente quando pisamos na seara da literatura. Ensinar as características estruturais dos gêneros, as combinações lingüísticas possíveis em um texto, a organização das palavras, a comunicação de idéias não devem matar o prazer, não podem impedir que a leitura faça sentido pessoal e íntimo na vida do aluno.

Outro pressuposto é respeitar a escolha do aluno. Imaginem uma pequena cidade em que seus habitantes só conhecem comida brasileira. Vivem tranqüilos sem saber ou sem querer saber o que existe de diferente lá fora. Aí chega um grupo de imigrantes do Oriente trazendo seus costumes, temperos e especiarias. O que pode acontecer?

A – os dois grupos não se comunicarem.
B – os dois grupos trocarem suas especificidades e criarem um terceiro grupo.
C – os dois grupos aceitarem as mútuas contribuições, mas manterem sua identidade.

Esse é um exemplo do que pode acontecer com quem tem contato com o conhecimento. Transformação. Mas não acontece de imediato, nem uniformemente. É um processo e, como tal, é variável. Especificamente na arte, e dentro dela na literatura, esse processo tem finalidade de aumentar a autoconsciência humana. “A literatura é um autêntico e complexo exercício de vida, que se realiza com e na linguagem”. (Nelly Novaes Coelho, 2000)

As possibilidades combinatórias são muitas e cada um responde de acordo com sua história, seus sentimentos e possibilidades.

Imaginem agora se todas as pessoas da mesma cidade só conhecessem histórias de saci e lobisomem. Chega na cidade o grupo do Oriente trazendo histórias de califas e odaliscas, nunca antes ouvidas.

Respondam: o que pode acontecer?

Essas analogias nos permitem entender o que muda quando o novo penetra em nosso mundo, as dificuldades de aceitação, o acréscimo que pode significar e a mudança que pode provocar.

Existe uma estreita relação entre produção de textos e leitura. Segundo Beatriz Citelli (2001), a escrita constante pode despertar maior interesse pela leitura. O pressuposto subjacente é que durante o percurso da escrita, os alunos tendem a se expressar cada vez melhor com menos clichês e mais identidade.

Nem tudo que nos apresentam ou que conhecemos tem unanimidade. Podemos falar em tendências, cada classe social, cada bairro, cada sala de aula têm características próprias pois vivem histórias de vida similares. Assim, o professor pode dizer: ‘- minha classe gosta de livros de aventuras’, ou ‘minha classe adora gibis’, como um bloco, mas devemos oferecer opções e respeitar as diferenças.

A leitura e a escrita são, portanto, construídas ao longo da vida escolar com respeito à individualidade, incentivo à narração pessoal, desejo de ser lido ou ouvido.

Os passos da escrita criativa:

1 – narrar e escrever tudo e sempre como uma rotina escolar.

2 – encontrar com o professor e colegas um assunto de interesse para escrever.

3 – começar com o que Lucy McCormick Calkins (1986) chama de ensaio, uma primeira escrita.

4 – esboço ou desenvolvimento da escrita. “Ponha no papel”, diz o escritor William Faulkner, “aproveite a chance. Pode ser mau, mas este é o único modo pelo qual você poderá fazer algo realmente bom”.

5 – revisão – ver novamente, ler para os colegas e professor e reescrever em todas as etapas.

6 – edição – fazer o texto excrito circular, mesmo entre os colegas. Quem escreve, escreve para ser lido e, às vezes, a escola engaveta e só corrige os escritos e esquece do seu autor.

Vamos descrever alguns exemplos de exercícios de desbloqueio da escrita criativa:

1 – o professor sugere: “Abri a gaveta e encontrei...”. O aluno continua o texto escrevendo com: palavras que tenham 2 ou 3 sílabas, comecem com p, m ou s, rime, etc.

2 – o professor leva um texto com ausência de pontuação para os alunos lerem e pontuarem.

3 – o professor dá um poema e pede paráfrase com modificações do personagem, do cenário, etc.

4 – imaginar um personagem não humano, descrevê-lo com características humanas.

5 – pensar o que existe no mar e adjacências e escrever um período combinando palavras pelo parentesco sonoro, ex: areia com ceia, alga com algo.

6 – o professor escolhe algumas palavras, ex. – dia – e os alunos devem atribuir um sentido comum e um sentido figura à palavra.

7 – ad-verso: o professor dá dois versos de uma quadra e pede que os alunos emendem com outros dois versos de um outro assunto.

Esses exercícios podem ser trocados, completados em duplas, dramatizados, tec. Nessa etapa ainda não está em pauta o conteúdo, mas o desbloqueio da escrita.

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*Miriam Mermelstein é pedagoga e autora de obras de Literatura Infantil, tendo ministrado as oficinas “A poesia em sala de aula” e “Abraçando a palavra” no CRE Mario Covas, durante o 1º semestre de 2004

Fonte:
http://www.crmariocovas.sp.gov.br/lei_a.php?t=019
Imagem = autor anônimo. Recebida por mail

Projeto Sábado Cultural (Sorocaba/SP)


O projeto "Sábado Cultural" é realizado no último sábado de cada mês na sede da sociedade localizada no Lageado em Sorocaba, tem por objetivo ser um novo espaço para manifestação da cultura e arte em Sorocaba, sempre com entrada franca. Peças teatrais, números musicais, literatura, poesia, cinema, artes plásticas, todos os setores da cultura terão um novo espaço a partir de agora em Sorocaba.

Bem localizado e com uma boa infra-estrutura, o projeto "Sábado Cultural" viabiliza o encontro do artista com o público, como explica Eliton Tomasi, vice-presidente da S.C.E. Irmãos de Caridade. "Muitos artistas, principalmente os iniciantes, não encontram espaços adequados para se apresentarem. O público mais carente, por sua vez, muitas vezes não tem verba para prestigiar os grandes espetáculos. O projeto Sábado Cultural vem como solução nesse sentido pois abre espaço para toda a classe artística de Sorocaba e região e os ingressos serão sempre em forma de alimentos a serem doados para entidades assistenciais da cidade, tornando assim os eventos 100% viáveis para todas as classes da sociedade, e uma via de colaboração direta com os mais necessitados".

A primeira edição do projeto teve a apresentação da peça teatral "Fases da Vida" do grupo da Terceira Idade do SESI. Sob a direção de Edna Harder, a peça faz uma reflexão a respeito da existência humana em suas diferentes épocas.

A Sociedade Cultural Espírita Irmãos de Caridade fica próximo à rodoviária de Sorocaba na rua Fagundes Varela, 15 no Lageado. Outras informações: (15) 3211-1621 / 3221-0449 / 9111-2234

Fonte:
Cenário Cultural. http://cintianmoraes.com.br/

Luciano Bonatti Regalado, novo integrante da Academia Sorocabana de Letras


Academia elege vencedor do Prêmio Literário 2008

O pesquisador Luciano Bonatti Regalado, ganhador do Prêmio Literário Anual Sorocaba de Literatura em 2008, com seu livro “Observando as Aves nas Áreas Verdes de Sorocaba e Região” (Linc: 2007, 198 páginas), é o mais novo integrante da Academia Sorocabana de Letras. Ele ocupará a nova Cadeira nº 34 da instituição, que tem como Patrono Afonso de Escragnolle Taunay. Doutor e Mestre em Engenharia Ambiental pela USP e graduado em Ciências Biológicas pela PUC-SP (Campus de Sorocaba), o novo acadêmico é analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e tem experiência na área de Ecologia, com ênfase em Ornitologia e Gestão de Unidades de Conservação. Atuando principalmente nas áreas de conservação, gestão ambiental, ecologia de comunidades, estudos faunísticos.

Em paralelo, desenvolve pesquisas de arquivo e de campo sobre a documentação primária da Fábrica de Ferro de São João do Ipanema, ajustando-se ao espírito da Cadeira Afonso de Taunay que dará ênfase aos estudos e pesquisas relativas à História Paulista.

Serviço:
Sessão solene de instituição da nova Cadeira nº 34 (Patrono: Afonso de E. Taunay) e posse de seu primeiro titular, Acadêmico Luciano Bonatti Regalado (Comemorando os 70 anos da eleição de Taunay como Membro da Academia Brasileira de Letras)
Data: 19 de fevereiro às 19h30

Fontes:
Cenário Cultural.
http://cintianmoraes.com.br/especiais/index.html
Capa do Livro =
http://www.novoambienteeditora.com.br

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Evandro Luiz Mezadri (Livro de Poesias)


Poeta de Votorantim lançou livro de poesias sobre o seu cotidiano

O “Lunático” de Evandro Luis Mezadri foi lançado na sexta-feira (13), contou com a presença de amigos, familiares, amantes da poesia em um evento emocionante na Biblioteca Municipal. Um orgulho para Votorantim, que a cada ano revela mais autores, Evandro é um exemplo, pois começou a escrever aos dezesseis anos, mesmo ano em que começou a ouvir Rock' n' Roll. É sensível aos fatos que o rodeiam, sua primeira obra mostra o paradoxo cotidiano existente dentro de si. Uma linha tênue entre esperanças e desilusões que mesclam todas as vertentes sentimentais como o amor, ódio, opinião social, viagens surreais e experiências pessoais, as quais, fundamentais para a formação do seu universo "Lunático".

O poeta deixa ao leitor um “livro aberto” de sua vida. “Lunático” expõe um pouco de suas vertentes, pois suas influências vão de Rimbaud a Paulo Leminski, passando por Jim Morrison, Baudelaire e Allen Ginsberg, desfilando ecléticas escolas em seu aprendizado poético.

Quem quiser obter o livro deve entrar em contato com o autor pelo email: evandromezadri@yahoo.com.br
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LUNÁTICO

Parte o lunático...
Vestido pela íntima solidão
Duelando com as sombras do passado
Ruas são labirintos de fogo
aquecidas por cobertores de ossos
Árvores são testemunhas
e suas folhas espiãs
brincando entre os galhos da madrugada

Morcegos voam
entre rasantes tentativas de alegria
Cães ladram
a fome angustiada dos mal-nascidos
Gatos esquartejados nas autovias
e seus cérebros pisoteados
pelos carros rumo ao sul

Parte o lunático...
O riso mórbido como guia
Abre-se uma fenda na abóbada
Raios selvagens estupram
as estrelas donzelas
e elas derramam pelas nuvens
lágrimas vermelhas
Como o gozo de um vinho barato
sobre o solo poeirento da cidade

Parte o lunático...
Em sua hipnótica caravela
Velejando pelos prolíferos mares da loucura
A lua a beijá-lo
Uma tempestade de anseios
derramada em pernas e seios
entrelaçando as veias pulsantes dos desejos
Filho do deleite
Em uma colheita
de douradas novidades
Caminhando pelos campos antes inóspitos
A música refletindo
o erótico flerte
da vida com a morte

Espasmo

Açoite

Finda mais uma luxuriosa noite
ao ser atravessada
pela espada flamante
do divino crepúsculo
E o lunático retorna...
ao seu frio reino de tijolos à vista
Pedindo em seus credos de arremedo
para a alma uma benção
e para o corpo um esteio
quando a amante embriaguez se foi
e a esposa ressaca veio!
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Versos Esquecidos

Voltem até mim, versos esquecidos
Estou pronto para recebê-los em meu cérebro desvalido
Peço-lhes perdão pela indiferença na noite passada
O descaso por não anotar-lhes em minha folha amassada

Trêmulo, atiro-me ao âmago do subconsciente
Rastejo pela tênue verve que ainda me resta acesa
Chamo-lhes em insanas regressões pela minha mente
Desregrado e em prantos, ardendo em incontida morbideza

Lembro-me em flashes, de suas doiradas vogais
Entrelaçadas as margens de púrpuras consoantes
Navegavam nos agitados oceanos de meus ideais
E agora, atracadas no fundo de uma memória gélida
e sufocante

Suplico que retornem, ó versos esquecidos
Reconduzam a alegria a este vate que lhes conclama
Embala novamente os papéis outrora esmaecidos
Com a rajada lírica de suas ecléticas chamas
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Vazio

Da vida, sou detento
Caminho sonolento
Guiado por um trevoso vento
Que enregelou meu sentimento
E deixou meu coração poeirento

Sou um sem talento
Sigo trôpego e lento
Escondo um negro sofrimento
Procuro um colorido alento

Sou um animal sarnento
Rastejo em uma selva de desalento
Vítima de um psíquico atormento
Despejo meu lamento

Sigo solitário e desatento
Criatura inerme que só estará a contento
A sete palmos da terra,
dentro de uma gaveta de cimento

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Ode a um amigo
Aperto no peito,
Boca seca apenas umedecida
pela saliva amarga
do crepúsculo final da vida

Pálpebras trêmulas
vertem visões derradeiras

À frente,
paisagens jubilosas
outrora ornando quadros de verdes campos
são substituídas por estéril e negra avenida
infinda e solitária peregrinação
ao reino do supremo supracitado

De joelhos,
tenta com suas imóveis arcadas
rezar orações improvisadas

As mãos querem tocar
a camisola alva
de uma dama imaginária que surge
em erótica leveza incendiária
envolvendo-o em seus seios
carnudos e plácidos

Acariciando em sua face febril
e impaciente
Esperando o enlace matrimonial
em um medo presente
de se entregar em noite de Fevereiro luzente

Não tenha medo!

A senda será transposta à transição final!
As mesquinharias abortadas,
atrasadas prestações,
falsos amigos,
fabris humilhações
Uma floresta é avistada
Corcéis negros, dragões,
gatos, cães,
albatrozes e felinos atrozes
Harmonia perfeita
regendo a celestial seita

Anjos com douradas harpas
sobrevoam um límpido oceano
onde negros e brancos banham-se juntos
esfregando o pútrido preconceito
destilado no outrora habitado planeta profano

Seu corpo apodrece abaixo do cimento
Sua alma rejuvenesce acima do firmamento

A missão foi cumprida,
e a eternidade é o seu legado
Oh! Saudoso dardo jogado
no alvo certeiro
do destino fecundado
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Dor Paternal...

O pai viu o sangue da vida ornando a criança
Pulou sobre nuvens coloridas até ficar farto
Derrubou uma lágrima alegre ao deixar o parto
Embalando-se em sonhos de esperança

Na vermelhidão de uma aurora, após anos vindouros
A criança cresceu, virou homem e irrompeu estradas,
Perpetuou sua independência em loucas jornadas,
Colhendo de experiências bizarras, negros louros

Amou o inferno a que foi acometido,
Duelou em sendas sinistras e perigosas
Viu mares rubros inundando avenidas fogosas
E uma rajada frontal beijar seu coração empedernido

O pai viu o sangue da morte ornando o filho
Pulou sobre o caixão florido até ficar farto
Derrubou uma lágrima triste ao sofrer um enfarto
Embalando sua alma em uma inerte viagem sem brilho!
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Mais um...

Ruminando capins em pastos melancólicos
Aprisionado em focinheiras hierárquicas
Bebendo no cálice dos sacramentos metódicos
Cordeiro desgarrado das criações anárquicas

Olhar parado, fronte amarelada, peito empoeirado
Coberto por um negro véu enlanguescido
Rastejando tal qual mendigo assombrado
Em seu caminho verdugo de mal-nascido

Servo cômodo sem incômodo pela falta de alento
Faz o sinal da cruz agradecendo a estéril chama de luz
Passa dez horas ao dia celebrando o pífio talento
De ser apenas mais um neste orbe que a todos conduz

E ao envelhecer, em prantos, começa a esmorecer
Enxerga pelo espelho d’alma a centelha de sua mocidade
A rotina arquejante que se prestou a obedecer,
Não lhe permitiu nessa única vida, viver de verdade!
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Enluarada Andança

Ébrio viajante, caminha sobre nuvens esparsas,
Tropeçando em devaneios, equilibrando-se em esperança,
Segue em companhia do cântico mavioso das alvas garsas,
Namorando a natureza, em enluarada andança.

Mantém-se calado, imaginando uma valsa jubilosa,
Em busca de um amor verossímil em cálida candura,
Para tomar nos braços uma musa majestosa,
E sair dançando pelo infinito jardim da brandura.
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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Antonio Brasileiro (1944) Caldeirão Poético



ANOTAÇÕES DO IMEMORIADO

A consciência, fiapo de quê,
no mar da alma?

(E o ter que contar os meus segredos,
que eu mesmo guardei
e esqueci.)
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O SIM & OUTROS ACHAQUES

A vida inteira anulada
por falta de outros desígnios,

eis que voltamos ao parque
onde os homens se congregam:

ninguém jamais sabe ao certo
onde o sim das grandes aves,

singramos por mares mansos
que julgáramos esquecidos —

mas eis que a vida se perde
por falta de outros desígnios.

Ou não se perde: é só isto.
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NUANÇA

Meus caminhos, meus mapas,
meus caminhos.

Tudo está em ordem
em minha vida.

Como se faltasse
alguma coisa.
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CÁLICE

A vida não tem roteiros,
só velas que nos acenam
do mar.

Escuta, amiga,
o desfiar das horas:
elas te dirão é tua
é tua a vida.

Toma-a (como se toma
um cálice de rosas)
na mão.
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SONETO DO AMOR PROFANO

Não me consinta o amor tanta alegria,
pois, por não merecê-la, me constrange
o peito (já uma dor, não longe, me
sussurra que este amor sem agonias
não há de consentir em tanta graça),
eis que, perdidamente, já pressinto
— e quanto, e quanto — que em amor, perdidos
todos os lances, não há como obtê-lo
de outro modo que não por sacrifícios /
e eis que este, pois, gratuita dádiva,
me chega às mãos de um modo tão profano,
que quase certo estou de que, se o tenho,
já não o tenho por justo e dadivoso
mas por amor que é fruto só de engano.

E não me engana um amor quando enganoso.
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CEM ANOS

Vejo mãos que me folheiam
buscando-me a fisionomia —
mas já passei, agora
sou apenas poesia.

Vejo rostos que me amam
tentando saber quem fui —
sou um retrato, miragem
que o tempo dilui.

Vejo braços que me acenam
chamando-me insistentemente —
para que, se a folha que passa
passa tão de repente?
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CONCERTO P/ FLAUTA DE CANUDO DE MAMÃO

Vou cativar um beija-flor.
E sairemos por aí:
ele faz poesias, eu vôo.
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A NOITE DAS NOVE LUAS

Deixai-me com meus lírios e minhas luas.
Andar é sempre a mesma
luz
à frente.

Vou explodir com os planetas
vou seguir a rota das galáxias
ai amor
estou prestes a me dissolver
no ar.

Mas deixai-me com meus lírios
e interlúdios
nestes mares nunca mares calmos mares.

Deixai-me com meus lírios
e sonetos.
Vou explodir de luz um dia desses,
amiga, um dias desses.
Deixai-me com meus lírios
e sonetos.

Hás de me encontrar
insone e louco
no meio dos trigais da inconsciência,
ai, declamando
os versos que Van Gogh
não escreveu.
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ARTE POÉTICA

Meus versos são da pura essência
dos poemas inessenciais.

Nada dizem de verídico
não querem nada explicar.

Não narram o clamor dos peitos
não encaram a dor do mundo.

Se por vezes falam alto
é por puro gozo, júbilo.

humor que brota de dentro
como se movem os astros.

Eles, meus versos, são pura
floração de irresponsáveis

flores nascidas nos mangues,
por nascer — mas multicores,

lindas, não importa que os homens
as conheçam ou não conheçam.

(A Pura Mentira, 1982)
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TUDO QUE SOMOS

Tudo que somos,
pouco sabemos.

Um poço imenso,
cheio de sonhos.

Quando choramos,
não nos perdemos.

Viver é um sonho,
Não esqueçamos.

Viver é a sombra,
o assombro, o apenas.

Tão frágeis somos!
Frágeis e imensos.
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CONTEMPLAÇÃO DA NUVEM

p/ Luis Alberto

a vida é a contemplação daquela nuvem.
E o mundo
uma forma de passar, que inventamos
para não ver que o mundo não é o mundo,
mas uma nuvem
passando.

E uma nuvem passando
ensina-nos mais coisas que cem pássaros
mil livros um milhão de homens.

A vida é a contemplação daquela nuvem.
E o mundo
uma forma de passar, que inventamos
para não ver que o mundo não é o mundo,
mas uma nuvem.
Passando.

(Cantar de amiga, 1996)

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A ESPUMA DAS COISAS

A grande ilusão do insustentável.
O lama e os não-desejos.
A imensidão de um cosmos de brinquedo.
O estrelejar do hoje versus
o princípio. Ou o
precipício.

Sossega, peito meu, és só a espuma
das coisas vãs gozadas uma a uma.
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MNEMÓSINE REVISITADA

A memória do homem, coisa simples.
Esquece-se de que somos esquecidos
e cheios de saudades.
Saudades do que fomos e o que somos,
já esquecido em socavões de tardes.
Como se hojes fossem inacabáveis
e não viessem cobri-los outros sonos.

Ingratidão, memória, é teu nome.

Tudo que somos vai virar saudade
(não importa o peso, a pluma, a asperidade)
de tudo que não fomos — e, eis, esplende.
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O ESTIOLAR DAS COISAS

Os sonos estão parados
no portal do amplo oceano.

Eis meus touros minotauros
envoltos em vis novelos.

E a lágrima perdida
no amplíssimo deserto?
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O OFÍCIO

No fim dos tempos,
vou estar numa casinha de palha,
uns livros, um lápis,
papel almaço, a alma pura
e uns rabiscos pra ninguém ler,

me confessar.

Ao deus dentro de mim, primeiramente.
E a quem não interessar possa.
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QUADRA

Se alguém me espera?
Quem dera.

Se o bonde veio?
Mas cheio.

Se ganhei na vida?
Feridas.

Não vai dar? Deixa
estar.
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Sobre o Poeta
Pintor e poeta baiano: é assim que Antônio Brasileiro gosta de se definir. Mas não são essas poucas palavras que melhor o definem. Figura referencial entre os nomes surgidos a partir doa anos 60, Antonio Brasileiro, reconhecido nacionalmente pela sua produção poética, estreou na ficção com o romance Caronte é também figura de destaque como agitador cultural. Mente multifacetada, seu raio de ação inclui, além da literatura e das artes plásticas, um sólido estudo de filosofia. Com vinte e duas obras publicadas (poesia, ensaio, conto, romance, teatro), divide o resto do tempo entre o amor pelos livros e a música, a prática do tênis e o cultivo do ócio.

Brasileiro nasceu em 1944, em Rui Barbosa, no sertão baiano, onde viveu até 1955, quando se transferiu para Salvador. Desde 1972 vive em Feira de Santana. Tem uma fazenda de gado no Acre. É doutor em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais [1999]. Dedicado praticante de tênis. Faz ginástica e longas caminhadas diárias. “Se eu não me cuidar, quem vai cuidar de mim?” Seu cultivo do ócio inclui música, leituras filosóficas, do tao e do zen, e conversas com os amigos. Ensina Teoria da Literatura na graduação em Letras da Universidade Estadual de Feira de Santana. Mas não faz desse ensino a exposição do que é chato, porque tem os olhos e os ouvidos abertos para o que diz Goethe no Fausto: “Toda teoria é cinzenta, caro amigo. Só a verdadeira árvore da vida é verde”.

Quarenta e um anos de poesia — com incursões na ficção e no ensaio — e 43 de pintura. Dos 22 livros que publicou, considera como os mais importantes: Caronte [romance, 1995], Antologia poética [1996], A história do gato [conto, 1997], Da inutilidade da poesia [2002] e Poemas reunidos [2005].

Segundo Brasileiro "A rigor, a poesia nunca esteve “em alta”. Alguns nomes conseguem se tornar mais conhecidos, pouquíssimos ultrapassam sua própria geração. Mas quantas pessoas mesmo, dessas que você vê todos os dias trafegando por aí, sequer ouviram falar de Drummond, nosso maior poeta? E se ouviram, quantos dentre seus mil poemas conhecem? Dois? Três? Isso é conhecer um poeta? Não é só a poesia que resiste à mercantilização; há outros saberes."

Dir-se-ia que a voz do poeta, filtrada pelo sentimento do eu lírico, amplia-se à medida em que encontra ressonância no sentimento do mundo. (...) A inquietação de estar no mundo permeia esta poesia. Uma poesia metafísica, no sentido mesmo de perplexidade frente ao mistério da existência, da inutilidade de todas as coisas diante do tempo que passa, inexorável, em seu eterno fluir. A ironia como que a mascarar a angústia de saber que o canto é tão inútil e tão necessário e que nesta festa de dançarinos entediados, somos grãos de areia na ampulheta, sozinhos, frente à eternidade das coisas tão perenes, quando a vida é apenas um susto...” (Myriam Fraga)

Convidado oficial da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília, participa da antologia POEMÁRIO da I BIP.

Fontes:
http://www.antoniomiranda.com.br/
http://blogs.abril.com.br/lenidavid
http://www.litbr.com/entrevistas-antoniobrasileiro.htm

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Nilza Fiorentina Vendrami (1949 - 2008)

Sete Filhos

Olhe lá aquela casa
A última da favela
É uma casinha pobre
Só tem uma janela

Foi lá que morou Maria
Com os sete filhos dela
O quintal era florido
Com flores de primavera

Tinha uma cachorrinha
Que alegrava a galera
E o riacho no fundo
Atrás da cerca amarela

Veja bem essa Maria
Com sonhos de cinderela
Olhe lá as sete crianças
Correndo em volta dela

Ouça a canção que ela canta
É uma canção tão singela
Que saudades de Maria
E dos sete filhos dela
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Brinco de princesa

Peço ajuda a minha gente
Ao santo que me proteja
Já andei de bar em bar
Conheci muitas igrejas

Sei de tudo desta vida
Da pobreza a realeza
Não sou formado doutor
E disso eu tenho tristeza

Sou forjado a ferro e fogo
Sei da vida com certeza
Dos lugares onde andei
Não levei muitas riquezas

Só carrego aqui comigo

E um brinco de princesa
Não é de ouro nem prata
Pois ganhei da natureza

Peço ajuda a minha gente
Ao santo que me proteja
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Pedras

Será que as pedras choram?
Ou será que não choram não?
Esquecidas, desprezadas
Vivem presas aqui no chão

Sempre em silêncio profundo
Eterna meditação

Às vezes são alicerce
De uma grande construção.
Às vezes viram estátua
De um famoso cidadão

Eu só não tenho certeza
Se as pedras choram ou não.
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Sobre a Autora

Escritora e poeta, Nilza escreveu o livro “Sete Filhos de Maria”, onde conta a história de sua mãe e dos sete irmãos. Incentivou a neta Larissa Vendrami que hoje escreve poesias e dará continuidade ao livro de contos que a avó não terminou de escrever.

Escritora e poeta, Nilza Vendrami escreveu com muito carinho o livro de poesias 'Sete Filhos de Maria', onde conta a história de sua mãe e dos seus sete irmãos. Com sua história de vida encantou a todos e deixou na lembrança, das pessoas que tiveram a oportunidade de conhecê-la, a força de vontade e o carinho em suas palavras escritas. Tinha adoração pela sua neta Larissa Vendrami, que com o incentivo da avó, começou a escrever e seguir os seus passos.

Larissa é um orgulho para todos, aos 12 anos já é escritora, teve os seus primeiros escritos publicados na antologia Rodamundinho 2008 e pretende ir muito longe na carreira de escritora. Como a avó, ela pretende escrever o seu próprio livro e no momento declara que está continuando um livro de contos que Nilza, por força maior, não terminou de escrever. Larissa quer realizar o sonho da avó e ver mais esse livro publicado e relata que é um orgulho para ela finalizar a história que a avó iniciou.

Nilza Florentina Vendrami faleceu aos 59 anos no dia 27 de novembro de 2008.

Fontes:
http://sorocult.com
Cintian Moraes. in
http://sorocaba.com.br/acontece

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Sandra M. Julio (Quão tola fui eu ... )

Quão tola fui eu...
Confiando em sonhos de um amor sem fim,
Acreditando que teus versos, eram só pra mim.
Achando-me tua estrela mais amada, quando
Na verdade fui apenas mais uma, hoje desprezada.

Quão tola fui eu...
Permitindo às entrelinhas reverberar ilusão,
Hoje, sangram elas em meu triste coração.
Bebes, pois desse amor, taça vazia,
Depois, sorri da tua hipocrisia.

Quão tola fui eu...
Fazendo-te destino de lugar nenhum,
Farta mesa num dia de jejum.
Embuça teus sorrisos e teus abraços parcos,
Depois, cala teus pobres hiatos.

Quão tola eu fui...
Hoje, a ti entrego as talas da solidão...
Sentirás a dor do flagelo pagão.
Seguirei esquecida deste passado agreste,
Mas para sempre, serei teu leste.

18/02/07
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Fonte:

Victor Hugo (Catarata de Poesias)


ONTEM A NOITE

Ontem — sozinhos — eu e tu, sentados,
Nos contemplamos quando a noite veio:
Queixosa e mansa a viração dos prados
Beijava o rosto e te afagava o seio,
Que palpitava como ao longe o mar...
E lá no céu esses rubis pregados
Brilhavam menos que teu vivo olhar!

Co´a mão nas minhas, no silêncio augusto,
Tu me falavas sem mentido susto,
E nunca a virgem que a paixão revela,
Passou-me em sonhos tão formosa assim!
Vendo essa noite pura, e a ti tão bela,
Eu disse aos astros: — dai o céu a ela!
Disse a teus olhos: — dai amor p´ra mim!
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HOMEM & MULHER

O homem é a mais elevada das criaturas.
A mulher é o mais sublime dos ideais.
Deus fez para o homem um trono;
Para a mulher um altar.
O trono exalta; o altar santifica.
O homem é o cérebro; a mulher o coração, o amor.
A luz fecunda; o amor ressuscita.
O homem é o gênio; a mulher o anjo.
O gênio é imensurável; o anjo indefinível.
A aspiração do homem é a suprema glória;
A aspiração da mulher, a virtude extrema.
A glória traduz grandeza; a virtude traduz divindade.
O homem tem a supremacia; a mulher a preferência.
A supremacia representa força
A preferência representa o direito.
O homem é forte pela razão; a mulher invencível pelas lágrimas.
A razão convence; a lágrima comove.
O homem é capaz de todos os heroísmos;
A mulher de todos os martírios.
O heroísmo enobrece; os martírios sublimam.
O homem é o código; a mulher o evangelho.
O código corrige; o evangelho aperfeiçoa.
O homem é o templo; a mulher, um sacrário.
Ante o templo, nos descobrimos;
Ante o sacrário ajoelhamo-nos.
O homem pensa; a mulher sonha.
Pensar é ter cérebro;
Sonhar é ter na fronte uma auréola.
O homem é um oceano; a mulher um lago.
O oceano tem a pérola que embeleza;
O lago tem a poesia que deslumbra.
O homem é a águia que voa; a mulher o rouxinol que canta.
Voar é dominar o espaço; cantar é conquistar a alma.
O homem tem um fanal; a consciência;
A mulher tem uma estrela : a esperança.
O fanal guia, a esperança salva.
Enfim ...
O homem está colocado onde termina a terra;
A mulher onde começa o céu...

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A FONTE

Da espalda de um rochedo, gota a gota
límpida fonte sobre o mar caia,
Mas, ao vê-la tombar em seu regaço:
" O que queres de mim?" O mar dizia.
"Eu sou da tempestade o antro escuro;
"Onde termina o céu aí começo;
"Eu que nos braços toda a terra espreito,
"De ti, tão pobre e vil, de ti careço?...
No tom saudoso do quebrar das águas
Ao mar, serena, a fonte assim murmura:
"A ti, que és grande e forte, a pobre fonte
Vem dar-te o que não tens, dar-te a doçura!"
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O SEPULCRO E A ROSA

O sepulcro diz à rosa
Que fazes tu flor mimosa
Do orvalho da alva manhã?
Diz a rosa à sepultura:
Que fazes feia negrura
de tanta forma louça?
Negra tumba, segue a rosa
Eu, dessa água preciosa
Faço aroma que é só meu.
Diz-lhe a tumba com afago
De cada corpo que trago
Ressurge um anjo no céu.
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APARIÇÃO

Eu vi um anjo branco que passou sob minha cabeça;
Seu vôo brilhante aliviou a tempestade,
E não disse nada sobre o mar cheio de ruídos longínquos.
- Que você vem fazer, anjo, nesta noite?
Diga me. - Ele respondeu: - Eu venho levar sua alma
- E eu tive medo, porque eu vivo para uma mulher;
E eu contei isto, tremi e lhe ofereci meus braços:
- Isso ficara para mim ? porque você partirá .
- Ele não respondeu; o céu que as trevas sitia
Morrerei ... - Se você levar minha alma, eu exclamei,
Aonde você a levará ? Mostre-me em que lugar
- Ele estava sempre quieto. - Oh passageiro do céu azul,
Você é a morte? Diga me isto , ou você é vida?
- E a noite aumentou em minha alma encantada,
E o anjo ficou negro , e disse : - Eu sou o amor.
Mas sua fronte escura era mais encantadora que o dia,
E eu vi, aonde a sombra brilhava seu discípulo,
Estrelas como penas de suas asas.
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AS CONTEMPLAÇÕES

VEM ! - Uma flauta invisível

Vem ! - Uma flauta invisível
Suspire perto dos vergéis
- A canção mais tranqüila
É a canção de pastores.
O vento sopra, debaixo dos galhos ,
O espelho escuro das águas.
- A canção mais feliz
É a canção de pássaros.
Aquele cuidar atento não te atormenta.
Nos amamos ! amamos sempre!
- A canção mais encantadora
É a canção de amores.
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OS CANTOS DO CREPÚSCULO

Desde que eu meu lábio levei ao copo plenamente cheio ,
Desde que eu minhas mãos coloquei em minha fronte pálida,
Desde que eu respirei às vezes o sopro suave
De tua alma , perfume de tua sombra enterrada,
Desde que me era dado ouvir um ao outro me chamar
As palavras que se derramam no coração misterioso,
Desde que eu vi chorar , desde que eu vi sorrir
Sua boca em minha boca e seus olhos em meus olhos;
Desde que eu vi brilhar em minha cabeça encantada
Um raio de tua estrela, ai! sempre escondida ,
Desde que eu vi desabar nas ondas de minha vida
Uma folha de rosa arrancou os teus dias,
Eu me coloco agora a contar os rápidos anos :
- Passam! Passam sempre! Eu não tenho mais a idade !
Vou partir para que tuas flores desbotem todas;
Eu tenho na alma uma flor que ninguém pode colher!
Suas asas batendo não farão que nada se derrame
Do vaso d’água que bebo e que eu bem enchi
Minha alma não tem mais fogo do que vós possuis em cinzas!
Meu coração não tem mais amor do que vós possuis esquecimento!
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" O AMOR "

Pois que a beber me deste em taça transbordante,
e a fronte no teu colo eu tenho reclinado,
e respirei da tu'alma o hábito inebriante,
- Misterioso perfume à sombra derramado;

visto que te escutei tanto segredo, tanto!
Que vem do coração, dos íntimos refolhos,
e tive o teu sorriso e enxuguei o teu pranto,
- A boca em minha boca e os olhos nos meus olhos;

pois que um raio senti do teu astro, querida,
dissipar-me da fronte as densas brumas frias,
desde que vi cair na onda da minha vida
a pétala de rosa arrancada aos teus dias...

Possa agora dizer ao tempo em seus rigores:
- Não envelheço, não! podeis correr, sem calma,
levando na torrente as vossas murchas flores;
ninguém há de colher a flor que eu tenha n'alma!

Podeis com a asa bater, tentando, sem efeito,
a taça derramar em que me dessedento:
Do que cinzas em vós há mais fogo em meu peito;
e, em mim, há mais amor que em vós esquecimento!
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PALAVRAS SOBRE A DUNA

Agora que meu tempo encurta como um facho,
Que meus labores terminei,
Agora, quase assim do sepulcro debaixo,
Pelo que vivi e o que chorei.
Quando, ao fundo do céu pelo meu vôo sonhado
Vejo fugir na escuridão
Tal como um vendaval arrastando o passado,
As horas boas de então
Agora, que já digo, - um dia o sol inunda,
Mas amanhã chega a descrença!
Sinto-me triste e vou junto a água profunda,
Curvado como alguém que pensa.
Olho, para além do monte e do vale, na extensão,
E dos mares que atiram espumas
Erguer vôo e fugir do abutre aquilão
Toda a cabeleira das nuvens;
Ouço, o vento no ar, o mar sobre o recife,
Homens, na seara madura,
E escuto, ao confrontar na mente pensativa,
O que fala e o que murmura,
E às vezes, sobre a duna, eu fico meditando
Por entre a erva rala e nua,
Até a hora em que vejo aparecerem sonhando
Os olhos sinistros da lua
Ela ascende e projeta um longo raio dormente
Do abismo, no insondável poço;
E olharmo-nos então, nós os dois, fixamente,
Ela que brilha e eu que sofro.
Onde iriam assim meus dias dissipados?
Sabe alguém quem eu sou?
Tenho ainda o clarão, nos olhos deslumbrados,
Da juventude que passou?
Então tudo se foi? Estou cansado e sozinho,
Clamo, sem que ninguém responda;
Vento e vagas! Dizei serei brisa, ai de mim!
Serei um espectro e és uma tumba?
Tudo esgotei, amor, vida, alegria, esperança?
Espero, desejo, suplico,
Minhas urnas inclino, a ver se alguma lança
Um derradeiro salpico.
Como a saudade é pois vizinha do remorso!
Como o chorar tudo nos clama!
E como tu és fria, em te tocando, ó morte,
Negro ferrolho da porta humana!
E medito, ao sentir o amargo vento uivar,
E a onda enorme que se arqueia,
O verão sorri, e pode ver-se a beira mar
Florir o cardo azul da areia.
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MÃE E FILHO

Mãe ! A teu filho muitas vezes dissestes
Que o céu tem anjos e o há
Só alegrias no viver celeste
E que é melhor viver por lá;
Que é um zimbório de pilastras belas,
Tenda de ricas cores;
Jardim de anil e lúcido de estrelas
Que se abrem como flores;
Que é o mundo dos seres invisíveis
Do qual Deus é o autor,
De místico azul, de inexauríveis
Gozos, do eterno amor;
Que é doce lá, num êxtase que encanta,
Sentir que a alma se abrasa,
E viver com Jesus e a Virgem Santa
Numa tão linda casa...
Mas nunca lhe disseste, inconsolável
Mãe, chorosa mulher,
Que ele, o pequeno, te era indispensável,
Que ele te era necessário;
Que pelos filhos, quando são pequenos,
Muito as mães se consomem,
Mas que a mãe com seu filho conta ao menos
Quando for velha, e ele homem.
Nunca disseste que no escuro trilho
Da vida, Deus, que é pai
Quer que o filho a mãe guie, e a mãe ao filho,
Pois um sem o outro cai...
Nunca disseste! e agora, morto, apertar
Nos braços teu filhinho!
Deixaste as portas da gaiola aberta,
Voou o passarinho...
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Victor Hugo (1802 - 1885)


Victor Marie Hugo nasce a 26 de Fevereiro de 1802, em Besançon, terceiro filho do general napoleonico Léopoldo Hugo e de Sophie Trébuchet.

Em 1811, a família reencontra-se com o seu pai em Madrid onde vive durante um ano. Victor faz os seus primeiros estudos, como interno, no Seminário de Los Nobles, na companhia do seu irmão Eugène.

Em 1812, os dois regressam a França ao mesmo tempo que os seus pais se separam.

Em 1815, Eugène e Victor vão viver com a sua mãe no bairro parisiense Val de Grâce.

. Muito jovem, ainda, compôs numerosos poemas. Aos quinze anos recebeu um prêmio em um concurso de poesia da Academia Francesa. A partir desse momento resolveu dedicar-se à carreira literária: "serei um Chateaubrian ou não serei nada ". Apaixonado, generoso e dotado de uma extraordinária capacidade de trabalho, Hugo escreveu uma obra colossal e variada.

Em 1819 fica noivo de Adèle Foucher, uma amiga de infância, apesar dos ciúmes do seu irmão Eugène e contra os conselhos da sua mãe.

Em 1820 publica a novela "Bug-Jargal" ao mesmo tempo que recebe uma pensão de dois mil francos do rei Luís XVIII pela sua Ode sobre a Morte do Duque de Berry

En1821, Sophie Hugo, a mãe do romancista, falece a 27 de Junho. A 20 de Julho o seu pai volta a casar-se cm Catherine Thomas.

Em 1822 As suas primeiras "Odes" vêm a lume no ano em que casa com Adèle Foucher, integrando-se ao romantismo e em breve se transformou no porta-voz desse movimento.

Em 1823, escreve "Hans de Islandia".

Em 1825 é nomeado Cavaleiro da Legião de Honra ao mesmo tempo que se torna líder de um grupo de jovens escritores criando o Cenáculo.

Em 1826 nasce o seu segundo filho, Charles. O prefácio do seu drama "Cromwell" é considerado o manifesto do Romantismo contra o Classicismo.

Em1828 morre o seu pai. A 24 de Outubro nasce François-Victor.

Em 1929 em agosto, a sua peça "Marion de Lorme" é censurada.

Em 1830 nasce a sua filha Adèle.

Nos seus escritos reserva lugar preponderante aos estados de alma. Demonstra uma forte tendência ao estranho, ao maravilhoso, ao exótico e ao pitoresco. Neste ano estréia Hernani obra teatral que representa o fim do classicismo, e desencadeia uma polêmica apaixonada.Essa obra expressa novas aspirações da juventude. para Hugo começa então um período de fecundidade. Rival de Lamartine, deseja se afirmar como o único e maior poeta lírico da França.

Em 1831 consegue a sua consagração graças à publicação de "Notre-Dame de Paris", o seu primeiro romance histórico. A sua mulher inicia uma relação com o célebre crítico Sainte-Beuve.

Em 1832 publica a peça teatral "O Rei se diverte".

Em 1833 estréia dos dramas "Lucrécia" e "Maria Tudor". Hugo e a atriz protagonista destas peças, Juliette Drouet, começam uma relação amorosa.

Em1834 edita "Littérature et Philosophie Mêlées", em homenagem ao descobridor da América e a novela "Claude Gueux". Um ano mais tarde é a vez de "Cantos do Crepúsculo".

A partir de 1835, empreende várias viagens pela Europa. Ao mesmo tempo escreve ainda numerosas obras de teatro.

Sua glória de poeta é finamente consagrada em 1841, com a sua eleição para a Academia Francesa. No mesmo ano Luís Felipe o nomeia par de França. A essa altura, Victor Hugo é um homem bem sucedido, leva uma vida burguesa e dedica-se muito pouco a toda criação verdadeiramente nova.

Em 1837 é nomeado Oficial da Legião de Honra.

Em 1840, "O Retorno do Imperador" é editado.

Em 1841 depois de quatro tentativas, ingressa na Academia Francesa no mesmo ano em que sai a lume o seu livro de viagens "O Reno".

Em 1843 a sua filha Léopoldine casa-se em fevereiro. Em setembro, o casal morre afogado no Sena. Victor Hugo estará três anos sem escrever.

Em 1845 começa a esboçar "Os Miseráveis" que começou por chamar-se "As Misérias".

Mas ao ser deflagrada a revolução se 1848, se entusiasma com os valores revolucionários das camadas miseráveis e rompe-se com o partido da situação. Torna-se deputado, e se destaca por sua eloquência e por sua radical oposição a Luís Napoleão Bonaparte.

Em 1849 a 13 de maio é eleito deputado conservador na Assembleia Legislativa. Em agosto preside ao Congresso Internacional da Paz.

Em 1851 Declara-se inimigo acérrimo de Luis Bonaparte acusando-o de tirano. Os seus filhos são presos. Depois de organizar a resistência ao golpe de Estado, sai de Paris. Bonaparte assina o decreto de expulsão de Hugo que responde com o manifesto "Pequeno Napoleão".

Refugiado em Guernesey, Hugo redige ferozes panfletos contra o regime imperial. Mas também escreve grandes "painéis" novelescos e poéticos, em particular A Lenda dos Séculos (1859-1883). Esta obra épica evoca a história do mundo e mistura constantemente a lenda com a realidade. Para ele, o mundo é o terreno onde se defrontam os mitos, o bem e o mal, a bondade e a crueldade.

Do mesmo modo, escreve alguns romances,entre eles Os Miseráveis ( 1862). Quando explode a guerra de 1870 e o Império se desmorona, Hugo regressa à França: é um símbolo da resistência republicana. Sua atividade literária se reduz então consideravelmente.

Em 1871 é eleito deputado, como cabeça de lista dos republicanos por Paris. Morre o seu filho Charles e dois anos depois François.

Em1876 é eleito senador por Paris.

Em 1878 sofre uma congestão cerebral.

Em 1881 milhares de pessoas enchem as ruas de Paris por ocasião do seu 80º aniversário.

Em 1883 morre Juliette Drouet e em junho é publicado o último volume de "Lendas dos Séculos".

Em 1885, a 13 de Maio sofre uma congestão pulmonar e morre oito dias depois. O Governo decreta luto nacional. O corpo é sepultado no Panteon dos Homens Ilustres. A república lhe presta homenagens fúnebres nacionais. Com ele desaparece um dos grandes gênios da língua francesa. Victor Hugo despertou imenso entusiasmo e fervor popular e deixou sua marca na literatura de todo o século XIX, e ainda em boa parte do século XX.
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Suas obras e suas datas

1822 Odes e Vários Poemas. Poesia ainda prematura.
1823 "Hans de Islândia". Romance histórico, Hugo está apenas começando.
1826 "Bug-Jargal". Uma novela esquecida sobre uma revolta escrava em Santo Domingo. Hugo escreveu a primeira edição quando ele tinha 16 anos.
1827 Cromwell. Esta poesia é muito longa para o palco. Seu prefácio, entretanto, fez Victor Hugo famoso. Nele, ele debate por um renascimento romântico do drama.
1829 "Marion de Lorme". Censores ultrajados baniram este drama chocante. O personagem principal é uma mulher "livre". O papel do Rei Louis XIII é rude e ofensivo.
O último dia de um condenado à morte. Uma novela contra a pena de morte. Primeiro romance maduro de Victor Hugo.
1829 Poemas Orientais. Ecos da era de temas românticos populares.
1830 Hernani. A instituição literária é escandalizada por este descarado romantismo da obra. Na noite de abertura o público se dividiu entre fãs ardentes e violentos detratores. Brigas apareceram inesperadas. Mas quando a poeira abaixou, a idéia romântica de Hugo dominou o teatro francês.
1831 O Corcunda de Notre Dame (Notre Dame de Paris). A arte da novela nunca mais foi a mesma depois arrojado esforço. O livro resulta na restauração da catedral de Notre Dame de Paris.
1832 "O Rei se Diverte". Uma obra sobre o efeminando Rei Francis I e seu nobre bobo da corte. Banido pelas autoridades. Guiseppe Verdi usou a trama para sua ópera, RIGOLETTO.
1833 Lucrácia Borgia e Maria Tudor. Hugo escreveu esses dois dramas para a atriz Juliette Drouet.
1834 "Literature and Philosophy Mingled". Ensaios.
1834 Claude Gueux. Outra novela denunciando a pena de morte
1835 "Canções na Alvorada". Poesia política. Cada vez mais, Hugo envolve-se em disputas partidárias.
1835 Angelo. Um drama de paixão e vingança no século XVI
1837 Vozes Interiores. Vívido verso.
1838 Ruy Blas. Uma obra sobre uma princesa amada por um pobre poeta. Quase um apelo por reforma política.
1840 Raios de Sol e Trevas. Ambiciosa poesia sobre religião, problemas sociais, políticos e filosóficos.
1842 "O Reno". Um livro de viagem.
1843 "The Burgraves". Um melodrama que se passa na Alemanha medieval. Fracassou.
1848 "O Evento". Um jornal iniciado por Hugo para melhorar suas perspectivas políticas. Em três anos, ele é forçado para o exílio.
1852 Napoleon o Pequeno. Comparação sátira entre Napoleon III e Napoleon I.
1853 Punições. Sátira política em forma poética. Aqui, Hugo completamente abandona padrões clássicos e descobre uma voz poética mais livre.
1856 Contemplações. Comovente poesia inspirada na morte da filha de Hugo, Leopoldine.
1859 A Lenda dos Séculos. Em verso, Hugo desenvolve uma complexa visão de um universo moldado pela imperfeição do homem. Ele vai lutar com este tema durante todo o resto de sua vida.
1862 Os Miseráveis. Um ótimo sucesso internacional. Um romance descomunal, elaborado como uma história de detetive, com memoráveis descrições da vida em Paris. Finalmente, é uma obra que detalha a busca do homem pela verdadeira justiça.
1864 William Shakespeare. Uma comemoração da poética imaginação e do gênio humano
1865 Songs of Lane and Wood. Poesia lírica, leve e pastoral.
1866 Os Trabalhadores do Mar. Um romance dedicado aos marinheiros de Guernsey, a ilha onde Hugo sofre seus 19 anos de exílio da França.
1869 O Homem que Sorri. Um romance anti-feudalismo ambientado na Inglaterra do século 17. A face deformada do herói é um permanente sorriso.
1872 O Ano Terrível. Um relato do cerco a Paris e da ascensão da Comuna durante a Guerra Franco-Prussiana de 1870.
1873 "1793." Um romance sobre a Revolução Francesa.
1875 Antes do Exílio e Depois do Exílio. Coleção dos ensaios e discursos políticos de Hugo.
1876 Desde o Exílio. Mais material político.
1877 A Arte de Ser um Avô. Versos leves inspirados nos netos Georges e Jeanne.
1877 A Lenda dos Séculos - Segunda Série. Mais poesia fantasmagórica explorando os segredos da criação.
1877 História de um Crime. Escrito no exílio, este reconta o golpe que colocou Napoleão III no trono da França.
1879 A Suprema Misericórdia. Um longo poema demonstrando que um criminoso merece piedade pois sua primeira vítima é si mesmo.
1880 O asno. Um idiota narra este poema sobre o pensamento humano.
1880 Religião e Religiões. Um ataque poético sobre o materialismo e seitas estabelecidas.
1881 Os Quatro Ventos do Espírito. Poesia dramática, épica, lírica e satírica.
1882 Torquemada. Uma severa peça sobre o inquisidor geral da Espanha.
1883 A Lenda dos Séculos. Novamente Hugo usa versos para meditar sobre a humanidade e metafísica.
1886 O Fim de Satanás. Um poema do céu e da terra, da luz e da sombra.
1886 Peças Livres. Obra dramática de 1854 em diante.
1888 A Lira Toda, parte um. Mais poesia.
1891 Deus. Outro poema teológico. hugo resume sua própria religião em uma palavra-- Amor.
1893 A Lira Toda, parte dois. Ainda mais poesia.
1898 Os Anos Fatais. Política poética.
1902 Os ùltimos Respingos. Fragmentos de poesias juntadas pelo testamenteiro literário de Hugo.
1942 Oceano e Pilhas de Pedras. Fragmentos colhidos de todos os estágios da carreira de Hugo.

Fontes:
http://victorhugo200anos.vilabol.uol.com.br/victor_hugo.htm
http://pt.wikipedia.org

Victor Hugo (Os Miseráveis - O Corcunda de Notre Dame)



Os Miseráveis
Um fato histórico...

Durante 73 dias, a cidade sitiada, dominada pela Comuna mobilizada para a guerra, enfrentou o exército. Brigadas de operários e suas mulheres, as petroleuses, numa resistência desesperada, deslocavam-se pelas avenidas e ruas incendiando os prédios públicos. Num repente, os miseráveis que Victor Hugo imortalizara no seu gigantesco romance (Les misèrables, 3 volumes com 2.800 páginas, que, desde 1862, vendera sete milhões de exemplares!), rebelados, tentavam "tomar o céu de assalto". Milhares de Jeans Valjeans, na companhia das Fantines e das pequenas Cosettes, assistidas pelo moleque Gavroche, um minúsculo herói das barricadas - personagens da grande epopéia literária do proletariado francês -, haviam ocupado as ruas de Paris preparando-se para o embate final. O poeta, ainda na Bélgica, impotente, deprimiu-se. Logo ele que tanto apostara nos Estados Unidos da Europa. Não só alemães lutaram contra franceses, como esses, agora, brigavam entre si.

Glória imorredoura

Por essas e outras é que 700 mil pessoas desfilaram em frente a sua residência na avenida Eylau (hoje Victor Hugo) ao ele completar 80 anos, em 26 de fevereiro de 1881. Nem Napoleão vira tanto povo assim do seu palanque. A sua casa tornou-se local de romaria de gente do mundo inteiro. Até um poema sobre o Brasil ele compôs para o imperador D. Pedro II. Nada em matéria de multidão equiparou-se ao seu enterro quando, no dia 31 de maio de 1885 (ele falecera no dia 22), partindo do Arco do Triunfo onde seu modesto ataúde estava exposto, um milhão de franceses se irmanaram pelos Campos Elísios para levar o féretro de Père Hugo até o Panteão. Nos seus 70 anos de atividade ele fizera de tudo: foi par da França, membro da Academia de Letras, deputado, exilado político, militante anti-bonapartista, integrante do senado e o escritor mais famoso e mais popular das letras francesas em todos os tempos. Além de célebre defensor da abolição da pena capital e emérito ativista das causas populares. Dizem que no delírio que antecedeu a morte, ele gritou "esta é a luta entre o dia e a noite". Pode ter sido a chegada da noite para ele, mas para a França, que agora celebra o bicentenário do nascimento do seu maior poeta, ocorrido em Besançon em 26 de fevereiro de 1802, Victor Hugo vai ser sempre a luz do dia.

O clássico Os miseráveis, do escritor francês Victor Hugo, foi chamado de "um dos maiores best-sellers de todos os tempos". Em 1862, nas 24 horas seguintes à publicação da primeira edição de Paris, as 7 mil cópias foram todas vendidas. O livro foi publicado simultaneamente em Bruxelas, Budapeste, Leipzig (na Alemanha), Madri, Rio de Janeiro, Rotterdam e Varsóvia. Depois, a obra foi traduzida para quase todas as línguas do mundo. No século XX, Os miseráveis se tornou filme e musical da Broadway.

Trecho da obra de Victor Hugo:
(...)
Jean Valjean achava-se pois no esgoto de Paris.
Outra semelhança de Paris com o mar. Como no oceano, o mergulhador pode nele desaparecer.
A transição era inaudita. Jean Valjean saíra da cidade mesmo no meio dela e, num abrir e fechar de olhos, no tempo de levantar e abaixar uma tampa, passara da luz do dia para a completa escuridão, do meio-dia para a meia-noite, do tumulto para o silêncio, do turbilhão dos trovões para a estagnação do túmulo; e, por uma peripécia muito mais prodigiosa ainda do que a da rua de Polonceau, do extremo perigo para a segurança absoluta.
Permaneceu alguns segundos como atordoado, estupefato. A bondade celeste tinha-o, de certo modo, surpreendido por traição. Adoráveis emboscadas da Providência!
Mas o ferido não fazia o mínimo movimento, e Jean Valjean não sabia se o que então levava às costas era Mário ou um cadáver.
A sua primeira sensação foi a cegueira. Repentinamente, deixou de ver. Pareceu-lhe que num minuto ensurdecera. Não ouvir já coisa alguma. A frenética e homicida tempestade que se desencadeava alguns metros acima dele não lhe chegava, como já dissemos, ao ouvido, senão muito confusamente, e como um rumor saído de uma profundidade graças à espessura de terra que o separava dela. Adiantou com precaução um pé, temendo que se lhe deparasse um buraco, desaguadouro ou um abismo; e convenceu-se de que o lajedo se prolongava.
Contudo, podia-se penetrar naquela muralha de nevoeiro, e forçoso era fazê-lo. Jean Valjean lembrou-se de que a grade, descoberta por ele debaixo das pedras, podia-o ser também pelos soldados e que tudo dependia de um tal acaso. Podiam também descer ao cano e revistá-lo. Não havia um minuto a perder. Depusera Mário no chão, tornou a pô-lo às costas e meteu-se ao caminho. Entrou resolutamente naquela escuridão.
(...)
G G G G G G G G G G G G G
O Corcunda de Notre-Dame
(Notre-Dame de Paris)

Victor Hugo tinha a reputação principalmente como poeta, mas a fama bem maior lhe veio com a publicação do romance Notre-Dame de Paris, também intitulado O Corcunda de Notre-Dame em diversas traduções. O Misterioso tema do livro tocava profundamente os leitores, em particular dura crítica de uma sociedade que, nas pessoas de Frollo, o arcebispo, e de Phoebus, o soldado, condenava à infelicidade o corcunda Quasímodo e a cigana Esmeralda. Enquanto este romance estava sendo escrito, Luís Felipe , um rei constitucional , havia sido elevado ao poder pelos estudantes e pela burguesia liberal, nos três dias da chamada Revolução de Julho (1830). Hugo compôs um poema em honra ao acontecimento, que seria precursor de muita poesia política. O autor não se contentava, com os seus versos, em exprimir emoções pessoais : pretendia ser o "eco sonoro" do seu tempo, e assim, desempenhar a verdadeira função do poeta, tal como a entendia. Problemas filosóficos e políticos se misturavam à inquietação religiosa e social do período. Um poema tratava da miséria dos trabalhadores, outro proclamava a eficiência das orações .

Algumas versões da obra de Victor Hugo já são bem conhecidas, filmes ou desenhos com adaptações diferenciadas já foram produzidos, para alguns casos, como a Disney por exemplo, o enfoque principal cai sobre a personagem Quasímodo. Na França, um grande musical vem sendo encenado sob o título de Notre Dame de Paris, que é também o título original da obra, que, quando da tradução para português, recebeu o nome de "O CORCUNDA DE NOTRE DAME", daí talvez algumas leituras caiam sobre esta personagem

Notre-Dame é um livro com o porte de um monumento. Como a igreja que o inspira, é uma obra de transição, exibindo a majestade de um clássico e a decadência do folhetim. Suas personagens expressam a diversidade e se identificam com cada um dos elementos da sua estrutura múltipla e complexa: o padre santo e sábio transformado em vilão ao longo da narrativa e que abriga e alimenta, sem saber, a figura que sintetiza sua própria decadência; o poeta dividido entre a cultura vazia do poder e a presença viva do povo nas ruas; a dançarina que encarna a beleza e a graça do movimento em confronto com uma espiritualidade rígida fundada no medo. Assim, a trama que enreda o leitor revela a solidez acumulada pela História em queda livre para o abismo.

Em oposição a esta imagem do escritor no século 19 - que Victor Hugo denuncia ambientado no século 15 - um livro feito de pedra como Notre-Dame de Paris instaura uma postura intelectual sólida. A obra literária opõe-se à decadência, resgatando a grandeza perdida da arte. Em Gringoire, as palavras são como a caiação deformando antigos monumentos. Em Victor Hugo, elas funcionam como uma orquestra e assumem a força de uma tempestade.
(crítica de Nei Duclós em artigo "Um livro feito de pedra")
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Sobre Nei Duclós
Nei Carvalho Duclós (Uruguaiana, 29 de outubro de 1948) é jornalista, poeta e escritor brasileiro. Tem quatro livros lançados e inúmeros textos publicados na imprensa brasileira.
Aos 17 anos se mudou para Porto Alegre e se matriculou no curso de engenharia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o qual abandonaria logo depois em favor da faculdade de Jornalismo. Envolveu-se no movimento estudantil brasileiro após o golpe militar de 1964. Trabalhou no jornal gaúcho Folha da Manhã e publicou seu primeiro livro, Outubro, em 1975. Mudou-se para São Paulo, onde desenvolveu longa carreira como jornalista, tendo trabalhado no jornal Folha de S. Paulo, revistas Brasil 21, Senhor, e IstoÉ. Publicou textos também em O Estado de S. Paulo, Veja e Jornal do Brasil. Publicou Outubro e No Meio da Rua, ambos pela editora LP&M, em 1980, e No Mar, Veremos, pela editora Globo, em 2001, todos de poesia. Em 2004 publicou seu primeiro romance, Universo Baldio, pela W11 Editores. É bacharel em História pela Universidade de São Paulo. Trabalha na revista Empreendedor e publica coluna no Diário Catarinense.
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Fontes:

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Edgar Allan Poe (A Máscara da Morte Escarlate)



A "Morte Escarlate" havia muito devastava o país. Jamais se viu peste tão fatal ou tão hedionda. O sangue era sua revelação e sua marca a cor vermelha e o horror do sangue. Surgia com dores agudas e súbita tontura, seguidas de profuso sangramento pelos poros, e então a morte. As manchas rubras no corpo e principalmente no rosto da vítima eram o estigma da peste que a privava da ajuda e compaixão dos semelhantes. E entre o aparecimento, a evolução e o fim da doença não se passava mais de meia hora.

Mas o príncipe Próspero era feliz, destemido e astuto. Quando a população de seus domínios se reduziu à metade, mandou vir à sua presença um milhar de amigos sadios e divertidos dentre os cavalheiros e damas da corte e com eles retirou-se, em total reclusão, para um dos seus mosteiros encastelados. Era uma construção imensa e magnífica, criação do gosto excêntrico, mas grandioso do próprio príncipe. Circundava-a a muralha forte e muito alta, com portas de ferro. Depois de entrarem, os cortesãos trouxeram fornalhas e grandes martelos para soldar os ferrolhos. Resolveram não permitir qualquer meio de entrada ou saída aos súbitos impulsos de desespero do que estavam fora ou aos furores do que estavam dentro. O mosteiro dispunha de amplas provisões. Com essas precauções, os cortesãos podiam desafiar o contágio. O mundo externo que cuidasse de si mesmo. Nesse meio-tempo era tolice atormentar-se ou pensar nisso. O príncipe havia providenciado toda a espécie de divertimentos. Havia bufões, improvisadores, dançarinos, músicos, Beleza, vinho. Lá dentro, tudo isso mais segurança. Lá fora, a "Morte Escarlate".

Lá pelo final do quinto ou sexto mês de reclusão, enquanto a peste grassava mais furiosamente lá fora, o príncipe Próspero brindou os mil amigos com um magnífico baile de máscaras.

Era um espetáculo voluptuoso, aquela mascarada. Mas antes vou descrever onde ela aconteceu. Eram sete ? um suíte imperial. Em muitos palácios, porém, essas suítes formam uma perspectiva longa e reta, quando as portas se abrem até se encostarem nas paredes de ambos os lados, de tal modo que a vista de toda essa sucessão é quase desimpedida. Ali, a situação era muito diferente, como se devia esperar da paixão do duque pelo fantástico. Os salões estavam dispostos de maneira tão irregular que os olhos só podiam abarcar pouco mais de cada um por vez. Havia um desvio abrupto a cada vinte ou trinta metros e, a cada desvio, um efeito novo. À direita e à esquerda, no meio de cada parede, uma alta e estreita janela gótica dava para um corredor fechado que acompanhava as curvas da suíte. A cor dos vitrais dessas janelas variava de acordo com a tonalidade dominante na decoração do salão para o qual se abriam. O da extremidade leste, por exemplo, era azul ? e de um azul intenso eram suas janelas. No segundo salão os ornamentos e tapeçarias, assim como as vidraças, eram cor de púrpura. O Terceiro era inteiramente verde, e verdes também os caixilhos das janelas. O quarto estava mobiliado e iluminado com cor alaranjada ? o quinto era branco, e o sexto, roxo. O sétimo salão estava todo coberto por tapeçarias de veludo negro, que pendiam do teto e pelas paredes, caindo em pesadas dobras sobre um tapete do mesmo material e tonalidade. Apenas nesse salão, porém, a cor das janelas deixava de corresponder à das decorações. As vidraças, ali, eram escarlates ? Uma violenta cor de sangue.

Ora, em nenhum dos sete salões havia qualquer lâmpada ou candelabro, em meio à profusão de ornamentos de ouro espalhados por todos os cantos ou dependurados do teto. Nenhuma lâmpada ou vela iluminava o interior da seqüência de salões. Mas nos corredores que circundavam a suíte havia, diante de cada janela, um pesado tripé com um braseiro, que projetava seus raios pelos vitrais coloridos e, assim, iluminava brilhantemente a sala, produzindo grande número de efeitos vistosos e fantásticos. Mas no salão oeste, ou negro, o efeito do clarão de luz que jorrava sobre as cortinas escuras através das vidraças da cor do sangue era desagradável ao extremo e produzia uma expressão tão desvairada no semblante do que entravam que poucos no grupo sentiam ousadia bastante para ali penetrar.

Era também nesse apartamento que se achava, encostado à parede oeste, um gigantesco relógio de ébano. Seu pêndulo oscilava de um lado para o outro com um bater surdo, pesado, monótono; quando o ponteiro dos minutos completava o circuito do mostrador e o relógio ia dar as horas, de seus pulmões de bronze brotava um som claro e alto e grave e extremamente musical, mas em tom tão enfático e peculiar que, ao final de cada hora, os músicos da orquestra se viam obrigados a interromper momentaneamente a apresentação para escutar-lhe o som; com isso os dançarinos forçosamente tinham de parar as evoluções da valsa e, por um breve instante, todo o alegre grupo mostrava-se perturbado; enquanto ainda soavam os carrilhões do relógio, observava-se que os mais frívolos empalideciam e os mais velhos e serenos passavam a mão pela teste, como se estivessem num confuso devaneio ou meditação. Mas, assim que os ecos desapareciam interiormente, risinhos levianos logo se riam do próprio nervosismo e insensatez e, em sussurros, diziam uns aos outros que o próximo soar de horas não produziria neles a mesma emoção; mas, após um lapso de sessenta minutos (que abrangem três mil e seiscentos segundos do Tempo que voa), quando o relógio dava novamente as horas, acontecia a mesma perturbação e idênticos tremores e gestos de meditação de antes.

Apesar disso tudo, que festa alegre e magnífica! Os gostos do duque eram estranhos. Sabia combinar cores e efeitos. Menosprezando a mera decoração da moda, seus arranjos mostravam-se ousados e veementes, e suas idéias brilhavam com um esplendor bárbaro. Alguns podiam considerá-lo louco, sendo desmentidos por seus seguidores. Mas era preciso ouvi-lo, vê-lo e tocá-lo para convencer-se disso.

Para essa grande festa, ele próprio dirigiu, em grande parte, a ornamentação cambiante dos sete salões, e foi seu próprio gosto que inspirou as fantasias dos foliões. Claro que eram grotescas. Havia muito brilho, resplendor, malícia e fantasia? Muito daquilo que foi visto depois no Hernani. Havia figuras fantásticas com membros e adornos que não combinavam. Havia caprichos delirantes como se tivessem sido modelados por um louco. Havia muito de beleza, muito de libertinagem e de extravagância, algo de terrível e um tanto daquilo que poderia despertar repulsa. De um ao outro, pelos sete salões, desfilava majestosamente, na verdade, uma multidão de sonhos. E eles? Os sonhos ? Giravam sem parar, assumindo a cor de cada salão e fazendo com que a impetuosa música da orquestra parecesse o eco de seus passos. Daí a pouco soa o relógio de ébano colocado no salão de veludo. Então, por um momento, tudo se imobiliza e é tudo silêncio, menos a voz do relógio. Os sonhos se congelam como estão. Mas os ecos das batidas extinguem-se ? Duraram apenas um instante? E risos levianos, mal reprimidos, flutuam atrás dos ecos, à medida que vão morrendo. E logo a música cresce de novo, e os sonhos revivem e rodopiam mais alegremente que nunca, assumindo as cores das muitas janelas multicoloridas, através das quais fluem os raios luminosos dos tripés. Ao salão que fica a mais oeste de todos os sete, porém, nenhum dos mascarados se aventura agora; pois a noite está se aproximando do fim: ali flui uma luz mais vermelha pelos vitrais cor de sangue e o negror das cortinas escuras apavora; para aquele que pousa o pé no tapete negro, do relógio de ébano ali perto chega um clangor ensurdecido mais solene e enfático que aquele que atinge os ouvidos dos que se entregam às alegrias nos salões mais afastados.

Mas nesses outros salões cheios de gente batia febril o coração da vida. E o festim continuou em remoinhos até que, afinal, começou a soar meia-noite no relógio. Então a música cessou, como contei, as evoluções dos dançarinos se aquietaram, e, como antes, tudo ficou intranqüilamente imobilizado. Mas agora iriam ser doze as badaladas do relógio; e desse modo mais pensamentos talvez tenham se infiltrado, por mais tempo, nas meditações dos mais pensativos, entre aqueles que se divertiam. E assim também aconteceu, talvez, que, antes de os últimos ecos da última badalada terem mergulhado inteiramente no silêncio, muitos indivíduos na multidão puderam perceber a presença de uma figura mascarada que antes não chamara a atenção de ninguém. E, ao se espalhar em sussurros o rumor dessa nova presença, elevou-se aos poucos de todo o grupo um zumbido ou murmúrio que expressava a reprovação e surpresa ? e, finalmente, terror, horror e repulsa.

Numa reunião de fantasmas como esta que pintei, pode-se muito bem supor que nenhuma aparência comum poderia causar tal sensação. Na verdade, a liberdade da mascarada dessa noite era praticamente ilimitada; mas a figura em questão ultrapassava o próprio Herodes, indo além dos limites até do indefinido decoro do príncipe. Existem cordas, nos corações dos mais indiferentes, que não podem ser tocadas sem emoção. Até para os totalmente insensíveis, para quem a vida e morte são alvo de igual gracejo, existem assuntos com os quais não se pode brincar. Na verdade, todo o grupo parecia agora sentir profundamente que na fantasia e no rosto do estranho não existia graça nem decoro. A figura era alta e esquálida, envolta dos pés a cabeça em veste mortuárias. A máscara que escondia o rosto procurava assemelhar-se de tal forma com a expressão enrijecida de um cadáver que até mesmo o exame mais atento teria dificuldade em descobrir o engano. Tudo isso poderia ter sido tolerado, e até aprovado, pelos loucos participantes da festa, se o mascarado não tivesse ousado encarnar o tipo da Morte Escarlate. Seu vestuário estava borrifado de sangue? e sua alta testa, assim como o restante do rosto, salpicada com o horror escarlate.

Quando os olhos do príncipe Próspero pousaram nessa imagem espectral (que andava entre os convivas com movimentos lentos e solenes, como se quisesse manter-se à altura do papel), todos perceberam que ele foi assaltado por um forte estremecimento de terror ou repulsa, num primeiro momento, mas logo o seu semblante tornou-se vermelho de raiva.

- Quem ousa... ? perguntou com voz rouca aos convivas que estavam perto ? quem ousa nos insultar com essa caçoada blasfema? Peguem esse homem e tirem sua máscara, para sabermos quem será enforcado no alto dos muros, ao amanhecer!

O príncipe Próspero estava na sala leste, ou azul, ao dizer essas palavras. Elas ressoaram pelos sete salões, altas e claras, pois o príncipe era um homem ousado e robusto e a música se calara com um sinal de sua mão.

O príncipe achava-se no salão azul com um grupo de pálidos convivas ao seu lado. Assim que falou, houve um ligeiro movimento dessas pessoas na direção do intruso, que, naquele momento, estava bem ao alcance das mãos, e agora, com passos decididos e firmes, se aproximava do homem que tinha falado. Mas por causa de certo temor sem nome, que a louca arrogância do mascarado havia inspirado em toda a multidão, não houve ninguém que estendesse a mão para detê-lo; de forma que, desimpedido, passou a um metro do príncipe e, enquanto a vasta multidão, como por um único impulso, se retraía do centro das salas para as paredes, ele continuou seu caminho sem deter-se, no mesmo passo solene e medido que o distinguira desde o inicio, passando do salão azul para o púrpura ? do púrpura para o verde ? do verde para o alaranjado ? e desse ainda para o branco ? e daí para o roxo, antes que se fizesse qualquer movimento decisivo para detê-lo. Foi então que o príncipe Próspero, louco de raiva e vergonha por sua momentânea covardia, correu apressadamente pelos seis salões, sem que ninguém o seguisse por causa do terror mortal que tomara conta de todos. Segurando bem alto um punhal desembainhado, aproximou-se, impetuosamente, até cerca de um metro do vulto que se afastava, quando este, ao atingir a extremidade do salão de veludo, virou-se subitamente e enfrentou seu perseguidor. Ouviu-se um grito agudo ? e o punhal caiu cintilando no tapete negro, sobre o qual, no instante seguinte, tombou prostrado de morte o príncipe Próspero. Então, reunindo a coragem selvagem do desespero, um bando de convivas lançou-se imediatamente no apartamento negro e, agarrando o mascarado, cuja alta figura permanecia ereta e imóvel à sombra do relógio de ébano, soltou um grito de pavor indescritível, ao descobrir que, sob a mortalha e a máscara cadavérica, que agarravam com tamanha violência e grosseria, não havia qualquer forma palpável.

E então reconheceu-se a presença da Morte Escarlate. Viera como um ladrão na noite. E um a um foram caindo os foliões pelas salas orvalhadas de sangue, e cada um morreu na mesma posição de desespero em que tombou no chão. E a vida do relógio de Ébano dissolveu-se junto com a vida do último dos dissolutos. E as chamas dos braseiros extinguiram-se. E o domínio ilimitado das Trevas, da Podridão e da Morte Escarlate estendeu-se sobre tudo.

Fontes:
POE, Edgar Allan. Histórias Extraordinárias. SP: Nova Cultural, 1993.
Imagem = http://vulcanus.multiply.com/