quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Millôr Fernandes (O Quociente e a Incógnita)


Às folhas tantas do livro de matemática, um quociente apaixonou-se um dia doidamente por uma incógnita.

Olhou-a com seu olhar inumerável e viu-a, do ápice à base.

Uma figura ímpar olhos rombóides, boca trapezóide, corpo ortogonal, seios esferóides. Fez da sua uma vida paralela a dela até que se encontraram no infinito.

"Quem és tu?" - indagou ele com ânsia radical.

"Eu sou a soma dos quadrados dos catetos, mas pode me chamar de hipotenusa".

E de falarem descobriram que eram o que, em aritmética, corresponde a almas irmãs, primos entre-si.

E assim se amaram ao quadrado da velocidade da luz numa sexta potenciação traçando ao sabor do momento e da paixão retas, curvas, círculos e linhas senoidais.

Nos jardins da quarta dimensão, escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas e os exegetas do universo finito. Romperam convenções Newtonianas e Pitagóricas e, enfim, resolveram se casar, constituir um lar mais que um lar, uma perpendicular.

Convidaram os padrinhos: o poliedro e a bissetriz, e fizeram os planos, equações e diagramas para o futuro, sonhando com uma felicicdade integral e diferencial.

E se casaram e tiveram uma secante e três cones muito engraçadinhos e foram felizes até aquele dia em que tudo, afinal, vira monotonia.

Foi então que surgiu o máximo divisor comum, frequentador de círculos concêntricos viciosos,
ofereceu-lhe, a ela, uma grandeza absoluta e reduziu-a a um denominador comum.

Ele, quociente percebeu que com ela não formava mais um todo, uma unidade. Era o triângulo tanto chamado amoroso desse problema, ele era a fração mais ordinária.

Mas foi então que Einstein descobriu a relatividade e tudo que era espúrio passou a ser moralidade, como, aliás, em qualquer Sociedade ...

Fonte:
http://www.somatematica.com.br/

Pedro Du Bois (Sobre a Dor)


Divido a dor
em partes igualitárias.

Negocio minha parte
em troca do esquecimento.

Alimento a sua parte
em crescimentos tardios.

O afundar do barco
em correntezas: dor
dividida em estratagemas.
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Fonte
Colaboração do Autor.

José Carlos Brandão (A Arte da Crônica)


A crônica também é uma arte, e justamente aí está a dificuldade: conciliar arte e jornalismo. Pois a crônica é antes de tudo jornalismo. A sua forma artística está ligada à forma jornalística, assim como o seu conteúdo, humano, filosófica, poético, humorístico, pitoresco, deve ser ao mesmo tempo matéria de jornal.

Mas que é uma crônica? O dicionário é impreciso. Lemos: “narração histórica segundo a ordem em que os fatos vão-se dando” ou “noticiário dos jornais”. Só que isso é história. São os velhos cronicões. São fatos subordinados inteiramente ao tempo: passa-se o tempo, morre o interesse. São impessoais, a notícia é que é importante. Mas talvez por aí possa-se definir um outro tipo de crônica, jornalístico-literária, individual e atemporal.

É quando há a marca inconfundível do autor. É quando os fatos são mais pretexto, para devaneios, considerações pessoais, testemunho humano, e mais vale a maneira de o cronista ver e dizer as coisas, mais vale a sua personalidade, o que diz sobre o que acontece, não o acontecimento por si mesmo.

Para se compreender melhor a crônica é preciso remontar ao velho ensaio francês, que não é o ensaio que conhecemos (estudo, análise, pesquisa, com os instrumentos da ciência) e sim um testemunho, uma opinião, uma determinada visão do mundo. Assim pode-se compreender o ensaio de Montaigne ou de Camus. Assim pode-se compreender por que se diz que “Terra dos Homens” de Saint-Exupéry não é um romance, são cinco ensaios: narrativa de sua experiência, testemunho da vida e dos homens. Pouco me importam Mermoz ou Guillaumet ou o próprio Saint-Exupéry: já morreram. Importa-me a sua grandeza humana, que conheço através de uma linguagem poética, de profundidade filosófica disfarçada na simplicidade de quem viu o mundo com clareza, do alto das nuvens, “acima da ignorância e estupidez humana.”

Morreu o escritor: seus livros continuam a nos interessar e a nos ensinar. Morreu o nosso Machado de Assis: suas crônicas ainda nos divertem e nos dão lições, em seu tom gracioso, irônico-humorístico, jocoso, como quem não quer nada com nada, de que o tempo passa e nós passamos por ele. Morreu Stanislaw Ponte Preta: também permanece através de um outro tipo de crônica, contando-nos casos divertidíssimos da tragicomédia cotidiana.

Mas eu falava da dificuldade da crônica. O próprio Machado, que soube dar um movimento à crônica para manter o leitor sempre interessado, talvez atraia espíritos ou mais finos ou mais cultos: suas crônicas são intelectuais, revestem-se de fineza filosófica. Certo que a crônica precisa do leitor de crônica. Certo que há vários tipos de crônica e que um jornal precisa de todos eles. Mais certo que a crônica antes de, ou para ser crônica, é jornalismo, e deve-se subordinar às regras do jornal, oferecer ao leitor o que ele espera. E, então, prefere-se um Fernando Sabino, contista do cotidiano, descobridor do saboroso e pitoresco dos pequenos casos com que topamos todo dia. Como Stanislaw Ponte Preta, que era mais divertido, mais solto, mais observador dos fatos, e mais cronista, mais jornalista.

Falou-se muito de Rubem Braga como nosso melhor cronista. Amo as suas crônicas, de um encanto especial, algo que eu definiria como poesia da virilidade – poesia da infância, da natureza, mas sempre o encanto do homem maduro, forte e terno, fraco e sábio, sabedor de sua fraqueza e da grandeza das coisas simples da vida. Mas os poetas, Drummond, Bandeira, Cecília, Vinicius também deram excelentes cronistas, contando casos densos, ou somente conversando, mas com um peso e com uma leveza especial de linguagem.

Nos anos 70 Carlos Eduardo Novaes e Lourenço Diaféria se afirmam como grandes cronistas. Novaes vê a política de então como verdadeira comédia. Ri e faz rir. Nada tem sentido. Num momento tão conturbado o riso é o melhor remédio. Numa linguagem simples e direta, põe em ebulição a comédia política brasileira. Descendente direto de Stanislaw Ponte Preta, perde para este enquanto criador de tipos e de uma linguagem que detecta a transformação da sociedade carioca e nacional, bafejada pelo ridículo a cada passo, – mas é sempre contundente, pela atualidade de seus temas, tratados com graça e descontração (essa atualidade dos temas, para a época, talvez tornem essas crônicas, hoje, fora de época).

Já Lourenço Diaféria deu uma sumida, depois de andar mais e mais em alta; “Herói. Morto. Nós”, uma crônica sua, muito boa, humana, criativa, do autor no auge da sua técnica, essa técnica que nem aparece, de tão bem trabalhada que é, ofendeu os donos do poder, que não podiam conceber que um deles, mas um simples sargento, valesse mais como herói do que os heróis de pedra; talvez tenha tido um quê a mais de violento em sua linguagem, mas era próprio do período; mais um pouquinho e viria a distensão, mas os donos do poder não poderiam tolerar, e os donos do outro poder, uma das seções do 4o poder, a valorosa imprensa, foram fracos e ele acabou afastado de suas fileiras; o que não matou o cronista, logo escrevendo aqui e ali, depois desenvolvendo o seu amor pelas ruas da paulicéia, como um poeta de férias em seu lar, e trabalhando.

A crônica não pára. Agora temos os cronistas da internet, os leitores de crônica que não se contentam em ser apenas leitores, querem opinar, querem criar. Como quem fazia um diário, dando o seu testemunho para si mesmo, às vezes publicando ou sendo publicado, e, se esse diarista fosse um Kafka, um Dostoievski, um Gide, ou fosse um Valéry escrevendo seus cahiers, apresentava ao mundo uma obra de valor; como quem fazia um diário, esses cronistas fazem suas crônicas, que têm a vantagem de ter a obrigação de ser bem-feitas, de se inventarem uma forma, que as limita e engrandece.

É difícil dizer qual tipo de crônica agrada mais. Tudo depende das circunstâncias, da hora e lugar. Acontece também que o cronista escreve semanalmente e até diariamente, e os melhores cronistas são obrigados a apresentar páginas fraquíssimas. Mas certamente, em Novaes, Stanislaw ou Diaféria, em Rubem Braga, Fernando Sabino ou Drummond, nos vivos e nos mortos, encontramos a crônica que nos diz alguma coisa. Nos vivos e nos mortos, que, lembrando Ezra Pound, a literatura é notícia que permanece, e se é literatura e não apenas jornalismo, a crônica permanece.

O bom cronista pode estar desatualizado, tratar de fatos há muito passados, e no entanto agradar, divertir, comover, interessar. Como um Machado de Assis, que escrevia há cem anos, e na sua pior página tem sempre um parágrafo, uma frase, um dito espirituoso que provocará o leitor de hoje e de amanhã.
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Fonte:
http://www.blocosonline.com.br/literatura/prosa/cron/cb/2003/030222.htm

Ivan Lessa (A crônica)


Crônica, do grego chrónos, tempo, cronicar, feito Tácito, relatar o tempo ou tempos.

Por que nós, brasileiros, fizemos do gênero especialidade da casa — feito muqueca de peixe ou tutu à mineira?

Eu, pela parte que me cabe — e é pouquíssima a parte que me cabe —, eu tenho minhas teoriazinhas.

Primeiro lugar, porque nós trabalhamos bem com poucas armas, isto é, Euclides da Cunha à parte, nosso fôlego literário é curto.

Não há nenhum demérito nisso.

Se a América Latina fornece caudalosos escritores, como Vargas Llosa, Roa Bastos e Alejo Carpentier, nós, por outro lado, somos excelentes no pinga-pinga do conto: o próprio Machado de Assis, Lima Barreto, Alcântara Machado, Dalton Trevisan, Clarice Lispector, Rubem Fonseca.

Segundo lugar, porque nós temos consciência da extraordinária violência com que o tempo vai levando as coisas e as gentes, daí a necessidade de registrar, de alguma forma, o que se passou e passa no âmbito pessoal e intransferível.

Terceiro lugar, em conseqüência disso que acabei de falar: somos muito pessoais, vemos e vivemos muito a nossa vida e a celebramos quase que no próprio instante em que ela se passa.

A crônica é a nossa autobustificação, por assim dizer.

Ou, em termos da realidade atual: é a nossa autonomeação para assessor disso ou secretário daquilo outro.

E em quarto e último lugar: dinheiro.

Não há motivo nenhum para se ficar encabulado.

Quem não escreve por dinheiro não é digno da profissão.

Um romance vende cinco mil exemplares e o autor, com alguma sorte, pega o equivalente a uns tantos salários mínimos.

Se dividirmos tempo gasto no trabalho e na vida de estante do livro, vai dar nisso mesmo: salário mínimo.

O cronista, por outro lado, mesmo mal pago — e quando é bom não é esse o caso —, tem uns cobres garantidos no fim do mês, se o empregador for bom pagador.

Conseqüentemente: aí está, viva e atuante, a crônica do cronista brasileiro.

Pouco importa que o cronista ou a cronista limite-se a relatar seu encontro no bar ou sua ida ao cabeleireiro.

Tanto faz que seja elitista ou literariamente imitador.

E daí que tenha menos profundidade que mergulhadores mais audazes como Milan Kundera e Marion Zimmer Bradley?

A crônica vai registrando, o cronista vai falando sozinho diante de todo mundo.

Fontes:
LESSA, Ivan. Ivan vê o mundo. RJ: Editora Objetiva, 1999.
Imagem =
http://trabalhosameio.blogspot.com

Ivan Lessa (1935)


Ivan Pinheiro Themudo Lessa (São Paulo, 9 de maio de 1935) é um jornalista e escritor brasileiro.

Filho da jornalista e cronista Elsie Lessa e do escritor Orígenes Lessa. É bisneto do escritor e gramático Julio Cézar Ribeiro Vaugham, autor, entre outros, do romance naturalista A Carne, além de criador da Bandeira Paulista. Ivan foi editor e um dos principais colaboradores do jornal O Pasquim, onde assinava as seções Gip-Gip-Nheco-Nheco, Fotonovelas e "Os Diários de Londres", escritos em 'parceria' com seu heterônimo Edélsio Tavares. Lessa publicou três livros: Garotos da Fuzarca (contos, 1986), Ivan Vê o Mundo (crônicas, 1999) e O Luar e a Rainha (crônicas, 2005). Ivan Lessa mora em Londres, onde escreve crônicas três vezes por semana para a BBC Brasil.

Ivan Lessa criou junto com o cartunista Jaguar o ratinho Sig (de Sigmund Freud), baseada na anedota corrente da época na qual se dizia que se "Deus criou o Sexo, Freud criara a sacanagem". O ratinho se tornou simbolo de "O Pasquim", aparecendo também nas capas da coleção "As anedotas do Pasquim", publicada nos anos 70 pela Editora CODECRI.

Fonte:
Wikipedia

IV Colóquio de Estudos Linguísticos e Literários (IV CELLI)

O IV Colóquio de Estudos Linguísticos e Literários (IV CELLI), proposto pelo Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Estadual de Maringá, é um evento acadêmico-científico que tem por objetivo congregar pesquisadores atuantes no Brasil para discussão, reflexão e divulgação de produção acadêmica, técnica e cultural em Letras, Línguística e áreas afins.

Em sua quarta edição, o evento amplia esse público, acolhendo, também, professores, pesquisadores e alunos de instituições estrangeiras, configurando seu caráter internacional. Assim, o I Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários (I CIELLI) passa a se constituir em um espaço de ampla divulgação e de troca de experiências acadêmicas, por meio de conferências com convidados do exterior, de mesas-redondas, de minicursos e de simpósios nas áreas de Literatura e de Linguística

ATENÇÃO!

As inscrições para participação no evento estarão disponíveis no menu a partir das 13h00m do dia 16 de Janeiro de 2010 (sábado).

Com o pagamento de uma inscrição cada participante poderá:

1) Submeter até 2 (duas) comunicações, desde que seja para Simpósios diferentes. Em caso de trabalhos em co-autoria os dois autores deverão recolher a taxa de inscrição.
(Os interessados em participar do CIELLI, com apresentação de trabalho, deverão escolher os Simpósios em que gostariam de participar e selecionar o simpósio desejado na hora da inscrição.)

2) Se inscrever em 1 (um) Minicurso (no limite das vagas).
(Os interessados em participar de MINICURSOS, deverão selecionar o minicurso desejado no ato da inscrição. Não será permitido se inscrever em nenhum dos minicursos após a efetivação da inscrição.)

Local de Realização

Programa de Pós-Graduação em Letras - Universidade Estadual de Maringá
Av. Colombo 5790 - Jardim Universitário - Maringá - Paraná - Brasil - CEP 87020-900

Período
9, 10,11 de junho de 2010

Carga Horária
40horas

Estrutura do evento
- Conferências
- Mesas-redondas
- Minicursos nas áreas de Estudos Linguísticos e Estudos Literários (ministrantes
convidados pela Comissão)
- Simpósios: - 12 Simpósios na área de Estudos Linguísticos
(mínimo de 12 participantes e máximo de 36)

- 12 Simpósios na área de Estudos Literários
(mínimo de 12 participantes e máximo de 36)

Inscrições
Períodos de pagamento:

valores para o período de 02/01/2010 a 28/02/2010
alunos da graduação com trabalho = R$ 60,00;
alunos da graduação sem trabalho = R$ 40,00;
alunos da pós-graduação sem trabalho = R$ 60,00;
alunos da pós-graduação com trabalho = R$ 80,00;
demais participantes sem trabalhos = R$ 80,00;
demais participantes com trabalhos = R$ 100,00.

valores para o período de 01/03/2010 a 30/03/2010
alunos da graduação com trabalho = R$ 80,00;
alunos da graduação sem trabalho = R$ 60,00;
alunos da pós-graduação sem trabalho = R$ 80,00;
alunos da pós-graduação com trabalho = R$ 100,00;
demais participantes sem trabalhos = R$ 100,00;
demais participantes com trabalhos = R$ 120,00.

valores para período de 01/04/2010 a 30/04/2010
alunos da graduação com trabalho = R$ 100,00;
alunos da graduação sem trabalho = R$ 80,00
alunos da pós-graduação sem trabalho = R$ 100,00;
alunos da pós-graduação com trabalho = R$ 120,00;
demais participantes sem trabalhos = R$ 120,00;
demais participantes com trabalhos = R$ 150,00.

Comitê Científico do Evento

Será constituído pelos membros da comissão organizadora e pelos coordenadores dos Simpósios.

Como participar?

A estrutura do evento prevê duas formas de participação:
- Coordenação de Simpósio
- Comunicação em um dos Simpósios propostos

Os Simpósios são organizados por dois coordenadores. Para encaminhar uma proposta de Simpósio basta acessar o link no menu lateral, selecionar o simpósio desejado e, na página do simpósio, clicar em . O interessado será encaminhado para a página de e deverá preenhcer o formulário de inscriçao, enviar o resumo de sua comunicaçao e gerar o boleto para pagamento.

As propostas de comunicações deverão ser encaminhadas até o dia 22 de fevereiro de 2010, diretamente para os coordenadores dos Simpósios, que terão até o dia 28 de fevereiro de 2010 para analisar as propostas de comunicação oral recebidas e para apresentar a composição final dos seus Simpósios (com a lista de participantes e os resumos aprovados, em ordem de apresentação).

Caberá aos coordenadores dos Simpósios o recebimento dos resumos, a emissão dos pareceres de seleção dos integrantes dos Simpósios (no mínimo 12 e no máximo 36 participantes), bem como a seleção, a avaliação e a revisão dos trabalhos completos submetidos à publicação em forma de Anais.

Os Simpósios que não receberem o número mínimo de inscrições até a data prevista no cronograma serão cancelados, e os resumos a eles submetidos poderão ser remanejados, a critério da Comissão, para outros Simpósios conforme a temática indicada. A avaliação dos resumos (aprovado/rejeitado) será realizada exclusivamente pelos coordenadores do Simpósio integralmente por meio da página do evento. A divulgação da composição dos Simpósios será feita pela Comissão Organizadora, a partir de 30 de março de 2010.

Publicação dos Trabalhos Apresentados

A Comissão publicará os trabalhos apresentados em forma de Anais por ocasião da realização do evento. Os textos completos deverão ser encaminhados pelos coordenadores dos Simpósios à COMISSÃO até 30 de abril de 2010.

ATENÇÃO:

- A opção para enviar propostas de Comunicações para os Simpósios estará disponível no link , somente após a publicação da lista de Simpósios aprovados.

- Os menus na cor verde da barra lateral estão temporariamente inativos e serão disponibilizados de acordo com as datas previstas no cronograma geral do evento. Solicitamos que visitem o site nas datas previstas, para acompanhar o andamento das propostas e realizar as etapas necessárias para completar a sua inscrição.

Prezados Pesquisadores, Professores e Alunos de Mestrado/Doutorado

Gostaria de informá-los sobre o simpósio que o Dr. Thomas Bonnici (UEM) e o Prof. Sérgio Paulo Adolfo (UEL) estarão coordenando no Primeiro Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários que acontecerá em 9-11 de junho de 2010 na Universidade Estadual de Maringá, Maringá PR.

Quem se interessar em apresentar trabalhos, por favor, consulte o simpósio 28 em "Estudos Literários" (http://www.cielli.com.br/simposio-28), intitulado RETRATOS DA DIÁSPORA AFRICANA NAS LITERATURAS DO SÉCULO 21. Acessando o endereço acima poderá fazer sua inscrição no 1º CIELLI e enviar seu RESUMO aos coordenadores (e-mails embaixo) para fazer parte do SIMPÓSIO 28.

Thomas Bonnici (UEM)
Sérgio Paulo Adolfo (UEL)

RETRATOS DA DIÁSPORA AFRICANA NAS LITERATURAS DO SÉCULO 21

Thomas Bonnici bonnici@wnet.com.br
Sérgio Paulo Adolfo benin69@hotmail.com

Esta proposta de simpósio quer reunir pesquisadores, professores e acadêmicos de programas de pós-graduação, para discutir as situações, tensões, imagens e os desafios da representação ficcional da diáspora africana na primeira década do século 21.

Caracteriza-se este simpósio pela atualização dos temas abaixo mencionados (mas não exclusivamente) nos romances publicados desde 2000. Embora ‘literatura negra’ seja controverso, o termo compreende as vicissitudes de sujeitos africanos e seus descendentes não apenas como objetos temáticos em romances, mas especialmente como enunciadores dos mesmos.

A diáspora africana não se limita somente às circunstâncias atuais na África, mas a todas as migrações, forçosas ou não, pré-transnacionais e transnacionais, que se tornaram objetos de narrativas ficcionais. Portanto, investigação sobre narrativas baseadas em ‘testimonio’ de escravos, especialmente brasileiros, e sobre a repercussão da diáspora atual envolvendo condições de exclusão e inclusão ou negociações de identidade poderá fazer parte deste simpósio.

As narrativas ‘negras’ ou de autoria negra sob análise terão a maior abrangência possível não apenas em seu espaço geográfico (por ex. Angola, Moçambique, Nigéria, Caribe, Estados Unidos e Europa) ou em sua condição histórica (a escravidão, o período pós-Independência; o neocolonialismo, as guerras), mas também nos temas filosóficos e éticos abordados (migração, hibridização/mestiçagem, racismo, políticas de pertenças, multiculturalismo, entremeio, identidade e alienação, transculturação, negociação de identidades, convivialidade, desestabilização do termo ‘nação’ e outros).

Um outro aspecto da diáspora africana que poderá ser contemplado no simpósio é a resistência, violenta ou discursiva, do sujeito diaspórico no contexto de sua convivência com a sociedade hegemônica branca. O tema de guerra e de conflitos sociais, respectivamente nas narrativas africanas e da diáspora, acoplado ao tema da legitimidade ética da violência poderão revelar o rompimento com as condições eurocêntricas e o processo de subjetificação do africano ou do negro diaspórico.

As narrativas ficcionais retratando essa negociação cheia de tensões podem representar estratégias de revide violento como também a carnavalização subversiva contra o branco predominante e suas artimanhas para manter-se no poder. O feminismo negro, o qual rompe o essencialismo na narrativa hegemônica branca, é um importante tema que permeia a narrativa do século 21 e revela a extensão do progresso na participação política da mulher negra onde quer que esteja, nas favelas sul-americanas, no sul dos Estados Unidos, nas cidades europeias ou em países pós-coloniais e pós-apartheid.

Os temas deste simpósio, portanto, revelarão a pluralidade e a profundidade da diáspora africana na literatura recente num mundo globalizado e abrirão perspectivas para várias pesquisas e linhas de pesquisas sobre um assunto ou frequentemente relegado ao esquecimento ou minimizado em sua importância devido à escassa conscientização sobre esta dívida que a sociedade ocidentalizada deve ao negro diaspórico.

Palavras-chave: Literatura negra; diáspora africana; narrativa; ficção do século 21.

Apoio
Universidade Estadual de Maringá (UEM)
PLE - Programa de Pós-Graduação em Letras - UEM-PR
DLE - Departamento de Letras - UEM - PR

UEM - Universidade Estadual de Maringá
PLE - G-34 - Câmpus Maringá - Maringá - Paraná - Brasil - CEP 87020-900 - (44) 3261-4830

Fonte:
Colaboração do Dr. Thomas Bonnici(UEM)

Qorpo Santo (Um Assovio,)



Comédia em 3 atos e um quadro

PERSONAGENS:
Fernando Noronha – Gabriel Galdino – Almeida Garrett – Jerônimo Avis – Luduvica – Luduvina – Esméria – Rosinha E Coriolana – Três Tocadores

As cenas passam-se em Paris.

ATO PRIMEIRO

Cena Primeira

FERNANDO (passeando e batendo na testa) – Não sei que diabo tenho nesta cabeça! Nem Cosme, que é da minha particular devoção, é capaz de adivinhar o que se passa dentro deste coco! O que, porém, é verdade é que todos os dias, todas as horas faço novas preces; e todas as horas e todos os dias transgrido os deveres que em tais protestos me imponho! (Chama.) Gabriel, Gabriel, que diabo estás fazendo nesse fogão, em que estás pregando há mais de duas horas! Querem ver que estás a roer os tijolos, julgando serem de goiabada! Cruzes! Cruzes! Que gastrônomo! É capaz... já estou com medo! É capaz de roer até a minha casaca velha! (Pegando de repente no nariz, tira um pedaço; olha e grita,) Oh! Diabo! Até já me roeu um pedaço do nariz, quando eu ontem dormia! Gabriel! Gabriel!

GABRIEL – Pronto! Então (de dentro) que tanto me chama!? Diabos te levem! É o amo mais impertinente que tenho visto! Cruzes! Ave-Maria! Já vou, já vou! Deixe-me tomar o meu quinhão de café; e tomo, porque estou o transido de frio! Estou gelo! Quer derreter-me!? Espere, espere!

FERNANDO – Diabos te levem para as profundas do maior inferno! Está este diabo a tomar
café desde que amanhece, até que anoitece! Vai-te, diabo!

GABRIEL – (aparecendo) – Ora, graças a Deus e a meu amo! – já que com o diabo cortei de
todo as minhas relações. (Apalpando e levantando a barriga.) Tenho esta pança mais pequena que a de um jumento, ou de um boi lavrador! Não é nada (caminhando para o lado do amo), existe aqui... quem sabe já quanto estará! (Rindo-se.) Duas chaleiras de café; quatro libras de açúcar... já se sabe – do mais fino refinado. Três libras, não! Seis livras de pão de rala e duas de fina manteiga inglesa. (Andando para uma e outra parte.) Troleró, troró! Agora sei que sou mesmo um Manuel José Taquarião! Só me faltam as cartas, e as parceiras! (Apalpa as algibeiras e tira um baralho.)

FERNANDO (à parte) – Estou otimamente servido de criado e companheiro! Não tenho, sinto – um guindaste para lhe suspender a pança!

GABRIEL (depois de haver examinado o baralho com atenção; para o amo) – Pensei que não
tinha trazido. Está ótimo! Vamos a uma primeirinha? (Batendo no baralho.) Hem? Hem?

(Tocando-lhe no braço.) Então? Vamos, ou não vamos!?

FERNANDO – Tu és o diabo em figura de bicho. (Batendo-lhe na pança.)

GABRIEL – Ai! não me fures, que eu tenho um filho de seis meses arranjado pela Sra. D.
Luduvina, aquela célebre parceira que o Sr. meu amo melhor que eu conhece ... visto que passou as mais apreciáveis noites com... ou... etc. etc.

FERNANDO (batendo-lhe na boca) – Ó diabo! Não descubras esse segredo! Senão, são capazes os amigos dela de me porem na cadeia!

GABRIEL (à parte) – Por isso é que muitas vezes eu chupo-lhe o dinheiro, faço d’amo! Tem
segredos, que eu sei; e que ele não quer que sejam revelados!

FERNANDO – Então, Galdino! Encheste o teu pandulho desde ( bate-lhe na bunda, que é
tão bem formidável, e na barriga) esta extremidade até esta...!

GABRIEL – Ai! ai! seu diabo! Não sabes que ainda não botei as páreas do que pari por aqui!...

(Apalpa a bunda).

FERNANDO – E entretanto, de mim não te lembraste, judeu! Vai me buscar uma chícara, anda!

GABRIEL _ Oh! Pois não! (pulando; e dando voltas.) O meu amo sabe dançar a chula? (Olha para os calcanhares.) E ainda faltam-me as esporas; senão, havia eu de fazer o papel mais interessante que se tem visto! Nem o Juca Fumaça era capaz de me ganhar em levianeza e linda graça! (Continua a dançar a chula.)

FERNANDO - Este diabo (à parte ou para um lado ) não vai me buscar café! Então? Vais ou
não vais!?

GABRIEL – Ah! quer café! Já vou! (Dá mais duas ou três voltas, e entra por uma porta, pela qual torna a vir logo depois.)

FERNANDO – Que tal estará o café deste judeu?

GABRIEL – Eis aqui! Está melhor que o chocolate da velha Teresa lá do Caminho Novo em que não há senão velhas tabaqueiras ou espirradeiras, que na frase dos rapazes são tudo e a mesma cousa!

FERNANDO (pagando a chícara e levando-a aos lábios) Fum!... Fede a rato podre! E tem
gosto de macaco são! Que porcaria! Pega; pega! (Atira-lhe com o café à cara.)

GABRIEL (limpando-se todo) – Não precisava fazer-me beber pelos olhos! Já estava farto de
derrama-lo pela cara. Agora arrumo a xícara.

FERNANDO – Quem sabe se o fétido e o gosto proveem da xícara!? Pode ser! Para não tornar a ter destes prazeres... (atirando) quebrarei as pernas deste pançudo! (Atira xícara e pires pernas do criado.)

GABRIEL –Ó diabo! Quase me quebras as pernas! Mas ficou sem o casal da xícara! O que me vale (à parte) é que por eu há muito já o conhecer, mandei o ano passado forrá-las de aço no ferreiro das encomendas, que mora lá por trás das vendas, na rua das contendas!

ATO SEGUNDO

Cena Primeira

LUDUVINA (mulher de Gabriel Galdino, velha feia e com presunções e ares de feiticeira) –
Graças a Deus que já se pode vir a esta sala (Olhando para o chão.) Oh! Cacos! Que barulho haveria aqui! Quem quebraria esta louça! Querem ver que meu marido, o Sr. barrigudo e bundudo, que pelas nádegas (e se espera que faça o mesmo pelo umbigo) andou brigando com o amo, que uma outra das mais raras esquisitices que se há visto sobre a Terra! Nem foi outra cousa! Deixem-nos por minha conta; hein de pôr-lhes freios e lei, e em toda a sua grei!

GABRIEL (entrando) - Oh! Minha querida Luduvina! Levantei-me a sonhar como um
sonâmbulo. Agarrei-me primeiro a uma janela, pensando que era a Sr.! Depois a uma talha, ainda com a mesma ilusão! E ultimamente a uma música chamada cavatina, pensando sempre que era a Sra. D. Luduvina!

LUDUVINA – O Sr. é muito gracejador! Quem o manda dormir tanto! Por que não faz como eu, que atiro-me do mar, ponho-me no ar!? Sabe que mais? (Pondo o dedo em frente ao rosto dele, como ameaçado.) Se quiser continuar a ser meu, há de primeiro: Levantar-se de madrugada, senão à do galo primeira cantada! Segundo; banhar-se dos pés à cabeça, e esfregar-se com fino sabão inglês ou sabonete. Terceiro; alimentar-se três vezes ao dia; e de comidas simples e brandas; como por exemplo: uma xícara de chocolate para almoço com uma fatia ou alguma massa fina torrada ou não; um ou dous pedacinhos de galinha ou cousa idêntica, para o jantar, e quando muito mais (o que não julgo necessário) – um cálice de vinho superior, ou uma xícara de café, ou de chá. À noite – qualquer líquido destes como ceia. O melhor de tudo é tomar uma só bebida para almoço, e para ceia; e para o jantar tão bem um só pratinho com um calice de vinho, ou uma xícara de café, no primeiro caso se for com carne, no segundo se for...

GABRIEL – Agora acabe! Depois da ceia, diga O que havemos de fazer? Em que me hei de
entender!?

LUDUVINA – De noite, depois do chá... já se sabe (abraçando-o), vamos para a cama dormir
quentinhos! Fazer alguns... alguns filhinhos. Sabe, não? Entende o que eu quero dizer? Entende; entende; o Sr. não é nenhum ignorante.

GABRIEL – Estás gaiata; gaiatíssima. Pois não basta a nossa filha Esméria para nos entreter!?
Ainda queres mais filhinhas!?

LUDUVINA – É porque eu sempre gostei...

GABRIEL – Mas isso era no tempo de moça; agora estamos velhos...

LUDUVINA – A mulher nunca é velha! E o homem sempre é moço.

GABRIEL – Ora explique-me Sra. Pulquéria, a sua asserção; eu não entendo bem.

LUDUVINA – Visto que me troca o nome, eu lhe trocarei o chapéu. Tira o que ele tem na cabeça e põe-lhe outro mais esquisito.) O nome que me deu, regula com o chapéu, que eu lhe – ponho: e dê graças a Deus não o deixei com a calva à mostra!

GABRIEL – Já agora estarei por tudo. Casei-me de fato com a Sra.; não há remédio (à parte)
senão aturá-la...

Cena Segunda

FERNANDO (entrando) – Oh! Que é isto? O Sr. acompanhado aqui desta dama!

GABRIEL – Pois quem tem? Sim; sabe... o meu casamento...sim; o Sr. ignora! Tem razão!

FERNANDO – Pois o Sr. é casado!?

GABRIEL – E até tenho uma filha chamada Esméria.

FERNANDO (olhando para um lado) – E esta! O meu criado; e já com uma filha.

GABRIEL – Sim, Sr. Sim, Sr. E por isso mesmo far-lhe-ei em breve as minhas despedidas!

FERNANDO – Ainda mais esta! Fala-me em despedida! (Pausa.) E depois quem me há de
servir, se me faltar este pançudo barrigudo!

ESMÉRIA (entrando) – Sua bênção, meu pai.

GABRIEL – Oh! Bem-vinda, minha querida!

FERNANDO – Onde diabo, em que casa tinhas tu metido a mulher, e este anjo de bondade!?
Tão escondidos ou bem guardados, que eu nunca pude saber que existiam!?

GABRIEL – Não me convinha; porque sei quanto o Sr. é amigo de alheias mulheres! E se a
minha Esméria é um anjo de bondade, a minha Luduvina é uma santa de maldade!

FERNANDO ( muito zangado) - Todos têm mulher. (Puxando os cabelos.) Isto é o diabo! É o diabo! E é o diabo. Onde irei eu buscar, achar uma que me agrade! (De repente, para Gabriel Galdino :)Amigo, dás-me a tua filha em casamento!? (Pondo-lhe a mão no peito.) Se
má dás, hoje mesmo, meu caro, ela será minha mulher!

GABRIEL – A minha Esméria é um anjo de bondade; só se o Sr. se sujeitar a todos os preceitos que ela lhe impuser!

FERNANDO – Mas que diabos de preceitos são esses!? Pois tu não me conheces? Não sabes
quanto eu sou franco e generoso; cavalheiro e...

GABRIEL – Sei; sei de tudo isso! Mas eu não quero fazê-la infeliz! O Ilmo. Sr. Dr. Fernando há de ser uma espécie, ou um verdadeiro criado fiel de minha filha; e há de declará-lo em uma folha de papel, escrita por tabelião e assinada pelo juiz competente; o dos casamento ou dos negócios civis. Etc. etc. e etc. Com a satisfação de todas estas condições, ou seu preenchimento, a minha muito querida filha, se quiser, será sua mulher. Fora delas, ou sem elas, não falaremos, não trocaremos mais sobre tão melindroso assunto.

FERNANDO (à parte) – E o caso não julgado é verdade – que estou pela menina apaixonado; e que por isso mesmo não terá remédio o Sr. Fernando, senão a tudo se ir sujeitando. Assim é que servia-me o meu futuro sogro; há mais de seis meses sem que eu soubesse que era casado, e que tinha filha! Foi realmente um mistério. E dizem-me que não aparecem ou não se vêem milagres no tempo presente.

ATO TERCEIRO

Cena Primeira

LUDUVICA ( criada da Almeida Garrett) - Depois Que este meu amo se associou ao Sr. Fernando de Noronha que este se casou com Sra. D. Esméria, filha de um velho criado deste; e finalmente, depois que se juntou certa camaraótica de maridos, mulheres, genros, criados ou quiabos, anda esta casa sempre assim! Ninguém os entende! Se vai servir à Sra. D. Luduvina, eis que se ouve a voz do Sr. Fernando de Noronha, gritando _ Luduvica! Luduvica! Traz-me as botas! Se se está servindo ao Sr. Dr. Fernando, eis que me chama a Sra. D. Esméria: “- Luduvica! Luduvica! Toma este recado e vai levá-lo à casa de minha prima Hermenêutica”. Finalmente, se estou servido a qualquer destes, eis que o Sr. Gabriel Galdino, criado outrora malcriado, barrigudo, bundudo, grita: “Dá cá de lá os chinelos, que estou com os óculos na cabeça! ”Enfim, é o diabo! É o diabo! Muito desejo ver-me livre desta casa, em que seis ou oito meses de serviço já me fedem! Ainda que me não queiram pagar, quando não o pensarem hão de me ver raspar! (Entra Almeida Garrett, Gabriel Galdino e Fernando de Noronha.)

GABRIEL GALDINO – Com todos os diabos! Estou hoje com tais disposições de avançar a
corações, que se tu não fosses casada (pondo a mão em Luduvica), protesto que não escaparias!

LUDUVICA – Como o Sr. está engraçado! Pensa que mesmo sendo, e que mesmo não sendo, eu havia de ceder aos seus desejos brutais, sabendo principalmente que é casado, atoleimado, foi criado e que tem filhos!? Está; está – muito e muito enganado!

FERNANDO DE NORONHA – Oh! Sr. Gabriel Galdino, isso não é cousa que se faça às
escondidas de alguém. Eis porque não há criados que queiram servi-nos (Com força.) Isto envergonha! Envergonha, e faz afastar de nós todos os criados e criadas que há em toda esta cidade! É esta a décima oitava que para aqui vem; e que não tardará a deixar-nos! Se o Sr. não mudar de comportamento, estamos todos perdidos! Teremos em breve de nos servimos com as nossas próprias mãos!

GARRETT – Ainda será bom se nos servimos só com as nossas mãos! Se nos for necessário
servimo-nos com os nossos pés!

GABRIEL GALDINO – Não – toleirões! Eu estava apenas brincando. Queria ver a que ponto chegava a pudicícia da nossa encantadora e amável servidora – Luduvica Antônia da Porciúncula. (Fazendo menção de abraça-la, ela afasta-se um pouco como receosa.) Não receies, minha Menina; se voz desse um abraço – seria de amizade, ou igual àqueles que os Pais dão nos filhos; as mães nas filhas; etc. etc.

FERNANDO – Luduvica, já preparaste o que te disse de manhã que queria?

LUDUVICA – Como havia de preparar, se eu não me posso voltar nem mexer-me para lado
algum!? Se me volto para direita, sou chamada da esquerda; se para a esquerda, incomodada pela direita; e finalmente pelos flancos, retaguarda e vanguarda; sempre e sempre chamada, incomodada e flagelada!

FERNANDO – Em vista disso, irei eu mesmo preparar! (Sai muito zangado, mas pára-se na
porta.)

GARRETT – e as minhas camisas, calças e ceroulas – já aprontaste?

LUDUVICA – Não tenho tido tempo nem para coser os meus vestidos, quanto mais a sua roupa!

GARRETT_ Um criada assim, não sei para que diabo pode servir! (Vai a sair e esbarra-se com Fernando de Noronha, que até então se acha sério e firme, como um soldado de sentinela em frente do inimigo.)

FERNANDO – Alto lá! Aqui ninguém passa. Ponha-se aí ao lado, e firme como um soldado.
Quero ver até ponto chega a audácia desta criada! (Garrett perfila-se ao lado direito.)

GABRIEL GALDINO ( com palavras muito ternas ou açucaradas) – Então, minha queridinha?

(Aproxima-se a ela..) Nem beijinho me dás, nem uma boquinha, nem um abracinho, nem ao menos um volver desses olhos estrelados!

LUDUVICA (sorrindo-se) – Ora, nunca pensei que o Sr. fosse tão audaz!

GABRIEL – Pois é audácia pedir-se aquilo de que se tem necessidade!?

LUDUVICA – Vá procurar a sua mulher, e com ela faça o que quiser!

GABRIEL – E se ela não quiser, o que hei de eu fazer!?

LUDUVICA – Ter paciência , fazer-lhe continência!

GABRIEL – Então além de me negar aquilo que me deve dar, ainda hei de Ter paciência e fazer-lhe continência!?

LUDUVICA – E que remédio o Sr. terá, senão assim proceder, ou humilhar-se!? Se o não fizer, ela o ferirá; o Sr. há de morrer, ou ela se matar!

GABRIEL – Em vista disso, adeus minha queridinha; adeus! (Vai a sair e encontra o mesmo
obstáculo como Garrett.)

FERNANDO ( para Gabriel Galdino ) – Alto, frente! Tome a esquerda e perfile-se!

(Desembainhando a espada por detrás.) (Gabriel toma a esquerda e perfila-se.)

LUDUVICA – Que farão os três pandorgas (Passando e vigiando-os ora com o rabo de um, ora com o rabo de outro olho.) Que esperarão eles! Pensarão mesmo que me hão de continuar a massar!? Estão bem servidos! Eu componho; eu agora mostro-lhes o que é a força de uma mulher, quando esta está a tudo resolvida, ou mesmo quando apenas quer mangar com algum homem! (Puxa, passeando, um punhal que ocultava no seio e conserva-o escondido na manga do vestido.) Estes (à parte) meus amos são uns poltrões; eu faço daqui carreira, faço brilhar o punhal; eles. Ou me hão deixar passar livremente, ou caem por terra mortos de terror; e não só por serem uns comilões, uns poltrões, também porque... não direi mas o farei! (Volta-se repentinamente; faz brilhar o punhal; avança-se para eles; os dos lados caem cada qual para seu lado, e o do centro para diante; ela salta em cima deste, volta-se para o público e grita levantando o punhal!) Eis-me pisando um homem, como um caruncho [a] um cavalo morto! Quando a força da razão, do direito e da justiça, empregada por atos e por palavras, não for bastante para triunfar, lançai mão do punhal... e lançai por terra os vossos indignos inimigos, como fiz e vedes a estes três algozes! (Desce o pano, passados alguns minutos. E assim finda o terceiro Ato.)

ENTREATO

JERÔNIMO DE AVIS (entrando com flauta e três tocadores, com vários instrumentos) – Lá
vai! (Sopra a flauta; e esta não dá mais que um assovio destemperado; sopra com mais força, - sucede o mesmo, ou ainda pior. Muito ansiado, querendo desculpar-se: ) Senhores, deu o tétano na minha flauta! Desculpem; desculpem!

OS OUTROS – Qual desculpa, nem desculpa! Embaçou-nos, agora há de aprender a tocar todos os instrumentos. ( Caem-lhe em cima com eles; ele defende-se com a flauta; de uns e de outros; e assim que pode corre a safa-se. Os outros fingem persegui-lo; ele procura escapar-se e não pode, dando também em uns e em outros com a flauta, dizendo-lhes:)

JERÔNIMO DE AVIS – Paguem as lições que lhe dei ensinando-os a tocar flauta. (Neste ato e barulho, deve pouco a pouco ir descendo o pano.)

QUADRO

Aparecem todos; cantam – e daçam mascarados; de violas, tambores, flautas, rabecas e violões – os seguintes versinhos:

Minha Musa está vazia,
De tanto haver dado à tia!
Minha rabeca não canta,
Nem o violão descanta!

Trai, larai; tri, lari,
Lari; trai, larai, tri lari
Larou...

(Repete-se.)
Minha viola ‘stá zangada,
Por não Ter mais uma corda;
Dela a flauta discorda;
E assim – só desagrada!

Trai, lari; tri, lari,
Lari; trai, larai, tri lari
Larou...

Minha rabeca assovia;
Com esse rouco violão,
Não faz boa harmonia:
Hei de ver melhor baixão!

Trom larom,
Larom larom larom;
Trom larom larom
Larau lau lau...
(Repete-se.)

Meus tambores estão rotos!
Que fazer deles – não sei!
Hei de vendê-los ao Rei,
Cobertos de peles d’escrotos!

Trom, larom, larom,
Larau lau lau; trom, larom,
Larau, larau, lau lau!...
(Repete-se.)

Minha flauta já não toca,
Mas apenas – assovia!
Se não melhorar na pia,
Hei de mandá-la à taboca!

Drom, larom, larom,
Larim lau lau, drom,
Larom. Lari, lari, larom!
(Repete-se)

Cantados e repetidos estes versos por duas ou mais vozes, daçando-se e tocando-se chóteze, cada um canta os que dizem respeito ao instrumento que toca.

Termina o Quadro; e com ele a Comédia, do seguinte modo:

O FLAUTISTA (Para os outros) – Srs.! Silêncio! O mais profundo silêncio! Vou tocar a mais agradável peça, e de minha composição, que se possa Ter ouvido no planeta que habitamos! Ouçam! Ouçam! (Todos ficam silenciosos; e põem os instrumentos debaixo do braço esquerdo. O Flautista, levando a flauta à boca : )

Fi......... u.........

(Desce o pano)

Fim do Quadro e da Comédia.

Porto Alegre, junho 6 de 1866.

Fonte:
LEÃO, José Joaquim de Campos (Qorpo Santo). "Um Assovio". Teatro Completo, Guilhermino César (org). Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro/Fundação Nacional de Arte, 1980. p. 147-161 (Clássicos do Teatro Brasileiro, 4).

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Navegando nas Ondas da Poesia do Ceará


(Nilto Maciel)
NEM SEI DOMAR MEUS PRÓPRIOS CÃES

Para imitar o imortal Camões,
precisaria ser, meus cidadãos,
mil seres juntos, ter mil corações,
hidra gentil – cabeça, tronco e mãos.

Porém sou pobre, sem nenhuns tostões,
vivo perdido em devaneios vãos,
e sem botinas, becas e botões,
como esses loucos que se creem sãos.

E velho estou, cabeça toda em cãs,
como meus pais, avós, as minhas mães,
as utopias, ancestrais e vãs.

Talvez pudesse ser padeiro – pães –,
tecer mortalhar – panos – doutras lãs,
porém domar nem sei meus próprios cães.

(Pedro Ernesto)
O POETA INSONE

Sou apenas um poeta
Que não dorme
Pois o sono lhe somente

Que não respira
Pois o ar se retirados

Que não bebe
Pois a água se esvai

Que não tem visão
Pois seus olhos se cansam

Que não escuta as palavras
Pois elas se emudecem

Que não sente o cheiro
Pois o perfume se extingue

Sou apenas um poeta
Sem nome, sem sono
Sem fome, sem dono
Sem pranto, sem canto

Sem mim, não sou nada
Comigo, sou menos
Não sou da manada
Nem sou tão pequeno

Sou forte, valente
Escrevo – sou gente
Escravo – contente
Das palavras amenas
E dos doces poemas.

(Antonio Ximenes)
DOMINGOS RETIRANTES

Eu estava perdido antes
Antes da primeira colheita
Durante a minha guerra
Depois da minha morte sugerida.

Dividi meu prato com todos
Na manhã do café com leite
Pão com manteiga e desenho animado
Na tarde preguiçosa dos rádios AM
Filmes antigos e sucos em pó

Eu estava bêbado antes
Antes de acordar naufragado
Isolado no sofá da sala
Derrotado e cabisbaixo
Destruí minha vida e meu fígado

Digo adeus ao meu copo de alumínio
Com meu nome gravado em baixo relevo
Nas madrugadas de Lucélia Santos nua
No alvorecer das minhas andanças
Na eternidade de minhas esperas sem, sentido

Eu estava sozinho antes
Antes da última ceia desesperada
Amargurado de pão e lágrima
Fadigado de mentiras e cream-crackers
Empanzinei-me de rum e solidão.

Termino aqui o meu recomeço
Acuado num curral de analgésicos
Na ressaca de mil domingos retirantes
Aprisionado neste mundo hermético

Eu queria ter sabido de tudo isso…antes.
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Fonte:
Colaboração de Nilto Maciel com doação do Periódico Bimestral
V.O.L.A.N.T.E. (Veiculo Original Litero Alternativo Nascido Totalmente Emancipado)
Ano 1 – n.5 . Fortaleza/CE. Setembro-outubro 2009.

Ignácio de Loyola Brandão (O Homem do Furo na Mão)

Há doze anos tomavam café juntos a ela o acompanhava até O_HOMEM_DO_FURO_NA_MAO_1248231522P a porta. “Você está com um fio de cabelo branco. Ou tinge ou tira.” Ele sorriu, apanhou a maleta a saiu para tomar o ônibus. Faltavam doze para as oito, em três minutos estaria no ponto. O barbeiro estava abrindo, a vizinha lavava a calçada, o médico tirava o carro da garagem, o caminhão descarregava cervejas a refrigerantes no bar. Estava no horário, podia caminhar tranqüilo. Coçou a mão, descobriu uma leve mancha avermelhada de uns dois centímetros de diâmetro. Quando o ônibus chegou, a mão coçou de novo. Agora ardia um pouco a ele teve a impressão de que no lugar da mancha havia uma leve depressão. Como se tivesse apertado uma bolinha muito tempo, com a mão fechada.

Não tinha lugar sentado, cruzou a borboleta, foi até a frente, cumprimentando pessoas que não sabia o nome, mas que tomavam o elétrico na mesma hora que ele. Segurava a maleta com a mão direita, com a esquerda apoiava-se no varão do teto. Três pontos antes do final, o ônibus superlotado, ele sentiu uma comichão violenta. Não podia olhar, nem levantar a mão. Estava chegando, dava para esperar. Foi empurrado para a saída, despediu-se das pessoas, olhou a mão. No lugar da mancha tinha um buraco. De uns dois centímetros de diâmetro. Um orifício perfeito. Perfeito, como se tivesse sempre estado ali. Nascido. Passou os dedos pelas bordas, por dentro, sentindo cócegas. Assoprou por dentro. Olhou através dele, acompanhando uma aleijada que caminhava na outra calçada. Afastava a mão dos olhos, focalizava um objeto, aproximava a mão. Ficou algum tempo distraído com isso. Quando chegou no escritório, o chefe perguntou o porquê do atraso.

- Foi por causa do furo na mão.
- Ah, é? Pois vai ter um furo de meio dia no salário deste mês. Está bem?

Não fazia mal, há quinze anos ele não tinha uma falta, um minuto descontado. Foi para a mesa, um pouco perturbado com o furo. Não triste, mas querendo saber o que podia fazer com aquilo. Passou o dia disfarçando a mão entre os papéis. Não queria que os colegas vissem. Eles não tinham furo na mão. De vez em quando soprava através do buraco, fazia barulhos estranhos com a boca. Na hora do lanche, focalizou um colega, colocando a mão sobre o olho. Na hora de bater ponto de saída, enfiou a alavanca no buraco a empurrou. Contente, sentia-se mais que os outros. A sensação começara no meio da manhã, depois que a primeira depressão desaparecera. Tinha pensado em ir ao médico, explicar o caso. Desistiu.

A mulher esperava na porta, tomando a fresca da tarde. Entraram, ele tomou banho, descansou dez minutos, como todos os dias. Foram até a sala, ele desligou a TV, a mulher ficou olhando algum tempo para a tela cinza, como se esperasse ainda ver a novela interrompida. Então, ele mostrou a mão e a mulher começou a chorar. Ela chorou a soluçou por dez minutos. Depois perguntou:

- Dói muito?
- Não dói nada.
- Foi um acidente?
- Não, apareceu no ônibus.
- Como apareceu?
- Apareceu. Não sei como.
- E se a gente reclamar da companhia de ônibus?
- Ela não tem nada com isso.

A mulher foi ao banheiro, trouxe o estojo de emergência, apanhou gaze, esparadrapo, mercúrio cromo. Ele não deixou fazer a atadura.

- Não precisa, está cicatrizado, olhe aí.
- Não vai me andar com esse buraco por aí. O que as vizinhas vão dizer? Que não cuido de você?
- Mas eu quero que vejam. Só eu tenho esse buraco.
- É tão feio.

À noite, ele se levantou para observar o furo na mão. Deixou embaixo da torneira, com água correndo pelo meio. No dia seguinte, a mulher tentou de novo enfaixar a mão, ele não deixou. Estava orgulhoso do furo. Foi trabalhar a no fim da tarde estava um pouco decepcionado. Ninguém no escritório tinha ligado para a mão dele. Fizera de tudo em frente aos colegas. Assoara o nariz, passara o dia com a mão na testa. Ao voltar para casa, não encontrou a mulher na porta. Na mesa havia um bilhete. “Não posso viver com você enquanto esse buraco existir.” A casa vazia, ele abriu a geladeira a só encontrou manteiga, comeu com pão. Foi comprar revistas, jornais, ficou lendo, com o rádio ligado. Não ouvia o rádio, só gostava do barulho. Todas as manhãs, quando acordava, deixava o rádio aberto, ouvindo ruídos, sem estar em estação alguma. Depois, viu televisão até cair de cansaço. Dormiu na poltrona.

Do escritório telefonou para o emprego do sogro. A mulher não tinha aparecido na casa dos pais. Na hora do almoço saiu de táxi, rodando pela casa de amigos a amigas. E parentes. Nada. À noite, foi à igreja. Ela costumava ir. Passou na polícia a deu queixa. Comeu sanduíche num bar, ficou vendo televisão até cair de cansaço. Foi acordado pela empregada que vinha às quintas-feiras.

- O senhor está com um buraco na mão, vou colocar bandaide.
- Não precisa, não. Pode deixar.
- Como pode? O senhor não vai sair assim.
- Vou, não quero bandaide.

Cinco minutos depois a empregada saiu, com a bolsa, dizendo até logo, não volto mais. Ele dormiu mais um pouco. Acordou com o silêncio da casa, os cômodos na penumbra, tudo desarrumado. Gostou da desarrumação. Fez café, jogou pó no chão, molhou tudo que pôde, derrubou o lixo. Tomou banho, jogou as toalhas, molhou o chão, largou o sabonete dentro da privada. Saiu. Pela segunda vez em doze anos saía sozinho sem ninguém para acompanhá-lo até a porta, sem a sensação de estar vigiado, de ter que it a voltar ao mesmo lugar, ter que justificar as coisas, o dia, os movimentos.

Chegou atrasado ao ponto. Quando subiu no ônibus, não conhecia ninguém. O cobrador se levantou.

- O senhor pode tomar outro carro, por favor
- Outro carro, por que?
-- Ordem da companhia, não sei de nada.
- Que coisa ridícula. Ordem da companhia. Não vou tomar outro. Vou nesse mesmo.
- Por favor, não me arrume complicação. Desça. Os passageiros estão esperando.

Todo o ônibus olhava para ele. Sentou-se, segurando firme a maleta. Os outros passageiros começaram a descer. O cobrador foi buscar um PM. O motorista chegou até ele, olhando o furo na mão, bem visível, por cima da maleta.

- Por que o senhor não vai por bem?
- Pago minha passagem, tenho direito de andar no carro que quiser.
- Não tem nada. O senhor é que pensa.

O PM entrou, apanhou o homem com furo na mão pela gola, jogou-o fora, na calçada. A maleta abriu, os papéis espalharam. Ajoelhado, ele começou a catá-los. O povo olhando. O PM disse:

- Quando mandarem o senhor tomar outro carro, o senhor toma.

Ele pensou: estão todos combinados, não é possível, é uma brincadeira da turma, comigo. Depois, ele se lembrou que não tinha turma, vivia só, ele e a mulher, às vezes ela até reclamava. Os passageiros voltaram ao ônibus. Ele se levantou, ficou encostado no ponto. Minutos depois chegou outro ônibus. Só abriu a porta da frente, alguns passageiros desceram. Bateu na porta de entrada, chutou, o cobrador colocou a cabeça para fora.

- Ei, companheiro, o que é isso. Espere chegar o outro carro.

Decidiu ir a pé. Tinha anotado os números dos ônibus, iria à companhia fazer uma reclamação. O pior é que chegaria atrasado. Quando entrou no escritório, passou rápido pelo chefe, mas este não se incomodou. Foi direto para a mesa. Havia um paletó na cadeira. Ele colocou a maleta na mesa, sentou-se. Abriu a gaveta, não a encontrou arrumada, como deixava todos os dias, no fim da tarde, os lápis selecionados por cores, os clips, borracha, papéis ordenados. Estava tudo remexido. Ouviu um “com licença”, levantou os olhos, encontrou um homem de uns trinta anos, gordo.

- O que é?
- Desculpe, esta mesa é minha.
- Sua? Desde quando?
- Me deram hoje de manhã. Era sua?
- É minha. Onde estão as minhas coisas?
- Num pacote com o chefe.

Foi até o chefe.

- O que está acontecendo?
- Nada. Por quê?
- Tem outro na minha mesa.
- A mesa é da companhia. Não é sua.
- Bom, eu ocupava aquela mesa da companhia. E agora?
- Não ocupa mais. Você não trabalha aqui.
- Por quê?
- Foi sua mão. Esse buraco é inconveniente.

A mulher tinha razão, seria preciso colocar um bandaide para esconder o furo. Mas se escondesse, ficaria sem ele. E gostava daquele buraco perfeito, um círculo exato. Talvez até inventasse um jogo qualquer, com bolas de gude atravessando a palma da mão. Era uma boa idéia, podia se apresentar na televisão.

- E o meu dinheiro? A indenização?
- Indenização? Você foi demitido por justa causa.
-- Justa causa?
- É proibido ter buraco na mão. Você não sabia?
- Nunca existiu isso nos regulamentos.
- Existe. Está no Decreto Inexistente. ,
- Quero ver.
- É inexistente. O senhor não pode ver. Passar bem.

Pensou em procurar um advogado, correr à justiça trabalhista. Não podiam fazer aquilo, daquele jeito. Amanhã ou depois cuidaria disso. Tinha tempo. Resolveu it ao cinema. Fazia vinte a dois anos que não is ao cinema num dia de semana, à tarde. Comprou o bilhete no primeiro que encontrou. Nem olhou que filme era, nem os cartazes. Quando entregou ao porteiro, este perguntou:

- O senhor tem certeza de que é este o filme que quer ver?

Como ele não tinha, ficou indeciso, surpreso. O porteiro aproveitou.

- Está vendo? O senhor se enganou de filme. Se quiser, a bilheteira devolve o dinheiro.

Ele se recuperou, protestou. Era esse filme mesmo, que negócio é esse, também aqui essa brincadeira?

- Por favor, meu senhor, vá a outro cinema. Senão, perco o emprego.
- E se quero ir neste?
- Melhor não entrar. Ou sou obrigado a chamar o gerente.
- Pode chamar.

O gerente veio, acompanhado de um PM de cara amarrada.

- Por que não posso entrar no cinema?
- O senhor pode, cavalheiro. Qual é o problema?
- O porteiro disse que não posso.
- Eu não disse. Só pedi ao senhor para ir a outro cinema.
- Quero este.

(Deixa ele entrar, murmurou o gerente ao porteiro).

Ele sentou-se numa fila do meio, vazia. Atrás dele, pessoas cochicharam, se levantaram, saíram. De instante em instante, uma pessoa saía da sala. Ele não prestava atenção, apenas achava muito barulho a movimentação. Devia ser sempre assim nas sessões da tarde. Quando a fita terminou só tinha ele na sala. Resolveu fumar um cigarro. Na sala de espera, quatro PMs se dirigiram a ele.

- Quer nos acompanhar?
-- Onde?
- Não tem que perguntar nada.

Quando chegaram na calçada, os PMs disseram:

- Agora, vai andando quieto, sempre em frente, sem falar com ninguém, sem olhar para os lados. Vai.

Ficou pela rua. Estranho, estar no meio daquela gente toda que se cruzava. Será que não estavam fazendo nada? Olhava vitrinas, livrarias, agências de viagens, via homens de maleta preta. A maleta? Tinha deixado no escritório. Era disso que sentia falta. A maleta na mão. Mesmo quando não precisava dela, carregava. Fazia pane dele. Agora, os braços ficavam soltos, desamparados. Sentia uma tensão, ao se ver na rua, àquela hora no meio da gente toda. Duas vezes se surpreendeu caminhando em direção ao escritório. De repente, entendeu de vez que não precisava voltar lá. O alívio foi tão grande que ele começou a suar. E se assustou um pouco. Era como se tivesse sarado de uma doença terrível, depois de ter estado à beira da morte. Ou sair de dentro da água, quando já estava se afogando. Sentia-se amedrontado, uma sensação esquisita por dentro. Culpado de estar sem o que fazer, livre, andando para onde queria. Tudo por causa do buraco. Olhou as pessoas através dele. O gesto de levar a palma da mão à frente do olho estava se tornando um tique.

Andou, descontraído. Sentindo-se mais leve a cada hora que passava. Muito tarde da noitee (não precisava voltar para casa; atravessara como que flutuando as seis, sete, oito horas; quase pegou o ônibus, lembrou-se a tempo, ficou vagando pela cidade, vendo a noite cair, o movimento diminuir, as pessoas mudarem nas ruas). Sentou-se num banco da praça, olhando a mão. Gostava ainda mais do furo.

- O senhor quer sair deste banco?

Era um homem de farda abóbora, distintivo no peito: Fiscalização de Parques a Jardins.

- O que tem este banco?
- Não pode sentar nele.

Ele mudou para o banco ao lado, o homem seguiu

- Nem neste.
- Em qual então?
- Em nenhum.
- Olhe quanta gente sentada.
- Eles não têm buraco na mão.
- Daqui não saio.

O homem enfiou a mão embaixo da túnica, tirou um cacetete, deu uma pancada na cabeça dele. As pessoas se aproximaram, enquanto ele cambaleava.

- Socorro, disse, com a voz fraca, amparando-se num velhote. O velhote se afastou, ele caiu no chão, a cabeça latejando terrivelmente.
- Por que fez isso?
- Pedi para não sentar, o senhor teimou. Agora, saia da praça.
- Saia, saia, gritavam as pessoas em volta.

Andou, sem se incomodar com o povo, o fiscal. Passou a mão na cabeça, sangrava. Num bar, pediu um copo de água gelada, jogou na cabeça. Decidiu que não iria para casa. Talvez passasse por uma delegacia para dar queixa, abrir um Processo contra o fiscal. Embaixo de um viaduto, sentou-se. Vagabundos (seriam vagabundos?) tinham acendido uma fogueira. Acordou, o sol nascendo, levantou-se rápido. De pé, lembrou-se que não precisava ir ao emprego, ir a lugar nenhum. Sentou-se de novo, vendo os vagabundos (seriam vagabundos?) tomarem o que parecia café. Aproximou-se. Um deles estendeu uma lata. Quando olhou a mão do homem, viu nela um orifício de uns dois centímetros de diâmetro que atravessava da palma às costas. Então, ele também mostrou a mão. O homem não disse nada. Ele tomou o café. Ralo, de pó catado nos lixos dos bares, já tinha passado uma ou duas vezes pelo coador. Serviu para assentar o estômago.

Fonte:

BRANDÃO, Ignacio de Loyola. O homem do furo na mão e outras histórias. Editora Ática, 1998.

Marilu Cordeiro (Lançamento do Livro “Oswaldo Lopes: Vida e Trajetória de um Artista Genuinamente Paranaense”)

untitled untitled2 Instituto Memória Editora e a Prefeitura de Paranaguá convidam
para o lançamento de mais um livro que promove e convalida a identidade cultural paranaense -

 

OSWALDO LOPES:
VIDA E TRAJETÓRIA DE UM ARTISTA GENUINAMENTE PARANAENSE

 

- da professora e pesquisadora Marilu Cordeiro, que acontecerá no dia 18/02/2010 na Casa de Cultura de Paranaguá - Casa Cecy.

 

A escolha desta data é em homenagem ao nascimento de Oswaldo Lopes e o evento será coordenado pelo presidente da Fundação Municipal de Cultura, Dr. Alceu Chaves.

 

SERVIÇO:

Dia: 18/02/2010 – 19h00 

Local: Casa de Cultura de Paranaguá - Casa Cecy

Rua XV de Novembro, 499 - Centro Histórico - Paranaguá - PR
Fone: (41) 3420-2933

"É com você, admirador das artes paranaenses, que início o meu diálogo. Com você, que visita exposições, museus e tudo que se relaciona com os artistas do nosso Paraná. E é por ser igualzinha a você que começo a questionar e me incomodar do esquecimento em que foi condenado um dos mais importantes pintor e escultor genuinamente paranaense: Oswaldo Lopes."
Marilu Cordeiro - Autora
________________
Oswaldo Lopes, que era também escultor, trabalhou durante 4 anos na construção de uma paranista tumba funerária, em forma de pinhão, na qual foi sepultado. Era uma peça com várias esculturas de pinhas, a qual inclusive teve problemas no momento do sepultamento - devido as medidas não coincidirem com o espaço no túmulo.

 

Instituto Memória Editora
Editora Destaque pela Câmara Brasileira de Cultura
(41) 3352 3661 - 3352 4515
www.institutomemoria.com.br

Fontes:
Colaboração do Instituto Memória
http://www.millarch.org/artigo/escultura-telefonica 

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Silas Corrêa Leite (Romance Angústia = O escorpião na alma Graciliana)



“Graciliano Ramos, na sua aparente rudeza, comovia-se com o desamparo de seus personagens, nos quais identificava o seu próprio desamparo (...)”
Ferreira Gullar

Um dos maiores, se não o maior escritor brasileiro de todos os tempos, o eterno Graciliano Ramos, um dia, no distante e futuro devir, ainda será muito discutido (em vãs tentativas de ser inteiramente despido/desvendado), e, poucos aceitarão a minha tese de que Angústia, sua obra maior, revela-o inteiramente, pois é verdadeiramente um íntimo “escorpião” peregrino na sua alma de tez-chão, traduzindo-se e traduzindo-o de forma pura e nua para a revelação do Eu de si mesmo, no self de sua escrita como exercício de solidão, de purgação, de limpeza (até mesmo freudiana) de sua amarga/azeda alma triste, talvez até maníaco-depressiva (buscando a pureza do simples em humildes?), com sua narrativa crítico-irônica (surto psicótico do escrever-se para livrar-se do que sentia? – parafraseando Borges), quando, então, traduz-se como personagem de si mesmo, na máscara-persona que felizmente (para nós, caros alheios) veicula a mais nobre literatura que o Brasil já produziu e ainda não coube desvendar in totum, ainda bem, pois dará muito pano pra manga.

Metáforas? Toda a vida de Graciliano Ramos é uma. Quebrou o ângulo no seu íntimo ponto de fuga. Nasceu na Cidade/Zinha de Quebrângulo. Isso não quer dizer quase nada. Secas (o meio-teatro de absurdos ou mundo-sombra?) surras (i)memoráveis do genitor colérico, rancoroso. Somos de onde viemos?

Violência psicológica (amor e dor), física (mente insana, corpore...)sociedade (hipócrita, decadente, amoral). Ficaram por isso as marcas das personas (do ser-se de si) reveladas na arte-despojo: desde os tipos caboclos, capiaus, mambembes, todos em sua decomposição se devorando intimamente, numa destruição do panurgismo patriarcal imposto, mais as pantomimias nas narrativas de historicidades sórdidas. E ele purgando-se – na ordenação tópico-frasal da própria ordenação sintática.

Angústia é isso tudo mesmo. Recriação de um abrangente “Todo” ocre arrancado do ser de si. O desespelho. Ou o cacto no/do espelhar-se. Nódoas? Ficção de memórias revisitadas. Rememoração-fermento. Ele tinha medo do que era e não podia fugir incólume e inteiro de si mesmo. E do que se revelava obtuso ou não, no escrever. Um eco sem saída. Abismal, diga-se de passagem.

Por isso ao seu jeito se achava chinfrim no seu lado criador-criação de Angústia. Ali, a alma nau no espelho. Então o ser era precário e a obra idem? Ou, muito pelo contrário para nosotros que fazemos ilações, aludimos, tentando traduzir ícones e destemperos de seu íntimo pisado, transido, reinventando com/vivências, mais a espetacular criação e um extremado lado “sentidor” (ai Clarice Lispector!) no seu desatar nós, desamarrar iras e vinhas, quebrar jejuns, troçar cadarços linguais, fundir espectros neurais, sempre com déficit afetivo de origem, de berço. Todo mal não começa pelaí? Então Freud explica o que e o quantum/quanta? Estereótipos? Haja palavras.

O medo de revelar-se no oculto. E o susto de, aqui e ali, resvalar-se em si. O oculto que se revela inteiro e pleno em Angústia. Perdas – e drenos. Arquivo genético-sensorial e os rebites (refluxos) do inconsciente na memória como butim decorrente para o narrar-(se) degradante? A humanidade dele – um humanismo de resultados (visão plural– comunitária) – manifesta no peregrino curtume dos animais. Mimeses. A fuga para dentro, o outro lado do self. A dimensão medida na travessia dos palavreios.

A fuga para o cárcere da infância (não por acaso nome de outro livro). O pessimismo entre o niilismo e o árido meio/ambiente (tez-chão). O absurdo e o subterrâneo. O escorpião da alma mordendo (e urdindo) confeitos de linguagens criticamente emplumadas. O desvio do olhar, mas
o ponto de fuga ficando na sofrência. Mixórdias. Toleimas. Não há como se fugir do lugar que está. Ou há, feito um noiteadeiro na escrita-limite?

Depois, numa soma abrangente, tudo está em Angústia. As outras obras suas são silêncios-andaimes para a sua cruz vivencial acabada em Angústia. Deduzindo, não concluindo. A escuridão revelando-o. As palavras cruzadas como cacos de precipícios. A resistência pela dor assimilada em sublimação/resignação. O barulhar de seu silêncio-albatroz. A pena castigando o cárcere de existir-se. O medo de se perder no fio de navalha da palavra, revelando o oculto pelo desdizer. Será o impossível? As macieiras com mandorovás. As técnicas dos camuflos. As ubres do seu alpendre pedrês.

O hiato entre o real, o imaginário e a dor dessa moenda. Um suicida extremamente pessimista e cobrador de si, já que, para quem amava de berço era quase víscera exposta. E assim tinha que (para sobreviver até) parecer raso. Para não correr riscos de ser rio truculento de novo com lamentáveis margens-limites. Quando escrevia ia em busca de si, torneando parágrafos, inventando o inexistente, mas, sempre e amargamente traduzindo o indizível de sua dor-beronha.

Queria a estética porque não tinha um conteúdo que aceitava – e não podia ficar quieto, porque calava fundo? Freud again. Tudo a ser. Tudo a ler. A figura na retórica, uma coisa. A imagem no enfoque, outra. Judiação quirera. O se conhecer com medo de achar-se. As compartilhações medidas, entre o canhestro e o hediondo. Chagas familiares. Sociais. Depois, políticas (todo homem não é um?). Um livro aberto sempre na página errada. E a página de rosto era isso mesmo dele: Angústia.

A ansiedade-câncer de livrar-se de si, sem ser exato no seu cem por cento incomunicável. Tentando se parecer consigo. E isso lhe doía por seu lado sensorial, epidérmico, feito um pote-canga de vísceras querendo vidas secas e congonhas (ko goy – o que mantém o ser – em língua indígena).

Esse foi Graciliano Ramos. Procurando se encontrar na sua ficção angústia. Estudando para ser simples. E também procurando se revelar homeopaticamente, sem se acreditar um dia inteiriço e então revelado e traduzido. E cada um, a seu modo e seu tempo, tira uma casca dessa sagrada árvore-alma Graciliana. Cada gomo, favo, tomo, crucial. Tempo e imagens. Trilhas e rasuras.

Quando releio Angústia, a cada vez encontro de novo algo que se contradiz com apenas mera qualidade verbal, e revelava-o inteiramente, como se um arquivo até mesmo imagético de tudo o que foi, se escondendo de tudo o que praguejou, na glória da prosa poética, de tudo que se angustiou na infância, de tudo que vivenciou no podre meio social, de tudo o que se passou no cárcere de si mesmo, até ser fechado em um, e saber muito bem lidar com isso, pois isso era ele, era parte dele, de alguma forma toda sua vida foi entre essas espúrias “paredes” e de ter sido levado ao limite quando era aventureiro-crusoé pela própria natureza.

E foi punido quando era avesso, além de ter sido empanturrado de acontecências dolorosas, quando o que mais queria era amar e ser amado, servir e ser ético-humanista, mas o relho-cincerro da vida lhe cambiou para outro lado entre acervos de escórias/currais, e butins/refis de dezelos sociais no varejo, quando, então, fugiu-se na abstração de sua cabeça fora de série, no seu reinventar palavras – como se resgates de humanidades puras – escrevendo-se e dando testemunho de que, respigando (no sebo vermelho dos canteiros das palavras) pelo fio da navalha ainda re/colhia o melhor no tranco de si, dava-(se) crédito por paradoxal que fosse, exigia-se muito e ainda, claro, cabrito pedrês, solene berrava a sua saradinha insanidade que ficará para a história da literatura brasileira como lastro de vida, como usina de revolta, como oficineiro da decomposição do ser de si para o que deveria de ser inteiro e pleno, e só Deus sabe se, na sua caverna (ponhamos, o mundo-sombra de Platão), foi ou não foi tudo isso que de forma tácita refugou, não inocente e nem incoerente, e, finalmente – sorte nossa – num liquidificador de sensibilidade por atacado, produziu-explodiu em graciosos livros raros, magnos. Aliás, livraços.

Fonte:
NISKIER, Arnaldo. Jornal de Letras do Rio de Janeiro. n.137. RJ: Instituto Antares de Cultura, janeiro de 2010.

Laé de Souza (Coragem de Optar pela Arte)


Há quem diga que a responsabilidade maior foi do pai, que numa viagem ao nordeste o presenteou com um berimbau. Outros acham que a culpa foi da mãe que, enjoada do din-din-din-don , trocou o instrumento por um violão de plástico e cordas de náilon. Embora. muitos acreditem que ele já tenha vindo de nascença com um parafuso a menos e que essas coisas não tenham influenciado em nada. O que é certo, e concorde a todos, é que o Gertulino não tem um pingo de juízo.

Os pais, coitados, na verdade a gente sabe que fizeram de tudo para que ele se endireitasse, mas foi perda de tempo. Arrumaram uma vaga num escritório de contabilidade, mas qual nada. Na mala de boy , levava suas revistas de partituras e letras que cantarolava no ônibus e na fila do banco. No guichê, enquanto o caixa autenticava, ele tamborilava com uma bic no vidro do balcão. Não reclamava do salário, mas chiava quando tinha de catar milho na Olivetti para preencher de uma guia e também não queria nem saber de débito/crédito. O contador lhe apontava exemplos de quem entrou pequeno e agora era chefe de departamentos e ele, nem aí. Já bem crescido foi despedido por faltas. Trabalhava um, faltava dois dias. Arrumaram-lhe um emprego numa metalúrgica . Na prensa, com o pé livre batia duas vezes no chão e no do pedal batia uma, em ritmo de valsa. Puseram-no para rebitar , e o chefe o dispensou por não agüentar mais o bater compassado e a quarta batida mais forte, sempre.

Daí para a frente só fez bicos. Na maioria das vezes era encontrado em casa, fechado no quarto com seu violão , repetindo várias vezes a mesma música e descobrindo as notas de um solo. Começou tocar nuns barzinhos e até recebia acanhados aplausos. Quando perguntado pelo filho, seu Agildo, respondia que ele estava trabalhando. Mas quem ouvia os acordes vindos do quarto, dava uma risadinha e dizia que o Gertulino não tinha jeito mesmo.

Seu Agildo também achava que não era certo o proceder do filho, mas saiu a investigar se era só ele quem tinha filho doido.

O filho do padeiro era encafifado com negócio de pegar pedaços de pau e ficava horas e horas esculpindo. Às vezes até que fazia alguma coisa bonita, da qual o pai ignorava a beleza para não estimular a loucura. O filho do açougueiro era metido com coisas de teatro e vivia correndo atrás de roupas velhas. Perdia horas e horas em ensaios inúteis, fazendo cenários de papelão, perucas, narizes e, de vez em quando, junto com outros doidos dava um show na praça. O filho de um seu Geraldo ficava horas e horas como que fora do mundo, pintando um quadro. O filho da professora , era poeta e não fazia outra coisa senão rabiscar um caderno espiral de capa gasta. Assim, seu Agildo viu tantos malucos pelas noites que chegou a duvidar se era mesmo loucura.

Ele descobriu que existiam outros doidos e tentou adivinhar que espécie de doença é essa que ataca a mente, fazendo abandonar futuros planejados, por caminhos incertos. E nós, até com certa inveja, perguntamos de onde nasce essa força tão grande que faz com que alguns tenham coragem de optar pela arte.

Fonte:
SOUZA, Laé de. Acontece…

Projeto “Ler é Bom, Experimente!” abre inscrições para mil escolas públicas em todo o Brasil



O projeto de incentivo à leitura “Ler é Bom, Experimente!", criado em 2000 pelo escritor Laé de Souza, está com as inscrições abertas até 15 de março de 2010. O programa é voltado às escolas da rede pública de todo o país, com turmas a partir do 7º ano (6ª série) do ensino fundamental. Neste ano 1000 escolas participarão do projeto e receberão gratuitamente 38 exemplares do livro “Nos Bastidores do Cotidiano” e ainda material didático tal como: folhas pautadas para redação, questionários, Manual do Professor com sugestões para dinamizar a leitura em sala de aula e plano de aplicação do projeto.

A partir da leitura da obra são realizadas diversas atividades com o objetivo de incentivar o hábito da leitura e escrita, e estimular a criação de textos, performances, discussões e debates nas salas de aula. Na etapa final, os alunos que apresentarem os melhores trabalhos são premiados com outra obra do autor.

Esta iniciativa já atingiu cerca de 2,5 mil escolas com a participação de 100 mil alunos em todo o país e conta com o patrocínio (pelo terceiro ano consecutivo) da Companhia de Seguros Aliança do Brasil, empresa do Banco do Brasil, e o apoio do Ministério da Cultura.

As obras utilizadas nesta edição do projeto são: “Nos Bastidores do Cotidiano” e “Espiando o Mundo pela Fechadura”, ambas da autoria do cronista Laé de Souza, publicadas pela Editora. Os textos apresentam linguagem coloquial, o que facilita a compreensão da leitura e retratam o cotidiano de pessoas comuns, situações inusitadas e personagens marcantes, sempre com abordagem bem-humorada e leve, embora crítica.

Sobre o autor: Laé de Souza, cronista, dramaturgo, bacharel em Direito e Administração de Empresas, é autor de vários projetos de leitura em execução há doze anos, apoiados pelas leis de incentivo à cultura, focados nas escolas da rede pública, parques, praças, hospitais, transportes coletivos, hipermercados e outros, com o intuito de formar leitores de todas as etnias, faixas etárias, credos e classes sociais. “É preciso criar oportunidades para o público conhecer o mundo maravilhoso da leitura, entretanto, com a preocupação de oferecer obras que lhe prendam a atenção e desperte o interesse por outros livros. O projeto ‘Ler é Bom, Experimente!’ foi criado para conquistar e formar novos leitores”, afirma Laé.

Aliança do Brasil - Criada em 1997, a Aliança possui uma diversificada carteira de produtos, composta por mais de 40 tipos de seguros que cobrem riscos pessoais e patrimoniais, entre eles os seguros de vida, residenciais, empresariais, rurais, de transporte e outros. São soluções para necessidades de pessoas físicas e jurídicas, em todos os segmentos, inclusive no agronegócio. A carteira de riscos pessoais e de outros ramos soma mais de 9 milhões de clientes.

Inscrições: até 15 de março de 2010 pelo site http://www.projetosdeleitura.com.br/

Informações: (11) 2743-9491 e 2743-8400

Todo o material é fornecido gratuitamente às instituições de ensino.

Fonte:
Colaboração do autor

Vicência Jaguaribe (Por onde anda minha bela estatueta de porcelana branca?)


Há alguns dias, procuro uma estatueta de porcelana branca. Ela enfeitava um dos recantos de meu apartamento, posta em sossego na parte inferior de uma coluna. Não a encontro. Já começo a perguntar-me se a possuí um dia. Mas sua imagem me é tão clara, que não quero admitir que seja ela fruto de minha imaginação.

Como já disse, é de porcelana branca. Sua silhueta, fina e delgada, e sua beleza delicada sempre me deram impressão de diafaneidade. Talvez tenha uns cinqüenta ou sessenta centímetros de altura, nunca a medi. Como o leitor deve estar observando, faço questão de falar nela no presente do indicativo, porque não admito a sua perda.

Já a procurei em todos os cantos e recantos. Nos guarda-roupas, no alto dos maleiros, dentro das gavetas, nas estantes, e nada. A Noêmia, minha caríssima secretária, diz que não se lembra dela. E olhem que a Noêmia tem memória de elefante. E parece possuir um dom especial para achar coisas perdidas. Mas, desta vez, sua destreza para localizar objetos desaparecidos parece ter-se evaporado.

E fico eu, repetindo a busca nos mesmos lugares, nos mesmos cantos e recantos. E pergunto-me: Se essa estatueta nunca existiu e é fruto de minha fantasia, de onde saiu sua imagem, que preenche minha imaginação? Vi-a em alguma loja? Na casa de alguma amiga? Mas não sou assim tão impressionável. E o mais curioso nessa história é que me lembro não só da estatueta em si, mas de sua embalagem: uma caixa branca, fina e comprida, sem nenhuma inscrição ou desenho.

Lembro-me, inclusive, de uma conversa rápida que tive com um dos meus irmãos. Ele olhou uma outra estatueta – tenho mais de dez, de variados tamanhos e formatos – e disse que, para ele, aquela era a mais bonita. Eu discordei: Para mim, a mais bonita é a branca. Diga-me você, leitor: dá para pensar que inventei toda essa situação? Quem sabe, hein? Nossa memória nos prega peças, não há dúvida. Eu até diria, parodiando Shakespeare, que nossa memória, senhores leitores, nos prega mais peças do que jamais sonhou vossa (e nossa) filosofia.

Algumas lembranças que tenho – que todos temos – da infância me intrigam. E me pergunto: Eu me lembro mesmo desse episódio, ou as lembranças que acho guardar dele são o resultado de tanto ouvir meus familiares falarem sobre o dito cujo? Tenho dúvidas, por exemplo, sobre as lembranças que penso ter de uma cena de namoro de meu tio Dedé com uma prima. Como eu gostava muito dela, ficava perto e via-os abraçarem-se e beijarem-se. Então, dizia, com minha pronúncia precária, uma expressão que, depois, ouvi muitas vezes pela boca de minhas tias, recordando o episódio: Já tomeçou, hein?

O mesmo acontece com uma viagem que fiz com minha tia Sinhazinha – a Mãe da Vovó – e minha irmã Francisca Marta – a Neném. Em uma das paradas do misto, um desconhecido, ouvindo-nos chamar nossa tia de Mãe da Vovó, saiu-se com esta pergunta: Eu pensei que estas meninas fossem suas filhas. Mas são suas netas, não são? Como ouvi minha tia contar essa história muitas vezes, hoje não sei mais se me lembro do acontecido ou se o introjetei partindo de suas palavras.

É sempre difícil admitir-se falha de memória. Como tudo que envolve o mecanismo cerebral, a memória é algo que se reveste de um caráter de intangibilidade, que facilmente atrai o preconceito. É muito mais simples admitir que se está com um sério problema cardíaco, com uma grave pneumonia, até com um tumor maligno, do que admitir que se está com falhas de memória. A falha de memória pode indicar o início da demência senil ou a visita daquele alemão de nome Alzheimer, tão na moda nestes tempos de novos males e de novos nomes para males antigos.

Bem, mas voltemos à minha bela estatueta de porcelana branca. Onde a deixei, caríssimos leitores? Onde a deixei ou a guardei no espaço físico do meu apartamento? E onde a deixei no espaço textual. Há algum dêitico, por aí, que me possa apontá-la? Há alguma pessoa de boa vontade que possa de novo abrir gavetas e guarda-roupas, revirar lençóis e toalhas, desencostar móveis e finalmente gritar bem alto, empregando o dêitico mágico – Está aqui!?

Quanto a situá-la no texto, posso dispensar esse trabalho. Seria uma busca inútil, pois coloco o ponto final desta crônica agora, neste exato momento, e aqui, neste exato lugar.

Fontes:
Colaboração da autora.
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Lóla Prata (O Negócio é Sério)



Aquele indivíduo, funcionário eficiente, temperamento expansivo, educação fina, sem defesas, sorria para todos. O Público a quem atendiam, não o pertubava, trazia-lhe satisfação, pois aproveitava os contatos, conversava com todos, vivia em paz. O funcionário continuava na mesma toada: de bem com a vida, transmitia serenidade e angariava amigos.

Menos, a consideração do chefe, que permanecia inconformado. Não era possível! Não compreendia! Atender gente o dia todo, durante meses seguidos e continuar com o sorriso nos lábios, tratando bem a todos, até mesmo aos reconhecidamente chatos (?); devia ser pouco serviço, ajuizava ele. Então, começou a premiar o rapaz com mais atribuições. Quanto mais sorriso, mais serviço.

Agora, o rapaz só dava conta da papelada, se ficasse fora do horário de expediente. Por um tempo, não reclamou, o salário era bom, então, correspondia da melhor maneira possível.

Mas, um dia, sua jovem esposa queixou-se da ausência dele no lar, da falta de companhia, pois queria-o ao seu lado para conversas sobre a vida, para lazer e lamentava o horário de seu regresso do trabalho, o que acontecia lá pelas 21 ou 22 horas.

Ele percebeu que há muito não se distraia, só preocupado com o acúmulo de responsabilidades no escritório. Sentiu o semblante sério e carregado. O espelho da sala lhe revelou raiva, cansaço físico e mental. Cara amarrada. Insatisfação com o ordenado.

Aí, a triste resolução: pede demissão, não real, mas psicológica, do trabalho. Limitou-se ao essencial. Nunca mais sorriu nos dias da semana.

Passou a ser feliz apenas aos domingos.

Fontes:
http://www.lolaprata.com.br/
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