segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Paraná em Trovas Collection - 14 - Lucilia Trindade Decarli (Bandeirantes/PR)

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 13


ESPERANÇA

Entre o Ódio e o Amor, eu vivo a debater-me.
Quando não sangra o Amor, não ruge o Amor, porém,
Quando aos pés me não calca o Ódio, como um verme,
É o Tédio quem me vê com os olhos do desdém.

E oh! das mãos desse fauno cúpido, eu inerme,
Tal que se fosse uma donzela, uma cecém,
Sentindo que me vão ferir, que vão perder-me,
Tento escapar... Em vão! O monstro me detém...

Tudo, tudo me causa horror. A vida, enfim,
Como um castelo desabou neste momento...
Mas, ah! que uma mulher passa a roçar por mim...

E eu esquecido já do mal que ela me fez,
Vendo-a sorrir, assim, mais leve do que o vento
Atrás dela saí correndo, inda uma vez!

BRUXA

Ao Pereira da Silva

Veio uma bruxa um dia, e eu,
Que nesse tempo era menino,
Mostrei-lhe a mão: a bruxa leu
Linha por linha o meu destino...

Leu tudo, leu, e após, os olhos
Cerrando, exclama: é singular!
Que destino cheio de escolhos,
Altos e baixos, como o mar!

É singular, a bruxa diz,
É singular; mas, ó criança,
Espera e crê. Serás feliz,
Muito feliz! Tem esperança!

Olhei a terra, o abismo, a estrela,
A noite imensa, infindos céus:
“Será mais bela, inda mais bela
Tua sorte, crê! Serás um deus!”

Os anos têm-se sucedido
Numerosíssimos, porém,
Cada vez mais surpreendido,
Espero o bem e é o mal que vem.

Anos têm vindo de permeio,
Quem fui, decerto, já não sou;
Às vezes quase que não creio
No que essa bruxa me contou...

Tudo uma triste mascarada,
Tudo ilusão, tudo quimera;
E pois que já não creio em nada,
Meu coração por que é que espera?

Que mais espera esse infeliz,
Que inda lhe possa dar prazer,
Se tudo, tudo quanto quis,
Completamente, hoje não quer?

Não sei. Porém basta lá fora
Vibrar um hino, que sei eu!
Para que logo exclame: é a hora,
É a hora ideal, que floresceu!

E doido, atrás dessa esperança,
Ei-lo a correr: pois apesar
De conhecer que não a alcança,
Quer ver se a pode inda alcançar...

CAVALEIRO

Por esses campos, ligeiro,
Como a luz e o pensamento,
Vem correndo um cavaleiro,
Cabelos soltos ao vento...

Nem à beira do barranco
Nem do abismo se detém
Aquele cavalo branco
Que a todo galope vem.

Ouvindo o doido tropel,
Param as águas do rio:
“Donde vem esse corcel,
E o cavaleiro sombrio?”

A brisa flébil, a brisa
A vê-lo correr: “Olhai,
Não vê onde o cavalo pisa,
Nem p’r’onde o cavalo vai!”

Não ouve a dor, nem o choro,
Nem a tristeza, que sei
Dentro da púrpura e do ouro
Do seu orgulho de rei.

A galope, pela estrada
É como um cego afinal,
Não vê nada, não vê nada,
Nem o bem e nem o mal.

Ao pé dessa natureza,
Debaixo daqueles céus,
Passa como a realeza,
Como um raio, como um deus!

Tudo para ele é um desejo
Que arde e cintila no espaço
Como o relampo d’um beijo,
Como o fulgor d’um abraço.

Doidamente, doidamente,
No meio de temporais,
Em doido corcel ardente
Galopa cada vez mais.

Galopa. Quase se perde
O sinistro domador,
Por entre a folhagem verde,
Por sobre os campos em flor...

Galopa em tal alvoroço
E tamanho orgulho tem,
Que nessa corrida o moço
Não ouve e não vê ninguém...

Corre, corre mais ligeiro
Do que a luz e o pensamento,
Dia e noite, o cavaleiro,
Cabelos soltos ao vento...

A túnica que ele veste,
A túnica aurilavrada,
Tem a cor azul-celeste,
Os frisos da madrugada.

Mas olhe, da mesma seda
Vestido um dia andei eu;
E pois que lhe não suceda
O que a mim me sucedeu!

VERSOS PARA EMBARCAR

Ao Virgílio Várzea

Tudo, tudo vai mal, e tudo é uma viela,
E um beco escuro, e um charco imundo, e um triste horror;
Pois que bom de embarcar, um dia, a toda vela,
E fugir, e fugir, seja para onde for.

Não há como embarcar. A vida é um navio
Doido, a querer partir, mordendo o pé do cais,
Velas estão a encher, sopra o nordeste frio,
Quando é que partes, ó navio, quando sais?

Não há como embarcar. Do alto d’uma equipagem
Ver o mundo! correr o mundo! viajar...
Poder dizer que foi a Vida uma viagem,
Que começou no mar, que se acabou no mar...

Não há como embarcar. É d’um furor tamanho,
É d’um delírio tal que, embora nunca mais
Se tenha de voltar – como um punhal d’antanho,
A esperança reluz, apenas embarcais...

Não há como embarcar. Furiosos d’insônia,
Enervados de dor, que ânsia d’ir para além,
Ó tísicos, morrer aos pés de Babilônia,
Nos muros de Siquém ou de Jerusalém?

Não há como embarcar. Para onde quer que seja,
Para o desterro, mil perigos através,
Quando os míseros vão, é como olhos d’inveja
Que eu os vejo partir, de corrente nos pés...

Sempre que avisto o mar com as ondas inquietas,
Sempre que o vejo assim, não sei por que será,
Mas tenho as ambições mais doidas, mais secretas,
Loucuras de poder inda fugir p’ra lá.

À mercê e ao furor das ondas e dos ventos,
Havia de correr o mar que não tem fim,
Como Ulisses; porém, ó trágicos momentos,
Sem ter uma mulher que chorasse por mim!

De pé no tombadilho, em frente, à minha vista,
Eu veria passar o que não vi jamais,
A não ser através dos meus sonhos d’artista:
– Encarnações febris, diademas imperiais...

E cegueira ideal e vã de quem se esconde,
E loucura de quem fugiu d’uma prisão,
E doido, sem saber de nada, nem para onde,
A correr, a correr atrás d’uma ilusão!

Ó terras de mistério, ó terras de mantilha,
Ó terras onde o céu é como a flor-de-lis,
Quem me dera dormir, folha de mancenilha,
Debaixo de teu manto azul d’imperatriz!

Reinos antigos, ó paisagem de romance,
Como uma rosa que fenece num jardim,
Ah que bom! ah que bom! de vê-los de relance,
Com castelos feudais, com torres de marfim!

Rainhas como flor, graciosas donzelas,
Com gestos e com voz que me causam prazer,
Como seria bom que, ansiando para vê-las,
Eu as vendo uma vez, não as tornasse a ver...

Eu não sei, eu não sei para onde fugiria,
Eu não sei, eu não sei o que ia ser de mim,
Quem me dera, porém, que logo fosse o dia
De poder embarcar e de fugir daqui!

Quem dera que fosse hoje! E enquanto a nau sulcasse
De proceloso mar entre uivos e baldões,
Eu poder, sem terror, olhando face a face
O abismo, descrever as minhas impressões!

É bem possível que eu, arriscando na sorte,
Notasse que por fim só me saía o azar,
E o diabo, e tudo, e o mais, e tudo, e a própria morte,
E ainda tudo; porém, que ânsia de viajar!
Outubro – 1903

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

Francisco de Morais Mendes (O Homem que Recolhia o Tempo)


Numa velha sacola de feira, ele recolhia o tempo deixado pelos outros. Como fazia isso, não se sabe. Para ele, homem solitário, que vivia entre a casa e o serviço, a palavra “repartição” não designava apenas o local de trabalho. Cabia-lhe, como servidor público, cuidar das horas, repartir o tempo entre os colegas. Havia quinze anos executava com diligência a mesma tarefa: zelar pelo ponto, abonar as faltas justificadas, converter o excedente de horas em pagamento. O tempo era público.

Contudo, sofria de um mal sem remédio. Pressentia o correr dos dias, dos meses, dos anos, como uma subtração da vida. O tempo escapava-lhe enquanto acumulavam-se coisas por fazer. A perda do tempo é individual, lamentava.

À noite, em casa, recostado à velha poltrona de couro, sentia o peso de dois mil livros não lidos. E lia metodicamente. Olhando à esquerda, um infatigável atlas oferecia-lhe países por visitar. E ele mal saíra da cidade. À direita, centenas de obras aguardavam releitura.

Pensando constantemente no tempo, observava que boa parte do que se fala contém essa palavra vaga, sem peso, sem consistência. Certo dia, num corredor da repartição, ouviu de uma grávida que faltavam quatro meses para o bebê nascer. Então ocorreu-lhe que, durante a gravidez, ela deixava sem uso um outro tempo. O que primeiro pareceu-lhe uma brincadeira, uma anedota, tomou a forma de idéia. Depois de algumas noites em que se pegava pensando na grávida, supondo que estivesse assaltado por uma paixão em todos os sentidos inoportuna, o assunto passou de idéia a teoria. Não era a grávida que o atormentava. Era o tempo.

Formulou, então, a teoria dos tempos laterais, que correm simultaneamente na vida das pessoas. Pela última vez voltou a pensar na grávida, para explicar a si mesmo sua teoria. A vida segue num tempo que ele, como todo mundo, chamava de normal, mas qualquer alteração ou acidente põe em funcionamento um tempo dos que correm lateralmente àquele, que ele chamava de tempo outro. Durante o período da gravidez, tomado como uma alteração, o tempo normal continua a passar, mas em desuso, um cão sem dono vagando por aí.

Durante alguns dias, observou o que classificou de amostras da sua teoria. Há um tempo largado aqui fora pelas pessoas que baixam ao hospital. Há um tempo de ócio enquanto trabalham. Esse tempo ocioso fica com unhas e engrenagens à espreita, aguardando que a pessoa deixe o trabalho; acompanha-a até o ponto do ônibus, e enquanto, após um banho quente, a pessoa decide se liga a tevê ou coloca um disco para tocar, ele está pronto para seguir. Em outra circunstância, enquanto a pessoa mergulha a atenção no noticiário do rádio, fica desocupado o tempo da distração. Nenhum deles deixa de correr.

Certa noite, acomodado na poltrona, voltou a refletir. Era preciso recolher o cão sem dono. A outro, não iria fazer falta. A ele, o livraria da aflição.

Na manhã seguinte, mexendo no quarto de coisas abandonadas, encontrou a sacola que passou a carregar. Das grávidas, subtraía o tempo da não gravidez. Dos colegiais em algazarra à saída da escola, recolhia variadas espécies de tempo. Do sujeito que lia no ônibus, tomava o tempo de olhar pela janela. O mais surpreendente eram aquelas pessoas que parecem pensar em coisa alguma, absolutamente desligadas. Dessas, fluíam, ou melhor, jorravam tempos em profusão. E recolhia, recolhia, recolhia.

Voltara a ler sem ansiedade, sabendo que acumulava considerável reserva de tempo. Em pelo menos um momento, levantou os olhos do livro e pensou na imortalidade. Deu um breve sorriso, sem precisar recorrer ao espelho para encontrar o que supunha um rosto rejuvenescido. Voltou a concentrar-se na leitura. O tempo, agora, não passava; vinha até ele. O cão encontrara o dono.

Certa manhã, depois de ler no jornal sobre um sujeito condenado a muitos anos de prisão, foi tomado de grande ansiedade. Ocupado em juntar os tempos dispersos no presente, não lhe ocorrera tocar num tempo futuro. Nem sequer havia pensado nisso. No entanto, vislumbrava que aquele tempo podia ser recolhido de uma única vez. Tenho que capturar o tempo que ele deixa aqui fora, mas onde estará?, pensou, quase faltando-lhe o ar. Saindo às pressas com a sacola, sem saber exatamente onde buscar aquela fatia esplêndida de tempo, distraiu-se numa travessia e, atropelado por um caminhão de mudanças, teve morte instantânea.

Corroída pelo tempo e pelo uso, ficou a sacola jogada num canto da rua. Os que olhavam em seu interior, de algum modo sabiam que vazia não estava; era um engano dos olhos. Afastavam-se ao sentir uma espécie de sufocação. A que não sabiam nomear.
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Francisco de Morais Mendes é jornalista e escritor. Publicou os livros de contos “Escreva, querida” (Mazza Edições, 1996) e “A razão selvagem” (Ciência do Acidente, 2003). Vencedor dos prêmios “Guimarães Rosa”, do governo do Estado de Minas Gerais, “Cidade de Belo Horizonte”, da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, e “Luiz Vilela”, da Fundação Cultural de Ituiutaba.

Fonte:
Letras e Ponto!

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 12)


GALHOFA
Do espanhol gallofa, migalha ou pão dado como esmola. Gailofa foi formado de uma expressão latina criada nos conventos medievais: gaili offa, bocado de peregrino. Offa era uma pequena bola de massa ou de carne;gallus, gaulês (cidadão de um povo celta que habitava a Gália, antigo país situado no território atual da França), ganhou o sentido de peregrino porque a maioria dos peregrinos de Compostela eram gauleses.
Em português, o significado inicial de galhofa, manifestação alegre e ruidosa (depois virou sinônimo de deboche e de vida vadia), se originou da algazarra feita pelos pedintes, às portas dos conventos, esperando agalli offa, o alimento a ser distribuído.

GARDENAL
Gardenal é o nome comercial da substância fenobarbital, usada como anticonvulsionante e sedativa.
A marca surgiu em 1920 no laboratório Rhône-Poulenc, que já vinha fabricando, com muito sucesso comercial, vários tranqüilizantes, cujos nomes sempre terminavam em -nal, como foi o caso do famoso Véronal (cujo nome veio da cidade de Verona, onde foi descoberto).
Quando o Gardenal já estava pronto para ser comercializado, um diretor da Rhône-Poulenc reuniu os empregados e pediu que eles apresentassem sugestões para batizar o novo produto. Finalizando, recomendou: "Surtout, gardez -nal!" ("Principalmente, não se esqueçam da terminação -nal"). Um dos empregados, achando que o chefe já fazia uma sugestão, exclamou: "Gardenal, por que não?". Pronto, o nome já estava dado involuntariamente. Caso típico de problema que já vem com a solução embutida.

GOL DE PLACA
A palavra gol veio do inglês goal, objetivo, mas nenhuma torcida inglesa grita "Goal!" quando seu time marca um tento. Eles urram alguma coisa que, segundo os antropólogos, fica entre o "oh!" de surpresa de um lorde e o "erghflk" do homem de Neandertal. E a expressão gol de placa?
Rio de Janeiro, estádio do Maracanã, 5 de março de 1961, Torneio Rio-São Paulo, o Santos de Pelé jogava contra o Fluminense de Castilho. Aos 41 minutos do segundo tempo, o Santos vence por 1x0 quando Pelé domina a bola na meia-lua da sua área, lá atrás, na defesa. Ele levanta a cabeça e parte para o gol adversário. Passa por um, dois, três, quatro, cinco, seis adversários e toca a bola para os fundos da rede de Castilho.
Uma das testemunhas do memorável gol foi o então jovem cronista esportivo e hoje famoso colunista de economia Joelmir Beting, que voltou para São Paulo e sugeriu que seu jornal, "O Esporte", mandasse fazer uma placa de bronze que eternizasse o extraordinário lance de Pelé.
A sugestão foi aceita, Joelmir encomendou a placa, pagou e não foi ressarcido até hoje. No domingo seguinte, a placa foi afixada no saguão do Maracanã e descerrada pelo próprio Pelé, com barbante e toalha de banho servindo de cortininha. Surgia a expressão gol de placa. Mais tarde, Joelmir, um craque da palavra, diria: "Nunca fiz um gol de placa, mas fiz a
placa do gol".

GROGUE
Do inglês grog.
No século XVII, quando havia uma grande demanda por açúcar na Europa, os países de clima tropical e solo fértil descobriram que dispunham de uma grande fortuna em potencial: um ambiente natural perfeito para o cultivo da cana-de-açúcar.
Aí por volta de 1650, em Barbados (Pequenas Antilhas, América Central), cana dava mais que chuchu na serra. Alguém ali teve a idéia de aproveitar, de alguma forma, o resíduo que ficava depois da produção do açúcar, o melaço. Com tempo e melaço de sobra, o gênio pensou, pensou e resolveu destilar a substância. O resultado encantou o mundo: rum.
A bebida emigrou de Barbados e virou uma sensação na Europa do século seguinte, na população civil e militar. Os marinheiros ingleses tinham direito a uma quota diária de rum (o costume permaneceu até 1970).
O rum, mais forte que o brandy, provocava um porre devastador, desses de fazer general bater continência para porteiro de hotel.
Em 1740, o almirante inglês Edward Vernon baixou uma ordem: o rum para os marinheiros de seu navio deveria ser diluído em água para evitar bebedeiras a bordo. Estava inventado o aquarrum, cujo mercado ficou restrito à gente das embarcações do Sr. Vernon. E lá se iam seus marinheiros, sóbrios e diarréicos, singrando os mares do mundo. O almirante tinha o apelido de "Old Grog", em alusão à sua habitual capa de gorgorão - em inglês grogram, do francês gros grain, tecido grosseiro. Os marinheiros, revoltados com aquela ordem de seu comandante, decidiram ridicularizá-lo usando seu apelido para batizar o rum aguado de grog. E o marinheiro que, mesmo assim, conseguia ficar bêbado com alguns litros
daquilo era chamado de groggy.
Em português, grogue, além de ser uma bebida alcoólica (rum, aguardente...) diluída em água quente com açúcar e casca de limão, também é sinônimo de atordoado.

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Casamento De Narizinho – IV – A chegada


Rodeado de toda a corte e de enorme multidão de povo do mar, veio o príncipe receber a menina. Assim que ela apeou do coche, todos bateram palmas, deram vivas e soltaram peixes fosforescentes, que eram os foguetes lá deles. O príncipe abraçou a sua noiva, nada podendo dizer de tanta comoção que sentia. Beijou-lhe a ponta dos dedos e subiu com ela as escadarias do palácio.

— Deve estar muito cansada — disse o peixinho por fim, depois que recobrou a voz. — Vou levá-la aos aposentos nupciais, onde tudo é pérola e coral.

— Que bonito! — exclamou Narizinho. — E os outros para onde vão?

— Tenho também maravilhosos aposentos para os outros. O Visconde irá para o quarto das algas; o marquês, para o quarto dos corais vermelhos.

Narizinho interrompeu-o com uma risada.

— O senhor príncipe não conhece o gosto dos meus companheiros. O Visconde, que é um sábio, só quer saber de livros. Basta enfiá-lo numa estante. E para o marquês, nada melhor do que um chiqueirinho com três grandes abóboras do mar dentro.

— E o senhor Pedro?

— Esse é deixar solto por aí, com o bodoque. Não mexam com Pedrinho, que ele dana. Emília fica comigo.

— Julguei que a senhora marquesa de Rabicó fosse ficar no chiqueiro do senhor marquês...

A menina achou muita graça naquela idéia.

— Emília é uma emproada, príncipe, que não dá confiança ao marido. Casou-se só por casar, pelo título, e se encontrar por aqui algum duque, é bem capaz de divorciar-se do marquês. A menos que não queira casar-se com o Visconde, concluiu com malícia, voltando-se para a boneca.

Emília replicou sem demora, fazendo a sua célebre carinha de pouco caso:

— “Animal” não casa com “vegetal”... O príncipe ia se retirando para que a menina pudesse descansar à vontade, quando Pedrinho apareceu no quarto.

— E agora, príncipe, que é que vamos fazer agora? – indagou ele.

— Descansar da viagem — respondeu Escamado.

— E se fizéssemos de conta que já estamos descansados?

— Nesse caso, eu os convidaria para a festa de recepção na sala do trono.

— Como é essa festa, príncipe?

— Oh, muito linda! Começa com um bonito discurso oficial; depois, outro discurso...

— Pare, príncipe! Chega de discursos. Prefiro dar um passeio pelo fundo do mar, e Narizinho com certeza prefere ir tratar dos seus vestidos.

— É verdade! — acudiu a menina. — Preciso chegar à casa de dona Aranha Costureira para combinar com ela o meu vestido de casamento e um de cauda bem comprida para a marquesa. Não podemos aparecer na corte nestes trajes, não acha, Emília?

— Pois decerto. Basta a triste figura que fiz da primeira vez em que aqui estive. Em fralda de camisa, lembra-se?...
––––––––
Continua... Apuros do Marquês

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

domingo, 27 de novembro de 2011

Trova Ecológica 53 - Marina Bruna (SP)

Francisco José Pessoa (Mucuripe)


São 4:30 horas...o sol bocejando se espreguiça com um ar de quem está indisposto para a lida. O mar do Mucuripe espelha aquele parto divino.

Sob sinais de cruz e Ave-Marias mal recitadas, após uma última cusparada em terra, que traz o ranço do fumo mastigado, sai o jangadeiro a peitar pequenas ondas que teimam uma após outra roçar-se nas areias mornas daquela praia já cantada e encantada em prosa e verso.

O destino, como todo destino que se preza, só Deus sabe...

Na proa viaja a incerteza da volta, quando o pensamento do caboclo de tez queimada se volta para a terra e vê o acenamento do filho único escanchado no colo da mãe que ora em silencio, entregando a Deus o leme daquela teimosa e valente embarcação.

Acompanhando o caminhar do sol, sentindo-o no mudar da própria sombra que se desenha no terreiro do quintal de casa, a mulher do jangadeiro rastreia entre pensamentos sãos e orações a frágil jangada domada por um braço forte.

Depois que o sol se põe a pino e inicia seu caminho de descanso pro lado de cá da terra, a mulher esperançosa espera o marido que cedo partiu, apruma o olhar pra risca, e o pensar pra bem longe... lá pra trás dela.

Tinge-se o céu de vermelho pálido. O sol, acanhado, com cara de sono, deixa uns poucos rastros de sua luz como para que alumiar o caminho daquela jangada teimosa que, de volta, roça o peito na areia da praia encantada trazendo consigo o destino incerto da partida.

Corpos se entrelaçam à beira-mar. O chapéu do pescador sai-lhe da cabeça num respeitoso agradecimento a Deus. A pescaria rendeu e o pirão escaldado espera o cangulo para a alegria dos dois.

De braços dados, o casal segue no rumo da tapera onde o filho dorme a sono solto. A espera foi cansativa.

Fontes:
Texto enviado pelo autor
Imagem = http://www.arantur.com.br

A. A. de Assis (Status puxa Status)


Um ilustre da cidade, tentando explicar na roda de amigos sua preocupação constante em bem-vestir-se, bem-morar e bem-rodar, quase chega a convencer os demais sobre as razões de ser ele assim. Não é que encontre prazer na esnobação, mas o contexto profissional assim exige.

Poderia levar uma vida mais simples, utilizar automóvel menor e menos bebedor de combustível, morar numa casa que não exigisse tantos cuidados e tantos empregados, vestir roupas comuns, frequentar menos as reuniões sociais e políticas. Isso tem hora que enche, diz ele. Mas não consegue viver modestamente. Sua posição impõe esmeros especiais.

Dá para entender que posar de bacana é imperativo de certos ramos de negócio. Faz parte do ofício. Quanto mais esnoba, mais impressiona. Quanto mais impressiona, mais portas consegue abrir. Quanto mais portas consegue abrir, mais dinheiro ganha.

Não é culpa dele, insiste. É do contexto. Seu ramo baseia-se no “ter”. E para “ter mais” é preciso fazer de conta que já tem mais do que o necessário.

Se ele estacionar em frente ao escritório de um cliente caixa alta num carrinho classe média, talvez nem seja recebido. Chegando num carrão e vestindo terno com gravata e colete, o rosto vistoso, perfumado, o grande cliente vem pessoalmente abrir-lhe a porta, sente-se homenageado com a sua presença, e fecha o negócio na hora. Coisas da vida.

Status puxa status. O mundo é assim, o homem é assim, e não será ele quem vai mudar. Seu papel é realizar bons negócios, não discutir costumes. Se é preciso rodar num carrão, ele roda. Se é preciso vestir ternos caros, ele veste. Para ele não se trata de vaidade, trata-se de investimento.

Os amigos contra-argumentam sugerindo que tudo isso é muito falso. Mas o distinto não está a fim de discutir filosofias. Realista por fora e por dentro, lembra que “ostentação é ferramenta de trabalho”, especialmente para quem lida com clientela abonada. Optar pela simplicidade seria arriscar-se a perder excelentes oportunidades.E como é domingo, e o bate-papo é num botequim, o “esnobador por dever de ofício” esquece as etiquetas, deixa de lado o costumeiro uísque, e manda vir uma pinguinha das boas, com pastel de carne seca.

Fonte:
A..A. de Assis. Vida, verso e prosa. Maringá: EDUEM, 2010.
Também disponível assim como muitos outros textos no blog do Assis em Vida, Verso e Prosa. http://aadeassis.blogspot.com/p/contos-e-cronicas.html

Prof. Garcia (Livro de Trovas)


A dor que se intensifica
e amedronta os dias meus,
é pensar na dor que fica
depois da palavra adeus!

A existência é dividida
em dois extremos da idade:
um, alvorada da vida,
outro, arrebol de saudade!

A insensatez, na verdade,
separou nossos lençóis;
e agora a dor da saudade
dói muito mais entre nós!

A musa chega e me inspira,
num delírio encantador...
Afina as cordas da lira
e enche o meu mundo de amor!

A natureza resiste,
mas a tristeza do monte,
é enxugar o pranto triste
dos olhos tristes da fonte!

As cordas desafinadas
e esta voz chegando ao fim!...
São mimos das madrugadas
guardados dentro de mim!

Cadeira velha!...Esquecida,
sem dono e sem mais ninguém...
Só a saudade atrevida
reclama a ausência de alguém!

De volta ao lar que eu não via,
desde a minha mocidade...
Enquanto a emoção crescia,
crescia a dor da saudade!

Esta aliança que um dia,
já guardou nossos segredos;
hoje guarda a nostalgia
das digitais de outros dedos!

Esta dor que em mim persiste
e não me deixa dormir!...
é "aquela" lembrança triste
do que deixou de existir!

Este amor que em mim fervilha,
quando estamos sempre a sós...
se for bem feita a partilha,
será eterno entre nós!

Eu me curvo ante os conselhos
que recebo todo dia,
quando dobro os meus joelhos
aos pés da Virgem Maria!

Mãe preta! teu negro seio
deu-me o mais puro sabor;
nele eu bebi sem receio
a eternidade do amor!

Minha renúncia...Quem sabe...
não seja a chave secreta,
de tudo quanto só cabe
na inspiração de um poeta!

Morre a tarde!...E ao fim do dia,
na imagem do sol poente,
há tintas de nostalgia
do fim da tarde da gente!

Nesta longa caminhada
que fazemos sempre a sós...
Nem o silêncio da estrada
quebra o silêncio entre nós!

Ó cigarra destemida
o seu disfarce me encanta,
por não ter nada na vida
e ser feliz quando canta!

O que me faz tua ausência,
é causar-me pranto e dor.
Mas no amor há tanta essência,
que sou escravo do amor!

Pelas manhãs vou buscando
minha esperança perdida...
Há sempre um sonho vagando
nas alvoradas da vida!

Porteira velha, o gemido
desta dor que te corrói...
é o teu passado esquecido
que em teu presente inda dói!

Prazer é sentir os dedos
de nossas mãos artesãs
pintando os lindos segredos
das auroras das manhãs!

Quando a minha fé se esmera,
penso que tudo se alcança.
Por longa que seja a espera,
não perco nunca a esperança!

Quando a tarde veste o manto,
torna escura a luz do dia...
Saudade dói outro tanto
do tanto que já doía!

Quase seca...E a fonte insiste
em seu lamento de dor!
É o canto ficando triste
e a fonte jorrando amor!

Rasga o manto que te cobre,
mostra teu riso e esplendor.
Pois, a cortina mais nobre
não cobre um riso de amor!

Revendo entulhos e tacos,
na tapera dos meus sonhos,
chorei por ver tantos cacos
dos meus dias mais risonhos!

Sempre sozinha, aos farrapos,
mas de rosário na mão...
A fé tecida entre os trapos,
remendava a solidão!

Sinalizando o caminho,
do nauta na escuridão;
o farol velho, sozinho
é fantasma e solidão!

Solar dos dias risonhos,
morada da flor da idade!…
Foste o berço dos meus sonhos,
és meus sonhos de saudade!

Só o inverno enxuga o pranto
de uma seca no sertão...
pois, com chuva, em cada canto,
brota uma vida no chão!

Teu amor que me enternece,
que acaba todo meu pranto,
da sobra faço uma prece,
e ainda sobra outro tanto.

Toda tarde o passarinho
bate as asas, quando canta.
Quanto mais longe do ninho,
mais afinada a garganta!

Uma lágrima de orvalho
ao sol, mudando de cor,
depois que beijava o galho,
caía beijando a flor!

Velho sino, és sentinela,
a repetir sem maldade...
a dor da saudade dela,
na dor de minha saudade!

Fonte:
Trovas enviadas por Luis Carlos Simões Neto (PB)

Prof. Garcia (27 Novembro 1946)


Francisco Garcia de Araújo (Prof. Garcia), filho de Lucas Araújo e de Helena Garcia de Araújo, nasceu na fazenda Acari, no Município de Malta-PB, em 27.11.1946.

Em 07.07.1959, foi para Caicó-RN na companhia do tio José Lucas de Barros, onde reside até hoje.

Licenciado em Letras, Bacharel em Direito pela UFPB e Pós-graduado em Teologia e Éticas Especiais, poeta, escritor e compositor, publicou em 1974 o livro TROVAS QUE SONHEI CANTAR.

Foi Bancário, Vereador e Secretário Municipal em Caicó-RN.

Lecionou Português, Francês, Inglês e Espanhol.

Presidente do Clube dos Trovadores do Seridó (CTS) e Delegado da UBT em Caicó-RN.

É sócio efetivo da Academia de Trovas do Rio Grande do Norte e da União Brasileira de Trovadores, Sessão de Natal-RN.

Possui várias premiações em concursos de trovas e outras modalidades poéticas no Brasil e em Portugal.

Em vinte e seis anos de Radioamadorismo, já fez mais de 53 mil contatos internacionais, tendo colaborado em situações extremas para salvar vidas humanas.

Fonte:
Portal CEN

Ademar Macedo (Homenagem ao Prof.. Garcia pela sua Data Natalícia)

ARGENTINA Felicidades Francisco! En este precioso dia. Va mi beso en un ventisco compartiendo tu alegria. –LIBIA BEATRIZ CARCIOFETTI- CEARÁ Garcia, meu professor, rogo a Deus como ninguém, que vivas, meu trovador, bem mais que Matusalém! –FRANCISCO JOSÉ PESSOA- MINAS GERAIS De muita festa e alegria é de domingo o cenário, pois nosso amigo Garcia tem o seu aniversário! –ALMIRA GUARACY REBÊLO– Não podia ser diverso a sina do bom Garcia: o seu nome é quase um verso e faz rima com poesia. –OLYMPIO COUTINHO– PARANÁ Grande data para a Trova é este alegre e belo dia. Faz-se um brinde à idade nova do amigo e mestre Garcia! –A. A. DE ASSIS Parabéns, nobre Garcia, neste teu aniversário, e que o bem da poesia o conduza ao centenário! –NEI GARCEZ– RIO DE JANEIRO Nas contas do meu rosário, - onde guardo as amizades, achei teu aniversário, cheio de felicidades!.... –DIAMANTINO FERREIRA– Para o Professor Garcia uma abraço bem apertado, desejando que o seu dia seja muito abençoado. –ESTER FIGUEIREDO– Parabéns, caro colega, grande Professor Garcia, que a Rosa da Trova rega com talento e simpatia! –RENATO ALVES– RIO GRANDE DO NORTE Nasceu pra ser Trovador! - Muitas rimas tem Garcia. Todas nascidas do amor, mas, uma é rica... Poesia! –FRANCISCO MACEDO– Meu Pai (Feliz Aniversário!!!) –MARA MELINNI– Pai, és meu farol, o meu guia quando a estrada é longa e escura... És a mão que me sustenta se uma dor me desventura... E, quando estou em perigo, pelos teus passos, eu sigo porque a trilha é mais segura. Tantos anos, e eu me lembro do teu colo e teu abraço... da menina que brincava, seguindo o pai, passo a passo... Eu cresci, mas a lembrança permanece na esperança dos versos que agora eu faço. Foram anos tão felizes e, apesar de algum tormento, juntos, sempre superamos a dor de qualquer lamento, Da nossa fé, todo dia, Deus fez brotar como guia, o melhor ensinamento. Teu rosto jovem, eu lembro, de uma aparência distinta... E os cabelos sem as cores que o tempo retrata e pinta... Mas o grisalho que cresce, e o branco que prevalece, foi de Deus, a cor da tinta. Ah, meu Pai, quantas lições eu tenho que agradecer... As mais simples que aprendi enfeitam todo o meu ser... Nenhuma tem mais valor do que o exemplo de amor que tu tens a oferecer! RIO GRANDE DO SUL A meu grande irmão Garcia, neste seu aniversário mando a alma em poesia, como fora um relicário! OLGA MARIA DIAS FERREIRA– SANTA CATARINA Grande mestre trovador, parabéns pelo teu dia. De Amizade és professor: - Felicidades Garcia!!! –ELIANA JIMENEZ– Ao meu amigo Garcia, desejo felicidade, neste dia, que é seu dia, mando um “beso” de amizade! GISLAINE CANALES– SÃO PAULO Ao Mestre dos Trovadores, grande Professor Garcia, vão todos nossos louvores, em especial no Seu Dia! AMILTON MACIEL– No correr do calendário, tão cheio de vai-e-vens, neste seu aniversário tenha os nossos parabéns !!! –COLAVITE E ROSELI– Além de mestre, um poeta!.. esse é o professor Garcia!.. - que esteja sempre completa sua taça de alegria! –HÉRON PATRÍCIO– Um ano a mais... uma festa! Dentre as mensagens que tens, na minha que é a mais modesta, vai “um mar”... de Parabéns! –DOROTHY JANSSON MORETTI– Este professor louvado ao bem-querer nos conduz... E, seu verbo abençoado surge em rajadas de luz ! –JOSÉ VALDEZ–
Fonte: Textos recebidos e organizados por Ademar Macedo

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 408) - Aniversário do Prof. Garcia


Uma Trova Nacional

Franciscos são pregadores
de lumes e boas novas...
Alguns, da fé, são pastores,
outros, pastoreiam Trovas.
–LISETE JOHNSON/RS –

Uma Trova Potiguar

27 de Novembro
é de festa, de alegria!
Pois é o natalício, lembro,
do nosso mestre Garcia.
–ROSA REGIS/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Intersedes/RJ
Tema: IMAGEM - M/H

Morre a tarde!...E ao fim do dia,
na imagem do Sol poente,
há tintas de nostalgia
do fim da tarde da gente!
–PROF. GARCIA/RN–

Uma Trova de Ademar

Para o Professor Garcia
fiz em verso um dossiê;
para dizer neste dia...
Meus Parabéns Pra Você!!!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

As coisas simples, modestas,
encerram saber profundo.
Nasceu, sem plumas e festas,
O Maior Homem do mundo!
–LUCY SOTHER ROCHA/MG–

Simplesmente Poesia

Parabéns ao Trovador!!!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Peço a Deus que me dê inspiração
pra que eu possa através desta poesia
mandar meus parabéns de coração
ao Professor e Trovador Garcia.
E em versos escrever na sua lousa
os parabéns também de sua esposa
a quem ele devota seus louvores;
e para este nosso irmão que tanto brilha
eu mando os parabéns de cada filha,
e um abraço de todos Trovadores!

Estrofe do Dia

Pra cantar, hoje tenho bom motivo:
vejo abertas as portas da poesia
na passagem dos anos de Garcia,
um poeta espontâneo e criativo...
Numa trova que passa por seu crivo,
ninguém mais acrescenta correção;
tem o dom de escrever e a inspiração
que desceram das mãos do Criador;
tem a lira de exímio trovador
e a beleza de um grande coração!
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

Soneto ao Professor Garcia
–DELCY CANALLES/RS–

Mês de novembro - Mostra o Calendário
que o dia vinte e sete é especial.
Nessa data, festeja o aniversário
um "vate-trovador" fenomenal!

É o "Professor Garcia"- biliardário
de inspiração, que o torna sem igual,
poeta de valor - humanitário,
parceiro disputado no virtual!

Tem filhas lindas: Ava, Eva e Mara,
e uma esposa querida - joia rara,
rainha desse lar, cheio de amor!

Por teu trabalho! Pelo que tu vales,
te abraça, com carinho, esta Canalles,
festejando o teu dia, professor!!!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Affonso Romano de Sant'Anna (O Cronista é um Escritor Crônico)


O primeiro texto que publiquei em jornal foi uma crônica. Devia ter eu lá uns 16 ou 17 anos. E aí fui tomando gosto. Dos jornais de Juiz de Fora, passei para os jornais e revistas de Belo Horizonte e depois para a imprensa do Rio e São Paulo. Fiz de tudo (ou quase tudo) em jornal: de repórter policial a crítico literário. Mas foi somente quando me chamaram para substituir Drummond no Jornal do Brasil, em 1984, que passei a fazer crônica sistematicamente. Virei um escritor crônico.

O que é um cronista?

Luís Fernando Veríssimo diz que o cronista é como uma galinha, bota seu ovo regularmente. Carlos Eduardo Novaes diz que crônicas são como laranjas, podem ser doces ou azedas e ser consumidas em gomos ou pedaços, na poltrona de casa ou espremidas na sala de aula.

Já andei dizendo que o cronista é um estilita. Não confundam, por enquanto, com estilista. Estilita era o santo que ficava anos e anos em cima de uma coluna, no deserto, meditando e pregando. São Simeão passou trinta anos assim, exposto ao sol e à chuva. Claro que de tanto purificar seu estilo diariamente o cronista estilita acaba virando um estilista.

O cronista é isso: fica pregando lá em cima de sua coluna no jornal. Por isto, há uma certa confusão entre colunista e cronista, assim como há outra confusão entre articulista e cronista. O articulista escreve textos expositivos e defende temas e idéias. O cronista é o mais livre dos redatores de um jornal. Ele pode ser subjetivo. Pode (e deve) falar na primeira pessoa sem envergonhar-se. Seu "eu", como o do poeta, é um eu de utilidade pública.

Que tipo de crônica escrevo? De vários tipos. Conto casos, faço descrições, anoto momentos líricos, faço críticas sociais. Uma das funções da crônica é interferir no cotidiano. Claro que essas que interferem mais cruamente em assuntos momentosos tendem a perder sua atualidade quando publicadas em livro. Não tem importância. O cronista é crônico, ligado ao tempo, deve estar encharcado, doente de seu tempo e ao mesmo tempo pairar acima dele.

Fonte:
http://www.releituras.com/arsant_ocronista.asp

Bruna Luizi Coletti (O Último Salto)


Ela fechou os olhos e ergueu os braços para o céu cinza, esperando a chuva chegar. Ficou daquele jeito por exatamente 3 minutos até sentir a primeira gota, e sorriu. Continuou sorrindo enquanto as gotas finas engrossavam, ensopando os cachos leves de seu cabelo e seu vestido azul. Tentou abrir os olhos, mas as gotas de chuva escorriam pelo seu rosto e caiam salgadas nos olhos, fazendo arder. Abaixou os braços para limpar o sal das gotas. Quando abriu os olhos, parecia que o céu tinha decido até ali junto com a chuva. Olhou pra baixo e fitou as ondas agitadas. Ela também estava agitada. Era tudo cinza e pesado a sua volta. O céu estava cinza e pesado, a chuva começava a ficar pesada, assim como seus cabelos encharcados e seu vestido azul. Pensou ter ouvido alguém gritar seu nome na tempestade, mas sabia que não. Ninguém poderia ter seguido ela até ali. Aspirou o ar bem fundo até inundar seus pulmões de ar. O cheiro da água salgada e chuva era delicioso. Soltou o ar e aspirou novamente. Ia sentir falta do cheiro salobre de mar. Soltou e aspirou mais uma vez, na esperança de prender aquele cheiro lá dentro.

Ouviu seu nome no vento mais uma vez. Não era sua imaginação. Olhou para trás e viu um borrão de luz em meio a torrente de água que caia do céu. Talvez alguém a tivesse seguido. O vento rugia em seus ouvidos, e a confusão de sons era grande.

Aspirou uma última vez, o máximo que pode, e saltou. Foi contra o impulso de fechar os olhos. Queria assistir os 20 metros da queda.

Segurou as barras do vestido que teimavam em subir com o vento.

A pele ficou dormente quando mergulhou nas águas geladas do oceano. Pelo frio e pela força do impacto. Com o choque acabou aspirando muita água salgada que ardeu na garganta. Já não via muita coisa lá em baixo. A água espumava ao seu redor, e os olhos também ardiam. No último segundo sentiu medo. Quis nadar de volta à superfície, quis viver.

Uma onda desavisada a arremessou contra o penhasco, e ela não viu mais nada.

Em questão de segundos a chuva lá em cima cessou, o ventou parou de rugir e as ondas se acalmaram. A natureza do penhasco fez seu minuto de silencio.

Lá de cima se via apenas o vestido azul entre as ondas vermelhas de sangue.

Então o vento voltou a soprar e as ondas se agitaram novamente. E as nuvens cinzas de chuva se distraíram por apenas um segundo, quando o sol aproveitou para lançar um raio de luz para iluminar as lágrimas de quem fora deixado para trás.

Fonte:
http://www.releituras.com/ne_brunalc_salto.asp

Beatriz Abuchaim (A Moradora do Quinhentos e Três)


Ela era miúda, clara e parecia exausta. Não era uma preguiça de se arrastar entre uma tarefa e outra, e sim a expressão do esgotamento de alguém que tem sempre um problema urgente a resolver. Os traços delicados se desfiguravam com as sobrancelhas erguidas. A própria existência das coisas tinha para ela uma gravidade aguda. Segurava as juntas dos dedos umas contra as outras. A voz lhe escapava ansiosa, formando parábolas de sons, altos e baixos, baixos e altos. As mãos permaneciam contraídas, repousadas por sobre o vestido comprido. Só poderia se chamar Marieta. Parecia uma senhora, mesmo sendo um pouco mais jovem do que eu. Ela tinha uns trinta e cinco anos, no máximo quarenta. A gravidez evidente, a pele lisa ao redor dos olhos e o cabelo loiro, sem fios brancos nem tintura destoavam dos suspiros abortados, dos móveis cor de mogno e das feições endurecidas.

A sala de sua casa evocava o consultório de um dentista, antes da consulta. Todos os objetos estavam livres de bactérias. Imaginei-a despendendo uma tarde inteira para decidir a posição da réplica de “As meninas”, do Renoir. Uma vez ali, o quadro permaneceria imóvel, condenado ao encaixe perfeito do prego e a ausência de pó. Havia duas almofadas por sofá e uma por poltrona, fazendo um contraponto de cores: almofada verde no sofá marrom, almofada bege na poltrona verde. Os guardanapos de crochê esticados nas mesas. Ainda se confeccionam peças desse tipo, lembrei. Toalhas feitas à mão existiam para mim apenas nas tardes da infância, sustentando a compoteira com a ambrosia da vovó. Na casa de Marieta, os copos brilhavam, dentro da cristaleira, em filas regulares. Um exército sem camuflagem.

Fui convidada a sentar. Tive receio de estragar alguma coisa. Fiquei constrangida com minha própria figura: as pernas longas, o jeans desbotado, as unhas por fazer, o leve odor de nicotina. Me senti acomodada em uma mesa para crianças de pré-escola. Eu era imensa para estar ali. Tenho uma sensação de desconforto quando converso com uma pessoa que fala de modo correto o português, usando todos os erres e esses, conjugando com naturalidade os verbos, jamais se permitindo errar uma concordância. Cada frase proferida com essa minha língua de todos os dias parece uma ofensa. Frente a Marieta, mesmo o meu gesto mais educado seria falta de tato. Ela me observava bem de perto, não lhe escapava nada.

Cruzei as botas de bico fino, joguei os cabelos mechados para trás e deixei que ela me julgasse. Nada falei. Escutei as suas tentativas de conter a cólera. Marieta é o tipo da mulher que fica irritada com sua própria fúria. Me diverti vendo suas faces ruborizadas ao comentar sobre os ruídos no sábado à noite. Suas mãos se descruzaram e massagearam a cervical. Ela afirmava que aquela não era a minha primeira “festinha”. Marieta estava certa de que eu entenderia sua reclamação. Dali a alguns meses, o nascimento do bebê. Ela apenas desejava que eu cumprisse o regulamento do condomínio. Nem quisera falar com o síndico para não me deixar desconfortável. Será que ela não percebia que nada poderia ser mais impróprio do que aquele convite para visitá-la, feito a olhos baixos no elevador?

Morava há cinco anos em cima de Marieta e as duas únicas festas que dera, foram catalogadas por ela. Me sabia inocente de suas acusações de má vizinhança. Fiquei lembrando das noites com o Afonso. Ela teria escutado nossas carências após duas ou três garrafas de vinho? Marieta com seu maridinho, que penteia os cabelos para trás com gel em excesso e diz “pois não” ao abrir a porta do prédio para mim, incomodados com as farras do piso superior, do apartamento daquela mulher meio solteira, meio atriz, meio deprimida, que sempre esquece de pegar o jornal de domingo.

Separadas por alguns metros de concreto, vivíamos em estados de matéria distintos, eu tão líquida, ela tão sólida. Eu escorria pelas paredes de seu apartamento. Nada de festas, eu disse, mesmo não sabendo se cumpriria a promessa. Já na porta, pronta para voltar ao meu mar revolto, passei a mão na barriga de Marieta. Perguntei o nome do bebê. Por um instante ela descansou. O rosto se descontraiu, ganhou as feições de alguém que chega em casa ao final do dia e tira os sapatos. Me senti composta da mesma água que ela. Meus dedos firmaram junto ao seu ventre. “Getúlio”, ela me disse. Nome de velho, eu pensei, ao me despedir.

Fonte:
Projeto Releituras

Beatriz Abuchaim (1975)


Beatriz Abuchaim nasceu em Porto Alegre, em 1975.

É psicóloga, especialista em psicologia nos processos educacionais e mestre em educação (todos os cursos pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).

Trabalha como psicoterapeuta em consultório particular, tendo feito formação em psicoterapia psicanalítica no Instituto Abuchaim, onde atualmente é professora e supervisora. Freqüentou as oficinas de criação literária de Charles Kiefer e de Luis Antonio de Assis Brasil.

Participou das antologias de contos “Histórias de Quinta”, “Brevíssimos” (Editora Bestiário), “101 que contam” e “Oficina 36” (Nova Prova Editora).

"Habitantes de corpos estranhos" (antologia de contos para adolescentes) é seu primeiro livro-solo, publicado em 2008, pela Editora Projeto.

Fonte:
Projeto Releituras

Dagmar Braga (Poesias Avulsas)


CONSTRUÇÃO

Lanhada a pedra,
faço-me fio,
partilho, rasgo
entranha e estranho.

Quebrado o leme,
desoriento,
acolho vento,
maré e abismo.

Cavado o poço,
torno-me água,
mão retorcida,
lisura e barro.

Feito o silêncio,
lasso a palavra -
gume sequioso
de outra navalha.

PAISAGEM URBANA

no farol
estilhaço de vidro
fragmento de prisma
cinabre viscosidade

e um sonho coagulado em nossa retina

INFINITUDE

Ao derredor do tempo
(sorvo de luz e sombra)
o labirinto assoma

Não há porta que se abra
nem sina que nos sustente

O desafio
é a tessitura e o fio

Não há rastro ou memória
na solidão do exílio

Tudo — a um só tempo —
é pressentimento /
origem
tédio / espelho

Secreto e imenso — sempre —
o meu e o teu delírio.

PROSCRITOS


no exílio da manhã
o desamparo
a dois

quando cruzamos
olhares
urbanos desvalidos

forçado o esquecimento
banido o verbo

embora o corpo
estirado
de prazer e fúria

MADRUGADA

quando em silêncio arde o desespero
teu rosto assoma

tua mão acolhe o fogo e me desata
o descompasso

o dia serpenteia na garganta
um poema grita
germinando luz

Fonte:
Antonio Miranda

Dagmar Braga


Dagmar de Oliveira Braga nasceu em Pitangui, Minas Gerais.

Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Grerais (PUC Minas), especializou-se em Literatura Brasileira e depois cursou a pós-graduação em Jornalismo e Práticas Contemporâneas.

Professora, consultora aposentada pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais, a poeta trabalha atualmente como revisora de textos e é responsável pelo Espaço Cultural Letras e Ponto, onde também ministra Oficinas de Literatura.

Em 2008, Dagmar estreou com o livro de poemas Geometria da Paixão, publicado pela Anome Livros.

Para Affonso Romano de Sant`Anna “A poesia de Dagmar Braga é uma inscrição no silêncio, um diálogo com as sombras, uma caligrafia da solidão, um pressentimento e um suave delírio, aparentemente “unindo o nada a nada”, e, no entanto, nos fala de coisas humanamente familiares.”

Fonte:
Antonio Miranda

Estante de Livros (Letras e Ponto!)

ANTOLOGIA DOS OFICINEIROS DO LETRAS E PONTO

Organização: Dagmar Braga

Local: Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, em Belo Horizonte

Longe de uma ideia da escrita como exercício solitário, “Oficina da Palavra” é resultado do trabalho de mais de 34 mãos. A antologia de crônicas, contos e poesias, da editora Asa de Papel, traz produções feitas por um grupo muito diverso de autores. Médicos, professores, arquitetos, estudantes e outros curiosos se reúnem em noites de oficinas literárias para abrir as portas da imaginação. O livro – fruto desses encontros – vai ser lançado na Biblioteca Estadual Luiz de Bessa, no dia 5 de dezembro, a partir das 19 horas.

A escritora Dagmar Braga – finalista do Prêmio Jabuti em 2009 – é responsável por costurar as 62 criações presentes na obra. Ela mantém o espaço cultural Letras e Ponto e coordena oficinas de criação literária há XX anos. Os encontros são abertos a qualquer interessado e o objetivo é escrever a partir da memória, da imaginação, da observação e da intertextualidade. O esforço de edição também é conjunto. Um tempo fica reservado para a leitura coletiva e todos têm a oportunidade de palpitar no texto do colega. O espaço cultural ainda acolhe outras atividades: saraus, debates, palestras, mostras e apresentações.

“Oficina da palavra” é a segunda antologia publicada pelo Letras e Ponto. Para Ronaldo Simões Coelho, autor mineiro com mais de 50 títulos, o novo livro oferece ao leitor um cardápio de fazer inveja a qualquer chef. “Do riso à lágrima, da curiosidade ao alívio, do querer mais à releitura, tudo aliado à vontade de recomendar aos amigos, parentes e aos conhecidos que procurem conhecer esses pratos servidos por autores plenos de delicados sabores”, comenta o escritor.

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QUARTAS HISTÓRIAS: CONTOS BASEADOS EM NARRATIVAS DE GUIMARÃES ROSA

Organização: Rinaldo de Fernandes

Com organização do escritor e professor de literatura Rinaldo de Fernandes, chega às livrarias a coletânea Quartas histórias: contos baseados em narrativas de Guimarães Rosa. Editado pela Garamond (RJ), com ilustrações de Arlindo Daibert, o livro, cujo lançamento nacional será em São Paulo dia 20 de outubro/2006, no evento “Balada Literária”, traz 40 contistas brasileiros da atualidade, que recriam narrativas de Sagarana e passagens do Grande sertão: veredas. Traz também, numa seção inicial, textos sobre Guimarães Rosa de Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Antonio Carlos Jobim, Affonso Romano de Sant’Anna, Daniel Piza, Marcus Accioly e Sônia Maria van Dijck Lima. Os contistas que integram a coletânea são: Aleilton Fonseca, Amador Ribeiro Neto, André Sant’Anna, Antonio Carlos Secchin, Antonio Carlos Viana, Ataíde Tartari, Bernardo Ajzenberg, Carlos Gildemar Pontes, Carlos Ribeiro, Cecília Prada, Deonísio da Silva, Fabrício Carpinejar, Fernando Bonassi, Geraldo Maciel, Godofredo de Oliveira Neto, João Anzanello Carrascoza, José Castello, José Rezende Jr., Leila Guenther, Luzilá Gonçalves Ferreira, Marcelino Freire, Marcelo Carneiro da Cunha, Maria Alzira Brum Lemos, Marilia Arnaud, Mário Chamie, Miguel Sanches Neto, Nelson de Oliveira, Nilto Maciel, Paulo Franchetti, Pedro Salgueiro, Raimundo Carrero, Ricardo Soares, Rinaldo de Fernandes, Ronaldo Correia de Brito, Ruy Espinheira Filho, Sérgio Fantini, Silviano Santiago, Suênio Campos de Lucena, Tércia Montenegro e W. J. Solha.

Rinaldo de Fernandes, no texto de apresentação da obra, afirma: “a presente coletânea presta homenagem, respectivamente, aos 60 e 50 anos de lançamento das duas obras-primas de Guimarães Rosa [‘Sagarana’ e ‘Grande Sertão: veredas’]. Mas o livro não se resume a isso. Atesta o grande talento de autores brasileiros contemporâneos, alguns ainda bem jovens. Atesta a vitalidade do nosso conto mais recente, cujos praticantes pipocam por todas as regiões do país, numa profusão, por assim dizer, de textos de qualidade”. Afirma ainda: “Este livro poderá ficar como um marco da literatura brasileira contemporânea – pelo desafio de recriar um autor em princípio inimitável e pela versatilidade dos contistas. Trata-se, em linhas gerais, de um livro regionalista feito por autores que, à exceção de alguns poucos, não passaram pela experiência do campo”. E conclui: “Uma coisa importante: os contos [...] podem ser lidos independentemente de o leitor conhecer ou não as histórias originais de Guimarães Rosa. Certo: o conhecimento do texto do qual o conto partiu poderá facilitar a vida do leitor, clarear mais as coisas. Mas não o impedirá, em absoluto, de entender os contos aqui publicados. A coletânea cumpre ainda, agora em outra frente, o papel de despertar a curiosidade daqueles que desconhecem a obra do autor mineiro”.
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MIL TSURUS

Autor: Yasunari Kawabata
Tradução de Drik Sada

Tradicional cerimônia do chá serve de cenário para o autor expor a complexidade das relações humanas.

Publicado originalmente em capítulos por revistas japonesas, este romance foi escrito entre os anos 1949 e 1951, período de reconstrução de um Japão devastado pela Segunda Guerra. Nesse contexto em que a sociedade japonesa se reestruturava e também se defrontava com valores culturais vindos do Ocidente, Kawabata resgata valores tradicionais de seu país, fazendo da cerimônia do chá o pano de fundo para a história de Mil tsurus.

Kikuji Mitani é um jovem que, durante uma cerimônia do chá, reencontra duas antigas amantes de seu falecido pai, Chikako Kurimoto e a viúva Ota, e de repente se vê profundamente envolvido com elas. Enquanto Chikako tenta arranjar um casamento para Kikuji, este inicia um inesperado romance com a senhora Ota, que por sua vez tem uma filha chamada Fumiko, de quem Kikuji também irá se aproximar. Mas há ainda Yukiko, a delicada jovem pretendente a se casar com Kikuji, personagem que representa a serenidade, num ambiente repleto de ressentimentos e intrigas. Não é por acaso que a moça é descrita usando um lenço de seda ilustrado com tsurus, ave que simboliza nobreza e felicidade, na tradição japonesa.

Nessa história em que o passado, através da figura do pai do protagonista, desperta sentimentos em conflito, Kawabata demonstra, mais uma vez, seu profundo conhecimento da antiga cultura de seu país e enaltece a importância da arte oriental, representada nas cerâmicas seculares do ritual do chá.

Ao mesmo tempo em que discorre sobre a permanência da arte no decorrer dos séculos, sobrevivendo a gerações, o autor nos mostra o lado efêmero da vida e das relações humanas.

Fonte:
http://www.letraseponto.com.br/dicas.php

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 12


Poemas

Ao Euclides Bandeira

BAUCIS E FILEMON

Há de a Morte chegar um dia... E pois que bom
Se fosse como a de Baucis e Filemon!

Outono. A tarde vai num carro de veludo,
Lírio, rosa, carmim, e ouro, sobretudo.
A tarde gira, no passeio vesperal,
A luminosa flor estética do Mal.
Zéfiro, vendo-a, em seus vestidos sopra assim
Da flauta rude uns sons de folha de jasmim,
Uns sons de violeta e anêmona e açucena,
Uns sons que inda são mais leves do que uma pena,
E tão bons, e tão bons, que ao longe o mar semelha,
A subir e a descer, um rebanho de ovelha...

E os seus vestidos que são alvos como a paz,
Tingem-se de uma cor de sangue de lilás.
Ó tarde linda, ó tarde linda como Vênus,
Tarde de olhos azuis e de seios morenos.
Ó tarde linda, ó tarde doce que se admira,
Como uma torre de pérolas e safira.
Ó tarde como quem tocasse um violino.
Tarde como Endimion, quando ele era menino.
Tarde em que a terra está mole de tanto beijo,
Porém querendo mais, nervosa de desejo...
Tarde como no dia em que Júpiter louro,
Por amor de Danaê, desfez-se todo em ouro.
Tarde de se cair de joelhos, por encanto,
E de se lhe beijar a ponta de seu manto.
Ó que tarde sutil! ó luz crepuscular!
Com rosas no jardim e cisnes a boiar...

Outono lindo, lindo... Ao longo dos caminhos,
Como sempre, eles dois, velhinhos, bem velhinhos,
Inda mais uma vez olham essa paisagem,
Que, por assim dizer, é a sua própria imagem,
Terna como eles e com seus reflexos vagos
De ternura a tremer por sobre a flor dos lagos...

Paisagem verde, inda mais verde que um vergel,
Com abelhas, com sol, e com favos de mel...

“Que tarde linda, meu amor, que lindo outono!
Quem me dera dormir o derradeiro sono!”
– “Eu também, Filemon,” sorrindo Baucis diz,
“Já estou cansada, vê, de tanto ser feliz!” –
“Ó deuses imortais! ó piedosos céus!”
Mal, porém, mal porém tinham falado, quando
Pasmo viu Filemon Baucis se transformando
Numa tília, também ao mesmo tempo que ela
O via converter-se em carvalho, e singela,
Saudosamente, os dois se disseram adeus!
Janeiro – 1905

ESTÁTUA

... e olhou sua mulher para trás dele:
e converteu-se numa estátua de sal.

O salgueiro chora,
E o vento chora fino no salgueiro,
O vento chora triste... – Um Cavaleiro
(Ia passando sem olhar) olha e demora...

“Ah! – consigo murmura –
Nestes caminhos lôbregos, de joelhos,
Eu caminhei por sobre incêndios de loucura,
Num Éden prateado e com frutos vermelhos!

Outrora aqui vibrei meus lírios de alvoroço!
A lança de ouro às mãos rutila! à fronte o casco
De ouro a relampejar! e moço! e tudo moço!
Ó moço de Damasco! ó sonho de Damasco!

Turbilhões sensuais de proserpinas doidas!
Cantáridas em flor, brancas, morenas, todas
Luxurioso amei! amei! Eram tão belas!
– Ó Poentes de Outono! ó Luas! ó Estrelas!

Nuvem, que uma tormenta azulada de beijos
Eletriza, lirial nuvem dos meus desejos!
Na minha alma, cruéis, dormem fundos espaços,
Cova sinistra! Cruz Vermelha dos Abraços!

Barco esguio a dançar, carregado de aroma,
Seda, púrpura, arminho e veludo da Pérsia,
– Leito brando da minha angústia e minha inércia,
Em balanço, ondulando, uma entre mil assoma.

Alva!... não a beijei!... Minha vida foi como
Em choupos verdes a correr um passarinho.
Para quando guardei o acre, esquisito pomo,
Ó Desejo escarlate! ó flor cheia de espinho?

Ora o Valpúrgio!... Só, como espectro de lua,
A Lembrança!... um palor diluído em folha rubra!
Quando evitar que o tempo o mármore polua,
E o musgo cresça, e as almas frágeis cubra?

Tudo em perfume se resume, que apunhala,
E a Demência derrama em asperges de hissope!

– Eia pois! eia pois! a caminhos de opala!...”

E o Cavaleiro toca o cavalo a galope.

Foge. Um Anjo, porém, melancólico implora...
Chama-o de longe um Anjo: – Olha mais uma vez!
Estas ruínas, ó Cavaleiro, bem vês,
São tua adaga de ouro e teu arnês de outrora! –

E era o Anjo a açucena endoidecida no Horto,
E a sua voz, luar do Paraíso Perdido!...
Luar de um círio sobre o azul de um lírio morto...
Luar de Além, do Além, além do Indefinido!...

Olha. Não vendo então que via, por seu mal,
O Nu... mais nu! O Nu de um nu de Apodros nuda!
Um esqueleto nu!...
E ei-lo que se transmuda,
– Outra mulher de Ló – numa Estátua de sal!
Abril – 1898

AZAR

Ao Silveira Neto

A galope, a galope, o Cavaleiro chega:
Rei, ó meu bom senhor! com tua filha cega.

– Hoje, teu adivinho assim traçou no ar:
A frota d’El-Rei perdeu-se no alto mar!

Eu, ao descer a noite, ouvi cantar o galo:
Foi a Rainha que fugiu com um teu vassalo.

Teus exércitos, ó! as brônzeas legiões,
Morreram nos areais da Líbia como leões!

Nos teus domínios sopra o vento Noroeste:
A mangra, o gafanhoto, a seca, a alforra, a peste.

Uivam! Lobos? o Mar? o Vento? o Temporal?
Não. É a plebe que arrasta o teu manto real.

Lá vêm as três, ó Rei, lá vêm as três donzelas...
Tende piedade, meus irmãos, orai por elas!

Vêm tão brancas dizer que as noras sensuais
D’El-Rei mataram seus maridos com punhais.

Tuas pratas, teu ouro, e mais ricas alfaias,
Roubam do teu palácio os fâmulos e as aias.

Teu diadema, o cetro, as plumas e os Broquéis,
Em poeira, e sangue, e sob a pata dos corcéis!

O povo reza, que doçura! É bom que reze!
Pela tua alma... Já são horas... Quantas?... Treze.

Maldito seja quem Trono nem Reino tem!
Maldito seja o Rei! Maldito seja! Amém!

No vinho que te dão, e no teu melhor pomo,
No manjar mais custoso, onde entre o cinamomo,

Na linfa clara, vê, no leito ebúrneo, sei,
Nas palavras, no ar, dão-te veneno, Rei!

Ouvem os Arlequins missa, todos de tochas,
E estão vestidos de sobrepelizes roxas.

Resmungam baixo teu nome as velhas, e assim
Queimam em casa, cruz! a palma e o alecrim.

Estão rezando por ti muitos padre-nossos;
Os cães estão, porém, à espera de teus ossos.

Ó ventos! ó corvos! que estais grasnando no ar!
Eis o cadáver do bom Rei de Baltazar!

Dlom! dlem! dlom! dlem! Ouve, bom Rei, de serro a serro
Os sinos dobram, ai! dobram por teu enterro.

Ó ventos! ó corvos! que estais grasnando no ar!
Eis o cadáver do bom Rei de Baltazar!

Ventos, ó funerais! ventos, lamentos roucos,
Ó ventos roucos, ó redemoinhos loucos!

Dlom! dlem! dlom! dlem! Bom Rei, teus ossos não são teus,
Nem o teu trono é teu! Louvado seja Deus!

Nem a tua alma é tua, ó Rei, depois de morto,
Pois demônios estão dançando num pé torto!

Maldito seja quem Trono nem Reino tem!
Maldito seja o Rei! Maldito seja! Amém!

E a galope, a galope, o Cavaleiro esguio
Vai pregar a outro Reino: a Doença, a Noite, o Frio!
Julho – 1898

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

Preservação de Livros (Parte 4)

Justificar
2.5 COSTURA

A costura pode ser por livros de folhas soltas ou por cadernos.

Material necessário:

– Agulha n 2/0;
– Linha Urso n 0 e 1;
– Tesoura
– Martelo
– Estilete
– Furadeira
– Lápis
– Prensa
– Pincel
– Cola PVA + CMC

Procedimento

Livros por cadernos · · · ·

Não se deve usar os mesmos furos da antiga costura, para evitar que a mesma fique solta;
Una todos os cadernos prestando a atenção para que eles estejam dispostos em ordem numérica crescente;
Colocar na prensa para acomodar o lombo antes da costura;
Multiplicar o comprimento da linha a ser usado em um caderno pelo número de cadernos existentes. Este sistema resultará o comprimento total de linha a ser utilizado na costura de todos os cadernos e evitará o uso de nós.

Assinalar com um lápis sobre a lombada do livro os pontos para marcar a costura.

Geralmente a lombada deve ser dividida em seis partes iguais (ou sempre número par);

Iniciar a costura pelo último caderno.

Segurar o caderno aberto com a mão esquerda.
Com a direita segurar a agulha (no caso de destra);

Costurar pelo lado direito, de fora para dentro;

O último caderno deve ser amarrado ao penúltimo por um nó duplo, para que a costura não se solte e assim sucessivamente.

Livros com caderno único · · · · · ·

Marcar com lápis a divisão da costura (sempre com números ímpares);

Colocar a agulha de fora para dentro no meio do caderno;

Colocar a agulha na marca seguinte de dentro para fora;

Colocar a agulha na última marca de fora para dentro;

Colocar a agulha outra vez no meio do caderno de dentro para fora

Dar um nó nas pontas da linha.

Cortar as pontas cerca de 1 cm do livro.

Livros por folhas soltas · · ·

Una todas as folhas prestando a atenção para que estejam com a numeração em ordem;

Prensar o livro entre um par de tábuas.

Colocar um peso para firmar.

Passar cola na lombada e deixar secar.

Repetir o processo.

Colocar o livro em cima de um papelão ou madeira;

Fazer uma marcação de cinco furos usando um lápis;

Furar o livro com uma furadeira

Costurar o livro com fio o ou oo'

A costura começa pelo furo do meio, de baixo para cima e deixando uma sobra de linha para posteriormente amarrar as pontas.

2.6 COLOCAÇÃO DA LOMBADA

O reforço da lombada tem como finalidade fortalecer o livro, garantindo a durabilidade da encadernação. ·

Cortar uma tira de cartolina americana com a medida igual à largura da lombada mais 4 cm de cada lado;

Marcar o meio desta tira;

Vincar, acentuando o vinco com o auxílio de um clips;

Aplicar cola na lombada e aplicar a tira de cartolina por cima

Deixar secar;

Colar a capa na sobra da lombada (4 cm).

––––––
Continua... Acabamento dos Cortes do Livro; Confecção da Capa; Anexos

Fontes:
DIVISÃO DE PRESERVAÇÃO; Preservação e Recuperação de Material Bibliográfico. Biblioteca Pública do Paraná, Curitiba, 2001.

MILEVSKY, Robert J.; Manual de Pequenos Reparos em Livros; Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos. 2ª edição, Rio de Janeiro, 2001.

Murilo Rubião (O Convidado)


No conto O Convidado, o autor, Murilo Rubião, tem 3 objetivos: anunciar o fato; deixar o leitor perplexo diante do fato e fazer com que o leitor se acostume ao fato - seja ele estranho ou não.

A intriga gira em torno do percurso da personagem central Alferes, que preocupado em chegar a uma misteriosa festa de fantasia para a qual é convidado, não mais consegue se desvencilhar dela, nem achar o seu caminho de volta. A festa apresenta-se como uma verdadeira encenação, onde um grupo social espera por alguem que, além de não se saber quem é, também nJustificarão aparece.

Personagens

José Alferes - protagonista.
Faetonte - motorista.
Astérope - convidada da festa.
Débora - moradora do hotel.

Enredo

José Alferes mora na cidade há apenas quatro meses, seus laços de amizades eram muito curtos, limitando-se aos funcionários do hotel onde morava e a outra pensionista que morava no mesmo andar - Débora.

Naquele dia chegou para ele um convite para uma festa. Nada estava mencionado: data, horário e local. Achou estranho. Pensou que era um trote; depois, pela caligrafia feminina, atribuiu a Débora. O fato é que, sem os referenciais de festa, decide-se por averiguar isto. Inicialmente, procura na loja de aluguel de roupas, onde lhe dão uma resposta evasiva.

À noite, vestido para a tal festa, procura por Faetonte (taxista que sabia de toda a vida noturna da cidade), para o levar. Ao chegar, três senhores afirmam que o verdadeiro convidado ainda não tinha chegado, podendo José provocar certa confusão nas pessoas presentes, achando que era ele. Daí a necessidade de se desfazer possíveis equívocos.

Embora todos tenham sido cordiais com José Alferes, este se sente meio isolado, pois em todas as rodas de conversa o assunto é único: "a criação e corridas de cavalo". Encontra-se com uma linda mulher - Astérope. Saem dali e ele não consegue entender o porquê daquela mulher estar esperando “o convidado" para deitar com ele.

Não suportando mais nada disso, retorna ao táxi para ir embora. O motorista se recusa, alegando estar à disposição dos organizadores da festa. José tenta ir só, retorna machucado de alguns tombos que levara. Implora, tenta o suborno, mas nada disso motiva o taxista, até surgir Astérope e conduzi-lo para a festa.

Análise

O tempo da narrativa é cronológico. Embora não seja definida a data, toda ação se passa no transcorrer de alguns dias.

O espaço é o perímetro urbano de uma cidade não nomeada (onde o protagonista transita entre o hotel, a loja de aluguel de roupas e o local da festa).

Neste conto, o protagonista é inserido em uma situação um tanto absurda: ser convidado a ir a uma festa e não poder se desvincular desta situação.
Como é comum o “Realismo Simbólico” na obra de Murilo Rubião, este conto trabalha alegoricamente uma alusão à Inconfidência Mineira. Nesta ótica, José Alferes seria uma representação simbólica de Tiradentes, sendo levado a uma situação sem retorno, onde demonstra um caráter passivo.

O conto de Murilo Rubião “O Convidado” é narrado em terceira pessoa, onisciente, e o fantástico nesta história se rotiniza na medida em que o protagonista, no
caso, o “falso convidado” Alferes, é uma pessoa comum que está hospedada num hotel, por algum motivo que não é esclarecido (e também não importa para o leitor), mas que, concretamente, recebe pelo correio um convite para ir a uma recepção.

A partir daí, a história vai acontecendo, aparentemente dentro de um cotidiano “real”, se não fosse pela sucessão de fatos “estranhos” que vão surgindo no enredo da narrativa, como por exemplo o fato de no convite não constar a data, hora e local da festa e ainda, tampouco sabe-se quem está promovendo o evento. Mesmo assim, percebe-se que o autor-narrador, procura dar certa "naturalidade" ao que está acontecendo e, nesses termos, improvisa algumas situações, como por exemplo o fato do motorista saber o local da festa, já que “costumava” levar personagens ilustres para divertimentos noturnos e até mesmo o fato do auto-convencimento de Alferes para ir à solenidade achando que o convite poderia ter partido de alguém que admirava e portanto, naquele momento - em que ele precisava sentir algo mais concreto para aceitar o imprevisto - a lembrança da colega era motivo suficiente para a sua ida.

No momento em que a incerteza começa a tomar conta de Alferes o leitor também hesita. Percebe-se que algo está sendo ocultado tanto de Alferes quanto do
leitor, que passa a ser seu cúmplice. A dúvida surge e permanece. Desafia-se a razão. O estar no mundo de Alferes é visto como uma experiência quase sem
solução.

Tal incerteza é típica das narrativas "fantásticas", nas quais o elemento “misterioso” intervém no curso normal dos fatos, provocando uma ruptura, um “suspense”. Daí, parte-se para o desvendamento do mistério, o que pode ou não ocorrer no final do conto. No caso das narrativas de Rubião, a ambigüidade costuma
permanecer até o final da história, deixando que o leitor faça a dedução dos fatos finais, geralmente implícitos.

O final sugere que aquela mulher misteriosa (Astérope), provavelmente é a tal convidada que se espera, no caso, a morte - que veio buscar Alferes, ao que parece - seu convidado. Isto é apenas uma sugestão, as pistas levam o leitor a pensar e extrair outros sentidos.

Percebe-se que o dado “sobrenatural” é um artifício da imaginação para remeter a conflitos originários da própria realidade, desvendando dramas da existência humana, no caso, a angústia que os eventos sociais provocam fica bem retratada, assim como o artificialismo e a ausência de sentido, para alguns, das cerimonias sociais.

Uma figura sutil e ao mesmo tempo dúbia nesse conto é Faetonte, motorista de táxi. Um personagem da mitologia grega de mesmo nome, filho do sol, que ao
conduzir o carro divino, inexperiente, passou muito próximo da terra e incendiou-a e Zeus fulminou-o com um raio. "Aqui jaz Faetonte, cocheiro do carro paterno; se não pode dirigi-lo, pelo menos morreu por ter tentado, corajosamente, um grande feito" (Públio Ovídeo Nasão, 1983, p. 35). Faetonte é relacionado a tudo que brilha, uma vez que o incêndio que provocou iluminou o mundo. No conto, é um chofer experiente, conhece o trajeto e o local a que deve levar o convidado. Não parece em nada com o cocheiro inexperiente que dirigiu o carro divino. Uma aura de mistério envolve Faetonte como se algo fosse acontecer. Nega-se a trazer Alferes de volta, a despeito dos insistentes pedidos que recebeu e nem tampouco se incomoda com a inquietação daquele passageiro. Mantém-se indiferente, apenas cumprindo o seu dever de motorista.

Trata-se de um "fantástico" moderno, uma vez que nenhuma explicação "convincente" é dada aos fatos estranhos e o final da história é inconcluso e ambígüo. Próximo ao mito, onde vive e sobrevive o insólito, tudo pode acontecer, mesmo as coisas mais absurdas, deixando sempre aquela interrogação: o “fantástico” ainda está aí ou já se desvanceu? O leitor, quando percebe, ainda está envolto pela nevasca que soprava da leitura.

Fontes:
Colégio Pró Campus | Profª Ms. Terezinha de Jesus Lopes Ferreira Leite, Unicamp. Disponível em Passeiweb