quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Amilton Maciel Monteiro (Poemas Recolhidos) IV



COR DE BRASA

Num canto do jardim de minha casa
duas roseiras crescem, majestosas,
com flores rubras, lindas, cor de brasa
e aveludadas pétalas cheirosas.

Quem as plantou, não sei, mas bem me apraza
exaltar o valor das laboriosas 
mãos que, com amor e jeito, deram asa
a que vingassem  em formas primorosas.

Pois aprecio muito a mão que planta
e só por isso a entendo como santa,
merecedora de me abençoar!

Plantar é um beijo dado à Natureza,
que fica à nossa espera, com certeza,
para o mundo crescer e embelezar!
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ESTADO D´ALMA

O que reflete o meu estado d´alma, 
de tudo quanto vi e já conheço,
é a poesia amiga, quando espalma 
tão bem a dor do amor, no qual padeço

Quem lê meu verso com bastante calma,
por certo me conhece até no avesso, 
pois minha inspiração jamais empalma 
tudo que às outras almas ofereço.

Quem lê meu verso sabe, num instante,
se estou tristonho, ou até feliz bastante.
- Mais claro ainda?  -  Olhe nos  meus olhos!

As minhas vistas são também janelas,
bastando apenas ver através delas,
se tenho um grande amor... ou só abrolhos!
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FELIZ NATAL

Natal me traz a mais doce lembrança
de todas quantas trago no meu peito;
recordações do tempo de criança,
que não se apagam mais de nenhum jeito...

Natal me traz também muita esperança
de que na Terra surja mais respeito
com a sacra vida humana e, sem tardança,
Jesus-menino encontre um Lar perfeito!

Natal, portanto, encanta a minha vida,
mormente se a família está reunida
e, junto a nós, amigos de verdade.

Do bem que isso me faz eu dou sinal
em meu sincero abraço de amizade
que a todos quer dizer: Feliz Natal!
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FINAL DE ANO

Final de ano... É chegada a hora 
de fazer um balanço em minha vida. 
De início de janeiro, até agora,  
será que progredi nesta corrida?

Advento vem aí..., já não demora  
e é Natal, Ano-novo... e eu só na lida...
Ao meu irmão, que fiz de bom? Por ora,  
eu nada vejo e estou é sem saída!

Vergonhoso chegar ao fim do ano 
com minhas duas mãos assim vazias, 
sem nada para dar... É desumano!

Nem basta só não praticar o mal...
E com amor, que fiz? Foi só poesias? 
Basta agora rezar? -  “Feliz Natal”?!
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NÃO TENHA INVEJA!

O voo do urubu tão silencioso
e, na aparência, sem esforço algum,
nos lembra um parapente fabuloso,
cujo piloto tem risco comum....

O nosso pobre abutre é bem feioso,
mas seu voar supera qualquer um;
enquanto o voo à vela é majestoso,
perigo o urubu não tem nenhum!

A lei protege até sua existência,
por sua importante excelência,
limpando sem cansar a Natureza!

Vendo o urubu no céu, não tenha inveja,
(como de quem com risco é que veleja),
já que o manjar do abutre é a impureza!
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SE DEUS QUISER!

Sonho muito voar. Mas de avião
fabricado aqui mesmo, na Embraer;
e quase sempre tenho a sensação
de que vou conseguir, se Deus quiser!

O fato não me dá qualquer razão,
mas o vou contá-lo, por achar mister
narrar de onde partiu minha ambição
de inda cumprir meu sonho, se eu puder... 

Estava eu no CTA, presente,
vendo o primeiro voo surpreendente,
do mais que decantado “Bandeirante”.

E ao ver o então Major, seus criadores...
Mariotto e Michel, aviadores...
meus amigos... sonhei voar bastante!
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SERVIDOR

São as rimas que ditam meus poemas;
quem manda em meu sentir é sempre o amor...
O coração resolve os meus dilemas,
e o meu cantar persegue a minha dor...

Meus gostos estão presos em algemas;
e a minha opinião não ouso expor...
Espero que resolvam meus problemas,
tal qual age na guerra um desertor!...

Assim, meus versos nunca foram meus;
são dos que mandam em mim, porque meu Deus,
além de Pai, é meu consolador...

Em termos de poesia não sou nada;
além de pobre alma apaixonada,
sou só, do alheio estro, servidor!

Fonte:
O poeta

Lima Barreto (Cinco mulheres) III - Carolina



- Pois quê! vais casar-te?

- É verdade.

- Com o Mendonça?

- Com o Mendonça.

- Isso é impossível! Tu, Carolina, tu formosa e moça, mulher de um homem como aquele, sem nada que possa inspirar amor? Ama-o acaso?

- Hei de estimá-lo.

- Não o amas, já vejo.

- É meu dever. Que queres, Lúcia? Meu pai assim o quer, devo obedecer-lhe. Pobre pai! Ele cuida de fazer a minha felicidade. A fortuna de Mendonça parece-lhe uma garantia de paz e de ventura da minha vida. Como se engana!

- Mas não deves consentir nisso... Vou falar-lhe.

- É inútil, nem eu quero.

- Mas então...

- Olha, há talvez outra razão: creio que meu pai deve favores ao Mendonça; este apaixonou-se por mim, pediu-me; meu pai não teve ânimo de recusar-me.

- Pobre amiga!

Sem conhecer ainda as nossas heroínas, já o leitor começa a lamentar a sorte da futura mulher de Mendonça. É mais uma vítima, dirá o leitor, imolada ao capricho ou à necessidade. Assim é. Carolina devia casar-se daí a alguns dias com Mendonça, e era isso o que lamentava a amiga Lúcia.

- Pobre Carolina!

- Boa Lúcia!

Carolina é uma moça de vinte anos, alta, formosa, refeita. Era uma dessas belezas que seduzem os olhos lascivos, e já por aqui ficam os leitores sabendo que Mendonça é um desses, com a circunstância agravante de ter meios com que lisonjear os seus caprichos.

Bem vejo como me poderia levar longe este último ponto da minha história; mas eu desisto de fazer agora uma sátira contra o vil metal (por que metal?); e bem assim não me dou ao trabalho de descrever a figura da amiga de Carolina.

Direi somente que as duas amigas conversavam no quarto de dormir da prometida noiva de Mendonça.

Depois das lamentações feitas por Lúcia à sorte de Carolina, houve um momento de silêncio. Carolina empregou algumas lágrimas; Lúcia continuou:

- E ele?

- Quem?

- Fernando.

- Ah! esse que me perdoe e me esqueça; é tudo quanto posso fazer por ele. Não quis Deus que fôssemos felizes; paciência!

- Por isso o vi triste lá na sala!

- Triste? ele não sabe nada. Há de ser por outra coisa.

- O Mendonça virá?

- Deve vir.

As duas moças saíram para a sala. Lá se achava Mendonça em conversa com o pai de Carolina, Fernando a uma janela de costas para a rua, uma tia de Carolina conversando com o pai de Lúcia. Ninguém mais havia. Esperava-se a hora do chá.

Quando as duas moças apareceram todos voltaram-se para elas. O pai de Carolina foi buscá-las e levou-as a um sofá.

Depois, no meio do silêncio geral, o velho anunciou o casamento próximo de Carolina e Mendonça.

Ouviu-se um grito sufocado do lado da janela. Ouviu-se, digo mal - não se ouviu; Carolina foi a única que ouviu ou antes adivinhou. Quando voltou os olhos para a janela, Fernando estava de costas para a sala e tinha a cabeça entre mãos.

O chá foi tomado no meio de geral acanhamento. Parece que ninguém, além do noivo e do pai de Carolina, aprovava semelhante consórcio.

Mas, quer aprovasse, quer não, ele devia efetuar-se daí a vinte dias.

"Entro no teto conjugal como num túmulo, escrevia Carolina na manhã do casamento à amiga Lúcia; deixo as minhas ilusões à porta, e peço a Deus que não perca só isso."

Quanto a Fernando, a quem ela não pôde ver mais depois da noite da declaração do casamento, eis a carta que ele mandou a Carolina, na véspera de realizar-se o consórcio:

"Quis acreditar até hoje que fosse uma ilusão, ou um sonho mau semelhante casamento; agora sei que não é possível duvidar da verdade. Pois quê! tudo te esqueceu, o amor, as promessas, os castelos de felicidade, tudo, por amor de um velho ridículo, mas opulento, isto é, dono desse vil metal, etc., etc..."

O leitor sagaz suprirá o resto da carta, acrescentando qualquer período tirado de qualquer romance da moda.

Isto que aí fica escrito não muda em nada a situação da pobre Carolina; condenada a receber recriminações quando ia dar a mão de esposa com o luto no coração.

A única resposta dada por ela à carta de Fernando foi esta:

"Esqueça-se de mim."

Fernando não assistiu ao casamento. Lúcia assistiu triste como se fora um enterro. Em geral perguntava-se que amor estranho era aquele que levava Carolina a desfolhar a sua mocidade tão viçosa nos braços de semelhante homem. Ninguém atinava com a resposta.

Como eu não quero entreter os leitores com episódios inúteis e narrações fastidiosas, salto aqui uns seis meses e vou levá-los à casa do Mendonça, numa manhã de inverno.

Lúcia, solteira ainda, está com Carolina, onde costuma ir passar alguns dias. Não se fala na pessoa de Mendonça; Carolina é a primeira a respeitá-lo; a amiga respeita esses sentimentos.

É verdade que os seis primeiros meses de casamento foram para Carolina seis séculos de lágrimas, de angústia, de desespero. De longe a desgraça parecia-lhe menor; mas desde que ela pôde tocar com o dedo o deserto árido e seco em que entrou, então não pôde resistir e chorou amargamente.

Era o único recurso que lhe restava: chorar. Uma porta de bronze separava-a para sempre da felicidade que sonhara nas suas ambições de donzela. Ninguém sabia dessa odisséia íntima, menos Lúcia, que ainda assim sabia mais por adivinhar e por surpreender as torturas menores da companheira dos primeiros anos.

Estavam, pois, as duas em conversa, quando às mãos de Carolina chegou uma carta assinada por Fernando.

Pintava-lhe o antigo namorado o estado em que tinha o coração, as dores que sofrera, as mortes de que escapara. Nessa série de padecimentos, dizia ele, nunca perdera a coragem de viver para amá-la, embora de longe.

A carta era abundante em comentários, mas eu julgo melhor conservar somente a substância dela.

Leu-a Carolina, trêmula e confusa; esteve alguns minutos calada; depois
rasgando a carta em tiras muito miúdas:

- Pobre rapaz!

- Que é? perguntou Lúcia.

- É uma carta de Fernando.

Lúcia não insistiu. Carolina indagou do escravo que lhe trouxera a carta o modo por que lhe havia chegado às mãos. O escravo respondeu que um moleque lhe entregara à porta. Lúcia deu ordem para que não recebesse cartas que viessem pelo mesmo portador.

Mas no dia seguinte uma nova carta de Fernando chegou às mãos de Carolina. Outro portador a entregara.

Nessa carta Fernando pintava com cores negras a situação em que se achava e pedia dois minutos de entrevista com Carolina.

Carolina hesitou, mas releu a carta; ela parecia tão desesperada e dolorosa, que a pobre moça, em quem falava um resto de amor por Fernando, respondeu afirmativamente.

Ia mandar a resposta, mas de novo hesitou e rasgou o bilhete, protestando fazer o mesmo a quantas cartas chegassem.

Durante os cinco dias seguintes vieram cinco cartas, uma por dia, mas todas ficaram sem resposta, como as anteriores.

Enfim, na noite do quinto dia, Carolina achava-se no gabinete de trabalho, quando assomou à janela que dava para o jardim a figura de Fernando.

A moça deu um grito e recuou.

- Não grite! disse o moço em voz baixa, podem ouvir...

- Mas, fuja! fuja!

- Não! Quis vir de propósito, a fim de saber se deveras não me amas, se
esqueceste aqueles juramentos...

- Não devo amá-lo!...

- Não deve! Que tem o dever conosco?

- Vou chamar alguém! Fuja! Fuja!

Fernando saltou para o quarto.

- Não, não hás de chamar!

A moça correu para a porta. Fernando travou-lhe do braço.

- Que é isso? disse ele; amo-te tanto, e tu foges de mim? Quem impede a nossa felicidade?

- Quem? Meu marido!

- Seu marido! Que temos nós com ele? Ele...

Carolina pareceu adivinhar um pensamento sinistro em Fernando e tapou os ouvidos. Nesse momento abriu-se a porta e apareceu Lúcia.

Fernando não pôde afrontar a presença da moça. Correu para a janela e saltou para o jardim.

Lúcia, que ouvira as últimas palavras dos dois, correu a abraçar a amiga, exclamando:

- Muito bem! muito bem!

Dias depois Mendonça e Carolina saíram para uma viagem de um ano. Carolina escrevia o seguinte a Lúcia:

"Deixo-te, minha Lúcia, mas assim é preciso. Amei Fernando, e não sei se o amo agora, apesar do ato covarde que praticou. Mas eu não quero expor-me a um crime. Se o meu casamento é um túmulo, nem por isso posso deixar de respeitá- lo. Reza por mim e pede a Deus que te faça feliz."

Foi para estas almas corajosas e honradas que se fez a bem-aventurança.
__________________

continua... IV - Carlota e Hortência

Fonte:
Publicado originalmente em Jornal das Famílias, 1865.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Perigor (Poemas Di versos)



A ARTE DE FICAR

Fiquei isento
de sentimento
quando o amor se foi
feito as horas
no tempo
ou as nuvens
ao vento...

Fiquei insensato
diante do fato
de que ninguém
liga para quem
está ao lado
e que é preciso amar
para ser amado...

Fiquei insatisfeito
quando o amor
não tinha jeito
para os que amam
e despertam mais cedo
da ilusão de um sonho bom
para um abismo de medo...

Fiquei insurgente
ao notar a triste solidão
no rosto de tanta gente
que simplesmente vive em vão
tentando agradar quem não merece
o mínimo de atenção ou de amor,
enquanto a vida segue sem cor...

Fiquei surpreso
ao provar a dor
e a delícia da química
do beijo perfeito;
capaz de (a) trair e libertar
o amor adormecido ou preso
no fundo do (res) peito.
______________
FLASHES

Em cada paisagem
uma lembrança,
uma imagem
de pessoas 
passageiras
que passaram
de passagem...
______________
MEU AMOR

Meu amor não é substância
e definitivamente não é substantivo.
É invariável e independente,
independente do que aconteça.
É de encontrar e perder a cabeça.
Antes de tudo é advérbio
que intensifica o sentido
de estar vido e do verbo amar.
Está sempre em movimento:
meu amor é vento,
meu amor é mar...
______________
POEMA PERFEITO

O que eu mais queria
era escrever um poema
da mais pura poesia
que realmente
acontecesse depois...
Ele compreenderia
amor e alegria;
um mundo perfeito
feito para nós dois.
Mas, como este mundo
ainda não veio,
sigo em devaneio
e creio que de perfeito
exista apenas o poema
escrito no recheio
do silêncio que emblema 
o nosso desejo imediato...
No momento deste contato 
temos nosso mundo 
perfeito - de fato.
_________________________
SENTIDO

O meu sentimento
é como o vento
que sopra forte
e traz alento.

O meu sentimento
é tão profundo
que não se encontra
neste mundo.

O meu sentimento
parece cimento
de tão concreto
que é este afeto.

O meu sentimento
é somente meu
e ao mesmo tempo
é todo seu...
________________________
TEATRO

Todo mundo veste
a sua roupa.
A minha eu
não visto,
invisto.
A minha roupa
é ideia:
não se prende
a matéria.
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UM POEMA, SIMPLESMENTE

Quero um poema diferente
do olhar de quem é indiferente...

Quero um poema que enfrente
qualquer problema e não lamente...

Quero um poema que somente
pense, repense e siga em frente...

Quero um poema que represente
a trajetória da vida em minha mente...

Quero um poema bem latente
feito flor dentro da semente...

Quero um poema que contemple
o universo, o mundo e minha gente.

Quero um poema bem paranaense:
com sabor e som de “leite quente”...

Fontes:
Recanto das Letras

Perigor (Cadeira n. 32 da AVIPAF)

Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia (AVIPAF) Patrono: Vinícius de Moraes

Igor Soares Veiga (nome literário: Perigor) é de Curitiba/PR.

Poeta, formado em Letras Português/Espanhol, pela PUCPR em 2005, aperfeiçoou-se em Gestão Escolar, Supervisão e Orientação Educacional. Especialista em Psicopedagogia e Educação Especial. Professor de Língua Portuguesa e Língua Espanhola. Participou desde 2003 como poeta e consultor de diversas coletâneas, antologias poéticas, exposições, jornais, revistas literárias e projetos literários (Brasil, Portugal, Alemanha e Espanha). 

Atuou como revisor para a Prefeitura de Pinhais (PR).

Recebeu o Prêmio Talento Poético 2016 e em 2017 – Editora Becalete (Mogi Guaçu-SP);

Contribuiu com o poema “Aquela mulher” para a Antologia Internacional “Mulheres pela paz” – exposta em Ausburg (Alemanha) – promovida pela Revista Literária Fênix (Portugal).

Lançou em 23 de agosto de 2017, no Círculo de Estudos Bandeirantes - o livro de poesia “MUNDO IN VERSO” pelo Instituto Memória Editora (Curitiba-PR);

Membro da Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia (AVIPAF), pertencendo à cadeira 32 – Patrono Vinicius de Moraes.

Fontes:

Lima Barreto (Cinco mulheres) II - Antônia


A história conhece um tipo da dissimulação, que resume todos os outros, como a mais alta expressão de todos: - é Tibério. Mas nem esse chegaria a vencer a dissimulação dos Tibérios femininos, armados de olhos e sorrisos capazes de frustrar os planos mais bem combinados e enfraquecer as vontades mais resolutas.

Antônia era uma mulher assim.

Quando eu a conheci era ela casada de doze meses. O marido tinha nela a mais plena confiança. Amavam-se ambos com o amor mais ardente e apaixonado que ainda houve. Era uma alma só em dois corpos. Se ele demorava fora de casa, Antônia não só velava todo o tempo, como desfazia-se em lágrimas de saudades e de dor. Apenas ele chegava, não havia o desenlace comum das recriminações estéreis; Antônia lançava-se-lhe aos braços e tudo voltava em bem.

Onde um não ia, não ia o outro. Para quê, se a felicidade deles residia em estarem juntos, viverem dos olhos um do outro, fora do mundo e dos seus vãos prazeres? Assim ligadas estas duas criaturas davam ao mundo o doce espetáculo de uma união perfeita. Eram o enlevo das famílias e o desespero dos mal casados.

Antônia era bela; tinha vinte e seis anos. Estava no pleno desenvolvimento de uma dessas belezas robustas e destinadas a resistir à ação do tempo. Oliveira, seu marido, era o que se podia chamar um Apolo. Via-se que aquela mulher devia amar aquele homem e aquele homem devia amar aquela mulher.

Frequentavam a casa de Oliveira alguns amigos, uns da infância, outros de data recente, alguns de menos de um ano, isto é, da data do casamento de Oliveira. A amizade é o melhor pretexto, até hoje inventado, para que um indivíduo pretenda tomar parte na felicidade de outro. Os amigos de Oliveira, que não primavam pela originalidade dos costumes, não ficaram isentos de encantos que a beleza de Antônia produzia em todos. Uns, menos corajosos, desanimaram diante do extremoso amor que ligava o casal; mas um houve, menos tímido, que assentou de si para si tomar lugar à mesa da ventura doméstica do amigo.

Era um tal Moura.

Não sei dos primeiros passos de Moura; nem das esperanças que ele pôde ir concebendo à proporção que corria o tempo. Um dia, porém, a notícia de que entre Moura e Antônia havia um laço de simpatia amorosa surpreendeu a todos.

Antônia era até então o símbolo do amor e da felicidade conjugal. Que demônio lhe soprara ao ouvido tão negra resolução de iludir a confiança e o amor do marido? Uns duvidaram, outros se irritaram, alguns esfregaram as mãos de contentes, animados pela ideia de que o primeiro erro devia ser uma arma e um incentivo para os erros futuros.

Desde que a notícia, contada à meia voz, e com a mais perfeita discrição, correu de boca em boca, todas as atenções voltaram-se para Antônia e Moura. Um olhar, um gesto, um suspiro, escapam aos mais dissimulados; os olhos mais experimentados viram logo a veracidade dos boatos; se os dois se não amavam, estavam perto do amor.

Deve-se acrescentar que ao pé de Oliveira, Moura fazia o papel de deus Pã ao pé do deus Febo. Era uma figura vulgar, às vezes ridículo, sem nada que pudesse legitimar a paixão de uma mulher bela e altiva. Mas assim aconteceu, a grande aprazimento da sombra de La Bruyère.

Uma noite uma família da amizade de Oliveira foi convidá-la para irem ao Teatro Lírico. Antônia mostrou grande desejo de ir. Cantava então não sei que celebridade italiana.

Oliveira, por doente ou por enfado, não quis ir. As instâncias da família que os convidara foram inúteis; Oliveira teimou em ficar.

Oliveira insistia em ficar, Antônia em ir. Depois de muito tempo o mais que se conseguiu foi que Antônia fosse em companhia das amigas, que a trariam depois para casa.

Oliveira ficara em companhia de um amigo.

Mas, antes de saírem todos, Antônia insistiu de novo com o marido para que fosse.

- Mas se eu não quero ir? dizia ele. Vai tu, eu ficarei, conversando com ***.

- É que se tu não fores, disse Antônia, o espetáculo não vale nada para mim. Anda!

- Vai, querida, eu irei em outra ocasião.

- Pois não vou!

E sentou-se disposta a não ir ao teatro. As amigas exclamaram em coro:

- Como é isso: não ir? Que maçada! Era o que faltava! anda, anda!

- Vai, sim, disse Oliveira. Então porque eu não vou, não te queres divertir?

Antônia levantou-se:

- Está bem, disse ela, irei.

- De que número é o camarote? perguntou bruscamente Oliveira.

- Vinte, segunda ordem, disseram as amigas de Antônia.

Antônia empalideceu ligeiramente.

- Então, irás depois, não é? disse ela.

- Não, decididamente, não.

- Dize se vais.

- Não, fico, é decidido.

Saíram para o Teatro Lírico. Sob pretexto de que desejava ir ver a celebridade tomei o chapéu e fui ao Teatro Lírico.

Moura estava lá!
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continua... III - Carolina

Fonte:
Publicado originalmente em Jornal das Famílias, 1865.

Sebo Multimania (Livros Baratos em Maringá/PR)


Semana passada foi colocada uma banca com muitos livros de ponta de estoque, em ótimo estado, ao preço de R$ 4,00 cada, e se levar 4 livros, paga somente R$ 10,00. Nikos Katzankis, Sílvia Day, Persia Wooley, Maurice Druon, são alguns dos escritores que constam desta banca.

Livros novos bem abaixo do custo. 

Além de milhares de livros em estantes intermináveis separados por gênero. Também tem CDS e DVDs.

Vendedores profissionais que entendem do riscado, 100% em simpatia e atenção, e cá entre nós, sendo eu um cliente de carteirinha do sebo, só faltam carregar a gente no colo. 

Sebo Multimania

Rua Joubert de Carvalho, 63, no centro de Maringá/PR
Quase junto a av. São Paulo, próximo ao Shopping Avenida Center
Fone (44) 3227-9984
https://www.facebook.com/sebomultimania/

Para quem é de fora, e não pode vir a Maringá, existe a opção de comprar pela Estante Virtual.
https://www.estantevirtual.com.br/sebomultimania

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Trova 335 - Wanda de Paula Mourthé


Carolina Ramos (Bolha de Sabão)

  
Guilherme andava desconfiado. Pressentia algo de errado no ar. Uma vez mais, lhe haviam dito que Pai Noel chegaria na noite de Natal para comemorar o aniversário do Menino Jesus. Tudo bem. Mas... havia aquele toque de falsidade, que não afinava com a a harmonia do momento e, que não era capaz de explicar!

Por quê, aquele Pai Noel, querido em todo o bairro, desde que Guilherme se conhecera por gente, chegava sempre afobado à sua casa, lá pela hora da ceia, sem nunca, nunca mesmo, encontrar seu pai entre os familiares? Era muito estranho... Estranho mesmo!

Ao que tudo indicava, o pai de Guilherme não fazia a mínima questão de conhecer o Bom Velhinho. Um estava para chegar... e o outro sumia, sem que ninguém mais o visse até o final da festa!! Não era para estranhar?!

Naquela noite, Guilherme estava mais intrigado do que nunca. A barba branca do Papai Noel estava mais rala que nos anos anteriores e, os óculos, acima do nariz, tinham uma armação muito parecida, igual, mesmo, à dos óculos de seu pai! Coincidência, é claro! Mas... por quê aquela barba branca parecia agora tão rala?! Seria porque Papai Noel estava mais velho? Não poderia ser! Ora... se Papai Noel envelhecesse como qualquer mortal, àquela altura, já teria despencado de todo e estaria morto! Mortinho, como acontece com todo o mundo!

- Por que este peru não tem asas?!

- Seu boboca... isto não é um peru... é um "tender"! - Guilherme olhou o irmão, menor, do alto dos seus experientes nove anos de idade. Confundir um presunto saído do forno, com um peru sem asas, era demais! Pesou a ingenuidade do irmão pequenino e o seu senso de protecionismo aflorou: - cresceu mais um palmo, precisava defender o irmão da sua própria ignorância! Aquele Papai Noel, que a ambos queriam impingir e que já caíra no seu descrédito, era festejado com muito entusiasmo pela inocência do seu irmãozinho. Precisava desmascará-lo! Desconfiado, Guilherme ficou na tocaia, à espera do momento propício.

Com cuidado, aproximou-se do velho gorducho de botas negras e gorro vermelho, que animava a festa com sua alegria esfuziante. Chegou-se de manso, como gato malandro, pronto para dar o golpe. O alvo era aquela barba branca... rala, através da qual se insinuava um pescoço conhecido.

Assim que o velhinho, ruidosamente ergueu a taça para o brinde tradicional, Guilherme deu o bote, arrancando, num ímpeto, aquela barba branquinha que deixou a descoberto a cara risonha do próprio pai, que, logo não escondia o desapontamento causado pela audácia do filho!

- Ah!... Eu sabia! - o menino inflou o peito, vitorioso! Absoluto dono da verdade, ainda repetiu triunfante: - Eu sabia!... Papai Noel não existe!

Silêncio perturbador envolveu o ambiente. Era como se, de repente, aquela magia que enfeita o Natal e aquece a fantasia das crianças, houvesse explodido no ar, tala qual uma linda e irizada bolha de sabão, irremediavelmente furada pelo dedo atrevido de um garotinho precoce e contestador!...

Fonte:
Carolina Ramos. Feliz Natal: contos natalinos. 
2. ed. São Paulo: EditorAção, 2015.

Paulo Roberto Oliveira Caruso (Poemas Diversos)


A ETERNIDADE NAS FOTOS 

A foto “eterniza” as pessoas, 
por mais que mortas estejam. 
As filmagens outrossim. 
Os meios de gravação de som
igualmente o proporcionam. 
A pintura impressionista faz o mesmo,
embora não se trate de uma imagem sugada
instantaneamente, lepidamente, 
num feixe de luz... ou flash... 

Como pode um ser humano
envelhecer em sua vida real, 
adoecer, morrer de qualquer forma,
sem que a imagem capturada 
sofra quaisquer alterações?

O ser humano e a fotografia.
A pessoa e a filmagem.
A gente e a pintura impressionista, impressionante.
A voz e a gravação. 
São gêmeos bivitelinos perfeitos, 
conquanto a ideia em si pareça absurda.

Tais experimentos nos trazem saudade...
E ademais certa maldade...
Justamente porque a saudade nos mata...
Mas nos mata lentamente.

A SINFONIA NA LAGOA

Sob o fino pratear da lua, 
cujo cintilar reflete na lagoa, 
vitórias-régias pequenas e robustas
parecem bailar ao som da sinfonia
de sapos, rãs e pererecas.
Eles enchem o peito pra cantar
a melodia típica dos anfíbios, 
como se agradecessem a Deus
pelo alimento, pela existência e pelo lar. 
São os tenores da ária nascida rica. 

O verdor predomina vastamente, 
apenas tendo a luz divina e bela. 
Como sua companheira de jornada. 
Mais parece a lagoa um grande palco
para as vitórias-régias bailarinas
rodopiarem ao som do canto dos batráquios. 

O olhar brilhante da onça espreita 
de longe o concerto enriquecido
pelos grilos e cigarras – 
barítonos e sopranos – 
deste espetáculo da natureza. 

Macacos batem palmas em algazarra
e saltitam, gritando efusivamente, 
agradecendo por cada nota musical. 
Dão mesmo cambalhotas de alegria 
nos camarotes da copa das árvores. 

Acima disto tudo, no céu, 
corujas fazem seu coro de pios, 
enquanto rodopiam alegremente
como uma quadrilha de festa junina.

CADERNO IN ALBIS 

A passagem para o ano vindouro 
traz a cor branca do tecido como símbolo.
Atribui-se a ela normalmente a paz.
Mas podemos pensar em algo mais...

Trata-se da cor mais usada em páginas de um caderno.
E na cor branca das páginas sem escrita 
podemos ver todo um mar de oportunidades, 
tendo o céu como o limite. 
Podemos ver a liberdade de criar 
um ano que está por nascer. 
Cabe a nós mesmos escrever as linhas 
do que desejamos ter pela frente.

Logicamente outras linhas cruzarão 
as linhas por nós escritas,
como num choque de cadernos incompletos.
Mas aí haverá a chance de aprendermos 
uma cultura diferente da que temos
e ver se a consideramos auspiciosa ou não. 
Afinal, o homem é um ser social e político
por sua própria natureza! 

Que a saúde nos conduza a lindas ocasiões! 
E que saibamos fazer o bem a nós mesmos
e também aos demais seres vivos
com muito amor e muita paz! 

Talvez tenhamos que rasgar uma folha ou outra...
Mas que o façamos com sapiência
de reconstruir a nossa vida 
e de proporcionar uma vida melhor a outrem,
dando-lhe novas perspectivas!

CORDEL À BAILARINA

Bailarina rodopia, 
mais parecendo uma garça. 
Chega a não tocar o chão
sem qualquer truque e sem farsa!

Bailarina no teatro 
é como a garça a voar!
A leveza transparece 
a cada piruetar!

Faz um coque nos cabelos 
para cegar-se jamais 
com os mesmos no trajeto 
dos seus passos magistrais. 

Na ponta de cada pé, 
faz plateia suspirar;
sua fé jamais se perde
num melhor apresentar. 

Bailarina majestosa 
entra vestida de branco, 
conquista a todos à frente 
com seu movimento franco. 

Ela sabe ser austera 
e outrossim ser singela, 
mas é certo, meu leitor, 
se apresentar sempre bela!

É suave como pluma, 
faz cócegas pelo chão. 
Este fica agradecido 
pela artista em compaixão. 

Dança! Baila, bailarina!
Às damas faze sonhar!
Às meninas sê exemplo
dum bonito voejar!

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