quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Majela Colares (1964)


Majela Colares nasceu em Limoeiro do Norte/CE, em 1964. Graduado em Direito. Radicou-se no Recife/PE, em 1992, onde deu inicio a sua trajetória literária.  

Seu contato com a poesia ocorreu através dos romances de feira, hoje conhecidos por Cordéis, quando menino: Romance do Pavão Misterioso, Peleja do Cego Aderaldo e Zé Pretinho, A Batalha de Oliveiros com Ferrabraz, As Aventuras de João Grilo, A Morte dos Doze Pares de França, (uma versão da canção de Rolando em cordel). Leituras que fazia às vezes solitariamente e em outros momentos lia, com muita empolgação, em voz alta, para os amigos. Outra forma de poesia que teve contato cedo, talvez antes mesmo dos cordéis, foi a Cantoria. O verso improvisado. Mestres do improviso como Antônio Nunes de França, Dimas Batista, Otacílio Batista, Pedro Bandeira, Diniz Vitorino, dentre outros, foram os primeiros que ouvi improvisando um Galope à beira-mar, um Martelo Alagoano, um Mourão voltado, um Quadrão Mineiro, um Desafio. Esse contato inicial foi com a poesia popular nordestina. Com o tempo, misturou-se a essa experiência popular, as leituras dos clássicos. Primeiramente Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo, Castro Alves, Olavo Bilac, Augusto dos Anjos, Camões...

Segundo Majela, duas definições de poesia que acha maravilhosas. 
“a poesia é a arte de dizer apenas com palavras o que apenas palavras não podem dizer”. 

“poesia é tirar de onde não tem e colocar onde não cabe”. 

Baseado nestas, afirma: “poesia é algo que de forma alguma pode ser dito e, de repente, alguém diz”. embora poesia é muito mais do que isto. É algo indefinível.

Livros Publicados: 

POESIA: 
Confissão de Dívida, 1993; 
Outono de Pedra, 1994; 
O Soldador de Palavras, 1997; 
A Linha Extrema, 1999; 
Confissão de Dívida e Outros Poemas, 2001; 
O Silêncio no Aquário, (edição bilíngue português-alemão, tradução de Curt Meyer-Clason), 2004; 
Quadrante Lunar, 2005;
O Fantasma de Samoa (conto), 2005;
As Cores do Tempo, 2007. 

Tem participação em antologias publicadas no Brasil e no exterior. 

Fontes:
Entrevista para o blog Poesia Diversa 

Fernando Sabino (Cem Cruzeiros a Mais)


Ao receber certa quantia num guichê do Ministério, verificou que o funcionário lhe havia dado cem cruzeiros e mais. Quis voltar para devolver, mas outras pessoas protestaram: entrasse na fila.

Esperou pacientemente a vez, para que o funcionário lhe fechasse na cara a janelinha de vidro:

- Tenham paciência, mas está na hora do meu café.

Agora era uma questão de teimosia. Voltou à tarde, para encontrar fila maior – não conseguiu sequer aproximar-se do guichê antes de encerrar-se o expediente.

No dia seguinte era o primeiro da fila: 

- Olha aqui: o senhor ontem me deu cem cruzeiros a mais.

- Eu?

Só então reparou que o funcionário era outro. 

- Seu colega, então. Um de bigodinho.

- O Mafra.

- Se o nome dele é Mafra, não sei dizer. 

- Só pode ter sido o Mafra. Aqui só trabalhamos eu e o Mafra. Não fui eu. Logo...

Ele coçou a cabeça, aborrecido:

- Está bem, foi o Mafra. E daí?

O funcionário lhe explicou com toda urbanidade que não podia responder pela distração do Mafra:

- Isto aqui é uma pagadoria, meu chapa. Não posso receber, só posso pagar. Receber, só na recebedoria. O próximo!

O próximo da fila, já impaciente, empurrou-o com o cotovelo. Amar o próximo como a ti mesmo! Procurou conter-se e se afastou, indeciso. Num súbito impulso de indignação - agora iria até o fim - dirigiu-se à recebedoria.

- O Mafra? Não trabalha aqui, meu amigo, nem nunca trabalhou.

- Eu sei. Ele é da pagadoria. Mas foi quem me deu os cem cruzeiros a mais.

Informaram-lhe que não podiam receber: tratava-se de uma devolução, não era isso mesmo? E não de pagamento. Tinha trazido a guia? Pois então? Onde já se viu pagamento sem guia? Receber mil cruzeiros a troco de quê?

- Mil não: cem. A troco de devolução. 

- Troco de devolução. Entenda-se. 

- Pois devolvo e acabou-se. 

- Só com o chefe. O próximo!

O chefe da seção já tinha saído: só no dia seguinte. No dia seguinte, depois de fazê-lo esperar mais de meia hora, o chefe informou-se que deveria redigir um ofício historiando o fato e devolvendo o dinheiro.

- Já que o senhor faz tanta questão de devolver. 

- Questão absoluta. 

- Louvo o seu escrúpulo.

- Mas o nosso amigo ali do guichê disse que era só entregar ao senhor – suspirou ele.

- Quem disse isso?

- Um homem de óculos naquela seção do lado de lá. Recebedoria, parece.

- O Araújo. Ele disse isso, é? Pois olhe: volte lá e diga-lhe para deixar de ser besta. Pode dizer que fui eu que falei. O Araújo sempre se metendo a entendido!

- Mas e o ofício? Não tenho nada com essa briga, vamos fazer logo o ofício.

- Impossível: tem de dar entrada no protocolo.

Saindo dali, em vez de ir ao protocolo, ou ao Araújo para dizer-lhe que deixasse de ser besta, o honesto cidadão dirigiu-se ao guichê onde recebera o dinheiro, fez da nota de cem cruzeiros uma bolinha, atirou-a lá dentro por cima do vidro e foi-se embora.

Fonte:
Fernando Sabino. A Companheira de Viagem. 
Ed. Sabiá, 1972.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Amilton Maciel Monteiro (Poemas Recolhidos) VI


AREIAS

Areias do meu tempo de criança
é mais do que saudade.., é só doçura...,
é algo que me alegra com lembrança
que não se apaga mais, nem desfigura!

Os casarões por toda a vizinhança,
recordavam os tempos de fartura...
Seu povo, apesar da vida mansa,
sonhava com evolução futura...

E foi assim, que após setenta anos
de a ter deixado, com meus desenganos,
fui revê-la e... qual minha  surpresa!

Enquanto fiquei velho e já alquebrado...
Areias remoçou por todo lado
e está quase vibrante. E uma beleza!

ARTESÃO

Quisera ser poeta... Sou apenas
um humilde artesão da poesia,
que lida com palavra, a duras penas,
para louvar o amor com alegria.

Trabalho quando as noites são amenas
e tenho a alma cheia de estesia;
tal qual oleiro que produz dezenas
de vasos até ver o que queria...

O artífice de si só dá o melhor,
na busca de alegrar seu bem maior,
que é uma das razões de seu viver.

Se não tem perfeição de um bom poeta,
coloca o coração no que  arquiteta...
Por seu amor..., não importa se morrer!

AVÓS

Dizem que avós são pais açucarados...
E deve ser verdade, com certeza!
Quantos netinhos são apaixonados
pelo doce dos velhos. Que beleza!

Isso não só em parentes mais chegados
eu vejo, em geral, e com clareza, 
netos beijando avós, muito abraçados,
com amor, tal qual manda a natureza!

Infelizmente eu não senti de perto
o gosto de viver com avós. E é certo
que, isso, me marcou a vida inteira...

Meus quatro avós morreram antes mesmo
de eu ter nascido!  E não por morte a esmo;
mas na “febre amarela”  brasileira!

FILHO

Que maravilha ter um filho, ou filhos!
Só quem os teve pode asseverar;
se for um bardo, faz-lhes sonetilhos,
para poder, enfim, os exaltar!

Filhos já nascem bons e com seus brilhos
próprios, tal qual do sol, ou do luar,
que, mesmo refletido, tem vidrilhos,
que Deus nos dá, pois quer nos ver sonhar...

Sonhar com eles fortes, educados,
crescidos, generosos e gentis,
amantes da família e do País.

Sonhar também com eles muito honrados,
seguindo com amor os Evangelhos,
e não largando os pais depois de velhos!

MÃE 

Além de “desdobrar fibra por fibra
o coração”, conforme Coelho Neto
já imortalizou com tanto afeto;
ser mãe é quem seu filho mais desfribra.

E nele, ao ver valores, como vibra
o seu peito de mãe, que no dileto
fruto prevê um cidadão correto,
que ao crescer não se desiquilibra!

Sonha mantê-lo sempre protegido
com as bênção de Deus, agradecido!
Amparo de seus pais e da Nação!

Por sua vez o filho, mesmo adulto,
depõe à sua mãe todo o seu culto
e nela vê seu norte, de antemão!

MARISA
À saudosa e querida sobrinha, Marisa (16.02.36 - 24.02.1977)

A sua morte foi uma surpresa,
que deixou a família desolada;
e  embora prematura, é certeza 
de que a encontrou há muito preparada!

Seu rosto já sem vida nessa mesa,
com tanta rosa mal desabrochada,
tem a boa feição que a natureza
dá aos que já têm a alma bem formada.

Você se vai, mas deixa aqui na terra
um bom lastro de amor e de perdão,
que se multiplicou nos filhos seus!

 Se nesta vida o seu dever se encerra,
outro melhor, Jesus,  já de antemão
lhe reservou  -  viver bem junto a Deus!

Fonte:
O Poeta

Concurso de Trovas da Espanha 2018 (Resultado Final)



Tema: Poeta

VENCEDORES

1° Lugar
O poeta é trovador
quando prova ser capaz
de eternizar paz e amor
nos quatro versos que faz.
Edweine Loureiro da Silva

2° lugar
Garimpeiro da palavra,
com a caneta na mão,
o poeta em versos lavra
as falas do coração.
Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho

3° lugar
Rico tesouro?:- Eis o meu:
- “uma gaveta repleta
de Versos :” – Pois Deus me deu
a Graça de eu ser...POETA!!!
Elias Pescador

4° lugar
O poeta é um garimpeiro
no suor de suas lavras...
"Sua" e sonha..., prisioneiro,
no garimpo das palavras...
José Manuel Veloso Galvão

5° lugar
Quando o poeta te escreve,
o idioma não importa,
tua alma fica mais leve,
e o coração abre a porta.
Romilton Faria

MENÇÃO HONROSA

Tenho um desejo sutil
com ambição indiscreta:
colocar no meu perfil,
o codinome “poeta”!
Lóla Prata

Esplendor o céu encerra...
Sou poeta e, por magia,
troco o mundo terra a terra
pelo mundo da poesia.
Wanda de Paula Mourthé

A roda do mundo gira
e o poeta é o seu motor
entre a verdade e a mentira
na longa estrada do amor!
Eduardo A. O. Toledo

O poeta é um sensitivo,
sonhador, de fino acuro,
que tem o dom exclusivo
de enxergar cores no escuro...
Elbea Priscila de Souza e Silva

Neste ofício de poeta,
inda luto com moinhos;
Dom Quixote, minha meta
é florir entre os espinhos...
Olivaldo Gomes da Silva Junior

MENÇÃO ESPECIAL

O coração, triste poeta,
compõe quimeras sutis,
deixando-me a vida inquieta
com sonhos que eu não refiz.
Márcia Jaber

Poeta sou, e declamo
os versos que sei de cor,
mas é quando digo “eu te amo”
que a poesia é melhor.
Gilvan Carneiro da Silva

Ser poeta é ser amante
da beleza e da poesia,
com amor edificante
e que aumente dia a dia!
Amilton Maciel Monteiro

Herda, dos anjos, o poeta
a linguagem celestial.
Com inspiração de esteta,
seu legado é atemporal.
Relva do Egypto Rezende Silveira

O poeta é um sonhador...
que um mundo melhor, almeja;
com versos, enche-o de amor...
e o vê como quer que seja.
Mário Moura Marinho

Fonte:
Cristina Oliveira

Leon Eliachar (Dicionário de Bolso) Letras A até D



A

Adiar — é essa atitude que estamos sempre tomando daqui a pouco.

Adultério — é isso que liga três pessoas sem uma saber.

Agiota — é esse sujeito que ganha a vida alugando dinheiro.

Aliança — é isso que sai de uma mão para outra e consegue arrastar um homem.

Ama-seca — quem ama o molhado, seco lhe parece.

Aniversário — comemoração que sempre fazemos com menos um ano de entusiasmo.

Armário embutido — é um pedaço da nossa casa que entra pelas paredes.

B

Baliza — uma rede com goleiro e um fotógrafo atrás. O goleiro perde as melhores bolas e o fotógrafo as melhores chapas.

Biombo — é isso que separa uma curiosidade de um lado e um assustado de outro.

Biquíni — é um pedaço de pano cercado de mulher por todos os lados.

Boxe — é esse esporte em que um milhão de indivíduos brigam de graça por causa de dois sujeitos que brigam por dinheiro.

Boxeador — sujeito que se prepara durante oito horas por dia para se deitar na lona durante dez segundos.

Buzina — é esse ruído que irrita o motorista da frente quando o de trás já está irritado.

C

Cabeleireiro — é esse sujeito que primeiro muda a fisionomia da mulher e depois a do marido.

Cabotino — é esse sujeito que consegue transformar qualquer assunto numa autobiografia ou seja, sujeito que não encontra assunto para colocar entre dois eu.

Cadeira de balanço — é essa cadeira que a gente tem que ficar empurrando pra frente e pra trás para ter a sensação que está descansando. 

Camelô — um susto cercado de curiosidade por todos os lados. É esse sujeito que passa a metade do dia explicando aos curiosos como funciona o seu balangandã e a outra metade à polícia como funciona o seu negócio.

Canhoto — sujeito que só escreve direito com a mão esquerda.

Cartão de visita — pequeno mostruário de nossas vaidades.

Cartório — lugar onde se reconhecem firmas completamente irreconhecíveis.

Certidão de nascimento — documento que a gente é obrigada a mostrar para provar que nasceu.

Cigarro — é a única coisa que não acaba no fim.

Clips — é esse grampinho que ajuda a gente a perder mais de um documento.

Cobrador — é esse sujeito que nunca tem a sorte de encontrar alguém em casa.

Confidência — é isso que a gente diz a todo mundo pra não dizer a ninguém.

Confissão — limpeza que fazemos na nossa consciência tendo o cuidado de deixar sempre um pequeno saldo.

Convenção social — é o fato de um indivíduo segurar uma pequena todinha e depois ir ao pai dela pedir a sua mão.

Coquetel — grupo de pessoas dividido em vários grupinhos.

Corista — o mínimo de cabeça no máximo de pernas.

Crédito — é esse lucro que o comerciante divide em parcelas.

Cruzamento — sinal luminoso cercado de palavrões por todos os lados.

D

Datilografa — funcionária que tem agilidade nos dedos mas impressiona mais com os joelhos.

Delicadeza — quatro sujeitos cansadíssimos diante de uma cadeira vazia.

Democracia — é esse sistema de governo em que todos concordam em discordar um do outro.

Dentista — sujeito que ganha a vida com o suor do rosto alheio.

Desastre — encontro pontual de dois veículos.

Devedor — sujeito que tem a habilidade de nunca estar em lugar nenhum.

Discussão — é isso que começa quando duas mulheres chegam a um acordo e uma terceira está ouvindo.

Displicente — sujeito que passa o dia inteiro preocupado em aparentar displicência.

Dívida — é uma desculpa a longo prazo.

Fonte:
Leon Eliachar. O homem ao quadrado.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Monteiro Lobato (Burrice)


Caminhavam dois burros, um com carga de açúcar, outro com carga de esponjas.

Dizia o primeiro:

— Caminhemos com cuidado, porque a estrada é perigosa.

O outro redarguiu:

— Onde está o perigo? Basta andarmos pelo rastro dos que hoje passaram por aqui.

— Nem sempre é assim. Onde passa um, pode não passar outro.

— Que burrice! Eu sei viver, gabo-me disso, e minha ciência toda se resume em só imitar o que os outros fazem.

— Nem sempre é assim, nem sempre é assim… continuou a filosofar o primeiro.

Nisto alcançaram o rio, cuja ponte caíra na véspera.

— E agora?

— Agora é passar a vau.

O burro do açúcar meteu-se na correnteza e, como a carga se ia dissolvendo ao contato da água, conseguiu sem dificuldade pôr pé na margem oposta.

O burro da esponja, fiel às suas ideias, pensou consigo:

— Se ele passou, passarei também — e lançou-se ao rio.

Mas sua carga, em vez de esvair-se como a do primeiro, cresceu de peso a tal ponto que o pobre tolo foi ao fundo.

— Bem dizia eu! Não basta querer imitar, é preciso poder imitar — comentou o outro.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Oceano de Letras (Solidão) n. 2



Jessé Nascimento
Angra dos Reis/RJ

No silêncio dos meus dias,
alheio a tudo e à razão,
eu vivo as noites vazias
abraçado à solidão...
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Elizabeth Misciasci
São Paulo/SP

Não Me Atrevo

Partir daqui sem olhar pra trás…
pura ilusão
levou na bagagem um passado
já bem distante.
O que restou de um futuro
incessante a questionar
é presente apenas nos teus dias
Não me atrevo a falar de dor
nem tão pouco de solidão,
as marcas se somam as mágoas e estas não
merecem reflexão.
Hospedeira de alegrias me transformo
Em repudio aos teus recalques me esquivo
Tudo posso dizer…
Respiro com a vontade de viver
Desfaço laços que um dia fora usado para unir
desamarro as cordas que em outrora,
me prenderam a ti
Nada quero das quirelas
que sem pudor me oferecestes
Estas a ti pertencem
O tempo se fez meu amigo e com este
compartilho meus momentos
Quero sorrir com a certeza da sorte
a me acompanhar
Das tuas convicções errôneas,
dos teus fracassos e insanidades
me evadi
Sou outra Mulher
Plena e audaz
Satisfeita por ver
esta porta se abrir pra você sair
e agradeço… por
Partir daqui sem olhar pra trás
____________________

Mifori 
São José dos Campos/SP

Perdi meu sonhos e anseios...
Com a tristeza convivi
entre estranhos de entre - meios
 - solidão que não pedi.
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Todo o inferno está contido nesta única palavra: solidão.
Victor Hugo 
Besançon/França, 1802 - 1885, Paris/França
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Francisca Júlia
Xiririca (atual Eldorado Paulista)/SP, 1871 - 1920, São Paulo/SP

Outra Vida

Se o dia de hoje é igual ao dia que me espera
Depois, resta-me, entanto, o consolo incessante
De sentir, sob os pés, a cada passo adiante,
Que se muda o meu chão para o chão de outra esfera.

Eu não me esquivo à dor nem maldigo a severa
Lei que me condenou à tortura constante;
Porque em tudo adivinho a morte a todo instante,
Abro o seio, risonha, à mão que o dilacera.

No ambiente que me envolve há trevas do seu luto;
Na minha solidão a sua voz escuto,
E sinto, contra o meu, o seu hálito frio.

Morte, curta é a jornada e o meu fim está perto!
Feliz, contigo irei, sem olhar o deserto
Que deixo atrás de mim, vago, imenso, vazio…
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Aurora Pierre Artese
São Paulo/SP

Solidão... pautas vazias,
cantigas lentas, remotas...
solfejo marcando os dias
no descompasso das notas!
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Hernando Feitosa Herrera Chagall
São Paulo/SP

Liberdade Cativa

Voei alto nas asas da imaginação
Procurando pela liberdade
A passos lentos me alcançou a solidão
Jogando-me nos braços da saudade.
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Antonio Carlos Teixeira Pinto
Brasília/DF

O abandono era patente,
no abraço da solidão:
- duas voltas de corrente
num velho e tosco portão...
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J.G. de Araújo Jorge
Tarauacá/AC, 1914 – 1987, Rio de Janeiro/RJ

Desarvorado Navio 

 A verdade é que depois que tu partiste
vou ficando cada vez mais triste,
cada vez mais morto,
de amor em amor, como um navio
de porto em porto…

Nesta angústia em que morro,
a olhar o céu vazio,
sem uma estrela para me guiar,
tenho a impressão de que vou acabar, como esse navio,
soçobrando, sem socorro,
na solidão do mar…
____________________

O Que é Solidão
Solidão não é a falta de gente para, conversar, passear, namorar ou fazer sexo… isto é carência. 
Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar… isto é saudades. 
Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe às vezes para realinhar os pensamentos…isto é equilíbrio. 
Tampouco é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente, para que revejamos a nossa vida… isto é um princípio da natureza. 
Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado… isto é circunstância. 
Solidão é muito mais que isto… Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma.
Francisco Cândido Xavier
Pedro Leopoldo/MG, 1910 - 2002, Uberaba/MG
____________________

Marcos Assumpção
Niterói/RJ

A Porta

é sempre assim
todo dia você se prepara e sai
não esquece a bolsa as chaves os jornais
mas nunca me pergunta como vai o amor

pode ser que no momento de atravessar a porta
você pressinta o quanto nos tornamos sós
a luz do sentimento quase se apagou

ai então, vera que o amor não e´ um filme
e como as rosas de um jardim que você deve regar
solidão a dois agora mais do que parece
precisamos enxergar antes da porta fechar
____________________

Jessé Nascimento
Angra dos Reis/RJ

Nos momentos de perigo,
de amargura e solidão,
que conforto o ombro amigo
e o abraço de um irmão!
____________________

Hernando Feitora Herrera Chagall
São Paulo/SP

Albatroz

Tenho as asas abertas
Tamanhas abrangem tudo
Voo por áreas desertas
Onde as cores falam
E o som fica mudo
Não participo de nada
Tudo fico a observar
Tenho a boca selada
E um discurso no olhar
Sou um pássaro grande
Desajeitado e louco
Louco para pousar
Fazer morada num ninho
Descansar um pouco
Ser um albatroz
Livre da solidão
Continuar meu caminho
Dentro de um coração.
____________________

Aurolina Araújo de Castro 
Manaus/AM, 1933 - 2004, Rio de Janeiro/RJ

Além de dar alegria,
a música é solução,
quando se quer companhia
nas horas de solidão.
____________________

Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980

Como Dizia O Poeta

Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão
Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não
____________________

Alcy Ribeiro Souto Maior 
Rio de Janeiro/RJ, 1920 - 2006

A casa ainda é aquela...
ainda é o mesmo portão... 
na sala, a mesma aquarela
junto à mesma solidão!
____________________

Debora Martins Fontes
São Paulo/SP

Desabafo

 Aqui estou eu, em plena madrugada,
 tentando escrever uma poesia,
 me sinto só e abandonada, 
 repleta de enorme melancolia.

 Penso em você e começo a chorar, 
 tento esquecer para me livrar do sofrimento, 
 quando penso que tudo vai passar, 
 lá está você novamente em meu pensamento.

 Me deito e procuro dormir, 
 depois de horas venho conseguir,
 mas acordo antes de amanhecer,

 e recomeça todo o meu sofrer.
 Volta toda a solidão e melancolia.
 Percebo que te amo até mesmo em poesia.
____________________
Quando somos abandonados pelo mundo, a solidão é superável; 
quando somos abandonados por nós mesmos, a solidão é quase incurável.
Augusto Cury
São Paulo/SP
____________________

Aparício Fernandes  
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ

Posso entender o martírio
da pureza junto ao mal,
vendo a solidão de um lírio
no lodo de um pantanal.
____________________

Lilian Maial
Rio de Janeiro/RJ

Sedimento

    Recolho os seixos lisos desse rio,
    Qual lágrimas, são contas de um rosário.
    Margeio a lua, refletindo o estio,
    Conduzo estrelas frias p’ro estuário.

    Rabiscos, risco ao léu! Meu desafio
    Consiste em dar teu nome a esse cenário.
    A noite enfeita, em mim, o olhar sombrio,
    Revela a dor exposta em antiquário.

    Saudade é conterrânea do meu peito,
    Traduz em pedra a falta do teu toque,
    E deixa esse vazio a soçobrar.

Afundo nessas águas como um leito,
    Arrasto essas lembranças a reboque,
    Permito à solidão sedimentar.
____________________

Angélica Villela Santos  
Guaratinguetá/SP, 1935 – 2017, Taubaté/SP

Tornam-se mais encurvados
os ombros de um ancião,
quando suportam, cansados,
o peso da solidão!
____________________

Mário Quintana
Alegrete/RS, 1906 – 1994, Porto Alegre/RS

De Repente

Olho-te espantado:
Tu és uma Estrela do mar.
Um mistério estranho.
Não sei…

No entanto,
O livro que eu lesse,
O livro na mão.
Era sempre o teu seio!

Tu estavas no morno da grama,
Na polpa saborosa do pão…

Mas agora enchem-se de sombra os cântaros.

E só o meu cavalo pasta na solidão.
____________________

Antonio Juraci Siqueira
Belém/PA

Num cantinho iluminado
pela luz da solidão,
um coração desprezado
espera outro coração.
____________________

Gislaine Canales
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

E É Quase Dia…

MOTE:
No talvez da quase noite,
quando a espera me angustia,
horas batem feito açoite…
Tu não vens…e é quase dia…
Wanda De Paula Mourthé
(Belo Horizonte/MG)

GLOSA:
NO TALVEZ DA QUASE NOITE,
eu me perco em devaneios
e temo que a dor se amoite
e se instale nos meus seios!

O pranto cai devagar
QUANDO A ESPERA ME ANGUSTIA,
sentindo – não vais chegar,
morre em mim toda a alegria!

A tristeza faz pernoite
no meu pobre coração…
HORAS BATEM FEITO AÇOITE…
sem nenhuma compaixão!

Quando a solidão aumenta,
a noite perde a magia
e minha alma não aguenta,
TU NÃO VENS…E É QUASE DIA…

Fonte:
Folhetim Desiderata - n. 5 - jan. 2019 - Solidão