quarta-feira, 27 de março de 2024

Irmãos Grimm (Os três irmãos)

Era uma vez um homem que tinha três filhos, e não possuía nada mais no mundo além da casa onde viviam. E aconteceu que cada um dos filhos queria ficar com a casa depois que o pai deles morresse; mas o pai amava a todos eles igualmente, e não sabia o que fazer; ele não desejava vender a casa, porque ela havia pertencido a seus antepassados, caso pudesse ele venderia e teria dividido o dinheiro entre eles. Até que finalmente ele teve uma ideia, e disse aos seus filhos: 

"Cada um de vocês deve sair pelo mundo, e tentar uma profissão, e quando todos vocês voltarem, aquele que fizer o melhor trabalho ficará com a casa."

Os filhos ficaram todos satisfeitos com isto, e o mais velho decidiu que seria ferreiro, o segundo barbeiro, e o terceiro professor de esgrima. Eles fixaram uma data quando todos deveriam voltar para casa, e assim cada um seguiu seu caminho.

E aconteceu que todos eles encontraram mestres bastante habilidosos, que ensinaram muito bem a eles todas as profissões. 

O ferreiro tinha de cuidar das patas dos cavalos do rei, e ele pensava consigo mesmo, "A casa será minha sem dúvida." 

O barbeiro fazia a barba somente de pessoas importantes, e ele também acreditava que a casa seria dele. 

O professor de esgrima também era muito habilidoso com seus golpes, mas ele mordia os lábios, e não deixava que nada o aborrecesse; pois, dizia para si mesmo, "se você tiver medo de enfrentar, você jamais ficará com a casa."

Quando chegou a data que haviam marcado, os três irmãos voltaram para casa do pai deles, mas eles não sabiam qual era o melhor momento para fazerem a demonstração do que haviam aprendido, então, eles se sentaram e conversaram. 

Durante a conversa, de repente, uma lebre veio correndo e atravessou o campo. "Ah, rá, agora é a hora!" disse o barbeiro. Então, ele pegou a bacia e o sabão, e começou a fazer espuma até que a lebre apareceu; então, ele ensaboou e aparou o bigode da lebre enquanto esta estava correndo no máximo da sua velocidade, sem nem sequer ferir a pele da lebre nem tocar em nenhum pelo do seu corpo. 

"Muito bem!" disse seu pai, "teus irmãos terão que se esforçar bastante, ou a casa será tua."

Pouco depois, um nobre chegou em sua carruagem, correndo a toda velocidade. 

"Agora o senhor vai ver o que posso fazer, meu pai," disse o ferreiro; então, ele correu atrás da carruagem, tirou todas as quatro ferraduras dos pés de um dos cavalos, com a carruagem em movimento, e colocou quatro novas ferraduras sem precisar parar o veículo. 

"Você é um profissional muito habilidoso, e tão esperto quanto teu irmão," disse o pai; "Já estou ficando em dúvida a qual dos dois eu deixaria a casa."

Então, o terceiro filho disse: 

"Pai, deixa que eu faça a minha demonstração, por favor;" e, como estava começando a chover, ele tirou a espada, e a brandiu para frente e para trás acima da altura da cabeça de modo tão rápido que nem uma gota de chuva caiu sobre ele. A chuva ficava cada vez mais forte, até que começou a chover torrencialmente; mas ele apenas fazia movimentos giratórios com a espada cada vez mais rápidos, e ficou tão seco como se ele não tivesse saído de casa. 

Ao ver tudo isso seu pai ficou assombrado, e disse: 

"Esta foi a melhor demonstração de habilidade, a casa fica para você!"

Como haviam concordado anteriormente, seus irmãos ficaram satisfeitos com a decisão, e, porque tinham muito amor uns pelos outros, todos eles ficaram juntos na casa, exerceram suas profissões, e, como eram exímios no que haviam aprendido e eram muito inteligentes, eles ganharam muito dinheiro. E assim viveram juntos e felizes até que a velhice chegou. 

Finalmente, quando um deles ficou doente e morreu, os outros dois lamentaram tão dolorosamente que eles também adoeceram, e morreram pouco depois. E por terem sido muito amigos uns dos outros, e terem se amado como irmãos durante toda a vida, todos foram colocados na mesma sepultura.

Fonte: Contos de Grimm. Publicados de 1812 a 1819. Disponível em Domínio Público.

segunda-feira, 25 de março de 2024

IV Concurso Internacional de Cartrovas (1º de abril a 31 de agosto de 2024.)


REGULAMENTO

MODALIDADE: 
Cartrova

ÂMBITOS: 
Estadual ; Nacional ; Internacional

CATEGORIAS: 
Veteranos ; Novos Trovadores

TEMA: 
Mário Quintana (para todas as categorias e âmbitos).

DESENVOLVIMENTO: 
A Cartrova é uma carta escrita em 4 trovas, com sentido único e relacionadas a um assunto, ou tema específico. Nesse caso, o poeta gaúcho Mário Quintana.

DESAFIO:
O concurso de Cartrovas realizado desde 2021 visa homenagear personagens reais ou fictícias, através de cartas escritas em quatro trovas literárias. Este ano homenageamos o ilustre poeta, Mário Quintana, pela passagem do trigésimo ano do seu falecimento.

Mário Quintana foi poeta, tradutor e jornalista. Nasceu em Alegrete, RS, em 30/06/1906 e faleceu em Porto Alegre, RS, em 05/05/1994. Talvez, seu poema mais famoso foi: “todos esses que aí estão atravancando meu caminho. Eles passarão... Eu passarinho”!

O objetivo é dirigir, em forma de trovas, uma mensagem de reconhecimento ao nobre poeta pelo vasto legado literário deixado. 

Envie suas cartrovas por e-mail ou via correio, conforme abaixo. 

Lembre-se, Mário Quintana, aqui, é o centro predominante da cartrova. 

Não esqueça de mencionar seu nome e endereço completos, e-mail e telefone. 

Na parte superior da cartrova coloque, como exemplificado abaixo. 

A separação das sílabas poéticas será em conformidade ao que está registrado no Dicionário Português (do Brasil).

EXEMPLO: 

DE: 
Xxxx Yyyy (nome do participante)

PARA: Mário Quintana

MÁXIMO: 
até 2 cartrovas por participante.

ENVIO: 

via e-mail: 

lucibarbijan@gmail.com

CLASSIFICAÇÃO: 
Serão classificadas 5 (cinco) cartrovas em cada âmbito e categoria.

PREMIAÇÃO: 
Cada classificado (a) receberá um diploma, via e-mail.

DATA e LOCAL: 
As cartrovas classificadas serão apresentadas ao público durante a Feira do Livro de Caxias do Sul/2024, em horário a data a ser determinada.

OBSERVAÇÃO:
Será vedada a participação neste concurso, dos membros da diretoria da Seção promotora do evento, e as decisões tomadas pela comissão julgadora serão irrecorríveis.

Fonte: Enviado por Luiz Damo, presidente da seção

domingo, 24 de março de 2024

José Feldman (Versejando) 134

 

A. A. de Assis (Palavra bonita)

Manuel Bandeira costumava falar de um velho hotel carioca chamado "Península Fernandes". Dizia que certa vez, passando em frente em companhia de um primo, não resistiu à curiosidade. Entrou e perguntou qual o motivo da denominação. O dono explicou simplinho: "Ora, Fernandes porque é o meu nome, e Península porque acho bonito".

Pronto. Bandeira, consagrado poeta, imortal da Academia, respeitável professor de literatura no Colégio Pedro II, acabara de finalmente aprender o que de fato é poesia.

Na minha cartilha do grupo escolar havia um textinho de leitura cujo titulo era "Plenilúnio". De primeira fiquei encantado com essa palavra, e até hoje ela me alvoroça os instintos líricos. Chego mesmo a pensar que uma lua cheia, para ter de fato jus a ser chamada de plenilúnio, tem que nascer moldada no máximo capricho. Daquelas que só Catulo e Sílvio Caldas sabiam descrever com a devida lindura em verso e música.

Claro: todo idioma tem palavras especialmente bonitas: O francês tem "papillon", o italiano tem "giardino", o espanhol tem "naturaleza", o latim tem "pluvia", o japonês tem "saionara", o inglês tem "forever"... Mas o português é demais - é uma língua riquíssima em palavras fortes, belas, marcantes.

Bom exemplo é a letra do Hino Nacional, com aquela vigorosa sucessão de proparoxítonas: margens plácidas, raios fulgidos, gigante impávido, risonho e límpido, berço esplêndido, florão da América, e de acréscimo um estrelado lábaro.

Aliás, qualquer discurso ganha impulso heroico se é recheado com uma boa dose de proparoxítonas: alvíssaras, efêmero, fantástico, implícito, intrépido, patético, píncaro, ríspido, unânime, uníssono. Até xingamento parece chique se tem tônica esdrúxula; energúmeno.

Olhos e ouvidos, por dom natural, gostam de palavra bonita. Se você perguntar a um grupo de pessoas quais são as mais belas da língua portuguesa, aposto que, entre muitas outras, entrarão estas na lista: alvorada, aquarela, assobio, aurora, borboleta, elegia, epifania, espuma, horizonte, jasmim, lagoa, liberdade, lírio, macio, murmúrio, penumbra, pirilampo, planície, primavera, saudade, sereno, silêncio, ternura, tiquinho, vereda, violeta.

Sem dúvida, entrarão também muitas daquelas doces palavras que aprendemos com os irmãos africanos: acarajé, berimbau, cafuné, dendê, maxixe, quitanda, quitute, e com os irmãos tupis-guaranis: araçá, arara, canoa, juriti, jururu, sabiá, siri.

Só não vale confundir falar bonito com falar difícil.

Isso me faz lembrar um episódio ocorrido no Início dos anos 1960. Um então famoso poeta estava em andanças pelo interior fluminense como candidato a deputado. Num dos comícios, um orador que curtia esmerar no vernáculo saudou-o com estabanada saraivada de adjetivos: "Ilustre, insigne, ínclito, preclaro e mentecapto poeta das multidões!..."

O candidato sorriu meio sem jeito, respirou, respondeu: "Chamaste-me 'mentecapto', / mas tudo bem, caro irmão... / A mim me importa de facto / é a tua santa intenção...". Tenho dito.
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A Gralha Azul, na imagem, é a ave símbolo do Paraná

Fonte> A. A. de Assis. Histórias da história de Maringá. Maringá/PR: Zuli, 2024. 
Livro entregue pelo autor.

Daniel Maurício (Devaneios Poéticos) = 10 =


Abraço
é abrir o peito
Para agasalhar com jeito
O coração de alguém.
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A minha esperança
É tão teimosa
Que me agarra
Feito cheiro de mimosa
E não dá ouvidos
Para os muitos nãos.
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Às vezes
A vida nos coloca pontos
Só para testar
Nossas habilidades.
Reescreva-se.
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Beijo
É o tipo de fruto,
Que com carinho,
Se colhe 
Nas quatro estações.
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Buscas...
Entre beijos e abraços
Um entrava no outro
Procurando amores,
Acordando sabores
Que nem sabiam adormecidos.
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Chovia...
Olhos dos deuses
Lacrimejando.
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Com olhar de partida,
Você me ganha.
E com promessas de eternidade
Sempre leva um pouquinho de mim.
Ah, mas o seu cheiro,
Esse me amanhece 
Fazendo-me mesmo só,
Sorrir.
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Cubra
O meu corpo
Com teus beijos
Que despudorosamente,
A minha alma 
Ficará nua.
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Da alma quebrada
Escapa uma essência
Que chega até Deus.
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Desculpe
Se eu cheguei
Bem depois 
Que a minha poesia.
É
Que o coração demorou
Pra descobrir o que queria.
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Embarquei no teu sorriso
E dos amores idos
Finalmente desembarquei.
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Era pra ser
Só um beijo
Mas ela gulosa,
Num passar de língua 
Abocanhou
A minha alma inteira.
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Hoje
Amanheci tipo "passarin"
Que cantou, cantou
E depois voou
Deixando um cheiro
De saudades.
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Imprudente,
Peguei carona
No teu sorriso.
Pena,
Que o sorriso
Era só teu.
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No varal do tempo
Há uma roupa
Para cada ocasião.
Mas hoje,
A minh'alma ficou nua,
Fiquei sem chão.
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O sorriso dela
Tinha nome.
Segredos guardados
No espelho.
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Poesia
É palavra 
Que criou raiz.
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Quando Deus se cansa
O homem
Em vão balança
A suposta 
Bandeira da paz.
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Quando ela escrevia
Até as palavras
Batiam palmas...
Era um revoar de pássaros
Um namoro de borboletas.
Quando ela escrevia 
Era cócegas na alma
A cada letra
A cada letra.
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Somos poeira
Só seguimos na esteira
Pelo sopro divino.
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Teu sorriso
Me pegou desprevenido,
Por um momento,
Esqueci da minha dor.
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Você veio,
Mesmo que por caminhos
Enviesados.
E foi já no abraço
Que minh' alma
Se encaixou 
Desfazendo-se do cansaço
E eu pude perceber
Que o meu vazio
Era
Do seu tamanho.
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A Gralha Azul, na imagem, é a ave símbolo do Paraná

Abbie Phillips Walker (Como As Fadas Pegaram A Lua Emprestada)

Não creio que todos saibam por que, às vezes, quando você olha para o céu à noite, vê apenas uma parte da lua. Talvez ninguém jamais soubesse se os Goblins não tivessem espionado o festival das Fadas uma noite e descoberto e contado. As Fadas, por muito tempo, realizaram festivais na primavera, verão e outono, mas nunca tiveram um festival de inverno. Embora alguém pudesse pensar que a neve branca seria um cenário especialmente bonito para uma de suas danças.

Mas uma noite, em uma reunião das Fadas, foi proposto realizar um festival de inverno. Depois de conversarem um pouco, cada Fada ali estava planejando com entusiasmo o que fazer. Por fim, uma das Fadas disse: “Acho que seria melhor fazer o festival no lago, e então teremos o gelo liso para dançar”.

“E,” disse outra Fada, “podemos fazer uma fogueira na beira do lago para nos aquecermos se ficarmos com frio.”

“E,” disse outra, “aqueles que não desejam dançar podem patinar amarrando suas varinhas na sola de seus sapatos.”

As fadas disseram que cuidariam do polimento do gelo indo até Jack Frost e pedindo que ele as ajudasse. Elas planejaram pedir ao Vento Norte para soprar e enviar um pouco de neve branca e limpa. Cada Fada deveria ter seu vestido enfeitado com pele, e cada uma deveria usar um gorro feito de penugem de cisne e amarrado com uma fita vermelha. Ao todo, o festival foi planejado para ser um dos mais elaborados que as Fadas já haviam dado.

Mas assim que a reunião estava terminando, uma das Fadas disse: “O que vamos fazer com a luz? No verão, sempre tivemos os vaga-lumes para nos ajudar, mas agora eles estão todos dormindo e não podemos acordá-los. E, de qualquer maneira, suas luzes ficam todas apagadas nesta época do ano.”

“Ora, nós temos a lua,” disse uma das Fadas.

“Sim”, disse outra, “mas enquanto a lua é brilhante o suficiente para nós nas noites comuns, certamente precisaremos de mais luz do que ela dará para um festival tão grande como o que vamos ter.”

“É verdade”, disse a primeira Fada, “mas não vejo como podemos obter algo mais brilhante.”

“A lua seria suficiente se estivesse mais perto para que sua luz brilhasse mais”, disse outra Fada. Depois de pensar um minuto, ela disse: “Será que não poderíamos pegar a lua emprestada?”

“Pegar a lua emprestada?” gritou meia dúzia de Fadas em coro. “Ora, o que as pessoas iriam pensar?”

“Bem,” disse a Fada, “se não pudéssemos pegar emprestado tudo, talvez pudéssemos pegar emprestado um pedaço. Então, se deixássemos o resto brilhar no céu, talvez as pessoas não notassem.”

“Não é uma má ideia”, disse a Rainha das Fadas, “e vou nomear um comitê para tentar organizar isso.”

Então ela nomeou três das Fadas para atuar como um comitê para pegar a lua emprestada. No dia anterior ao festival, as três fadas montaram em uma vassoura que uma bruxa lhes emprestou. Elas voaram para o céu e, quando o homem na lua as viu vindo em sua direção, ficou muito surpreso. Ele ficou mais surpreso quando ouviu o pedido curioso que elas tinham a fazer.

“Se posso te emprestar a lua?” ele disse. “Ora, que coisa estranha para me perguntar! O que você acha que todas as pessoas na terra diriam se descobrissem que eu fiz uma coisa tão inédita? Eles podem até me fazer sair da lua e ir para outro lugar, e eu moro aqui há tanto tempo que nunca seria feliz em outro lugar.”

“Mas,” disseram as Fadas, “se não tivermos um pouco de luz, nosso festival será um fracasso. Este é o primeiro festival de inverno que já tivemos, e Jack Frost tem sido esplêndido em nos ajudar. Achamos que você também pode ajudar. Se você não vai nos emprestar a lua inteira, não poderia emprestar uma parte dela? Daremos a certeza de trazê-la de volta tão boa quanto era quando a pegamos.”

“Qual seria o tamanho de um pedaço que você gostaria?” perguntou o homem.

“Tão grande quanto você pode poupar,” disseram as Fadas.

“Bem”, disse ele, depois de pensar por um minuto, “vocês percorreram um longo caminho e gostaria de ajudá-las. Eu certamente quero que seu festival seja um sucesso. Então, vou deixar vocês tirarem um pedaço da borda. Mas, para ter certeza de que vocês a devolverão, vou fazer com que uma de suas Fadas fique aqui enquanto a peça estiver desaparecida. Quando for devolvido, a Fada pode ir para casa.”

Então as Fadas tiraram a sorte sobre qual delas deveria ficar, e o homem pegou uma grande serra e cortou um pedaço da lua bem perto da borda onde as pessoas provavelmente não perceberiam que ela havia sumido. As duas Fadas levaram o pedaço com elas na vassoura de volta à terra. E lá se foi o primeiro Festival de Inverno! Todos votaram como o melhor que já tiveram, e todos concordaram que o pedaço da lua que elas pegaram emprestado deu a melhor luz.

Depois que o festival acabou, as duas Fadas o levaram de volta ao céu e voltaram com a irmã que havia ficado lá enquanto elas estavam fora. O homem da lua ficou tão satisfeito com a visita das Fadas que lhes disse que poderiam pegar emprestado uma parte da lua sempre que quisessem. Então, quando você olha para o céu e vê apenas uma parte da lua lá, ora, talvez as Fadas estejam realizando outro festival e tenham emprestado outro pedaço da lua.

Fonte> Abbie Phillips Walker (EUA, 1867 - 1951). Contos para crianças. 
Disponível em Domínio Público.

Recordando Velhas Canções (Na cadência do samba)


Na cadência do samba

(samba, 1962) 

Paulo Gesta e Ataulfo Alves

Sei que vou morrer, não sei o dia
Levarei saudades da Maria
Sei que vou morrer, não sei a hora
Levarei saudades da Aurora

Quero morrer numa batucada de bamba
Na cadência bonita de um samba
Mas o meu nome ninguém vai jogar na lama
Diz o dito popular
Morre o homem fica a fama
Quero morrer numa batucada de bamba
Na cadência bonita de um samba
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Existem dois sambas com o título de “Na Cadência do Samba”. O primeiro, de Luiz Bandeira, foi por ele lançado em junho de 1956, sem maior sucesso. Tempos depois, adotado como prefixo e fundo musical para cenas de futebol no jornal cinematográfico Canal 100, de Carlos Niemeyer, popularizou-se, tornando-se conhecido pelo verso inicial “Que Bonito É”.
Já o segundo, seis anos mais novo, é um dos melhores da última fase de Ataulfo Alves. Além da versão de Ataulfo, “Na Cadência do Samba” fez sucesso cantado por Elisete Cardoso, que por coincidência gravou também samba do Luís Bandeira. 

Fonte: http://cifrantiga3.blogspot.com.br/2006/08/na-cadncia-do-samba.html

Aparecido Raimundo de Souza (Meu caderno da escola)

— A MÃE ME DISSE —, conversa com seus botões, a Belinha, impaciente — que só poderei ligar a televisão, quando fizer todos os meus deveres de casa. Que droga! Logo hoje que o último capítulo da novela vai para o ar. Por azar esqueci meu caderno na casa da Ritinha. Não posso sair. O que faço? 

Belinha tem uma ideia.  — “Vou ligar para ela.”  

Passa a mão no celular e disca o número da amiga. Na oitava vez, a Ritinha atende.

— Fala, Belinha

— Ritinha, estou com um problema sério.

— Já sei. Sua mãe descobriu que o Waltinho te beijou.

— Nada a ver, sua tonta. Fala baixo.

— Cadê sua mãe?

—Na cozinha preparando a janta.

— Vem buscar... 

— Não posso. A mãe está no meu pé.

— Pula a janela...

—  Engraçadinha...

— Traz o caderno aqui para mim...

— Sem chance

— Por?

— Batatinha está aqui...

— Nossa, que barato! Sua mãe sabe?

— Não, sua idiota... 

— E como ele entrou?

— Pela janela.

— O bom de morar em casa baixa dá essa chance. Eu moro em prédio. No oitavo... 

— Eu sei...

— Dá uma ideia.

—  Sai escondida...

—  Não tem como.

—  Sua mãe não está na cozinha cuidando da janta?

—  Sim.

—  Use a porta da sala...

— Meu pai está com uns amigos... não consigo sair sem ser notada...

— A Bárbara?

—  Nossa empregada está ajudando a mamãe.

— Puts grilo! Eu não posso arredar pé daqui. O Batatinha está aqui...

— Ele não pode trazer?

— Esquece.

— E como ele irá embora?

— Quando meus pais forem se deitar...

— E o que você está fazendo mais o Batatinha?

— Isso é coisa que se pergunte, amiga? Olha, eu vou desligar... não posso te ajudar com o caderno... o Batatinha...

— Tá legal, o Batatinha, você já falou... droga! Vou perder o último capítulo da novela... logo hoje... amiga, me ajuda.

— De que jeito?

— Tenta o Waltinho

— Na pelada com os amigos.

— Aí ferrou de vez...

— Tive uma ideia.

— Qual

—  Liga a sua televisão e coloca na frente da sua tevê.

—  Hoje não dá, amiga. Sinto muito.

—  E por que não dá?

—  Estou aqui com o Batatinha. Eu e ele estamos fazendo um negócio...

—  Que negócio, Ritinha?

—  Amiga, vou desligar. Depois a gente se fala...
Clic. 
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O Beija Flor, na imagem, é a ave símbolo do estado do Espírito Santo.

Fonte: Aparecido Raimundo de Souza. Travessuras de Mindinho e Fura—Bolos. Ebook enviado pelo autor.

sábado, 23 de março de 2024

Professor Garcia (Reflexão do Dia) = 02

 

Artur de Azevedo (A Nota de Cem Mil-Réis)

O Cavalcanti era um marido incorreto, para não empregar um adjetivo mais forte; imaginem que os seus recursos não davam para acudir a todas as necessidades da família e, no entanto, era ele um dos amantes da Josephine Leveau, uma cocota francesa, cujo nome era muito conhecido nas rodas alegres, e se prestava aos trocadilhos mais interessantes, quer em francês, quer em português.

Como a esposa do Cavalcanti era uma hábil costureira, recorreu à sua habilidade para ajudar nas despesas de casa. Um dia fez um vestido para uma amiga, e, tão bem feito, tão elegante, que a sua fama correu de boca em boca, e valeu-lhe uma freguesia certa, que lhe dava algum dinheiro a ganhar. Havia meses em que ela fazia trezentos mil-réis.

O Cavalcanti não protestou, pelo contrário aprovou. Fez mais, como vão ver.

Uma bela manhã, a Josephine mandou-lhe pedir cem mil-réis para uma necessidade urgente, e ele não os tinha, nem sabia onde ir buscá-los. Hesitou durante algum tempo em cometer uma baixeza, mas acabou cometendo-a. Já o leitor adivinhou que o miserável pediu à esposa o dinheiro que devia mandar à amante.

A pobre senhora não manifestou a menor contrariedade: foi ao seu quarto, abriu uma gaveta onde guardava o fruto do seu trabalho, e tirou uma nota de cem mil-réis, ainda nova. Antes de levá-la ao marido, que esperava na sala de jantar, contemplou-a durante algum tempo como para despedir-se dela para sempre, e então notou que alguém escrevera num canto estas palavras com letra miúda: "Nunca mais te verei, querida nota!" E como D. Margarida - ela chamava-se Margarida - tivesse um lápis à mão, escreveu por baixo daquelas palavras "Nem eu!".

O Cavalcanti empalmou os cem mil-réis com um estremeção de alegria.

- Este dinheiro faz-te muita falta? - perguntou ele.

- Não - respondeu ela - hoje mesmo espero receber igual quantia.

Meia hora depois, o Cavalcanti entregava a nota, dentro de um envelope, a Josephine Leveau.

Nesse mesmo dia D. Margarida recebeu os outros cem mil-réis que esperava. Contra o seu costume, o Cavalcanti estava em casa.

- Olha, disse-lhe ela, aqui estão os cem mil-réis que eu contava receber. A freguesa é boa.

- Quem ela é? perguntou o marido.

- Não a conheço; veio ter comigo e pediu-me que lhe fizesse um vestido de seda, riquíssimo. Tinham-lhe dito que eu trabalhava bem e barato.

- Mas é senhora séria?

- Parece. É francesa, e casada com um banqueiro, disse-me ela. Naturalmente o marido é também francês, porque ela chama-se Madame Leveau.

- Leveau! -  repetiu o Cavalcanti empalidecendo.

- Conheces?

- Não.

- Então, por que fizeste essa cara espantada? Boa freguesa! O vestido foi hoje de manhã cedo, e hoje mesmo veio o dinheiro.

- Onde mora essa Madame Leveau?

- Na Rua do Catete.

Dizendo isto D. Margarida abriu o envelope e retirou os cem mil-réis.

- Que coincidência! disse ela; a nota é da mesma estampa da qual te dei hoje de manhã! Por sinal que a outra tinha no canto... Oh!...

Este grito quer dizer que D. Margarida tinha lido a frase "Nunca mais te verei", e o seu acréscimo: "Nem eu!".

- Que foi? perguntou o Cavalcanti.

- A nota é a mesma!...

- A mesma? repetiu o marido gaguejando.

- A mesmíssima! Reconheço-a por causa destas palavras... Vê! a minha letra!...

O Cavalcanti arranjou uma desculpa esfarrapada: disse que tinha pago os cem mil-réis ao banqueiro Leveau, a quem os pedira emprestados; mas D. Margarida não engoliu a pílula, e foi à casa de Josephine certificar-se de que esta era uma cocota frequentada por seu marido.

A pobre senhora separou-se do desgraçado, e abriu casa de modista. Ganha muito dinheiro.

Caldeirão Poético LXXXII


(Sonetistas da Academia Brasileira de Sonetistas)

Aila Brito
Cocal/PI

ALÉM DOS VERSOS

Nos campos, nos trigais, no grão maduro...
Em cada plantação se faz zelosa;
Na tez de cada flor, no olor da rosa,
O seu encanto brilha, com depuro.

Nos corações afins, no enlace puro,
No dia, tarde ou noite preciosa,
No gesto amigo e em cada ação bondosa,
A sua essência vibra com apuro!

Além do verso, o dom sensorial
Passeia em outras artes... afinal,
Em tudo, a sua voz nos contagia.

Mas se derrama, quando à luz da lua,
Em seu delírio, encanta e fica nua,
Expondo-se total a poesia!
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Edir Pina de Barros
Brasília/DF

ADEUS 

O instante de um adeus jamais se finda
no derradeiro olhar, crispado o rosto,
nas mãos vazias, cheias de desgosto,
na boca os beijos cálidos ainda.

A angústia de um adeus, jamais bem-vinda,
produz ferida na alma, por suposto,
e deixa tal penar ao mundo exposto,
que um breve e distraído olhar deslinda.

Adeus, gume cortante de uma adaga
que, de repente, o sonho estripa e traga
no cálice do efêmero existir.

Depois? Nos resta o tempo da saudade
que chega sem licença e nos invade,
a misturar passado com porvir.
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Edy Soares
Vila Velha/ES

EPITÁFIO

Há neste frio intenso um quê de nostalgia,
uma tristeza oculta, um ar mais carregado;
parece até que o céu também está mudado,
a solidão é fria... E a noite está mais fria!

Olhando da janela, o lago congelado
é feito a vastidão dessa melancolia...
Não volto mais aqui, pois sem a companhia
do meu amor, o inverno é muito mais gelado...

Meus dias por aqui não são mais relevantes,
também estou partindo e deixo aos visitantes
uma plaquinha, escrita, amarrada na porta:

Aqui vivi feliz, mas hoje, entristecido,
sem meu amor de inverno eu fico tão perdido...
Vende-se o bangalô... O preço pouco importa!
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Geisa Alves
Resende/RJ

ARDÊNCIA

Arde-me o amor nas cores do crepúsculo,
nas asas de um ensejo fugitivo.
Arde-me o amor no verso em que eu derivo,
com ânsias de um prazer vital, maiúsculo.

Sinto-o queimar na carne, pele, músculo
e ainda na alma (um fogo redivivo);
em suas chamas folgo e não me esquivo...
No mais é tudo efêmero e minúsculo!

Arde-me o amor nos sonhos de mulher,
nas mãos a desfolhar um malmequer,
nos olhos a sondar a luz do ocaso.

Se é de silêncio e bruma o fim da tarde,
ainda assim, o amor nas veias arde,
e não se extingue a febre em que me abraso.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

José Erato Ferraz
Juiz de Fora/MG

INDÔMITO

Minhas asas sedentas de horizontes
buscam um novo ponto cardeal,
os pés infatigáveis cruzam pontes,
como a ave que não quer um só quintal.

Minha sede esquadrinha novas fontes,
não lhe basta o vulgar manancial.
Há terras a explorar além dos montes...
a mente não se amolda ao trivial.

A carne está sujeita às leis da vida,
mas a alma irrefreável, desprendida,
rejeita amarras, cercas e porteiras.

Meus versos cruzam céus a cada dia,
que sou poeta e minha poesia
não admite a existência de fronteiras.
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José Walter Pires
Ituaçu/BA

SER LUME

E como ficou chato/
Ser moderno / Agora serei eterno.
(“Do poema eterno” de Carlos Drummond de Andrade, 1953)

Não temerei de ser o meu soneto antigo,
Na forma ou no teor, e não sendo moderno,
Mas não vejo existir um mal querê-lo eterno,
como diz o poeta, em glosa que me abrigo.

E, se acaso tiver de enfrentar o perigo,
Indo na marcha à ré pelo que agora externo,
Irei continuar com o meu verso terno
Sem jamais aceitar esse injusto castigo.

Não pretendo negar o empenho dos puristas,
Que buscam defender, por certo, o seu primor,
Consagrado no dom dos vates sonetistas.

Portanto, sem fugir do cânone dessa arte,
Manterei, por dever, seu excelso valor
E do lume saber que já me sinto parte!
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Kleber Lago
São Paulo/SP

A POESIA

Em quase tudo, a sinto e posso vê-la,
mas não consigo definir poesia;
e afirmo que mais fácil me seria
contar, no céu, estrela por estrela.

Bastar-me-ia apenas percebê-la
para satisfazer minha estesia
e me tornar agradecido pela
sensação com que ela me premia.

Vejo a poesia como uma expansão
do belo, em seus matizes mais diversos,
e do que Deus me fez “palavrador”.

Não sei, de fato, é defini-la. Então,
tento exprimi-la como a vejo, em versos
que, em prol de amor e paz, vivo a compor.
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Luciana Nobre
Manaus/AM

SEREI EU UM POETA!?

Serei eu um poeta?! Mas que nada!
Por ora nada fiz por merecer...
poeta é quem, chegado o alvorecer,
orvalha corpo e alma de alvorada...

Serei eu um poeta pela estrada?
Motivos não me dou. Não chego a ser!
Poeta é quem, chegado o anoitecer,
transforma a si em noite enluarada...

Eu nada sou além de alguém que, em verso,
declama sua dor, paixão, agrura...
do belo passo longe, rumo inverso...

Poeta de verdade é uma ventura
de quem, na poesia estando imerso,
transmuta noite em dia... em paz, tristura.
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Luiz Antonio Cardoso
Taubaté/SP

EQUILÍBRIO

Meu carnaval era cinzento, vago...
escolas, blocos, festas... tudo em vão!
Nunca adentrei numa avenida e trago
dentro do peito o verdadeiro chão!

Fiz-me um intrépido censor do estrago,
do que eu chamava de loucura e não
da maior festa popular e afago
ao sofrimento de quem chamo irmão!

Mas nada como o tempo, sábio mestre,
a nos mostrar que a vida, tão terrestre,
é a busca infinda do melhor critério...

e se resume no equilíbrio exato,
saber dosar e por no mesmo prato,
matéria e espírito num só mistério!
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Paulo Cézar Tórtora
Rio de Janeiro/RJ

PERGUNTANDO À LUA

Eu vivo perguntando à augusta lua
que enfeita minha noite insone e fria:
—Por que fez prisioneira da Poesia
minha alma, que no céu também flutua?...

E a luz refulge, e brilha, e se acentua
e eu penso na resposta que viria
calando as incertezas, todavia,
a dúvida insistente continua.

A lua, majestosa no seu lume,
oculta-se da nuvem no negrume,
na bruma melancólica que a assalta.

E a musa, então, recolhe-se, sentida,
sem ter a sua súplica atendida
(tem mais presença em mim o que me falta).
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Paulo Maurício Silva
Teresópolis/RJ

UM DIA...

Um dia, eu sei, no Livro concluído,
Serei aquela página virada…
A lembrança, por poucos, bem guardada,
O terno num bazar, desconhecido,

A foto de matiz envelhecido,
Olhando vagamente para o nada…
Um dia eu sei… serei a voz calada,
O verso para sempre interrompido.

Ao fim do desgastado itinerário,
Um rastro de pegadas, solitário,
Que o vento melancólico desfez,

Vestígio que, por fim, desaparece…
Mas se eu pudesse, ao menos, se eu pudesse,
É tudo o que eu seria noutra vez!
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Troya D’Souza
Santa Cruz/RN

ODE À CHUVA 

Quando a chuva se ausenta do sertão,
Morre o gado de fome sem comida.
Falta sombra com água na bebida.
A barragem secou o seu porão.

Migram aves buscando solução,
Que o braseiro do sol assola a vida.
A lavoura pouquinha e ressequida
Serve apenas de adubo para o chão.

Mas bombando o trovão na madrugada
É o prenúncio da chuva programada
Que escutei o carão anunciando.

Chuva traz abundância em quantidade,
Vai embora a tristeza e que saudade
Da ramagem no chão se esparramando.

Fonte: Academia Brasileira de Sonetistas (ABRASSO) 
https://www.facebook.com/groups/803079378212373/