sábado, 3 de julho de 2010

Paulo Setubal (Poemas Avulsos)


VIDA CAMPÔNIA

Como um caboclo bem rude,
Eu vivo aqui, nesta paz,
Recuperando a saúde,
Que eu esbanjei, quanto pude,
Nas tonteiras de rapaz.

Mal brilha o primeiro raio
Da aurora rubra e louçã,
Eu monto um fogoso baio,
E alegre, e lépido, saio
Pelo espendor da manhã.

Lord, o meu bravo cachorro,
Vem pela estrada a saltar:
E a várzea, e os pastos, e o morro,
Tudo, a galope, eu percorro,
Numa alegria sem par.

Do mato, cerrado e umbroso,
Vêm cheiros de manacás;
Num pau-d'alho, alto e frondoso,
Vai um concerto furioso
De bem-te-vis e sabiás.

Vespas, cor de ouro brunido,
Lantejouladas de luz,
Fazem, com surdo zumbido,
Num tronco já carcomido,
O escasso mel dos enxus.

Fulgaram, pelos caminhos,
Gotas de luz, como sóis;
Ruflos, canções, burburinhos,
Noivado em todos os ninhos,
Por toda a relva, aranhóis.

E em tudo quanto eu diviso,
Há tal brilho tal clarão,
Como se, do paraíso,
Deus acendesse um sorriso
Em cada ervinha do chão.

Volto... Os caboclos, no eito,
Vão desbastando os juás.
Eu venho tão satisfeito,
Como se houvesse em meu peito
- Um baile de tangarás!

Apeio. E então, vivo e moço,
No claro terno de brim,
Vou eu, com grande alvoroço,
Sentar-me à mesa do almoço,
Que espera apenas por mim.

Risonha, a fumaça voa
Em densos, cálidos véus:
É o lombo, é a fava, é a leitoa,
- Toda cópia farta e boa,
Dos nossos ricos pitéus!

Depois, ao longo do dia,
Ferve, requeima o verão.
E há pêssego, há melancia,
A fruta nova e sadia
Colhida em plena estação.

À noite, o luar, que fulgura,
Por tudo estende o seu véu.
Brilham estrelas na altura.
Uma infinita doçura
Penetra os campos e o céu.

Nessa calma, enquanto rola
A lua pela amplidão,
Subitamente se evola
O som duma grafonola,
Quebrando a paz do sertão.

Num timbre gasto e confuso,
Pelo silêncio rural,
Ecoa a voz do Caruso,
Velhas canções em desuso,
E fados de Portugal...

Nisto, o relógio badala:
Dez horas. Quê? Já é tarde assim?
Toda a dormir! Fechem a sala!
A casa inteira se cala,
Tomba um silêncio sem fim...

Cheiro acre, de manjerona,
Lá fora embalsama o ar;
Tudo se aquieta. Ressona...
Eis que uma tarda sanfona
Passa na estrada, a chorar...

A VILA

Lembro-me bem dessa vilota rude,
Onde eu me fui, sem gosto e sem saúde,
Buscar um poiso para os meus cansaços.
Que terra triste! Triste e sertaneja:
A escola, a hospedaria, a antiga igreja,
E a capelinha do Senhor dos Passos...

Na esquina, em frente à Câmara, o barbeiro.
Logo depois, num colossal letreiro,
A "Loja Popular" do velho Lopes.
E é bem no largo da Matriz que fica
A sempiterna, a clássica botica,
Com seus reclames de óleos e xaropes...

Ah! Foi aí, nesse ermo de tristeza,
Nessa terreola fúnebre e burguesa,
Tão sem encantos, tão descolorida,
Que eu fui viver, com lágrimas e flores,
No mais cruel amor dos meus amores,
A página melhor da minha vida!

A FORASTEIRA

Dissera-me o barbeiro da vilota,
Que essa elegante, essa gentil devota,
Que freqüentava assim as ladainhas,
Também quisera, em busca de bons ares,
Passar o mês das férias escolares,
Na mesma terra onde eu passava as minhas.

E ali, na vila, nessa pobre aldeia,
Tão incolor, tão rústica, tão feia,
Povoada de caboclos indigentes,
A forasteira, com seu ar touriste,
Com seu chapéu de plumas, com seu chiste,
Chocava o povo e deslumbrava as gentes!

E eu, que vivia a padecer nesse ermo,
A definhar-me, torturado e enfermo,
Nas nostalgias dessa vila odiosa,
Eu bem sentia, ao ver essa estrangeira,
Que na minh'alma, pela vez primeira,
Brotara a flor duma paixão furiosa...

IDÍLIO

"Vamos!" disseste... E eu disse logo: vamos!
Ia no céu, nos pássaros, nos ramos,
Uma alegria esplêndida e sonora;
E tu, abrindo ao sol, como uma tenda,
Tua sombrinha de custosa renda,
Partimos ambos pela estrada afora...

Eram pastagens largas, eram roças,
Carros de bois, currais, barreadas choças,
E rústicos galpões de pau-a-pique;
Só tu, nessa bucólica simpleza,
Com teu tailleur de casimira inglesa,
Punhas uns tons de mundanismo chic.

E a poeira, e o sol queimante, e a dura estrada,
Nós, papagueando, sem sentirmos nada,
Seguíamos num sonho encantador:
É que a felicidade, como um vinho,
Fazia-nos andar pelo caminho,
Tontos de gozo e bêbedos de amor!

SÓ TU

Dos lábios que me beijaram,
Dos braços que me abraçaram
Já não me lembro, nem sei...
São tantas as que me amaram!
São tantas as que eu amei!
Mas tu - que rude contraste!
Tu, que jamais me beijaste,
Tu, que jamais abracei,
Só tu, nesta alma, ficaste,
De todas as que eu amei.

À BEIRA DO CAMINHO

Por essas tardes plácidas do campo,
— Tardes azuis de firmamento escampo,
Eu vou, través de longos carreadores,
Sentar-me num barranco, ermo e distante,
Sentindo o fresco aroma penetrante
Que vem da madressilva aberta em flores.

Tudo me entrista e punge nestas terras!
Os mesmos cafezais. As mesmas serras.
A mesma casa antiga da fazenda,
Que outrora viu, quando éramos meninos,
Nossos amores, nossos desatinos,
— Toda essa história descorada em lenda!

Quanta saudade! De manhã bem cedo,
Saíamos os dois pelo arvoredo,
De alma contente e exclamações na voz.
Como éramos apenas namorados,
E andássemos, a rir, de braços dados,
Os camponeses riam-se de nós!

Era dezembro. Florescia o milho,
Verde e glorioso como o nosso idílio.
Que lindas roças! Que estação aquela!
Toda a velha fazenda parecia,
Com sua larga e rústica alegria,
Mais cheia de aves, mais ruidosa e bela!

Ainda guardo, intata, na memória,
Aquela ingênua e deliciosa história,
Que foi o meu e o teu primeiro amor.
E ai! que recordação, que duro travo,
Lembrar que eu fui o teu rei o teu escravo,
Saber que fui eu teu servo e teu senhor!

E cismo... Cismo... A tarde vai tombando.
De lado a lado, claras, azulando,
Destacam-se as colinas no horizonte.
Tristonha, a várzea na amplidão se perde.
Lá em baixo um bambual sombrio e verde.
Um fio dágua. Uma arruinada ponte.

Assim, ao pôr do sol, triste e sozinho,
Sentado num barranco do caminho,
Sem que ninguém meu coração compreenda,
Olho a mata, olho os campos, olho a estrada
Ouvindo a melancólica toada
Que chora, ao longe, o piano da fazenda...

ÁRVORES TRISTES

Eu, nestes campos, longe do tumulto,
Amo essas tristes árvores que crescem
Por sobre as margens dum arroio oculto,
Ouvindo as águas que cantando descem...

Gosto de vê-las à tardinha, envoltas
Numa suave e mística tristeza,
Olhando os rolos das espumas soltas
Que encrespam o lençol da correnteza.

Tristonhas plantas! Árvores sombrias!
Como se as torturasse estranha mágoa,
E as compungissem fundas nostalgias,
— Procuram consolar-se à beira d'água.

Oh! vós que amais os campos, nunca as vistes?
— Desconsoladas, trêmulas, chorosas,
Pelas barrancas dos arroios tristes
Debruçam as ramagens silenciosas...

Que importa o sol, que importa a chuva e o vento,
Se sempre as mesmas ânsias as consomem?
Talvez — quem sabe? — nesse desalento,
Palpite e sofra o coração dum homem!

Talvez nessas folhagens, nesses ramos,
Torturados de angústia e desconforto,
— Sem que a vejamos, sem que a compreendamos,
Soluce a alma de algum poeta morto.

Ai, não turbeis a misteriosa mágoa,
A imensa nostalgia em que se abismam;
Deixai-as em silêncio, à beira dágua,
Essas tristonhas árvores que cismam...

CERTA VEZ

Certa vez... Vá, não cores desse jeito!
Eu era um estudante de direito,
Tu eras uma simples normalista:
Podíamos, portanto, meu tesouro,
Fazer, como fizemos, sem desdouro,
Essa loucura que hoje te contrista.

Com que emoção — recordas? — com que gozo,
Eu vinha te esperar, vibrante e ansioso,
Nessas novenas de plangências cavas.
E como um cavalheiro que se preza,
Timbrava em te levar, depois da reza,
Até ao portão da chácara em que estavas.

Certa vez... Vá, não cores desse jeito!
Era de noite. Arfava-nos o peito.
Ardia em nós um lânguido desejo,
Tomei-te as mãos... Sorriste... E aí, num assomo,
As nossas bocas, sem sabermos como,
Famintamente uniram-se num beijo!

FIM DE VIAGEM

Venho a sonhar contigo... E, no meu sonho,
Vendo o arraial bucólico, risonho,
Onde floriu essa paixão feliz...
Com que saudade, com que gosto amargo,
Relembro a tua casa em frente ao Largo,
Que tu chamavas "Largo da Matriz...".

Vejo-te ainda, lá nesse povoado,
Tua cestinha de costura ao lado,
Perdida em sonhos de felicidade.
E o trem, enquanto assim eu cismo, aflito,
Entra, a bufar, com enervante apito,
Pela cidade adentro... Oh, a cidade!

Suas ruas. Vielas. Bairros proletários.
Rasgando o azul, ao longe, os campanários,
E as chaminés das fábricas e usinas.
Vivos letreiros, no alto, em letras largas.
Aqui — vagões; depósitos de cargas;
Pontes, guindastes, máquinas, cabinas...

Mas eu, no entanto, pensativo e mudo,
Passo por tudo, indiferente a tudo,
Bem longe tendo o espírito daqui;
E vejo apenas — que visão tranqüila! —
Tua longínqua e solitária vila,
Donde, chorando, esta manhã parti...

O FRUTO

E da florida janela
Que eu abro de par em par,
--Verde painel, larga tela,
Da cor mais viva e mais bela,
Desdobra-se ao meu olhar !
A manhã que é fresca e branda,
A rir, gloriosa e feliz,
Doira a casa veneranda,
Com a sua quieta varanda
Cheirosa de bogaris...
Um renque de altos coqueiros
Circunda o velho pomar;
Toscos, enormes tabuleiros,
Ficam em frente os terreiros,
Com grãos em coco a secar.
Num quadro curvo e sozinho,
Um pobre negro, o Bié,
A passo devegarinho,
Com seu rumoroso ancinho,
Lá vai rodando o café...
Depois -- a máquina, a tulha,
O alpendre, o farto paiol:
Ah ! como a roça se orgulha
De ver subir a fagulha,
Que lança a máquina ao sol !
Branca, entre tufos, a escola
Na entrada logo se vê:
Aí, nessa casinhola,
A filha de nhá Carola
Vive a ensinar o A B C.
Fulgem na estrada tranqüila,
Casinhas brancas de cal:
É a colonia que cintila,
Graciosa como uma vila,
Risonha como um pombal.
Ao longe, o pasto, a cancela,
-- Um boi deitado no chão:
Paisagem rude e singela,
Daria fina aquarela,
De puro estilo aldeão.
E além para lá da ponte,
Ao lado do matagal,
Por sobre as lombas do monte,
Por todo o imenso horizonte,
-- Alastra-se o cafezal.
O olhar, tonto, se extasia,
Na cena rústica e chã;
E a gente sente a poesia,
Sente a radiosa alegria
De tão soberba manhã !
Absorto no panorama
Que assim contemplo, de pé.
Eis que uma velha mucama,
Surgindo à porta me chama:
"Nhonhô, tá pronto o café..."
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Fontes:
Academia Brasileira de Letras
Vida em Poesia

Paulo Setubal (Plácido Pereira de Abreu)

(extraído do livro As Maluquices do Imperador) - foi mantida a grafia original
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- Plácido!

O favorito, que lia na antecâmara, acudiu imediatamente ao chamado do amo:

- Majestade!

- É hoje o aniversário da filha do Inhambupe?

- É, Majestade. A moça completa hoje vinte anos...

- E a que horas é a festa?

- Às duas, Majestade. O Marquês de Inhambupe não dá saraus à noite. O pobre homem anda muito atacado da gota. A filha, à vista disso, oferece uma simples merenda aos amigos.

D. Pedro, ouvindo, abriu o seu velho contador de jacarandá negro. Agarrou numa caixa de veludo, milto donairosa, enfeitada gentilmente por um laçarote de fita. E virando-se para o favorito:

- Toma lá este mimo, Plácido. É um bracelete cravejado. Leva-o de minha parte à filha do Inhambupe.

O Plácido sorriu. E D. Pedro, com o seu bom humor inextinguível, batendo maliciosamente nos ombros do criado:

- É bonita aquela rapariga, hein, Plácido?

E o Plácido, um tanto embaraçado:

- É linda...

- Aquilo é que é mulher, oh! Plácido: tu não achas?

E o criado confuso, com um sorriso amarelo:

- É uma rapariga e tanto! Mas...

- Mas o quê? tornava D. Pedro irrequieto; vamos lá: mas o quê?

- Mas é um perigo essa aventura de Vossa Majestade, afoitava o valido com ares de prudência; a moça é solteira. A moça é filha do Inhambupe. O Marquês, além de homem probo, é ministro de Vossa Majestade. Tudo isso são coisas graves. Coisas de se ponderar. Vossa Majestade, portanto, precisa ter cautela. Muita cautela! Senão vem por aí um escândalo dos diabos...

E D. Pedro, sempre estourado:

- Qual escândalo, qual nada! Não arrebenta coisa alguma. Depois, meu caro, o Marquês é como os outros. Um adulador! É o ministro mais adulador que eu já tive. O Marquês não me assusta. É deixá-lo... Trata, pois, de tecer a coisa, oh! Plácido, e larga o resto por minha conta. Leva hoje, de minha parte, este presente à moça...

D. Pedro, últimamente, encaprichara-se amalucadamente pela rapariga. Raro o dia em que Sua Majestade não galanteasse a filha do seu ministro.

Era sempre um recadinho amável, uma caixa de confeitos, uma prenda. O Plácido trançava dum lado para outro. Fizera-se o leva-e-traz daquele namorisco. E vinha sempre com mil coisas. Que a moça delirara! Que a moça estava louca por D. Pedro! Que a história ia às mil maravilhas! O Imperador, no entanto, retrucava sempre:

- Mas é curioso, só Plácido: ela não dá amostra. Nem um sorriso, nem um olhar, nem uma palavra mais denunciativa...

E o Plácido:

- Está claro, Senhor D. Pedro! Haverá nada mais melindroso do que isso? A moça tem lábias. Porta-se assim por manha: não quer que o caso dê na vista... E é natural. Pode lá a moça gostar que falem dela? Mas fique Vossa Majestade tranqüilo: vai tudo muito bem: muitíssimo bem!

D. Pedro aceitava. E todo dia, com mais afinco um galanteio tentador.

Agora, no aniversário, era aquele bracelete cravejado. Um escândalo!

Mas, o Plácido, sem comentário, lá foi cumprir a ordem do amo. Vestiu a casaca verde.

Espremeu o pescoço num colarinho de palmo. Alastrou no peito um "plastron" vistoso. Borrifouse de água-de-cheiro. Calçou luvas. Pôs um cravo na botoeira. E assim, casquilho e taful, partiu com elegância para a merenda em casa do Ministro dos Estrangeiros.
* * *

Plácido Antônio Pereira de Abreu, ou melhor, e simplesmente, o "Plácido", tivera uma sorte curiosa. Fora um caso interessantíssimo de boa-estrela. Um amimado da fortuna! E esse, que, ao depois, conquistaria tão largamente as boas-graças do Imperador, começou na vida como "varredor do Paço". Um dia, todo ronhas e habilidade, aplainou as coisas e subiu de posto: conseguiu insinuar-se como barbeiro de D. Pedro.

D. Pedro, por esse tempo, ainda era príncipe. E além de príncipe - toda gente sabia - um desmiolado e estróina. O barbeiro, por seu turno, um sujeito folião, muito patusco, amador de regabofes, grande conhecedor de mulherinhas.

D. Pedro afeiçoou-se logo ao barbeiro. Era natural... Fê-lo seu camarada de todas as noites. Ligou-se ao homenzinho com um entusiasmo boêmio. O Plácido tornou-se o amigo de toda hora, o imprescindível, o companheiro único. Foi então, nessa quadra maior, o mais acarinhado dos validos do príncipe.

O nosso primeiro Imperador teve, durante a vida inteira, essa fraqueza imperdoável: gostou sempre de gente canalha. Circundou-se continuamente da ralé, tipos à-toa, escória apanhada no enxurro da vida. Os seus três favoritos, os servidores mais do peito aqueles que D. Pedro mais amou, demonstram-no dolorosamente. Um foi o Plácido; outro, o Chalaça; o terceiro, o João Pinto. O Plácido iniciou-se na vida como varredor do Paço; o Chalaça, como criado de galão; o João Pinto, como negociante falido e expulso da alfândega por ladrão. Esses três homens, no Primeiro Império, ergueram-se a alturas vertiginosas. Tornaram-se os poderosos do dia. Não houve mercê que pleiteassem e não alcançassem.

O Plácido conquistou o seu valimento desde os belos tempos em que D. Pedro era solteiro. A começar daí, durante a vida inteira, trabalhou ininterruptamente no Paço. Subiu tanto, com tal felicidade, que chegou a ser tesoureiro do Imperador. Depois, por determinação de D. Pedro, acumulou o cargo de tesoureiro da Imperatriz.

Foi até (não podia haver posto de maior confiança...), foi até espião de D. Leopoldina! O Imperador, por tão altos serviços, condecorou-o com a Ordem do Cruzeiro e com a Ordem da Rosa. O Plácido fizera-se benemérito da pátria.

E como conseguiu o "varredor" do Paço infiltrar-se de tal jeito no coração do amo? Por um acontecimento cômico. Uma verdadeira maluquice de D. Pedro. Uma dessas muitíssimas maluquices do nosso simpático primeiro Imperador. O caso foi assim:
* * *

D. Pedro, como príncipe, recebia muito pouco dinheiro. A sua pensão era ridícula: um conto de réis E não havia força de D. João sair daquilo. O rei era um sovina tremendo. D. Pedro, temperamento de irrefletido, inteiramente oposto ao do pai, gastava ás mancheias, estouradamente, esbanjadamente. Por isso mesmo, enquanto príncipe, D. Pedro viveu em aperturas desesperadas. Mais duma vez, nos seus apuros, o herdeiro do trono recorreu a empréstimos envergonhantes. O Pilotinho, bodegueiro da Rua dos Barbonos, forneceu-lhe certa ocasião doze contos de réis. Manuel José Sarmento, pessoa pacata, antigo oficial de secretaria, socorreu-o muitíssimas vezes com quantias fortes. Ora, diante da usura do pai, para sair daquela situação humilhante de empréstimos e mais empréstimos, o príncipe tomou uma resolução heróica: resolveu ganhar dinheiro Resolveu ganhar dinheiro a todo transe, de qualquer jeito, desse no que desse. E que é que engendrou aquela cabeça de vento? Apenas isto: fazer uma sociedade mercantil com o Plácido. Imaginar e executar foi um pronto.

Apalavraram logo o contrato. E ambos, unindo os seus destinos, meteram-se a negociar. Um príncipe, o herdeiro do trono, a negociar de parceria com o seu barbeiro! Imaginai um pouco... E negociar em quê? Na única coisa de que D. Pedro realmente entendia: compra e venda de animais...

A sociedade principiou a funcionar sem demora. D. Pedro, em companhia do Plácido, ia quase toda a manhã ver as tropas que chegavam. Escolhia, num relance, os animais mais belos. Um golpe de vista espantoso! Apartava-os, pagava-os, mandava-os para as cavalariças do Paço. Diziam os tropeiros que o "moço tinha faro: enxergava logo a flor da manada..."

Depois, na cidade, a engrenagem do negócio era das mais simples. Uns dias de trato, os animais engordavam, o pêlo reluzia. O Plácido saía então em busca dos compradores. Uma facilidade. Bastava dizer a um daqueles fidalgotes endinheirados:

- O príncipe resolveu vender um belo animal. Belíssimo animal! É um dos mais soberbos das cavalariças do Paço. Por que Vossa Mercê não aproveita a ocasião?

O homem não titubeava. Corria ao Paço, via o cavalo, achava-o perfeito, comprava por qualquer preço. E saía honradíssimo, cheio de orgulho, a esparramar pela corte que adquirira um "cavalo das cavalariças reais..."

A sociedade, evidentemente, começou a prosperar. Os dois parceiros puseram-se a ganhar dinheiro à vontade. Dinheiro a rodo. D. Pedro andava contentíssimo O negócio era dos melhores, dos mais certos.

- Um negocião da China, como dizia alvoroçadamente o príncipe ao barbeiro; um negocião da China! E dizer que até hoje ninguém teve ainda essa idéia.

Mas, um dia, por fatalidade, aquela história foi parar aos ouvidos do Rei. D. João VI branqueou. Nunca, na sua vida, o pobre monarca enfureceu tanto! Aquela leviandade do príncipe revirou-lhe os nervos. Sacudiu-o! Mandou chamar imediatamente o filho.

D. Pedro, ao entrar, deparou com o pai de pé, revolucionado, o cenho torvamente cerrado. O rei tinha na mão a sua grossa bengala de castão de ouro. E numa fúria, espumejando:

- Então, seu grandíssimo canalha, vosmecê a negociar em animais? E a negociar de parceria com o Plácido, o barbeiro? Pois vosmecê, o herdeiro do trono, não tem vergonha nessa cara? O que eu devia fazer, seu cachorro, era quebrar-lhe a cara com esta bengala? Quebrar-lhe a cara, ouviu?

E erguia a bengala no ar, e bramia, e descompunha, e gaguejava de cólera. D. Pedro não negou. Confessou tudo com firmeza. D. João mandou buscar o Plácido. E ali mesmo:

- Você, de hoje em diante, está proibido de se meter em qualquer negócio com o príncipe. A sociedade está liquidada. Lucro, se houve, que fique para você. Não admito que meu filho toque num real dessa patifaria.

E desfez a sociedade.

Está claro que havia muitíssimo lucro no negócio. E o Plácido, o felizardo, ficou-se com aquele dinheirão todo. Principiou desde ai, com esse capital, a prosperar na vida. Ficou riquíssimo. Terminou numa das mais grandiosas fortunas do Primeiro Império.
* * *

Rompeu-se a sociedade mercantil, é verdade, mas não se rompeu a amizade velha que unia o amo e o criado. Ao contrário: afeiçoaram-se ambos mais estreitamente. Continuaram pela vida afora companheiros e íntimos. E agora, já imperador, D. Pedro não dispensava o Plácido.

Naquele momento, então, mais do que nunca, o favorito desempenhava esta nobre e alta missão: era o recadeiro entre D. Pedro e a filha do Inhambupe. Diga-se outra vez, a bem da justiça, que o Imperador, até aquele momento, não recebera da rapariga uma só prova, por pequenina que fosse, que demonstrasse ser correspondido na sua maluquice. Nunca a moça dissera-lhe um "muito obrigado!" Nunca, nos beija-mãos, esboçara um sorriso mais significativo. Nunca, no teatro, erguera ao camarim imperial um olhar que prometesse. D. Pedro notava aquilo. Reclamava. Mas, o Plácido, astucioso e hábil, explicava sempre:

- É para não dar na vista. Ela não quer comprometer-se. Haverá nada mais justo? Mas fique Vossa Majestade sossegado! Deixe o caso por minha conta...

Um dia, enfim, depois daquele suave período de galanterias, D. Pedro tomou uma resolução de louco. Uma resolução verdadeiramente incrível. Sua Majestade ordenou ao criado:

- Vá à casa do Inhambupe e traga-me a filha aqui.

- Aqui no Paço?

- Aqui no Paço! Vá já. Eu fico à espera...

E ficou à espera. As horas começaram a passar. Uma só idéia mordia-lhe o cérebro: será que a moça vem? E D. Pedro andava. Agitava-se. Fumava. O coração batia-lhe forte. Será que a moça vem? As horas passavam... Nada do Plácido! E o Imperador ansioso. E o Imperador cada vez mais aflito. E nada do Plácido! De repente, erguendo o reposteiro, surge o camarista de serviço. D. Pedro, ao vê-lo, arregalou os olhos, espantadíssimo:

- Que há?

- O Senhor Marquês de Inhambupe está na antecâmara. Veio em companhia de Plácido. O Marquês pede para falar urgentemente a Vossa Majestade.

D. Pedro empalideceu. O coração esfriou-lhe. Que diabo teria acontecido? Mas ordenou sem vacilar:

- Que entre!

O Marquês entrou. D. Pedro recebeu-o secamente. Estava nervoso e trêmulo.

- Que deseja Marquês?

O Inhambupe entrou logo em matéria:

- Vossa Majestade há de saber que o Plácido, há vários meses já, vem cortejando a minha filha...

- O Plácido?!

- Sim, o Plácido... Aparecia-me ele, quase todo o dia, com mimos para a rapariga. Era uma flor, uma caixa de confeitos, uma prenda. Eu nunca disse coisa alguma. O Plácido é bom rapaz, muito sensato, pessoa de bem. Homem um pouco madurão, é verdade; Vossa Majestade sabe que o nosso Plácido já passa dos quarenta! Mas eu também não gosto lá de peralvilhos... E por isso deixei a coisa tomar vulto. Hoje, para encurtar histórias, hoje, o homem surge-me lá em casa e pede-me a rapariga em casamento...

E D. Pedro, com assombro:

- O Plácido?

- Sim, Majestade. O Plácido! Pediu-me a rapariga em casamento. Eu, com franqueza, nada tenho contra ele. É pessoa que estimo, pessoa que já tem o seu pecúlio amealhado, uma pessoa, enfim, que não envergonha a gente. Mas eu disse-lhe (como o Plácido é servidor do Paço), que viria em primeiro lugar expor a Vossa Majestade. Estando Vossa Majestade de acordo, eu, evidentemente, também, estaria. Depende tudo de Vossa Majestade. Que é que Vossa Majestade resolve?

D. Pedro ouviu, estuporado. A cabeça dançava-lhe. Estava boquiaberto! Mas respondeu logo, automaticamente, num alvoroço:

- De pleno acordo, Marquês! De pleno acordo! O Plácido é excelente pessoa. A filha de Vossa Excelência faz um ótimo casamento. E um casamento do meu inteiro agrado! Pode ajustar as bodas...

O Marquês iluminou-se. E baboso de contentamento:

- Pois folgo muitíssimo em ver que Vossa Majestade consente... Folgo muitíssimo... À vista disso - não há mais dúvida - está ajustado o casamento. Vou levar já a boa nova à minha filha... Ergueu-se, beijou a mão do Imperador, saiu tonto de felicidade. D. Pedro acompanhou-o até à porta. E com um sorriso:

- Diga ao Plácido que entre, Marquês... Quero abraçá-lo!

E D. Pedro, um fundo vinco na testa, os braços cruzados, esperou o antigo barbeiro. O Plácido entrou. Vinha agoniado, o ar zonzo. Não teve coragem de fitar o amo: apenas, num aturdimento, atirou-se como louco aos pés do Imperador. E chorando, as mãos postas, pôs-se a bradar num desespero:

- Perdoe-me, Senhor D. Pedro! Perdoe-me! Eu fui um traidor! Um infame! Eu bem sei que fui indigno da confiança de Vossa Majestade...

E chorava desabaladamente. D. Pedro ergueu-o desarmado: aquelas lágrimas do amigo abrandaram-lhe imediatamente as iras. D. Pedro sorriu um sorrisinho malicioso. E:

- Mas que é que aconteceu, homem? Que é que significa esta comédia? Vamos lá. Explica-te...

- É que eu gosto da moça, Majestade! Eu sempre gostei dela! Aquela rapariga é a minha paixão! É o meu sonho! E eu - Vossa Majestade me perdoe! - eu não pude resistir: cortejei-a para mim...

D. Pedro, no fundo, era uma alma encantadora. Aquela aventura do criado, verdadeira página de opereta, entrou-lhe vencedoramente pelo coração adentro. Todo o seu furor, dissipou-se.

Aquilo era dum cômico feroz, irresistível... E ali, diante do noivo trêmulo, de olhos molhados, D. Pedro não pôde reprimir-se: soltou uma gargalhada gostosa, uma gargalhada que lhe brotou
sonoramente na alma!

- Oh! seu moleque, eu devia mandar-te para a forca; ouviste? Então, canalha, em vez de conquistar a moça para mim, foste arranjar noiva para ti? Oh! grandíssimo tipo...

- Perdoe-me, Senhor D. Pedro, tornava Plácido, murcho. Perdoe-me! Foi uma traição, eu sei, mas eu gosto tanto da moça! Perdoe-me...

E D. Pedro, jovialmente:

- Pois estás perdoado! Estás perdoado, seu traste! E agora, como Imperador, ordeno que faças a rapariga feliz. Se a não fizeres - vê lá - mando-te para o aljube...

O Plácido abriu-se num sorriso. Era uma delícia o vê-lo assim, diante do amo, rindo e chorando, o ar aparvalhado. E D. Pedro, para coroa daquilo tudo, abriu o contador, escolheu uma bela borboleta de pedras, entregou-a cavalheirescamente ao Plácido:

- Toma lá, meu amigo. Coloca isto nos cabelos de tua noiva... É uma lembrança minha. E mandou a jóia para a filha do Inhambupe.
* * *

A notícia do casamento estrondou como uma bomba. Foi um choque! O Rio inteiro comentou... João Loureiro, que viveu no Brasil uma larga temporada, tendo a boa idéia de escrever montes de cartas sobre tudo quanto se passava na Corte por esse tempo, mandou ao Reino um comentário ao inesperado acontecimento social. Lá diz o curioso bisbilhoteiro:

"Isto, e "o casamento do Plácido", criado do Imperador, com huma filha do Marquez de Inhambupe, tem ocupado todas as attencões e conversas, já não digo dos salões, que cá não há, mas das salinhas..."

Fonte:
SETÚBAL, Paulo. As Maluquices do Imperador. RJ: Companhia Editora Nacional, 1984.

Paulo Setúbal (1893-1937)



Paulo Setúbal de Oliveira, advogado, jornalista, ensaísta, poeta e romancista, nasceu em Tatuí, SP, em 1º de janeiro de 1893, e faleceu em São Paulo, SP, em 4 de maio de 1937.

Órfão de pai aos quatro anos, sua mãe cuidou sozinha de nove filhos pequenos. Ela colocou o pequeno Paulo como interno no colégio do seu Chico Pereira e começou a trabalhar para viver e sustentar os filhos. Transferindo-se com a família para São Paulo, o adolescente Paulo entrou para o Ginásio Nossa Senhora do Carmo, dos irmãos maristas, onde estudou durante seis anos. Aí começou o interesse pela literatura e pela filosofia. Leu Kant, Spinoza, Rousseau, Schopenhauer, Voltaire e Nietzsche. Na literatura, influenciou-o sobretudo a leitura de Guerra Junqueiro e Antero de Quental. Muitas passagens do seu primeiro livro de poesias, Alma cabocla, lembram a Musa em férias de Guerra Junqueiro.

Esse período de sua vida é de franco e desenfreado ateísmo. Fez o curso de Direito em São Paulo. Ainda freqüentava o 2º ano quando decidiu fazer-se jornalista. Era a época da campanha civilista quando foi procurar emprego no diário A Tarde. Lá ingressou como revisor; logo a seguir, a publicação de uma de suas poesias naquele jornal deu-lhe notoriedade imediata, e ele ganhou sua primeira coluna como redator. Já nessa época começava a sentir os sinais da tuberculose que iria obrigá-lo a freqüentes interrupções no trabalho, para repouso.

Concluído o curso de Direito em 1915, iniciou carreira na advocacia em São Paulo. Em 1918, devido à gripe espanhola, Paulo Setúbal partiu para Lages, em Santa Catarina, onde morava o irmão mais velho, e lá tornou-se um advogado bem-sucedido. Levava, porém, uma vida dissoluta, às voltas com mulheres e com o jogo. Cansado de tudo, voltou para São Paulo, e também lá se estabeleceu como advogado.

Iniciou-se, então, a principal fase de sua produção literária, que o levaria a ser o escritor mais lido do país. Destaca-se, especialmente, pelo gênero do romance histórico, com A marquesa de Santos (1925) e O príncipe de Nassau (1926). Sabia como romancear os fatos do passado, tornando-os vivos e agradáveis à leitura. Os sucessivos livros que escreveu sobre o ciclo das bandeiras, a começar com O ouro de Cuiabá (1933) até O sonho das esmeraldas (1935), tinham o sentido social de levantar o orgulho do povo bandeirante na fase pós-Revolução constitucionalista (1932) em São Paulo, trazendo o passado em socorro do presente.

Em 1935, Paulo Setúbal chegou ao apogeu, sendo consagrado pela Academia Brasileira de Letras. Mas, nesse mesmo 1935 ele ingressa em nova fase da crise espiritual que vinha de longe e que terá repercussão em sua literatura. O temperamento sociável, expansivo e alegre; o freqüentador de festas e reuniões dava lugar ao homem introspectivo, vivendo apenas cercado da família e dos amigos mais próximos. Aos problemas crônicos de saúde acrescentava-se a minagem psicológica ocasionada pela desilusão com os rumos da política e consigo mesmo. Entrou a freqüentar fervorosamente a igreja da Imaculada Conceição, perto de sua residência em São Paulo, e a ler a Bíblia e livros como a Psicologia da fé e A imitação de Cristo. É quando escreve o Confíteor, livro de memórias, a narrativa de sua conversão, que ficou inacabado, pois faleceu em São Paulo, SP, em 4 de maio de 1937.

Obras:
Alma cabocla, poesia (1920);
A marquesa de Santos, romance-histórico (1925);
O príncipe de Nassau, romance histórico (1926);
As maluquices do Imperador, contos-históricos (1927);
Nos bastidores da história, contos (1928);
O ouro de Cuiabá, história (1933);
Os irmãos Leme, romance (1933);
El-dourado, história (1934);
O romance da prata, história (1935);
O sonho das esmeraldas (1935);
Um sarau no Paço de São Cristóvão (1936);
A fé na formação da nacionalidade, ensaio (1936);
Confíteor, memórias (1937).

Fonte:
Academia Brasileira de Letras

Florbela Espanca (Livro de Mágoas)


ESTE LIVRO ...

Este livro é de mágoas. Desgraçados
Que no mundo passais, chorai ao lê-lo!
Somente a vossa dor de Torturados
Pode, talvez, senti-lo ... e compreendê-lo.

Este livro é para vós. Abençoados
Os que o sentirem , sem ser bom nem belo!
Bíblia de tristes ... Ó Desventurados,
Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo!

Livro de Mágoas ... Dores ... Ansiedades!
Livro de Sombras ... Névoas e Saudades!
Vai pelo mundo ... (Trouxe-o no meu seio ...)

Irmãos na Dor, os olhos rasos de água,
Chorai comigo a minha imensa mágoa,
Lendo o meu livro só de mágoas cheio! ...

VAIDADE

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo ...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho ... E não sou nada! ...

EU

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida! ...

Sou aquela que passa e ninguém vê ...
Sou a que chamam triste sem o ser ...
Sou a que chora sem saber porquê ...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

CASTELÃ DA TRISTEZA

Altiva e couraçada de desdém,
Vivo sozinha em meu castelo: a Dor!
Passa por ele a luz de todo o amor ...
E nunca em meu castelo entrou alguém!

Castelã da Tristeza, vês? ... A quem? ...
– E o meu olhar é interrogador –
Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pôr ...
Chora o silêncio ... nada ... ninguém vem ...

Castelã da Tristeza, porque choras
Lendo, toda de branco, um livro de horas,
À sombra rendilhada dos vitrais? ...

À noite, debruçada, plas ameias,
Porque rezas baixinho? ... Porque anseias? ...
Que sonho afagam tuas mãos reais? ...

TORTURA

Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
– E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento! ...

Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
– E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento ...

São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!

LÁGRIMAS OCULTAS

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida ...

E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago ...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim ...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

TORRE DE NÉVOA

Subi ao alto, à minha Torre esguia,
Feita de fumo, névoas e luar,
E pus-me, comovida, a conversar
Com os poetas mortos, todo o dia.

Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
Dos versos que são meus, do meu sonhar,
E todos os poetas, a chorar,
Responderam-me então: “Que fantasia,

Criança doida e crente! Nós também
Tivemos ilusões, como ninguém,
E tudo nos fugiu, tudo morreu! ...”

Calaram-se os poetas, tristemente ...
E é desde então que eu choro amargamente
Na minha Torre esguia junto ao céu! ...

A MINHA DOR

À você

A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.

Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal ...
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias ...

A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve ... ninguém vê ... ninguém ...

DIZERES ÍNTIMOS

É tão triste morrer na minha idade!
E vou ver os meus olhos, penitentes
Vestidinhos de roxo, como crentes
Do soturno convento da Saudade!

E logo vou olhar (com que ansiedade! ...)
As minhas mãos esguias, languescentes,
De brancos dedos, uns bebês doentes
Que hão-de morrer em plena mocidade!

E ser-se novo é ter-se o Paraíso,
É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,
Aonde tudo é luz e graça e riso!

E os meus vinte e três anos ... (Sou tão nova!)
Dizem baixinho a rir: “Que linda a vida! ...”
Responde a minha Dor: “Que linda a cova!”

AS MINHAS ILUSÕES

Hora sagrada dum entardecer
De Outono, à beira-mar, cor de safira,
Soa no ar uma invisível lira ...
O sol é um doente a enlanguescer ...

A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num último suspiro, a estremecer!

O sol morreu ... e veste luto o mar ...
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
À flor das ondas, num lençol de espuma.

As minhas Ilusões, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna de oiro,
No mar da Vida, assim ... uma por uma ...

NEURASTENIA

Sinto hoje a alma cheia de tristeza!
Um sino dobra em mim Ave-Maria!
Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias,
Faz na vidraça rendas de Veneza ...

O vento desgrenhado chora e reza
Por alma dos que estão nas agonias!
E flocos de neve, aves brancas, frias,
Batem as asas pela Natureza ...

Chuva ... tenho tristeza! Mas porquê?!
Vento ... tenho saudades! Mas de quê?!
Ó neve que destino triste o nosso!

Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!
Gritem ao mundo inteiro esta amargura,
Digam isto que sinto que eu não posso!! ...

PEQUENINA
À Maria Helena Falcão Risques

És pequenina e ris ... A boca breve
É um pequeno idílio cor-de-rosa ...
Haste de lírio frágil e mimosa!
Cofre de beijos feito sonho e neve!

Doce quimera que a nossa alma deve
Ao Céu que assim te faz tão graciosa!
Que nesta vida amarga e tormentosa
Te fez nascer como um perfume leve!

O ver o teu olhar faz bem à gente ...
E cheira e sabe, a nossa boca, a flores
Quando o teu nome diz, suavemente ...

Pequenina que a Mãe de Deus sonhou,
Que ela afaste de ti aquelas dores
Que fizeram de mim isto que sou!

A MAIOR TORTURA
A um grande poeta de Portugal!

Na vida, para mim, não há deleite.
Ando a chorar convulsa noite e dia ...
E não tenho uma sombra fugidia
Onde poise a cabeça, onde me deite!

E nem flor de lilás tenho que enfeite
A minha atroz, imensa nostalgia! ...
A minha pobre Mãe tão branca e fria
Deu-me a beber a Mágoa no seu leite!

Poeta, eu sou um cardo desprezado,
A urze que se pisa sob os pés.
Sou, como tu, um riso desgraçado!

Mas a minha tortura inda é maior:
Não ser poeta assim como tu és
Para gritar num verso a minha Dor! ...

A FLOR DO SONHO

A Flor do Sonho, alvíssima, divina,
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.

Pende em meu seio a haste branda e fina
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim! ...
Milagre ... fantasia ... ou, talvez, sina ...

Ó Flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?! ...

Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minha’alma
E nunca, nunca mais eu me entendi ...

NOITE DE SAUDADE

A Noite vem poisando devagar
Sobre a Terra, que inunda de amargura ...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura ...

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura ...
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!

Por que és assim tão escura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma Saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu sei donde me vem ...
Talvez de ti, ó Noite! ... Ou de ninguém! ...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!

ANGÚSTIA

Tortura do pensar! Triste lamento!
Quem nos dera calar a tua voz!
Quem nos dera cá dentro, muito a sós,
Estrangular a hidra num momento!

E não se quer pensar! ... e o pensamento
Sempre a morder-nos bem, dentro de nós ...
Querer apagar no céu – ó sonho atroz! –
O brilho duma estrela, com o vento! ...

E não se apaga, não ... nada se apaga!
Vem sempre rastejando como a vaga ...
Vem sempre perguntando: “O que te resta? ...”

Ah! não ser mais que o vago, o infinito!
Ser pedaço de gelo, ser granito,
Ser rugido de tigre na floresta!

AMIGA

Deixa-me ser a tua amiga, Amor,
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor,
A mais triste de todas as mulheres.

Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!

Beija-me as mãos, Amor, devagarinho ...
Como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho ...

Beija-mas bem! ... Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos
Os beijos que sonhei prà minha boca! ...

DESEJOS VÃOS

Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!

Eu queria ser o Sol, a luz imensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até a morte!

Mas o Mar também chora de tristeza ...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras ... essas ... pisa-as toda a gente! ...

PIOR VELHICE

Sou velha e triste. Nunca o alvorecer
Dum riso são andou na minha boca!
Gritando que me acudam, em voz rouca,
Eu, náufraga da Vida, ando a morrer!

A Vida, que ao nascer, enfeita e touca
De alvas rosas a fronte da mulher,
Na minha fronte mística de louca
Martírios só poisou a emurchecer!

E dizem que sou nova ... A mocidade
Estará só, então, na nossa idade,
Ou está em nós e em nosso peito mora?!

Tenho a pior velhice, a que é mais triste,
Aquela onde nem sequer existe
Lembrança de ter sido nova ... outrora ...

A UM LIVRO

No silêncio de cinzas do meu Ser
Agita-se uma sombra de cipreste,
Sombra roubada ao livro que ando a ler,
A esse livro de mágoas que me deste.

Estranho livro aquele que escreveste,
Artista da saudade e do sofrer!
Estranho livro aquele em que puseste
Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!

Leio-o, e folheio, assim, toda a minh’alma!
O livro que me deste é meu, e salma
As orações que choro e rio e canto! ...

Poeta igual a mim, ai que me dera
Dizer o que tu dizes! ... Quem soubera
Velar a minha Dor desse teu manto! ...

ALMA PERDIDA

Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente ...
Talvez sejas a alma, a alma doente
Dalguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste ... e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh’alma
Que chorasse perdida em tua voz! ...

DE JOELHOS

“Bendita seja a Mãe que te gerou.”
Bendito o leite que te fez crescer
Bendito o berço aonde te embalou
A tua ama, pra te adormecer!

Bendita essa canção que acalentou
Da tua vida o doce alvorecer ...
Bendita seja a Lua, que inundou
De luz, a Terra, só para te ver ...

Benditos sejam todos que te amarem,
As que em volta de ti ajoelharem
Numa grande paixão fervente e louca!

E se mais que eu, um dia, te quiser
Alguém, bendita seja essa Mulher,
Bendito seja o beijo dessa boca!!

LANGUIDEZ

Tardes da minha terra, doce encanto,
Tardes duma pureza de açucenas,
Tardes de sonho, as tardes de novenas,
Tardes de Portugal, as tardes de Anto,

Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!
Horas benditas, leves como penas,
Horas de fumo e cinza, horas serenas,
Minhas horas de dor em que eu sou santo!

Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Asas leves cansadas de voar ...

E a minha boca tem uns beijos mudos ...
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar ...

PARA QUÊ?!

Tudo é vaidade neste mundo vão ...
Tudo é tristeza, tudo é pó, é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!

Até o amor nos mente, essa canção
Que o nosso peito ri à gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão! ...

Beijos de amor! Pra quê?! ... Tristes vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!

Só neles acredita quem é louca!
Beijos de amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta! ...

AO VENTO

O vento passa a rir, torna a passar,
Em gargalhadas ásperas de demente;
E esta minh’alma trágica e doente
Não sabe se há-de rir, se há-de chorar!

Vento de voz tristonha, voz plangente,
Vento que ris de mim sempre a troçar,
Vento que ris do mundo e do amor,
A tua voz tortura toda a gente! ...

Vale-te mais chorar, meu pobre amigo!
Desabafa essa dor a sós comigo,
E não rias assim ! ... Ó vento, chora!

Que eu bem conheço, amigo, esse fadário
Do nosso peito ser como um Calvário,
e a gente andar a rir pla vida fora!! ...

TÉDIO

Passo pálida e triste. Oiço dizer:
“Que branca que ela é! Parece morta!”
e eu que vou sonhando, vaga, absorta,
não tenho um gesto, ou um olhar sequer ...

Que diga o mundo e a gente o que quiser!
– O que é que isso me faz? O que me importa? ...
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!

O que é que me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!

E é tudo sempre o mesmo, eternamente ...
O mesmo lago plácido, dormente ...
E os dias, sempre os mesmos, a correr ...

A MINHA TRAGÉDIA

Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!

Ó minha vã, inútil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida! ...
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade! ...

Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!

Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim! ...

SEM REMÉDIO

Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou ...
Não sabem que passou, um dia, a Dor
À minha porta e, nesse dia, entrou.

E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!

Sinto os passos da Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!

MAIS TRISTE

É triste, diz a gente, a vastidão
Do mar imenso! E aquela voz fatal
Com que ele fala, agita o nosso mal!
E a Noite é triste como a Extrema-Unção!

É triste e dilacera o coração
Um poente do nosso Portugal!
E não vêem que eu sou ... eu ... afinal,
A coisa mais magoada das que são?! ...

Poentes de agonia trago-os eu
Dentro de mim e tudo quanto é meu
É um triste poente de amargura!

E a vastidão do Mar, toda essa água
Trago-a dentro de mim num mar de Mágoa!
E a noite sou eu própria! A Noite escura!!

VELHINHA

Se os que me viram já cheia de graça
Olharem bem de frente em mim,
Talvez, cheios de dor, digam assim:
“Já ela é velha! Como o tempo passa! ...”

Não sei rir e cantar por mais que faça!
Ó minhas mãos talhadas em marfim,
Deixem esse fio de oiro que esvoaça!
Deixem correr a vida até o fim!

Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!
Tenho cabelos brancos e sou crente ...
Já murmuro orações ... falo sozinha ...

E o bando cor-de-rosa dos carinhos
Que tu me fazes, olho-os indulgente,
Como se fosse um bando de netinhos ...

EM BUSCA DO AMOR

O meu Destino disse-me a chorar:
“Pela estrada da Vida vai andando,
E, aos que vires passar, interrogando
Acerca do Amor, que hás-de encontrar.”

Fui pela estrada a rir e a cantar,
As contas do meu sonho desfilando ...
E noite e dia, à chuva e ao luar,
Fui sempre caminhando e perguntando ...

Mesmo a um velho eu perguntei: “Velhinho,
Viste o Amor acaso em teu caminho?”
E o velho estremeceu ... olhou ... e riu ...

Agora pela estrada, já cansados,
Voltam todos pra trás desanimados ...
E eu paro a murmurar: “Ninguém o viu! ...”

IMPOSSÍVEL

Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste:
“Parece Sexta-Feira de Paixão.
Sempre a cismar, cismar de olhos no chão,
Sempre a pensar na dor que não existe ...

O que é que tem?! Tão nova e sempre triste!
Faça por estar contente! Pois então?! ...”
Quando se sofre, o que se diz é vão ...
Meu coração, tudo, calado, ouviste ...

Os meus males ninguém mos adivinha ...
A minha Dor não fala, anda sozinha ...
Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera! ...

Os males de Anto toda a gente os sabe!
Os meus ... ninguém ... A minha Dor não cabe
Nos cem milhões de versos que eu fizera! …
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Fonte:
ESPANCA, Florbela. Sonetos. Amadora, Portugal : Bertrand, 1978.
Texto de A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro

Literatura Brasileira (Parte 12 = Modernismo - Primeira Fase)


O período de 1922 a 1930 é o mais radical do movimento modernista, justamente em conseqüência da necessidade de definições e do rompimento de todas as estruturas do passado. Daí o caráter anárquico desta primeira fase modernista e seu forte sentido destruidor.

Ao mesmo tempo em que se procura o moderno, o original e o polêmico, o nacionalismo se manifesta em suas múltiplas facetas: uma volta às origens, à pesquisa das fontes quinhentistas, à procura de uma língua brasileira (a língua falada pelo povo nas ruas), às paródias, numa tentativa de repensar a história e a literatura brasileiras, e à valorização do índio verdadeiramente brasileiro. É o tempo dos manifestos nacionalistas do "Pau-Brasil" (o Manifesto do Pau-Brasil, escrito por Oswald de Andrade em 1924, propõe uma literatura extremamente vinculada à realidade brasileira) e da "Antropofagia” ("Revista de Antropofagia", publicação semanal que reunia o grupo mais nacionalista da primeira fase do Modernismo. Teve 26 números, publicados entre maio de 1928 e agosto de 1929.) dentro da linha comandada por Oswald de Andrade. Mas havia também os manifestos do Verde-Amarelismo e o do Grupo da Anta, que trazem a semente do nacionalismo fascista comandado por Plínio Salgado.

\No final da década de 20, a postura nacionalista apresenta duas vertentes distintas: de um lado, um nacionalismo crítico, consciente, de denúncia da realidade brasileira e identificado politicamente com as esquerdas; de outro, o nacionalismo ufanista, utópico, exagerado, identificado com as correntes políticas de extrema direita.

Entre os principais nomes dessa primeira fase do Modernismo, que continuariam a produzir nas décadas seguintes, destacam-se Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Antônio de Alcântara Machado, além de Menotti Del Picchia, Cassiano Ricardo, Guilherme de Almeida e Plínio Salgado.
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Anteriores
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Parte 5 - Romantismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-5-o.html
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Parte 7 - Naturalismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-7.html
Parte 8 – Paranasianismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-8-o.html
Parte 9 – Simbolismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-9-o.html
Parte 10 - Pré-Modernismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/07/literatura-brasileira-parte-10-pre.html
Parte 11 - Semana de Arte Moderna -
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/07/literatura-brasileira-parte-11-semana.html
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Fonte:
http://www.vestibular1.com.br

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Trova 160 - Vania Maria Souza Ennes (Curitiba/PR)

Montagem da trova sobre diversas imagens obtidas na internet, sem autoria.

Benedito Camargo Madeira (No Compasso da Trova)


Navegando no inaudito...
com Deus no leme - amparado
não temo o além do infinito,
nem o que há do outro lado!...

Por mais longe o afastamento,
não me abala coisa alguma:
- para tê-la em pensamento
não há distância nenhuma!...

O amanhecer bem disperso
é de uma extrema beleza:
é o teatro do universo...
no palco da natureza!

Não adianta esconder
nada do mal que nos acontece:
a verdade é demorada,
mas, ela sempre aparece!

O entardecer... como é lindo
o sol se pondo, em centelhas...
despede o dia, sorrindo,
por entre nuvens vermelhas!

Na fase escura da vida...
tenha fé - deixe-a passar:
- é feito a lua escondida,
que depois volta a brilhar!

Deus, com toda realeza,
num dia lindo e fecundo,
deu à "Virtude" a grandeza
de ser a chave do mundo!...

As coisas que o embaraçam,
cuide, com fé, revertê-las:
são feito nuvens que passam
cobrindo a luz das estrelas!

Navegando sobre espuma
e, Deus no leme, ao meu lado,
não temo onda nenhuma,
mesmo com mar agitado!...

Deus, na excelsa realeza,
num dia lindo e fecundo,
fez a Mulher... na grandeza
da maior obra do mundo!...

Teu sorriso é só doçura
a transbordar esperança...
- É uma fonte de ternura,
onde minha alma descansa!

Pelo tempo - amareladas...
de um passado de esplendor,
tenho ainda bem guardadas,
as tuas cartas de amor!...

Fonte:
http://www.ubtjf.hpg.ig.com.br/

Benedito Camargo Madeira (1930)



Natural de Pouso Alegre (MG), nascido no dia 01 de abril de 1930, filho de Vicente Madeira e Dolores Camargo Madeira (já falecidos). É casado com dona Maria Helena Gobbo Madeira, tem três filhos e duas netas.

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas e Fiscal Federal do Trabalho (aposentado). É membro da Associação dos Diplomatas da Escola Superior de Guerra, da Sociedade Numismática Brasileira, do Clube da Medalha da Casa da Moeda do Brasil e da União Brasileira dos Trovadores - Seção de Pouso Alegre.

Jornalista, fundador, diretor e redator do Informativo Pouso-alegrense, jornal e revista, publicados entre 1956 a 1962.

Foi membro da antiga Arcádia de Pouso Alegre e de outras entidades culturais, algumas já extintas, tais como:
– Associação Uruguaianense de Escritores e Editores - 1967,
– Instituto Histórico e Geográfico de Uruguaiana (RS),
– Academia Internacional de Ciências Humanisticas,
– Clube da Poesia de Uruguaiana (RS),
– Academia de Letras da Fronteira Sudeste do RS,
– Academia Internacional de Heráltica e Genealogia (RS),
– Academia Internacional de Letras 3 Fronteiras - Quaraí - Uruguai e
– Grêmio Brasileiro dos Trovadores (Bahia).

Detentor de vários prêmios literários, inclusive, o troféu Luiz Otávio "Magnífico Trovador".

Tomou parte nas Coletâneas de trovas: Meus Irmãos os Trovadores (Luiz Otávio); Trovadores do Brasil (Aparício Fernandes); Madrigal dos Trovadores (Mauro Damota); Na taça da Saudade; Cancioneiros do Mandu e Enquanto o Mandu Corre...

Autor e Editor do livro: "A MOEDA ATRAVÉS DOS TEMPOS" (2 Edições), com repercussões além fronteiras.

Fonte:
http://www.ubtjf.hpg.ig.com.br/

Literatura Brasileira (Parte 11 = A Semana de Arte Moderna)


O Modernismo, como tendência literária, ou estilo de época, teve seu prenúncio com a realização da Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São Paulo, nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922. Idealizada por um grupo de artistas, a Semana pretendia colocar a cultura brasileira a par das correntes de vanguarda do pensamento europeu, ao mesmo tempo em que pregava a tomada de consciência da realidade brasileira.

O Movimento não deve ser visto apenas do ponto de vista artístico, como recomendam os historiadores e críticos especializados em história da literatura brasileira, mas também como um movimento político e social. O país estava dividido entre o rural e o urbano. Mas o bloco urbano não era homogêneo. As principais cidades brasileiras, em particular São Paulo, conheciam uma rápida transformação como conseqüência do processo industrial. A primeira Guerra Mundial foi a responsável pelo primeiro surto de industrialização e conseqüente urbanização. O Brasil contava com 3.358 indústrias em 1907. Em 1920, esse número pulou para 13.336. Isso significou o surgimento de uma burguesia industrial cada dia mais forte, mas marginalizada pela política econômica do governo federal, voltada para a produção e exportação do café.

Imigrantes - Ao lado disso, o número de imigrantes europeus crescia consideravelmente, especialmente os italianos, distribuindo-se entre as zonas produtoras de café e as zonas urbanas, onde estavam as indústrias. De 1903 a 1914, o Brasil recebeu nada menos que 1,5 milhão de imigrantes. Nos centros urbanos criou-se uma faixa considerável de população espremida pelos barões do café e pela alta burguesia, de um lado, e pelo operariado, de outro. Surge a pequena burguesia, formada por funcionários públicos, comerciantes, profissionais liberais e militares, entre outros, criando uma massa politicamente "barulhenta" e reivindicatória.

A falta de homogeneidade no bloco urbano tem origem em alguns aspectos do comportamento do operariado. Os imigrantes de origem européia trazem suas experiências de luta de classes. Em geral esses trabalhadores eram anarquistas e suas ações resultavam, quase sempre, em greves e tensões sociais de toda sorte, entre 1905 e 1917. Um ano depois, quando ocorreu a Revolução Russa, os artigos na imprensa a esse respeito tornaram-se cada vez mais comuns. O Partido Comunista seria fundado em 1922. Desde então, ocorreria o declínio da influência anarquista no movimento operário.

Desta forma, circulavam pela cidade de São Paulo, numa mesma calçada, um barão do café, um operário anarquista, um padre, um burguês, um nordestino, um professor, um negro, um comerciante, um advogado, um militar, etc., formando, de fato, uma "paulicéia desvairada" (título de célebre obra de Mário de Andrade). Esse desfile inusitado e variado de tipos humanos serviu de palco ideal para a realização de um evento que mostrasse uma arte inovadora a romper com as velhas estruturas literárias vigentes no país.
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Anteriores
Parte 1 - Origens = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-1-origens.html
Parte 2 - Quinhentismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-2-o.html
Parte 3 - Barroco = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-3-o-barroco.html
Parte 4 - Arcadismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-4-o.html
Parte 5 - Romantismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-5-o.html
Parte 6 - Realismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-6-realismo.html
Parte 7 - Naturalismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-7.html
Parte 8 – Paranasianismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-8-o.html
Parte 9 – Simbolismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-9-o.html
Parte 10 - Pré-Modernismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/07/literatura-brasileira-parte-10-pre.html

Fonte:
http://www.vestibular1.com.br/

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Heitor Stockler (Poemas Avulsos)


Cativa-me o beijo quente
dos lábios da minha amada,
como a papoula atraente
fascina a abelha dourada.

MADRIGAL

Aquela mulher divina
Queb tem canários na voz,
Porser bela e peregrina,
Judia de todos nós.

Mas um dia... ela me ouvindo
Falar de amor e paixão,
Virá, no anseio mais lindo,
Entregar-me o coração.

E eu, gentil e contente,
Tomá-lo-ei com carinho,
Para pô-lo bem juntinho
Do meu coração ardente.

E nunca mais eles dois,
Poder-se-ão separar,
Porque saberão amar
Agora, hoje e depois.

E ambos puros e irmanados,
Como um relógio batendo,
Para nós ficarão sendo
Corações aventurados.

Então, a morte que passa
E leva a vida da gente,
Nos dará a infinita graça
De viver eternamente!

EMÍLIO DE MENEZES

Habita, finalmente, o primoroso esteta
A região da tristeza, e da eterna saudade...
Que vácuo por aqui e que mágoa secreta.
A amigos corações, acerbamente, invade.

Punge-me recordar que falta faz o poeta
Ideal do trocadilho e de jovialidade...
Era um prazer fruir, na roda predileta
Onde Emílio estivesse, a boêmia alacridade.

E creio sempre mais, Emílio era um somente,
Do artístico soneto ao jocoso candente,
Ele bem conhecia os íntimos arcanos.

Glória! Glória perpétua ao fulgurante artista,
Ao príncipe imortal da sátira imprevista,
A Emílio - o grande Rei dos poetas parnasianos!

DENTRO DE UM GRANDE SONHO

Alma simples de poeta e corsação sem jaça,
Nasci para ser bom, livre de preconceito,
Vivendo para amar na beleza e na graça
Tudo que é natural e tudo que é perfeito.

E sinto este meu ser já de tal forma afeito
A esse fino prazer, licor de azúlea taça,
Que me julgo feliz, glorioso e satisfeito
Ma artística emoção que todo me repassa.

Embora a figurar na áurea legião da rima,
Não vislumbro fulgor no estro que me anima,
Nem sei se há vibração nos versos que componho.

E assim, tal como a névoa errante pela altura
Infinita do Céu, a mim se me afigura
Que passo por aqui dentro de um grande sonho!

FINIS

Talvez não seja o meu amor extinto.
Quem sabe? Penso e fico menos triste.
E algum prazer só de pensar eu sinto...
Só de pensar que o meu amor existe.

- E existe, disse ao coração, - existe!

Mas, me enganei, fora ilusão fugace,
Quanta perfídia ela guardava em si.
E se calou, ao menos se falasse...
Se me falasse eu via que menti.

- Menti, diria ao coração, - menti!

Porém, agora, é tudo descoberto...
Se perguntar-me o desespero seu:
- Que é desse amor, que eu já contava certo?...
- Que é desse amor? Existe ou já morreu?

- Morreu! Direi ao coração, - morreu!
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Fonte:
– STOCKLER, Heitor. Poemas Escolhidos: edição comemorativa ao 1. centenário de nascimento do poeta. Coleção da Academia Paranaense de Letras. 1988.

Heitor Stockler (1888 – 1975)


Heitor Stockler de França nasceu no dia 5 de novembro de 1888, na cidade de Palmeira, interior do Paraná, filho de Leandrina Marcondes Ribas Stockler e Capitão João de Araújo França, industrial com engenho de erva-mate, comerciante, agricultor e pecuarista.

Aos dois anos de idade ficou órfão de pai.

Por vocação, ingressou no comércio como caixeiro da firma Guilherme Brafmann (panificação), depois com o seu sucessor Jorge Elias Chueiri (fazendas e secos e molhados) e, após, com Chede Abrahão (atacadista de fazendas e armarinhos). Trabalhou também como escrivão na Coletoria Estadual de Rendas.

Aos 17 anos, em Ponta Grossa trabalhou com fazendas, modas, armarinhos e secos e molhados.

Aos 18 anos, foi para Curitiba onde trabalhou na Casa Carioca.

Em 1914, estabeleceu-se com livraria e tipografia, sob o nome de “Livraria Mundial”, que por muitos anos foi o ponto de encontro da intelectualidade.

Radicado em Curitiba, participou ativamente de todos os momentos sociais e culturais da cidade, casando-se com Brasília Taborda Ribas.

Completou o curso ginasial em Curitiba, em 1936. Terminou o curso superior na Faculdade de Direito da Universidade do Paraná, bacharelando-se em Ciências Jurídicas e Sociais, em dezembro de 1941.

Desde menino sentia-se atraído para a literatura e aos 15 anos fez-se conhecer ao público, através de trabalhos diversos em prosa e verso. Tornaram-se nacionalmente reverenciados seus Poemas de Natal, Poema Exortação e o Poema Estelário do Brasil.

Sentia-se atraído por jornalismo, através da imprensa e do rádio. Escrevia diariamente sobre tudo a seu redor, tendo participação no vespertino “Diário da Tarde” com a seção “Motivos da Cidade”. Depois, no mesmo jornal, a coluna “Tudo é Motivo”, que após publicadas eram lidas por ele mesmo na Rádio PRB-2. Nesta época manteve assuas concorridas Tertúlias Literárias, com grande divulgação de autores paranaenses. No Diário da Tarde escreveu maisde 100 crônicas, chamadas Variações do Cotidiano.

Colaborou com jornais e revistas de todo o país. Em Curitiba foi redator e revisor da revista Expansão e do jornal Senhorita.

Em 1944, com um grupo de industriais, com a chancela do então interventor Manoel Ribas, fundou a Federação das Indústrias do Estado do Paraná, presidindo-a no período de 1946 a 1958, com proficiência e dedicação.

Em 1974, distribuiu uma mensagem original de final de ano: o livro com sua produção poética de 1948 a 1973, editado com o título Poemas de Natal.

Como escritor, Heitor Stockler de França destacou-se na poesia, com vários livros publicados e como membro ativo da Academia Paranaense de Letras, em que ocupou a Cadeira n.º 36.

Convivera com os principais intelectuais do Paraná: os poetas Emiliano Perneta, Emílio de Menezes, Sharffenberg de Quadros e do historiador Rocha Pombo.

Foi poeta lírico de alta sensibilidade e de grande carga emotiva que apareciam em seus poemas que surgiam de sua fértil inspiração.

Sua obra poética é bastante grande e aparece como exemplo de otimismo e de alegria de viver. Assim era o poeta que sempre estava ao lado de seus amigos.

Escreveu dezenas de letras para hinos e músicas diversas, em colaboração com professores e maestros de renome, como Bento Mossurunga (Moinhos ideais = folclore; Campeiras de nossa terra = folclore; Hino do Grupo Escoteiro São Luiz, etc.), Wolf Schaia (Bodas de Prata), José Penalva (Hino da Escola São Francisco de Assis), Rodoplho Krueger(Você = valsa), compositora Marita França (Nas asas da ilusão = valsa), etc.

Heitor Stockler de França faleceu no início de 1975, em 11 de janeiro. Assim o Paraná perdia aquele que foi considerado o maior poeta paranaense e que recebera o título de “Príncipe dos Poetas do Paraná” em pesquisa de opinião promovida pelo jornal O Estado do Paraná, em 1950.

Sempre se mostrou ser um senhor comedido e culto, grande incentivador de jovens que se iniciavam nas letras, ou que tinham vontade de algum dia vir a escrever.

Entidades a que pertenceu:
– Membro do Conselho da Cruz Vermelha, seção Paraná;
– Membro fundador do Centro de Letras do Paraná (presidente 1958/1960)
– Presidente de honra, delegado e acadêmico do Instituto de Cultura Americana, Seção do Brasil, com sede em Buenos Aires.
– Sócio-efetivo da Academia Internacional Americana (AIA), seção do Paraná;
– Membro do Conselho da Sociedade de Cultura Artística Brasílio Itiberê;
– Membro do Instituto Histórico de Palmeira/PR;
– Diretor da “Casa de Rocha Po,bo”, em Morretes/PR;
– Membro da União Brasileira de Trovadores, Seção Curitiba, tendo sido presidente;
– Membro e diretor do Elos Clube de Curitiba.

Fontes:
– Blog do Jayme Bueno.
– STOCKLER, Heitor. Poemas Escolhidos: edição comemorativa ao 1. centenário de nascimento do poeta. Coleção da Academia Paranaense de Letras. 1988.

Literatura Brasileira (Parte 10 = Pré-Modernismo)


O que se convencionou chamar de pré-Modernismo no Brasil não constitui uma escola literária. Pré-Modernismo é, na verdade, um termo genérico que designa toda uma vasta produção literária, que caracteriza os primeiros vinte anos deste século. Nele é que se encontram as mais variadas tendências e estilos literários - desde os poetas parnasianos e simbolistas, que continuavam a produzir, até os escritores que começavam a desenvolver um novo regionalismo, alguns preocupados com uma literatura política, e outros com propostas realmente inovadoras. É grande a lista dos autores que pertenceram ao pré-Modernismo, mas, indiscutivelmente, merecem destaque: Euclides da Cunha, Lima Barreto, Graça Aranha, Monteiro Lobato e Augusto dos Anjos.

Assim, pode-se dizer que essa escola começou em 1902, com a publicação de dois livros: "Os sertões", de Euclides da Cunha, e "Canaã", de Graça Aranha, e se estende até o ano de 1922, com a realização da Semana de Arte Moderna.

Apesar de o pré-Modernismo não constituir uma escola literária, apresentando individualidades muito fortes, com estilos às vezes antagônicos - como é o caso, por exemplo, de Euclides da Cunha e Lima Barreto - percebe-se alguns pontos comuns entre as principais obras pré-modernistas:

a) eram obras inovadoras, que apresentavam ruptura com o passado, com o academicismo;

b) primavam pela denúncia da realidade brasileira, negando o Brasil literário, herdado do Romantismo e do Parnasianismo. O grande tema do pré-Modernismo é o Brasil não-oficial do sertão nordestino, dos caboclos interioranos, dos subúrbios;

c) acentuavam o regionalismo, com o qual os autores acabam montando um vasto painel brasileiro: o Norte e o Nordeste nas obras de Euclides da Cunha, o Vale do Rio Paraíba e o interior paulista nos textos de Monteiro Lobato, o Espírito Santo, retratado por Graça Aranha, ou o subúrbio carioca, temática quase que invariável na obra de Lima Barreto;

d) difundiram os tipos humanos marginalizados, que tiveram ampliado o seu perfil, até então desconhecido, ou desprezado, quando conhecido - o sertanejo nordestino, o caipira, os funcionários públicos, o mu-lato;

e) traçaram uma ligação entre os fatos políticos, econômicos e sociais contemporâneos, aproximando a ficção da realidade.

Esses escritores acabaram produzindo uma redescoberta do Brasil, mais próxi-ma da realidade, e pavimentaram o caminho para o período literário seguinte, o Modernismo, iniciado em 1922, que acentuou de vez a ruptura com o que até então se conhecia como literatura brasileira.
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Parte 1 - Origens = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-1-origens.html
Parte 2 - Quinhentismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-2-o.html
Parte 3 - Barroco = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-3-o-barroco.html
Parte 4 - Arcadismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-4-o.html
Parte 5 - Romantismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-5-o.html
Parte 6 - Realismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-6-realismo.html
Parte 7 - Naturalismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-7.html
Parte 8 – Paranasianismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-8-o.html
Parte 9 – Simbolismo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/06/literatura-brasileira-parte-9-o.html
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Fonte:
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quarta-feira, 30 de junho de 2010

Amália Max (Baú de Trovas)


A ermida à beira da estrada
plange seu sino de um jeito,
que eu sinto a corda amarrada
na saudade do meu peito...

A esperança em nossa vida,
pelo valor que ela ostenta,
pode até ser resumida
como o pão que nos sustenta.

A fonte, singelo fio,
contorcendo em cansaços,
encontra por fim um rio
e então se atira em seus braços.

A gota d'água nascida
de veio farto e profundo,
é a fonte da nossa vida
e a própria vida do mundo.

Ao cortar a trança loura,
minha infância em despedida,
deixou na fria tesoura
saudosos fios de vida.

A sombra que, meio arcada,
te segue pelos caminhos,
é minha alma ajoelhada
a beijar os teus pezinhos.

A sorte tem seus encantos,
seus agrados, seus engodos;
às vezes agrada a tantos,
mas jamais agrada a todos!

A vida anda tão tristonha:
pobreza... fome... agonia...
que chego a sentir vergonha
de às vezes ter alegria.

A vida deu-me esta dor;
e hoje entre a dor e a lembrança,
sou um cheque ao portador,
sem fundo para cobrança.

Com mil retalhos tristonhos,
que rasguei do coração,
fiz uma colcha de sonhos
e agasalhei a ilusão.

Da lembrança doce e calma,
quando a tarde se inicia,
tua imagem em minha alma
é saudade todo dia.

Depois do enxerto a coitada,
que quis o rosto alisar,
agora vive assustada...
Seu rosto só quer sentar!

Depois que, um dia, partiste,
nesta rua só choveu.
Será que esta rua é triste
ou triste nela sou eu?

Disfarçando... Disfarçando...
o sol, malandro das horas,
vai aos poucos levantando
a saia azul das auroras.

Em pedaços fui rasgando
tua foto pela praça.
Hoje os procuro chorando,
pedindo ajuda a quem passa.

Esta chuvinha pingando
do telhado sobre o chão,
vai aos poucos empoçando
saudade em meu coração.

Galanteios, que em verdade,
quis dizer-te ou ter escrito,
hoje, finda a mocidade,
sinto dor por não ter dito.

Laranjais de minha infância,
frutos que alegre colhi,
hoje olho para a distância
e choro porque cresci!

Levo na face enrugada
e na fronte embranquecida
a passagem, comprovada,
de que viajei pela vida.

Maria partiu... Maria
que nunca disse a verdade
mas era, quando mentia,
bem melhor que esta saudade.

Meus olhos azuis se embaçam,
acabando por chorar,
quando meus braços se abraçam
por não ter quem abraçar.

Muitos recebem de graça
o bom vinho da alegria;
eu pago mas minha taça
a vida deixa vazia.

Não vens há meses inteiros;
e enquanto conto as auroras
a tesoura dos ponteiros
lentamente corta as horas.

Não faça da despedida
um momento de revoltas;
o amor tem portas na vida
com chave de várias voltas.

Não fale, não diga nada,
aperte mais minha mão,
faça a promessa auebrada
não precisar de perdão.

Não vens... e, em tuas demoras,
na angústia das madrugadas,
o relógio bate as horas
e as horas dão gargalhadas.

Nas noites de paz eterna,
vigiando a escuridão,
toda estrela é uma lanterna
que um anjo leva na mão!

Na velha praça, embalado
por lindo sonho vadio,
apalpo o banco a meu lado
mas meu lado está vazio.

Na vizinha, a linda casa,
nem a vassoura descansa;
se acaso o marido atrasa,
a vassoura canta e dança!

No entardecer quem me dera,
ver teu vulto, ouvir teu passo,
e por magia ou quimera
ter teus braços num abraço!

No instante em que nossa prece
sobe a escada do infinito,
pela mesma escada desce
a paz que acalma o conflito.

Nos dedos eu conto as horas,
não sei contar diferente,
mas, hoje, sei que demoras
bem mais do que antigamente.

No sertão a chuva mansa
que torna a manhã cinzenta,
é mais que chuva e esperança,
é Deus regando água-benta.

Numa ternura infinita
a lua, com mãos de prata
vem prender laços de fita
nas tranças verdes da mata.

O arco-íris tão bonito
e de tão finos arranjos
é só o varal do infinito
secando a roupa dos anjos!

Oh! lembrança, vem com jeito,
não se perca em sonhos tardos,
porque este meu velho peito
já não aguenta tais fardos.

O tempo em sua investida,
como sentença, suponho,
rouba-me um pouco da vida
e muito de cada sonho.

Partindo da meninice
é que o trem do tempo avança
e na estação da velhice
deixa saltar a esperança.

Para os que seguem sozinhos,
descalços e combalidos,
que importa ter mil caminhos
se todos são proibidos?

Partiste... já não te importas
que em nossa casa singela
a ventura feche as portas
e a saudade abra a janela.

Pergunto frequentemente:
felicidade, onde estás?
Será que corres na frente
ou ficaste para trás?

Pobre titia, ao comprar
uma vassoura, é indagada:
será preciso embrulhar
ou já vai nela montada?

Poeira de estrelas cadentes
que à noite caem nos campos
são com certeza as sementes
que germinam pirilampos.

Quando o passado é turista
no trem do meu coração,
a saudade é maquinista
e o meu peito uma estação.

Quando nos chegam tardias,
esperanças sempre são
aquelas parcas fatias
de miolo velho…de pão!

Quanta ternura em agosto:
o vento que beija o ipê
vem também beijar meu rosto
depois de beijar você.

Ralhando com seus porquinhos
a porca, mãe exemplar,
vendo-os, assim, bem limpinhos...
- já pro barro se sujar !!!

Relógio, fique parado!
Não deixe o tempo passar...
Eu quero ser enganado
quando a velhice chegar!

Sabiá põe em seu canto
tal ternura que ao cantar,
mais parece um acalanto
para a alma cochilar.

Saudade... insônia que aspira
ouvir na calçada passos,
mesmo sendo outra mentira
a vir dormir nos meus braços.

Se é por um amor que choras
enxuga os olhos... Repara:
se o relógio pára as horas,
nem por isso a vida pára.

Se me deixas por vontade...
se vais para não voltar...
O que é que eu digo à saudade
amanhã, quando acordar?

Sem mesmo ter ido ao céu
já caminhei sobre a lua!
Foi um dia andando ao léu
pisando as poças da rua.

Sem ter com quem conversar,
o velhinho solitário,
usa as mãos para rezar
conversando com o rosário.

Sentindo a luta perdida,
nos fracassos e derrotas,
abraço o circo da vida
para as minhas cambalhotas.

Solidão é chuva fina
que encharca o chão sem correr;
e às vezes faz que termina
mas... recomeça a chover.

Solidão é vento frio,
vento calmo mas gelado
deixa o meu peito vazio
e ainda dorme ao meu lado.

Sonhos meus... jóias de outrora
qual ouro sem um quilate,
enferrujam na penhora
sem ter mais quem os remate.

Vejo ternuras pagãs
quando o sol, por entre os galhos,
cobre a nudez das manhãs
com seu lençol de retalhos.

Velhice... circo que a vida
armou no fim da ladeira,
de onde a solidão convida
para a sessão derradeira.

Voltaste... voltaste, eu sei,
mas o encanto foi desfeito;
agora já repintei
as paredes do meu peito.

Amália Max



Amália Max nasceu em Ponta Grossa, Paraná, no dia 13 de julho, filha de João Max e Maria Suckstorf Max.

Em 1981 lança seu livro de trovas "Escaninho" e daí em diante passou a concorrer em Jogos Florais e concursos e participar de antologias e coletâneas.

Em 1986 recebeu a homenagem máxima de sua vida quando o Colégio Estadual 31 de Março, ensino de 1º e 2º graus imortalizou-a dando seu nome para a sua biblioteca: "Biblioteca Poetisa Amália Max".

Tem seu nome, como trovadora, trabalhos inseriidos em inúmeras antologias e coletâneas. Figura em Enciclopédias, em livros e Jornais de todo o Brasil.

Professora de pintura, arte que domina com segurança.

Pertence a:
– Centro Cultural Euclides da Cunha, de Ponta Grossa, PR,
– Casa Juvenal Galeno – Ala Feminina, Fortaleza, CE,
– Academia de Letras José de Alencar, Curitiba, PR,
– Centro de Letras do Paraná, Curitiba, PR,
– Academia de Letras dos Campos Gerais, Ponta Grossa, PR, fundadora da cadeira nº 13.
– Já foi Presidente Municipal e Estadual da UBT durante 30 anos.
– Desde 2003, por convite do Cap. Alípio B. Rosenthal é assessora cultural da Associação dos Militares da Reserva.

Fontes:
- Vasco José Taborda e Orlando Woczikosky. Antologia de Trovadores do Paraná.
- Antologia dos Acadêmicos - edição comemorativa dos 60 anos da Academia de Letras José de Alencar.
- UBT Nacional.