Trecho de Pesquisa coletiva realizada como parte integrante da disciplina DISCURSO PEDAGÓGICO, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Letras, ministrada pela Profª Maria Lucia M. Carvalho Vasconcelos, no 1º semestre de 1996. Autores: Cláudio Dubois, Maria da Graça Hernandes Moura, Wanderci José dos Santos, Elisabeth Virag Garcia, Maristela de Carvalho, Maysa Monção Gabrielli, Ana Lúcia Moura de Oliveira, Kátia Kobal e Maria José Costa.
A expectativa de nossa sociedade, quanto à educação, é a preparação de cidadãos/alunos para a vida e sua formação para o exercício profissional, porém observamos vários fatores que têm desmotivado professores e alunos nesse processo, dentre os quais salientamos: a falta de condições materiais à escola, principalmente à escola pública de 1º e 2º graus; o sentimento de impotência, gerado pela ideologia decorrente de um sistema sócio-econômico baseado no desejo (ganância?) do lucro fácil e rápido, em detrimento da qualidade e dos objetivos a que se propõe a educação; a falta de condições instrumentais do professor, que lhe garantam a capacitação adequada para o exercício profissional.
Em busca de soluções que levem modificações ao ensino, ressaltamos a importância daquelas que possibilitem a valorização e o aperfeiçoamento do professor, devido ao seu papel direcionador na relação pedagógica, de inegável relevância política e social.
Dentro desse contexto, torna-se imprescindível a participação das universidades, criando novas metodologias, levantando e discutindo propostas para a melhoria da qualidade da educação, cabendo à sociedade a decisão quanto à efetivação das mudanças.
Os valores e a realidade da educação variam conforme as tendências sócio-históricas que a envolvem, podendo transformar a função de educar em um simples ato mecânico, rotina de sala de aula. Conseqüentemente, o professor deve manter-se atento à sua maneira de ser e agir enquanto profissional.
O reconhecimento da importância do professor no desempenho de seu papel de educador não depende exclusivamente dele, mas principalmente da escola como instituição social, o que somente se efetiva em decorrência dos valores determinados pela sociedade.
a) O DISCURSO PEDAGÓGICO
A teoria da Análise do Discurso que utilizamos para o estudo das falas dos entrevistados segue a linha de tendência européia. Essa linha de tendência apóia-se nos estudos de Bakhtin, que nos apresenta uma abordagem nova da linguagem, ao afirmar que a matéria lingüística é apenas uma parte do enunciado e que existe também uma outra parte, não-verbal, que corresponde ao contexto da enunciação.
Ao ser atribuído valor ao contexto do enunciado, este passa a não ser mais considerado ato individual, pois o indivíduo não estaria constituindo sozinho os significados de seu discurso. Segundo Brandão, essa visão da linguagem como interação social, em que o Outro desempenha papel fundamental para determinar o significado do que se diz, posiciona a enunciação individual num contexto mais amplo, revelando as relações intrínsecas entre o lingüístico e o social.
Para Bakhtin,
"a palavra é o signo ideológico por excelência, pois, produto da interação social, ela se caracteriza pela plurivalência. Por isso é o lugar privilegiado para a manifestação da ideologia; retrata as diferentes formas de significar a realidade, segundo vozes, pontos de vista daqueles que a empregam. Dialógica por naturaza, a palavra se transforma em arena de luta de vozes que, situadas em diferentes posições, querem ser ouvidas por outras vozes." (Bakhtin, 1979).
O discurso seria lugar de conflito, de confronto de idéias, em que as condições sócio-históricas passam a exercer papel fundamental na constituição dos significados que são produzidos.
Para compreendermos o discurso pedagógico, torna-se necessário analisar o contexto social que permite sua produção, o lugar que asociedade destaca para o professor e como o professor nele se insere. Segundo Pêcheux, hános mecanismos de toda formação social regras de projeção que estabelecem a relação entre as situações concretas e as representações dessas situações no interior do discurso.
Qual seria, portanto, a relação entre o discurso do professor e a sociedade?
A nossa sociedade concede ao professor o lugar de autoridade, e autoridade que detém o saber. Esse contexto sócio-histórico permite que seja estabelecida para o professor uma posição privilegiada em relação aos seus alunos, em que o sujeito se pretende único, e porque entende-se dono do conhecimento, faz uso do discurso autoritário. O sujeito que fala é um sujeito ideológico. "Sua fala é um recorte das representações de um tempo histórico e de um espaço social. Dessa forma, como ser projetado num espaço e num tempo e orientado socialmente, o sujeito situa o seu discurso em relação aos discursos do outro." (LUCKESI, 1994)
"Em geral, e a não ser numa minoria dos casos, parece que o senso comum é o seguinte: para ser professor no sistema de ensino escolar, basta tomar um certo conteúdo, preparar-se para apresentá-lo ou dirigir o seu estudo, ir para uma sala de aula, tomar conta de uma turma de alunos e efetivar o ritual da docência: apresentação de conteúdos, controle dos alunos, avaliação da aprendizagem, disciplinamento, etc. Ou seja, a atividade de docência tornou-se uma rotina comum, sem que se pergunte se ela implica ou não decisões contínuas, constantes e precisas, a partir de um conhecimento adequado das implicações do processo educativo na sociedade." (LUCKESI, 1994)
A prática pedagógica diária pouco tem levado em conta a reflexão crítica sobre o que vem a ser o conhecimento e o seu processo. O senso comum pedagógico manifesta um entendimento idealista do que seja o conhecimento. É como se o conhecimento não tivesse história e não tivesse acertos e erros. O que se diz é assumido como se sempre tivesse sido assim. No entanto, o conhecimento tem história, está eivado de desvios por interesses de uns ou de outros. O senso comum interessa à situação conservadora da sociedade em que vivemos, em função de que ela não possibilita o surgimento de uma "massa crítica" de seres humanos pensantes e ativos na sociedade. O senso comum é o meio fundamental para a proliferação da manipulação das informações, das condutas e dos atos políticos e sociais dos dirigentes dos setores dominantes da sociedade.
Este trabalho questiona esse senso comum, procurando esclarecer o papel do professor e sua real importância para a sociedade.
O PAPEL DO PROFESSOR
"O trabalho alienado é aquele no qual o produtor não pode reconhecer-se no produto de seu trabalho, porque as condições desse trabalho, suas finalidades reais e seu valor não dependem do próprio trabalhador, mas do proprietário das condições do trabalho. Como se não bastasse, o fato de que o produtor não se reconheça no seu próprio produto, não o veja como resultado de seu trabalho, faz com que o produto surja como um poder que o domina e o ameaça".(CHAUÍ, 1995)
O ser humano é prático, ativo, uma vez que é pela ação que modifica o meio ambiente que o cerca. É um ser que age no contexto da trama das relações sociais, que, em última instância, caracteriza-se pela posse ou não de meios sociais de produção.
Segundo Luckesi, a ação humana exercida coletivamente sobre a natureza, possibilita ao ser humano compreender e descobrir o seu próprio modo de agir. "A ação prática sobre a realidade desperta e desenvolve o entendimento, a capacidade de compreensão e a emergência de níveis de abstração mais complexos".(LUCKESI, 1994)
Paulo Freire associa o conceito de ação ao conceito de compromisso. Segundo ele, compromisso é decisão lúcida e profunda do homem em usar sua capacidade de agir e refletir para se inserir criticamente no mundo numa atitude objetiva de compreensão da realidade, de luta para transpor os limites impostos pelo mundo, e atuando sobre ele, transformá-lo. Essa inserção crítica produz efeitos no exercício profissional que contribuem para o bem estar coletivo.
Porém, historicamente, o ser humano é dimensionado tanto pela complexidade, sagacidade, inteligência, entendimento, quanto pela alienação, pelo afastamento de si próprio, pois que ele é construído pelo trabalho que ao mesmo tempo constrói e aliena. Não podemos separar esses dois elementos, o criativo e o alienado. Esta é a enorme contradição, o trabalho que cria e aliena. Portanto, torna-se normal nos discursos, a contradição. A personalidade humana é contraditória como contraditória é a sociedade. "O ser humano não é o que ele diz de si mesmo, mas aquilo que as condições objetivas da história possibilitam que ele seja. A alienação surge, individualmente, pela alienação do produto do próprio trabalho, da própria ação." (CHAUÍ, 1995)
Qual seria, portanto, o papel do professor e como ele estaria enfrentando essa dualidade de trabalho que constrói e aliena?
O professor, segundo Luckesi (1994), é um ser humano construtor de si mesmo e da história através da ação, é determinado pelas condições e circunstâncias que o envolvem. É condicionado e condicionador da história. Tem um papel específico na relação pedagógica, que é a relação de docência.
Na práxis pedagógica, o educador é aquele que, tendo adquirido o nível de cultura necessário para o desempenho de sua atividade, dá direção ao ensino e à aprendizagem. Ele assume o papel de mediador entre a cultura elaborada acumulada e em processo de acumulação pela humanidade, e o educando.
Ele exerce o papel de um dos mediadores sociais entre o universal da sociedade e o particular do educando. Para tanto, o educador deve possuir algumas qualidades, tais como: compreensão da realidade para a qual trabalha, comprometimento político, competência no campo teórico de conhecimento em que atua e competência técnico-profissional.
A ação docente tem sentido e significado crítico, consciente e explícito. A alienação de seu trabalho ocorre quando ele ignora a realidade à sua volta, e reduz seu trabalho a uma rotina de sala de aula, cujo objetivo restringe-se à mera transmissão de informações, postura que não condiz com seu papel de educador.
Educar é, segundo Freire (1979), completar, porque o homem é ser inacabado, que sabe disso e por isso se educa. O saber se faz através de uma superação constante, por isso não pode o professor se colocar na posição do ser superior que ensina um grupo de ignorantes, mas sim na posição humilde daquele que comunica um saber relativo (é preciso saber reconhecer quando os educandos sabem mais e fazer com que eles também saibam com humildade).
O discurso autoritário perde seu sentido na prática pedagógica. Segundo proposta de Eni (1987), o discurso do professor deve se tornar polêmico, "efeito de sentidos e não transmissão de informação". Tornar o discurso polêmico é "ser ouvinte do próprio texto e do outro". A transformação do discurso pedagógico possibilitará a revisão da práxis pedagógica, que sairá de dentro das escolas para as ruas, invadindo a vida, o mundo. A postura do professor influencia a postura do aluno, e o seu posicionamento de ouvinte, de aceitação da polêmica no diálogo, abrirá o caminho para a crítica e a conseqüente discussão da realidade.
O discurso autoritário não cria contexto para a transformação. serve de instrumento para a acomodação, porque condena o homem à repetição histórica, impedindo a polêmica que questione o sentimento de impotência do homem frente à sua realidade, impedindo o resgate da confiança de que o homem pode criar no presente ações que concretizem um futuro novo, que rompa com a tradição do passado.
O discurso autoritário é surdo. O debate que levanta sobre a realidade e os problemas enfrentados só transfere responsabilidades, e por transferir responsabilidades, não é capaz de mobilizar a sociedade. Se a discussão gira em torno dos problemas educacionais, afirma que o problema é de responsabilidade do aluno que não estuda mais, que não demonstra interesse pelas aulas, da direção da escola que não orienta ou não apóia adequadamente os professores, dos políticos que impõem diretrizes sem ouvir os profissionais da educação, ou dos professores que não se preparam devidamente para exercer o magistério, etc. É um discurso que impede a organização dos homens e sua visão crítica sobre os problemas, impedindo ações eficazes.
O discurso polêmico inverte os efeitos do discurso autoritário. Ele assume a responsabilidade individual pela transformação da realidade coletiva, ao permitir que os homensse ouçam, que os problemas sejam discutidos racionalmente, de forma objetiva, possibilitando a conscientização da realidade, e a enumeração dos obstáculos. Amadurecida a compreensão dos problemas, as causas são relacionadas e os homens podem então elaborar planos de ação conjunta, que viabilizem ações que levem à real solução dos problemas encontrados.
O objetivo da prática pedagógica é promover o homem a sujeito de sua própria educação. Despertar no homem a consciência de que ele não está pronto, despertar nele o desejo de se complementar, capacitá-lo ao exercício de uma consciência crítica de si mesmo, do outro e do mundo.
Segundo Jean Foucambert (1994), todo aprendizado é uma forma de resposta ao desequilíbrio, portanto, desenvolver a consciência crítica acerca do nosso valor como seres humanos e de nosso trabalho enquanto profissionais, é imprescindível para o estabelecimento do equilíbrio na auto-estima humana. A baixa na auto-estima impede o desenvolvimento das potencialidades do homem, reduz sua capacidade de agir porque o faz desacreditar de seu valor e da importância de seu trabalho, portanto se relaciona ao não aprendizado do valor de si mesmo. Por outro lado, a auto-estima elevada se relaciona ao não aprendizado do valor do outro, o que causa distanciamento entre os homens, impede a troca de experiências, o crescimento conjunto, e a união de esforços para a solução de problemas comuns, desvirtuando a finalidade real do trabalho, que é tanto servir à promoção individual quanto ao bem estar coletivo.
Transcrevemos a seguir trechos das falas dos entrevistados desta pesquisa e suas respectivas análises:
"Eu me considero (realizado), sim. faço exatamente o que gosto. não olho as cifras."
O discurso do sujeito reproduz a fala alienante sobre a questão salarial, impedindo a conscientização do profissional acerca do valor de seu trabalho, que necessita ser adequadamente remunerado, condição imprescindível para o equilíbrio em sua auto-estima. Essa fala é ideológica, pois afasta do indivíduo a possibilidade de reivindicação.
(Você recomendaria o magistério ao seu filho?) "...só se for muito predestinado como eu."
Ao afirmar sua predestinação ao magistério, o sujeito faz uso de um discurso que destitui a escolha profissional de seu caráter de liberdade, não a relacionando a uma opção consciente e crítica. É uma fala que procura manter a ordem social, que estipula para o homem uma posiçãopredestinada, impedindo o questionamento dessa ordem e sua mudança. Tal discurso causa um sentimento de impotência frente ao presente e uma acomodação quanto ao futuro.
"Minha expectativa quanto à profissão, na época em que me formei, em termos de ideal, acho que aumentou. Eu ainda acredito nesta profissão. É uma pena que muitos não acreditem."
Esse discurso vincula profissão a ideal, desconsiderando que professores são profissionais, com direito à satisfação de suas expectativas, que dizem respeito a salário e condições de trabalho adequados, não a ideais. É um discurso eufórico, que exacerba a importância do trabalho, em detrimento da discussão sobre as circunstâncias adversas em que esse trabalho é produzido, levando os profissionais a adotarem uma atitude de abnegação, de resignação.
"Sim (considera-se realizado profissionalmente), só sonho em um dia poder ganhar bem e fazer jus ao meu trabalho."
O discurso acima revela um sujeito consciente de que seu salário não corresponde ao seu desempenho profissional. o sujeito apresenta auto-estima equilibrada, pois reconhece seu valor e de seu trabalho. a palavra sonho revela que as dificuldades para a concretização do desejo de ganhar bem não podem ser vencidas individualmente, mas dependem das circunstâncias históricas determinadas pela sociedade, motivo pelo qual seu direito salarial encontra-se reduzido a uma esperança salarial (o que é menor ainda que uma expectativa).
"As cinco profissões básicas são: o professor, o político, o advogado (o homem das leis), o médico e o arquiteto. O professor já existia desde a Grécia. Era o pedagogo. Sabia que o pedagogo era escravo naquela época? O professor sempre teve isso de escravo. Começou daí."
Ao comparar sua profissão à do escravo, o sujeito se coloca numa posição hierarquicamente inferior na relação de poder (só recebe ordens e possui somente deveres). Esse discurso revela uma ideologia alienante, na qual o sujeito se vê sem liberdade de escolha, sem opção de mudança, portanto, acomodado, tendo em vista que a realidade lhe é apresentada como fruto de um passado que tende a perpetuar-se.
"Os tecnocratas estão lá em cima e dizem que tem de ser assim, mas eles não têm a prática que o professor tem, e o professor nunca é consultado para saber o que poderia ser feito. Nunca. Quando vem, vem a ordem e acabou."
Esse é o discurso autoritário reproduzido pelo sistema, no qual os políticos (tecnocratas) não ouvem a opinião do povo, nem a solicitam, tanto em relação à educação quanto aos demais setores de interesse da sociedade. Esse comportamento é fato social, reproduzido freqüentemente nas relações humanas, em casa, no trabalho, na escola, impedindo a liberdade do sujeito de participar, criticar sua própria atuação e a do outro, cobrar melhor desempenho de ambos e construir mudanças que viabilizem uma sociedade onde haja oportunidade de crescimento para todos os homens.
"Eu não queria sair do magistério. em termos de remuneração era superior (o outro emprego), mas quando nos tornamos efetivos a gente se torna mais estável, e naquela época tinha acabado de passar no concurso."
O discurso revela uma prática social: usar a estabilidade no emprego para compensar o baixo salário pago ao profissional, visando mantê-lo trabalhando, mesmo estando insatisfeito profissionalmente.
"Às vezes eu passo no corredor, vejo os professores dando aula, tenho vontade de entrar na sala e me intrometer, porque as meninas têm dificuldades de lidar com os alunosindisciplinados. Eu grito e ai do demônio que continuar bagunçando. Pelo menos é assim que eu faço com os meus. Olha, eles aprendem muito mais que os outros alunos das outras classes, e todos os pais me adoram."
O sujeito se utiliza de um discurso autoritário que estabelece para si uma posição privilegiada em relação ao aluno e aos demais profissionais da escola, e o faz com a aprovação da comunidade em que está inserido. Esse discurso reproduz a ideologia que aliena os envolvidos no processo educacional, ao impedir que o homem se posicione como sujeito no mundo, capaz de criticar tanto sua atuação quanto a do outro.
"Há 20 anos o aluno era compenetrado, responsável e queria aprender. Atualmente existe uma nova clientela, por isso é necessário o professor se atualizar para se adequar à nova realidade. Hoje o professor tem que encontrar diferentes formas para conseguir passar sua experiência. As relações entre as pessoas estão mais frias em conseqüência do número grande de alunos na sala de aula. O professor tem que se adaptar a essas novas mudanças."
Nesse discurso o professor é situado numa posição hierarquicamente superior ao aluno. O significado constituído por esse discurso é ideológico, pois nele o aluno é apresentado como receptor da experiência do professor e é responsabilizado pelas dificuldades atuais enfrentadas por ele ao tentar "passar" sua experiência. O discurso afirma que devido ao fato do aluno não ser mais compenetrado, responsável e nem querer aprender, o professor precisa se atualizar para se adequar à nova realidade e a essa nova clientela. O efeito dessa ideologia é levar o indivíduo a conviver com o problema, sem questionar suas causas, e conseqüentemente, sem encontrar a solução.
"A escola pública é um laboratório. Ela me permitiu errar."
O sentido implícito na afirmação de que a escola pública permite errar é o de que a escola da rede privada não o permite, ou seja, o desempenho do profissional varia de acordo com o público alvo de seu trabalho. o sujeito que fala é ideológico, e essa sua fala é recorte de um contexto social que pratica discriminação social nas relações de trabalho. esse comportamento, consentido pelo discurso, mantém ideologicamente a divisão e a discriminação das classes sociais, alimentando as injustiças.
"(...) Eu seguiria o mesmo processo, com o mesmo entusiasmo, principalmente com o construtivismo. Eu ainda não entendi direito o que é, mas se pudesse recomeçar, eu aplicaria isso na sala de aula."
Esse discurso é ideológico. Seu objetivo é impedir a consciência da necessidade de ser exercitada a capacidade crítica do indivíduo e sua conseqüente participação social. Essa ideologia leva o profissional à alienação e ao descompromisso, pois não lhe confere a responsabilidade na construção dos procedimentos pedagógicos, nem mesmo o questionamento daqueles que são adotados pelo sistema educacional, o que pode levá-lo à aceitação dos métodos porque " a ordem veio e acabou" ou porque está na moda (é elogiado por outros).
"... ao final de cada mês me sinto decepcionada e frustrada, não somente por ser professora, mas também pelos dirigentes do país que não têm seriedade por aqueles que os formaram e os colocaram no poder."
O discurso acima coloca o professor numa posição hierarquicamente inferior na relação de poder. Apesar de formar o outro e elegê-lo, o professor não continua participando do processo (do poder). Esse discurso é ideológico e assujeita o indivíduo, pois não possibilita a consciência de sua capacidade de transformar, de continuar participando do poder, provocando no profissional um sentimento de impotência que afeta sua auto-estima, fato agravado pela insatisfação financeira e profissional, marcadas implicitamente no texto pelas falas: "ao final de cada mês" e "não somente por ser professora".
Fonte:
http://www.espirito.org.br/
A expectativa de nossa sociedade, quanto à educação, é a preparação de cidadãos/alunos para a vida e sua formação para o exercício profissional, porém observamos vários fatores que têm desmotivado professores e alunos nesse processo, dentre os quais salientamos: a falta de condições materiais à escola, principalmente à escola pública de 1º e 2º graus; o sentimento de impotência, gerado pela ideologia decorrente de um sistema sócio-econômico baseado no desejo (ganância?) do lucro fácil e rápido, em detrimento da qualidade e dos objetivos a que se propõe a educação; a falta de condições instrumentais do professor, que lhe garantam a capacitação adequada para o exercício profissional.
Em busca de soluções que levem modificações ao ensino, ressaltamos a importância daquelas que possibilitem a valorização e o aperfeiçoamento do professor, devido ao seu papel direcionador na relação pedagógica, de inegável relevância política e social.
Dentro desse contexto, torna-se imprescindível a participação das universidades, criando novas metodologias, levantando e discutindo propostas para a melhoria da qualidade da educação, cabendo à sociedade a decisão quanto à efetivação das mudanças.
Os valores e a realidade da educação variam conforme as tendências sócio-históricas que a envolvem, podendo transformar a função de educar em um simples ato mecânico, rotina de sala de aula. Conseqüentemente, o professor deve manter-se atento à sua maneira de ser e agir enquanto profissional.
O reconhecimento da importância do professor no desempenho de seu papel de educador não depende exclusivamente dele, mas principalmente da escola como instituição social, o que somente se efetiva em decorrência dos valores determinados pela sociedade.
a) O DISCURSO PEDAGÓGICO
A teoria da Análise do Discurso que utilizamos para o estudo das falas dos entrevistados segue a linha de tendência européia. Essa linha de tendência apóia-se nos estudos de Bakhtin, que nos apresenta uma abordagem nova da linguagem, ao afirmar que a matéria lingüística é apenas uma parte do enunciado e que existe também uma outra parte, não-verbal, que corresponde ao contexto da enunciação.
Ao ser atribuído valor ao contexto do enunciado, este passa a não ser mais considerado ato individual, pois o indivíduo não estaria constituindo sozinho os significados de seu discurso. Segundo Brandão, essa visão da linguagem como interação social, em que o Outro desempenha papel fundamental para determinar o significado do que se diz, posiciona a enunciação individual num contexto mais amplo, revelando as relações intrínsecas entre o lingüístico e o social.
Para Bakhtin,
"a palavra é o signo ideológico por excelência, pois, produto da interação social, ela se caracteriza pela plurivalência. Por isso é o lugar privilegiado para a manifestação da ideologia; retrata as diferentes formas de significar a realidade, segundo vozes, pontos de vista daqueles que a empregam. Dialógica por naturaza, a palavra se transforma em arena de luta de vozes que, situadas em diferentes posições, querem ser ouvidas por outras vozes." (Bakhtin, 1979).
O discurso seria lugar de conflito, de confronto de idéias, em que as condições sócio-históricas passam a exercer papel fundamental na constituição dos significados que são produzidos.
Para compreendermos o discurso pedagógico, torna-se necessário analisar o contexto social que permite sua produção, o lugar que asociedade destaca para o professor e como o professor nele se insere. Segundo Pêcheux, hános mecanismos de toda formação social regras de projeção que estabelecem a relação entre as situações concretas e as representações dessas situações no interior do discurso.
Qual seria, portanto, a relação entre o discurso do professor e a sociedade?
A nossa sociedade concede ao professor o lugar de autoridade, e autoridade que detém o saber. Esse contexto sócio-histórico permite que seja estabelecida para o professor uma posição privilegiada em relação aos seus alunos, em que o sujeito se pretende único, e porque entende-se dono do conhecimento, faz uso do discurso autoritário. O sujeito que fala é um sujeito ideológico. "Sua fala é um recorte das representações de um tempo histórico e de um espaço social. Dessa forma, como ser projetado num espaço e num tempo e orientado socialmente, o sujeito situa o seu discurso em relação aos discursos do outro." (LUCKESI, 1994)
"Em geral, e a não ser numa minoria dos casos, parece que o senso comum é o seguinte: para ser professor no sistema de ensino escolar, basta tomar um certo conteúdo, preparar-se para apresentá-lo ou dirigir o seu estudo, ir para uma sala de aula, tomar conta de uma turma de alunos e efetivar o ritual da docência: apresentação de conteúdos, controle dos alunos, avaliação da aprendizagem, disciplinamento, etc. Ou seja, a atividade de docência tornou-se uma rotina comum, sem que se pergunte se ela implica ou não decisões contínuas, constantes e precisas, a partir de um conhecimento adequado das implicações do processo educativo na sociedade." (LUCKESI, 1994)
A prática pedagógica diária pouco tem levado em conta a reflexão crítica sobre o que vem a ser o conhecimento e o seu processo. O senso comum pedagógico manifesta um entendimento idealista do que seja o conhecimento. É como se o conhecimento não tivesse história e não tivesse acertos e erros. O que se diz é assumido como se sempre tivesse sido assim. No entanto, o conhecimento tem história, está eivado de desvios por interesses de uns ou de outros. O senso comum interessa à situação conservadora da sociedade em que vivemos, em função de que ela não possibilita o surgimento de uma "massa crítica" de seres humanos pensantes e ativos na sociedade. O senso comum é o meio fundamental para a proliferação da manipulação das informações, das condutas e dos atos políticos e sociais dos dirigentes dos setores dominantes da sociedade.
Este trabalho questiona esse senso comum, procurando esclarecer o papel do professor e sua real importância para a sociedade.
O PAPEL DO PROFESSOR
"O trabalho alienado é aquele no qual o produtor não pode reconhecer-se no produto de seu trabalho, porque as condições desse trabalho, suas finalidades reais e seu valor não dependem do próprio trabalhador, mas do proprietário das condições do trabalho. Como se não bastasse, o fato de que o produtor não se reconheça no seu próprio produto, não o veja como resultado de seu trabalho, faz com que o produto surja como um poder que o domina e o ameaça".(CHAUÍ, 1995)
O ser humano é prático, ativo, uma vez que é pela ação que modifica o meio ambiente que o cerca. É um ser que age no contexto da trama das relações sociais, que, em última instância, caracteriza-se pela posse ou não de meios sociais de produção.
Segundo Luckesi, a ação humana exercida coletivamente sobre a natureza, possibilita ao ser humano compreender e descobrir o seu próprio modo de agir. "A ação prática sobre a realidade desperta e desenvolve o entendimento, a capacidade de compreensão e a emergência de níveis de abstração mais complexos".(LUCKESI, 1994)
Paulo Freire associa o conceito de ação ao conceito de compromisso. Segundo ele, compromisso é decisão lúcida e profunda do homem em usar sua capacidade de agir e refletir para se inserir criticamente no mundo numa atitude objetiva de compreensão da realidade, de luta para transpor os limites impostos pelo mundo, e atuando sobre ele, transformá-lo. Essa inserção crítica produz efeitos no exercício profissional que contribuem para o bem estar coletivo.
Porém, historicamente, o ser humano é dimensionado tanto pela complexidade, sagacidade, inteligência, entendimento, quanto pela alienação, pelo afastamento de si próprio, pois que ele é construído pelo trabalho que ao mesmo tempo constrói e aliena. Não podemos separar esses dois elementos, o criativo e o alienado. Esta é a enorme contradição, o trabalho que cria e aliena. Portanto, torna-se normal nos discursos, a contradição. A personalidade humana é contraditória como contraditória é a sociedade. "O ser humano não é o que ele diz de si mesmo, mas aquilo que as condições objetivas da história possibilitam que ele seja. A alienação surge, individualmente, pela alienação do produto do próprio trabalho, da própria ação." (CHAUÍ, 1995)
Qual seria, portanto, o papel do professor e como ele estaria enfrentando essa dualidade de trabalho que constrói e aliena?
O professor, segundo Luckesi (1994), é um ser humano construtor de si mesmo e da história através da ação, é determinado pelas condições e circunstâncias que o envolvem. É condicionado e condicionador da história. Tem um papel específico na relação pedagógica, que é a relação de docência.
Na práxis pedagógica, o educador é aquele que, tendo adquirido o nível de cultura necessário para o desempenho de sua atividade, dá direção ao ensino e à aprendizagem. Ele assume o papel de mediador entre a cultura elaborada acumulada e em processo de acumulação pela humanidade, e o educando.
Ele exerce o papel de um dos mediadores sociais entre o universal da sociedade e o particular do educando. Para tanto, o educador deve possuir algumas qualidades, tais como: compreensão da realidade para a qual trabalha, comprometimento político, competência no campo teórico de conhecimento em que atua e competência técnico-profissional.
A ação docente tem sentido e significado crítico, consciente e explícito. A alienação de seu trabalho ocorre quando ele ignora a realidade à sua volta, e reduz seu trabalho a uma rotina de sala de aula, cujo objetivo restringe-se à mera transmissão de informações, postura que não condiz com seu papel de educador.
Educar é, segundo Freire (1979), completar, porque o homem é ser inacabado, que sabe disso e por isso se educa. O saber se faz através de uma superação constante, por isso não pode o professor se colocar na posição do ser superior que ensina um grupo de ignorantes, mas sim na posição humilde daquele que comunica um saber relativo (é preciso saber reconhecer quando os educandos sabem mais e fazer com que eles também saibam com humildade).
O discurso autoritário perde seu sentido na prática pedagógica. Segundo proposta de Eni (1987), o discurso do professor deve se tornar polêmico, "efeito de sentidos e não transmissão de informação". Tornar o discurso polêmico é "ser ouvinte do próprio texto e do outro". A transformação do discurso pedagógico possibilitará a revisão da práxis pedagógica, que sairá de dentro das escolas para as ruas, invadindo a vida, o mundo. A postura do professor influencia a postura do aluno, e o seu posicionamento de ouvinte, de aceitação da polêmica no diálogo, abrirá o caminho para a crítica e a conseqüente discussão da realidade.
O discurso autoritário não cria contexto para a transformação. serve de instrumento para a acomodação, porque condena o homem à repetição histórica, impedindo a polêmica que questione o sentimento de impotência do homem frente à sua realidade, impedindo o resgate da confiança de que o homem pode criar no presente ações que concretizem um futuro novo, que rompa com a tradição do passado.
O discurso autoritário é surdo. O debate que levanta sobre a realidade e os problemas enfrentados só transfere responsabilidades, e por transferir responsabilidades, não é capaz de mobilizar a sociedade. Se a discussão gira em torno dos problemas educacionais, afirma que o problema é de responsabilidade do aluno que não estuda mais, que não demonstra interesse pelas aulas, da direção da escola que não orienta ou não apóia adequadamente os professores, dos políticos que impõem diretrizes sem ouvir os profissionais da educação, ou dos professores que não se preparam devidamente para exercer o magistério, etc. É um discurso que impede a organização dos homens e sua visão crítica sobre os problemas, impedindo ações eficazes.
O discurso polêmico inverte os efeitos do discurso autoritário. Ele assume a responsabilidade individual pela transformação da realidade coletiva, ao permitir que os homensse ouçam, que os problemas sejam discutidos racionalmente, de forma objetiva, possibilitando a conscientização da realidade, e a enumeração dos obstáculos. Amadurecida a compreensão dos problemas, as causas são relacionadas e os homens podem então elaborar planos de ação conjunta, que viabilizem ações que levem à real solução dos problemas encontrados.
O objetivo da prática pedagógica é promover o homem a sujeito de sua própria educação. Despertar no homem a consciência de que ele não está pronto, despertar nele o desejo de se complementar, capacitá-lo ao exercício de uma consciência crítica de si mesmo, do outro e do mundo.
Segundo Jean Foucambert (1994), todo aprendizado é uma forma de resposta ao desequilíbrio, portanto, desenvolver a consciência crítica acerca do nosso valor como seres humanos e de nosso trabalho enquanto profissionais, é imprescindível para o estabelecimento do equilíbrio na auto-estima humana. A baixa na auto-estima impede o desenvolvimento das potencialidades do homem, reduz sua capacidade de agir porque o faz desacreditar de seu valor e da importância de seu trabalho, portanto se relaciona ao não aprendizado do valor de si mesmo. Por outro lado, a auto-estima elevada se relaciona ao não aprendizado do valor do outro, o que causa distanciamento entre os homens, impede a troca de experiências, o crescimento conjunto, e a união de esforços para a solução de problemas comuns, desvirtuando a finalidade real do trabalho, que é tanto servir à promoção individual quanto ao bem estar coletivo.
Transcrevemos a seguir trechos das falas dos entrevistados desta pesquisa e suas respectivas análises:
"Eu me considero (realizado), sim. faço exatamente o que gosto. não olho as cifras."
O discurso do sujeito reproduz a fala alienante sobre a questão salarial, impedindo a conscientização do profissional acerca do valor de seu trabalho, que necessita ser adequadamente remunerado, condição imprescindível para o equilíbrio em sua auto-estima. Essa fala é ideológica, pois afasta do indivíduo a possibilidade de reivindicação.
(Você recomendaria o magistério ao seu filho?) "...só se for muito predestinado como eu."
Ao afirmar sua predestinação ao magistério, o sujeito faz uso de um discurso que destitui a escolha profissional de seu caráter de liberdade, não a relacionando a uma opção consciente e crítica. É uma fala que procura manter a ordem social, que estipula para o homem uma posiçãopredestinada, impedindo o questionamento dessa ordem e sua mudança. Tal discurso causa um sentimento de impotência frente ao presente e uma acomodação quanto ao futuro.
"Minha expectativa quanto à profissão, na época em que me formei, em termos de ideal, acho que aumentou. Eu ainda acredito nesta profissão. É uma pena que muitos não acreditem."
Esse discurso vincula profissão a ideal, desconsiderando que professores são profissionais, com direito à satisfação de suas expectativas, que dizem respeito a salário e condições de trabalho adequados, não a ideais. É um discurso eufórico, que exacerba a importância do trabalho, em detrimento da discussão sobre as circunstâncias adversas em que esse trabalho é produzido, levando os profissionais a adotarem uma atitude de abnegação, de resignação.
"Sim (considera-se realizado profissionalmente), só sonho em um dia poder ganhar bem e fazer jus ao meu trabalho."
O discurso acima revela um sujeito consciente de que seu salário não corresponde ao seu desempenho profissional. o sujeito apresenta auto-estima equilibrada, pois reconhece seu valor e de seu trabalho. a palavra sonho revela que as dificuldades para a concretização do desejo de ganhar bem não podem ser vencidas individualmente, mas dependem das circunstâncias históricas determinadas pela sociedade, motivo pelo qual seu direito salarial encontra-se reduzido a uma esperança salarial (o que é menor ainda que uma expectativa).
"As cinco profissões básicas são: o professor, o político, o advogado (o homem das leis), o médico e o arquiteto. O professor já existia desde a Grécia. Era o pedagogo. Sabia que o pedagogo era escravo naquela época? O professor sempre teve isso de escravo. Começou daí."
Ao comparar sua profissão à do escravo, o sujeito se coloca numa posição hierarquicamente inferior na relação de poder (só recebe ordens e possui somente deveres). Esse discurso revela uma ideologia alienante, na qual o sujeito se vê sem liberdade de escolha, sem opção de mudança, portanto, acomodado, tendo em vista que a realidade lhe é apresentada como fruto de um passado que tende a perpetuar-se.
"Os tecnocratas estão lá em cima e dizem que tem de ser assim, mas eles não têm a prática que o professor tem, e o professor nunca é consultado para saber o que poderia ser feito. Nunca. Quando vem, vem a ordem e acabou."
Esse é o discurso autoritário reproduzido pelo sistema, no qual os políticos (tecnocratas) não ouvem a opinião do povo, nem a solicitam, tanto em relação à educação quanto aos demais setores de interesse da sociedade. Esse comportamento é fato social, reproduzido freqüentemente nas relações humanas, em casa, no trabalho, na escola, impedindo a liberdade do sujeito de participar, criticar sua própria atuação e a do outro, cobrar melhor desempenho de ambos e construir mudanças que viabilizem uma sociedade onde haja oportunidade de crescimento para todos os homens.
"Eu não queria sair do magistério. em termos de remuneração era superior (o outro emprego), mas quando nos tornamos efetivos a gente se torna mais estável, e naquela época tinha acabado de passar no concurso."
O discurso revela uma prática social: usar a estabilidade no emprego para compensar o baixo salário pago ao profissional, visando mantê-lo trabalhando, mesmo estando insatisfeito profissionalmente.
"Às vezes eu passo no corredor, vejo os professores dando aula, tenho vontade de entrar na sala e me intrometer, porque as meninas têm dificuldades de lidar com os alunosindisciplinados. Eu grito e ai do demônio que continuar bagunçando. Pelo menos é assim que eu faço com os meus. Olha, eles aprendem muito mais que os outros alunos das outras classes, e todos os pais me adoram."
O sujeito se utiliza de um discurso autoritário que estabelece para si uma posição privilegiada em relação ao aluno e aos demais profissionais da escola, e o faz com a aprovação da comunidade em que está inserido. Esse discurso reproduz a ideologia que aliena os envolvidos no processo educacional, ao impedir que o homem se posicione como sujeito no mundo, capaz de criticar tanto sua atuação quanto a do outro.
"Há 20 anos o aluno era compenetrado, responsável e queria aprender. Atualmente existe uma nova clientela, por isso é necessário o professor se atualizar para se adequar à nova realidade. Hoje o professor tem que encontrar diferentes formas para conseguir passar sua experiência. As relações entre as pessoas estão mais frias em conseqüência do número grande de alunos na sala de aula. O professor tem que se adaptar a essas novas mudanças."
Nesse discurso o professor é situado numa posição hierarquicamente superior ao aluno. O significado constituído por esse discurso é ideológico, pois nele o aluno é apresentado como receptor da experiência do professor e é responsabilizado pelas dificuldades atuais enfrentadas por ele ao tentar "passar" sua experiência. O discurso afirma que devido ao fato do aluno não ser mais compenetrado, responsável e nem querer aprender, o professor precisa se atualizar para se adequar à nova realidade e a essa nova clientela. O efeito dessa ideologia é levar o indivíduo a conviver com o problema, sem questionar suas causas, e conseqüentemente, sem encontrar a solução.
"A escola pública é um laboratório. Ela me permitiu errar."
O sentido implícito na afirmação de que a escola pública permite errar é o de que a escola da rede privada não o permite, ou seja, o desempenho do profissional varia de acordo com o público alvo de seu trabalho. o sujeito que fala é ideológico, e essa sua fala é recorte de um contexto social que pratica discriminação social nas relações de trabalho. esse comportamento, consentido pelo discurso, mantém ideologicamente a divisão e a discriminação das classes sociais, alimentando as injustiças.
"(...) Eu seguiria o mesmo processo, com o mesmo entusiasmo, principalmente com o construtivismo. Eu ainda não entendi direito o que é, mas se pudesse recomeçar, eu aplicaria isso na sala de aula."
Esse discurso é ideológico. Seu objetivo é impedir a consciência da necessidade de ser exercitada a capacidade crítica do indivíduo e sua conseqüente participação social. Essa ideologia leva o profissional à alienação e ao descompromisso, pois não lhe confere a responsabilidade na construção dos procedimentos pedagógicos, nem mesmo o questionamento daqueles que são adotados pelo sistema educacional, o que pode levá-lo à aceitação dos métodos porque " a ordem veio e acabou" ou porque está na moda (é elogiado por outros).
"... ao final de cada mês me sinto decepcionada e frustrada, não somente por ser professora, mas também pelos dirigentes do país que não têm seriedade por aqueles que os formaram e os colocaram no poder."
O discurso acima coloca o professor numa posição hierarquicamente inferior na relação de poder. Apesar de formar o outro e elegê-lo, o professor não continua participando do processo (do poder). Esse discurso é ideológico e assujeita o indivíduo, pois não possibilita a consciência de sua capacidade de transformar, de continuar participando do poder, provocando no profissional um sentimento de impotência que afeta sua auto-estima, fato agravado pela insatisfação financeira e profissional, marcadas implicitamente no texto pelas falas: "ao final de cada mês" e "não somente por ser professora".
Fonte:
http://www.espirito.org.br/