sábado, 15 de dezembro de 2012

Ricardo Azevedo (Versão de Conto Popular: O Rei que Virou Vaca)


Certa vez, um rei convocou os nobres da corte e declarou que era uma vaca. Os nobres ficaram assustados. O soberano disse mais: desejava ser morto e ter sua carne cortada e distribuída ao povo. 

Achando que o rei havia enlouquecido, os nobres convocaram os principais médicos do reino. Remédios e unguentos foram experimentados mas, infelizmente, sem nenhum resultado. 

Enquanto isso, o monarca piorava. Mugia o dia inteiro. Sujava o chão do palácio. De vez em quando, saía galopando, dando coices e cabeçadas.

Passado um tempo, o rei chamou novamente seus principais nobres e ministros. Parecia contrariado. Esbravejou. Disse que, porque suas ordens não haviam sido cumpridas, a partir daquele dia não ia comer mais nada. 

Uma nuvem negra pousou no futuro do reino. O povo, angustiado, acompanhava o drama de seu querido rei, cada vez mais magro, fraco e abatido.

Um dia, um famoso cientista apareceu no reino. Diziam que era um grande médico. Diziam que era um filósofo capaz de lidar com os mais intricados segredos da alma humana.

O sábio foi ao palácio examinar o rei. Deitado na cama, o monarca repetiu ao médico suas alucinações. Mugiu. Confirmou que era uma vaca. Confirmou que seu único desejo era ser morto, cortado e ter sua carne distribuída ao povo.

Coçando a longa barba, o sábio declarou que o rei tinha razão. Ordens reais eram leis que precisavam ser cumpridas imediatamante. Em seguida, abrindo a porta, chamou o açougueiro. Um homem imenso, vestido de branco, entrou no quarto com uma faca na mão. 

Perguntou onde estava a tal vaca.

– Estou aqui! – gemeu o soberano, exultante, com os olhos alegres de loucura. 

O açougueiro aproximou-se da cama. Levantou, cuidadoso, a perna fina e branca do monarca. Balançou a cabeça, decepcionado. Aquela vaca estava magra demais. 

De que adiantava matar um animal que era só pele e osso? Cortar o quê? Distribuir o quê?

– Primeiro – aconselhou ele –, é necessário que essa vaca aprenda a se cuidar, a comer, dormir direito e caminhar pelas montanhas, até ficar forte, alegre e cheia e saúde.

Dizendo que só voltaria quando a vaca estivesse no ponto certo, o açougueiro guardou a faca e foi embora. 

A partir desse dia, o rei decidiu alimentar-se de novo. Aos poucos, foi engordando, as cores voltaram a brilhar em seu rosto, ficou forte e acabou esquecendo de vez que um dia havia sido vaca. 

Fonte:
Revista Nova Escola

Academia de Letras e Artes de Paranavaí (Lançamento da 1a. Coletânea Literária de Paranavaí)

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Domingos Olímpio (Luzia-Homem)


Análise da obra

 Publicado em 1903 e considerado um clássico do gênero Ciclo das Secas, da Literatura Nordestina, Luzia-Homem é um exemplo do Naturalismo regionalista. Marcado pela fala característica dos personagens,  Luzia-Homem mantém duas características clássicas do Naturalismo por toda obra: o cientificismo na linguagem do narrador e o determinismo (teoria de que o homem é definido pelo meio). A obra também se vincula ao realismo sertanejo, - que alguns chamam de regionalismo - apresentando com tintas carregadas o flagelo da seca em sua região, ao mesmo tempo que enfoca a força física e moral da sertaneja Luzia, criatura intermediária entre dois sexos, o corpo quase másculo numa alma feminina e que termina assassinada por um soldado quando se dispunha a amar ternamente outro homem. 

Temática da obra 

 A obra tematiza a violência e o sadismo que florescem como literatura naturalista. Há nuances de Romantismo na morosidade da descrição das paisagens, onde a natureza, às vezes, é madrasta principalmente por causa da seca. Explora a duplicidade da personagem principal, ela é bonita, gentil e retirante da seca, mas também tem força descomunal. No romance, Luzia integra um grupo de retirantes, e sua figura forte e personalidade marcante logo atrai a atenção dos homens que disputam o amor da heroína.

Estilo

 Estilo marcado pela objetividade, concepção de amor baseado na atração sexual, com ênfase nas características negativas das personagens, o Naturalismo legou-nos romances em que é possível perceber a grande influência de Darwin e A Origem das Espécies: o meio ambiente condiciona todos os seres, deixando sobreviver apenas os mais fortes. Por isso, a natureza de todos os seres, inclusive a do homem, seria determinada por circunstâncias externas. A vida interior é reduzida a nada. Em Luzia-Homem, tais pressupostos são nítidos, basta que se observe a caracterização e trajetória das personagens. Luzia, por exemplo, está fadada a sucumbir, pois num jogo de forças com o vilão, de nada valeu sua força física, assim como não valeram seus bons sentimentos e até a doçura de alma escondida atrás de tantos músculos. Tornou-se, portanto, vítima da fatalidade das leis naturais, que a impediam de ter outro destino. A morte como desfecho vem coroar esse determinismo, pois é a única saída possível para a personagem. Não há a menor possibilidade, nos romances desse estilo, de ocorrer um acaso ou ‘‘milagre’’, comuns em romances românticos, em favor da personagem. 

 Crapiúna, por sua vez, tem sua trajetória iniciada pelo interesse por Luzia, porém, um interesse que vai, aos poucos, se transformando em um caso patológico. Portanto, seu comportamento é coerente com sua obsessão e não há limites que o impeçam de realizar seu intento: ter Luzia a qualquer preço, não porque sentisse amor profundo, mas porque sua atração era sexual, cada vez mais atiçada pelas recusas da moça. Ele é, então, um personagem previsível, já que, pela lógica naturalista, seu destino também estava determinado. 

 Em tudo, o autor foi fiel à tendência literária da época: a rudeza e brutalidade das cenas, a crueza dos episódios, o entrechoque dos instintos, a intensidade das forças desencadeadas. A cena final do romance é exemplo perfeito dessas características: a violência que Crapiúna usa contra Terezinha e Luzia é assustadora. A reação de Luzia é ainda mais assustadora: arranca com as unhas um dos olhos de Crapiúna e morre com aquele macabro troféu entre os dedos da mão direita enquanto que, sobre o peito, misturados ao sangue que jorrava, murchavam os cravos que lhe dera Alexandre.

Personagens

Luzia, a protagonista, é do tipo mulher masculinizada, de músculos fortes, mas de sensibilidade aguçada. É taciturna, solitária, boa, corajosa, firme de caráter, constituindo-se num "símbolo da mulher cearense, heróica na sua luta contra o flagelo da seca, da emigração e da prostituição - como interpretou Abelardo Montenegro". 

Crapiúna é o mau soldado, excessivamente sensual e inconsciente. 

Teresinha, vítima de terceiros. 

Alexandre, o namorado, é bem delicado, bem como Raulino. 

Capitão Marcos e família, sensíveis ao sofrimento comum, conservam, entretanto, o orgulho patriarcal do fazendeiro.

 O principal defeito do romance Luzia-Homem consiste no "desnível entre a concepção e a execução, na grandeza daquela, na franqueza desta", como escreveu Lúcia Miguel Pereira. Na verdade, carece o romance de simplicidade de expressão. A linguagem usada é, muitas vezes, arrevesada e imprópria, prejudicada ainda por excessos retóricos. Por fim, Domingos Olímpio é um autêntico romancista regionalista com Luzia-Homem oferecendo-nos "uma visão retrospectiva da condição humana e social do sertanejo, lutando pela sua sobrevivência e a de seus próprios valores no meio, que o castiga, mas com o qual ele se identifica no sofrimento e na alegria"

Enredo

 O cenário é o interior do Ceará, nos fins de 1878, durante uma grande seca. Na construção da penitenciária de Sobral, pequena cidade do Ceará, muitos retirantes trabalham para não morrerem de fome. 

 Uma linda morena chama a atenção de todos. É luzia que faz serviços de homem para poder receber ração dobrada, em virtude de ter a mãe doente em casa. Seu corpo é esbelto e feminino e, acostumada que fora na antiga fazenda do pai a trabalhar em serviços pesados, tinha muita força, fazendo o que muitos homens não podiam. Por isso recebera o apelido de Luzia-Homem. Recatada e silenciosa, não tinha muitas relações de amizade. No entanto, o soldado Crapiúna era apaixonado ou pelo menos atraído fisicamente com violência por Luzia. Esta não correspondia aos seus cortejos, desprezando-o e tornando o soldado cada vez mais obcecado por ela. 

 Tinha Luzia um amigo muito leal e respeitoso chamado Alexandre, rapaz bonito e educado, que trabalhava no armazém da Comissão. Teresinha era outra amiga de Luzia. Moça branca, de cabelos castanhos, que há muito havia fugido de casa e se prostituíra. 

 Certo dia passando com Teresinha pelo armazém, viram um tumulto e ao se informarem ficaram sabendo que Alexandre fora preso por causa de um grande roubo que houvera no almoxarifado do armazém. 

 Luzia e Teresinha, acreditando na inocência de Alexandre que estava na prisão aguardando o julgamento, levavam-lhe comida todos os dias. 

 Tempos após, Teresinha, tendo ido se esticar na rede, vê nos fundos do quintal o soldado Crapiúna abrindo um baú e apanhando uma bolsa de couro de onça contendo dinheiro. Teresinha passa a desconfiar do soldado, o mesmo acontecendo com Luzia a quem Teresinha contara o ocorrido. Outro dia Luzia encontra Quinotinha que lhe diz ter ouvido Crapiúna confessando ser o autor do roubo a uma mulher que o amava. Luzia, certa da verdade, antes de falar com Teresinha foi a te o Delegado e lhe contou tudo, o qual não acreditando muito, foi até o quintal da casa de Teresinha encontrando o baú com as coisas roubadas do armazém. 

 No julgamento, Alexandre foi absolvido e Crapiúna expulso da corporação. O ex-soldado, vendo a felicidade de Luzia, jurou vingar-se. 

 Teresinha encontra a família que a estava procurando pelo sertão e vão morar juntos na casa dela. 

 Passados esses acontecimentos, Alexandre propôs a Luzia irem morar na serra, levando a mãe dela e a família de Teresinha. Luzia, que começara a despertar para o amor de Alexandre que já a amava silenciosamente há muito tempo, fica feliz e começam a arrumar as trouxas. 

 Alexandre partiu no dia seguinte com a família de Teresinha para escolherem a casa. 

 Teresinha, Luzia, Josefina, Raulino e outros quatro homens foram na tarde do dia seguinte, 

 Teresinha saiu na frente para ajudar os outros na arrumação da casa. Os cinco homens carregavam a rede com D. Josefina e Luzia logo atrás. Ao chegar à serra, Raulino indicou um atalho à Luzia dizendo que eles levariam a rede com D. Josefina pela estrada. Luzia foi seguindo os passos de Teresinha no barro. 

 Andou ao redor de um morro até que chegou a um rio cheio de pedras e de água pura. Quando ia atravessá-lo ouviu um grito. Olhou a sua esquerda e viu Crapiúna, que havia fugido da cadeia e que estava segurando Teresinha pelo braço. Luzia atravessou o rio e gritou: 

 - Solte a moça, seu Crapiúna! 

 - Até que enfim nos encontramos, disse o bandido. 

 Largou Teresinha e avançou sobre Luzia, puxando-a e rasgando toda sua roupa. No desespero, Luzia reagiu cravando as unhas no rosto de Crapiúna, deixando desfigurado e tonto. Crapiúna arrancou uma faca e cravou-a no peito de Luzia. Despencando em seguida do penhasco. 

 Neste instante chega Raulino que vê Teresinha horrorizada e, olhando a sua direita, aproxima-se de Luzia, já com os olhos arregalados e sem vida.

Fonte:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/l/luzia_homem

Ruth Rocha (Quem tem medo de quê?)


Eu vou contar pra você
O que é meu maior segredo.
Há uma coisa no mundo
Que me mete muito medo!
Não tenho medo do pai,
Nem da mãe e nem do irmão.
Mas eu tenho muito medo
Do barulho do trovão!

Do trovão? Mas que bobagem!
Que medo mais infantil!
Quando o trovão faz barulho
O raio até já caiu...
Medo eu tenho, vou dizer...
De uma coisa muito mixa...
Mas o que é que eu vou fazer?
Eu detesto lagartixa!

Lagartixa? Vejam só!
Isso parece piada...
Nem ligo pra lagartixa!
Acho ela uma coitada!
Sabe do que eu tenho medo?
Que me dói o coração?
Até me arrepia a espinha...
Tenho medo... de injeção!

Ah, de injeção eu não gosto,
Mas não fico apavorado.
Existe só uma coisa
Que me deixa até gelado...
Do que eu tenho muito medo,
Que me deixa num apuro...
É uma coisa meio besta.
É ter de ficar no escuro...

Que medo mais bobo o seu!
Não tenho medo de escuro.
É só acender a luz
E pronto! Acaba-se o escuro!

Do que eu tenho muito medo,
O que me causa pavor,
É de pensar em vampiro.
Vampiro me causa horror!

Vampiro não me dá medo...
Acho que eu nunca senti...
Tenho medo do que existe!
E não do que eu nunca vi.

Mas existe uma coisinha...
Eu de medo até me encolho!
Eu tenho um medo danado
Mas é de pegar piolho!

Piolho é um bichinho à-toa...
Não complica nossa vida.
É coisa que a gente cura
Com sabão e inseticida!
Agora, mais perigoso,
Pra mim, até que leão,
Tenho medo é de cachorro,
Cachorrinho ou cachorrão!

De cachorro eu até que gosto.
Na minha casa tem três.
Agora, do que eu tenho medo
Eu vou contar de uma vez.
Não tenho medo de nada!
Nem de bicho nem ladrão!
Mas apesar de valente
Tenho medo de avião!

Avião é uma delícia!
Ando pra baixo e pra cima...
Não tenho medo nenhum,
Desde que era pequenina.
Mas peru, pato, galinha,
Galo, grande ou garnisé,
Tudo que é bicho de pena
Me põe de cabelo em pé!

Pelo que eu vejo, pessoal,
Ter medo não é vergonha.
Todo mundo tem um medo,
Que a gente nem mesmo sonha.
E eu agora vou andando,
Não temo bicho, nem homem!
Mas está chegando a hora
De aparecer lobisomem...

Fonte:
Revista Nova Escola

Machado de Assis (Idéias sobre o Teatro)


A ARTE DRAMÁTICA não é ainda entre nós um culto; as vocações definem-se e educam-se como um resultado acidental. As perspectivas do belo não são ainda o ímã da cena; o fundo de uma posição importante ou de um emprego suave, é que para lá impele as tendências balbuciantes. As exceções neste caso são tão raras, tão isoladas que não constituem um protesto contra a verdade absoluta da asserção.

Não sendo, pois, a arte um culto, a idéia desapareceu do teatro e ele reduziu-se ao simples foro de uma secretaria de Estado. Desceu para lá o oficial com todos os seus atavios: a pêndula marcou a hora do trabalho, e o talento prendeu-se no monótono emprego de copiar as formas comuns, cediças e fatigantes de um aviso sobre a regularidade da limpeza púbica. Ora, a espontaneidade pára onde o oficial começa; os talentos, em vez de se expandirem no largo das concepções infinitas, limitaram-se à estrada indicada pelo resultado real e representativo das suas fadigas de trinta dias. 

Prometeu atou-se ao Cáucaso.

Daqui uma porção de páginas perdidas. As vocações viciosas e simpáticas sufocaram debaixo da atmosfera de gelo, que parece pesar, como um sudário de morto sobre a tenda da arte. Daqui o pouco ouro que havia. lá vai quase que despercebido no meio da terra que preenche a âmbula sagrada.

Serão desconhecidas as causas dessa prostituição imoral?

Não é difícil assinalar a primeira, e talvez a única que maiores efeitos tem produzido. Entre nós não há iniciativa. Não há iniciativa, isto é, não há mão poderosa que abra uma direção aos espíritos; há terreno, não há semente; há rebanho, não há pastor; há planetas, mas não há outro sistema.

A arte para nós foi sempre órfã; adornou-se nos esforços, impossíveis quase, de alguns caracteres de ferro, mas, caminho certo, estrela ou alvo, nunca os teve. Assim, basta a boa vontade de um exame ligeiro sobre a nossa situação artística para reconhecer que estamos na infância da moral; e que ainda tateamos para darmos com a porta da adolescência que parece escondida nas trevas do futuro.

A iniciativa em arte dramática não se limita ao estreito círculo do tablado — vai além da rampa, vai ao povo. As platéias estão aqui perfeitamente educadas? A resposta é negativa.

Uma platéia avançada, com um tablado balbuciante e errado, é um anacronismo, uma impossibilidade. Há uma interna relação entre uma e outro. Sófocles hoje faria rir ou enjoaria as massas, e as platéias gregas pateariam de boa vontade uma cena de Dumas ou Barrière. A iniciativa, pois, deve ter uma mira única: a educação. 

Demonstrar aos iniciados as verdades e as concepções da arte; e conduzir os espíritos flutuantes e contraídos da platéia à esfera dessas concepções e dessas verdades. Desta harmonia recíproca de direções acontece que a platéia e o talento nunca se acham arredados no caminho da civilização. Aqui há um completo deslocamento: a arte divorciou-se do público. Há entre a rampa e a platéia um vácuo imenso de que nem um nem outra se apercebe.

A platéia ainda dominada pela impressão de uma atmosfera, dissipada hoje no verdadeiro mundo da arte, — não pode sentir claramente as condições vitais de uma nova esfera que parece encerrar o espírito moderno. Ora, à arte tocava a exploração dos novos mares que se lhe apresentam no horizonte, assim como o abrir gradual, mas urgente, dos olhos do público. Uma iniciativa firme e fecunda e o elixir necessário à situação; um dedo que, grupando platéia e tablado, folheie a ambos a grande bíblia da arte moderna com toda as relações sociais, é do que precisamos na atualidade.

Hoje não há mais pretensões, creio eu, de metodizar uma luta de escola, e estabelecer a concorrência de dois princípios. É claro ou é simples que a arte não pode aberrar das condições atuais da sociedade para perder-se no mundo labiríntico das abstrações. O teatro é para o povo o que o Coro era para o antigo teatro grego; uma iniciativa de moral e civilização. Ora, não se pode moralizar fatos de pura abstração em proveito das sociedades; a arte não deve desvairar-se no doido infinito das concepções ideais, mas identificar-se com o fundo das massas; copiar, acompanhar o povo em seus diversos movimentos, nos vários modos da sua atividade.

Copiar a civilização existente e adicionar-lhe uma partícula, é uma das forças mais produtivas com que conta a sociedade em sua marcha de progresso ascendente. Assim os desvios de uma sociedade de transição lá vão passando e à arte moderna toca corrigi-la de todo. Querer levantar luta entre um princípio falso, decaído, e uma idéia verdadeira que se levanta, é encerrar nas grades de uma gaiola as verdades puras que se evidenciavam no cérebro de Salomão de Caus.

Estas apreensões são tomadas de alto e constituem as bordas da cratera que é preciso entrar. Desçamos ate as aplicações locais. A arena da arte dramática entre nós é tão limitada, que é difícil fazer aplicações sem parecer assinalar fatos, ou ferir individualidades. De resto, é de sobre individualidades e fatos que irradiam os vícios e as virtudes, e sobre eles assenta sempre a análise. Todas as suscetibilidades, pois, são inconseqüentes, — a menos que o erro ou a maledicência modelem estas ligeiras apreciações.

A reforma da arte dramática estendeu-se até nós e pareceu dominar definitivamente uma fração da sociedade. Mas isso é o resultado de um esforço isolado operando por um grupo de homens. Não tem ação larga sobre a sociedade. Esse esforço tem-se mantido e produzido os mais belos efeitos; inoculou em algumas artérias o sangue das novas idéias, mas não o pôde ainda fazer relativamente a todo o corpo social.

Não há aqui iniciativa direta e relacionada com todos os outros grupos e filhos da arte. A sua ação sobre o povo limita-se a um círculo tão pequeno que dificilmente faria resvalar os novos dogmas em todas as direções sociais.

Fora dessa manifestação singular e isolada, — há algumas vocações que de bom grado acompanhariam o movimento artístico de sorte a tomarem uma direção mais de acordo com as opiniões do século. Mas são ainda vocações isoladas, manifestações impotentes. Tudo é abafado e se perde na grande massa.

Assinaladas e postas de parte certas crenças ainda cheias de fé, esse amor ainda santificado, o que resta? Os mercadores entraram no templo e lá foram pendurar as suas alfaias de fancaria. São os jesuítas da arte; os jesuítas expuseram o Cristo por tabuleta e curvaram-se sobre o balcão para absorver as fortunas. Os novos invasores fizeram o mesmo, a arte é a inscrição com que parecem absorver fortunas e seiva.

A arte dramática tornou-se definitivamente uma carreira pública.

Dirigiram mal as tendências e o povo. Diante das vocações colocaram os horizontes de um futuro inglório, e fizeram crer às turbas que o teatro foi feito para passatempo. Aquelas e este tomaram caminho errado; e divorciaram-se na estrada da civilização.

Deste mundo sem iniciativa nasceram o anacronismo, as anomalias, as contradições grotescas, as mascaradas, o marasmo. A musa do tablado doidejou com os vestidos de arlequim, — no meio das apupadas de uma multidão ébria. É um fiat de reforma que precisa este caos. Há mister de mão hábil que ponha em ação, com proveito para a arte e para o país, as subvenções improdutivas, empregadas na aquisição de individualidades parasitas.

Esta necessidade palpitante não entra na vista dos nossos governos. Limitam-se ao apoio material das subvenções e deixam entregue o teatro a mãos ou profanas ou maléficas. O desleixo, as lutas internas, são os resultados lamentáveis desses desvios da arte. Levantar um paradeiro a essa corrente despenhada de desvarios, é a obra dos governos e das iniciativas verdadeiramente dedicadas.

Se o teatro como tablado degenerou entre nós, como literatura é uma fantasia do espírito.

Não se argumente com meia dúzia de tentativas, que constituem apenas uma exceção; o poeta dramático não é ainda aqui um sacerdote, mas um crente de momento que tirou simplesmente o chapéu ao passar pela porta do templo. Orou e foi caminho. O teatro tornou-se uma escola de aclimatação intelectual para que se transplantaram as concepções de estranhas atmosferas, de céus remotos. A missão nacional, renegou-a ele em seu caminhar na civilização; não tem cunho local; reflete as sociedades estranhas, vai ao impulso de revoluções alheias à sociedade que representa, presbita da arte que não enxerga o que se move debaixo das mãos.

Será aridez de inteligência? não o creio. É fecunda de talentos a sociedade atual. Será falta de ânimo? Talvez; mas será essencialmente falta de emulação. Essa é a causa legítima da ausência do poeta dramático; essa não outra. Falta de emulação? Donde vem ela? Das platéias? Das platéias. Mas é preciso entender: das platéias, porque elas não têm, como disse, uma sedução real e conseqüente.

Já assinalei a ausência de iniciativa e a desordem que esteriliza e mata tanto elemento aproveitável que a arte em caos encerra. A essa falta de um raio condutor se prende ainda a deficiência de poeta dramáticos. Uma educação viciosa constitui o paladar das platéias. Fizeram ar em face das multidões uma procissão de manjares esquisitos de um sabor estranho, no festim da arte, os naturalizaram sem cuidar dos elementos que fermentavam em torno de nossa sociedade, e que só esperavam uma mão poderosa para tomarem uma forma e
uma direção.

As turbas não são o mármore que cede somente ao trescalar laborioso do escopro, são a argamassa que se amolda à pressão dos dedos. Era fácil dar-lhes uma fisionomia; deram-lha. Os olhos foram rasgados para verem segundo as conveniências singulares de uma autocracia absoluta.

Conseguiram fazê-lo.

Habituaram a platéia nos boulevards elas esqueceram as distâncias e gravitam em um círculo vicioso. Esqueceram-se de si mesmas; e os czares da arte lisonjeiam-lhes a ilusão com esse manjar exclusivo que deitam à mesa pública. Podiam dar a mão aos talentos que se grupam nos derradeiros degraus a espera de um chamado.

Nada!

As tentativas nascem pelo esforço sobre-humano de alguma inteligência onipotente, — mas passam depois de assinalar um sacrifício, mais nada! E, de feito, não é mau este proceder. É uma mina o estrangeiro, há sempre que tomar à mão; e as inteligências não são máquinas dispostas às vontades e conveniências especulativas.

Daqui o nascimento de uma entidade: o tradutor dramático, espécie de criado de servir que passa, de uma sala a outra, os pratos de uma cozinha estranha.

Ainda mais essa!

Dessa deficiência de poetas dramáticos, que de coisas resultam! que deslocamentos! Vejamos.

Pelo lado da arte o teatro deixa de ser uma reprodução da vida social na esfera de sua localidade. A crítica resolverá debalde o escalpelo nesse ventre sem entranhas próprias, pode ir procurar o estudo do povo em outra face; no teatro não encontrará o cunho nacional mas uma galeria bastarda, um grupo furta-cor, uma associação de nacionalidades.

A civilização perde assim a unidade. A arte, destinada a caminhar na vanguarda do povo como uma preceptora, — vai copiar as sociedades ultrafronteiras.

Tarefa estéril!

Não pára aqui. Consideremos o teatro como um canal de iniciação. O jornal e a tribuna são os outros dois meios de proclamação e educação pública. Quando se procura iniciar uma verdade busca-se um desses respiradouros e lança-se o pomo às multidões ignorantes. No país em que o jornal, a tribuna e o teatro tiverem um desenvolvimento conveniente — as caligens cairão aos olhos das massas; morrerá o privilégio, obra de noite e da sombra; e as castas superiores da sociedade ou rasgarão os seus pergaminhos ou cairão abraçadas com eles, como em sudários.

É assim, sempre assim; a palavra escrita na imprensa, a palavra falada na tribuna, ou a palavra dramatizada no teatro, produziu sempre uma transformação. 
É o grande fiat de todos os tempos.

Há porém uma diferença: na imprensa e na tribuna a verdade que se quer proclamar é discutida, analisada, e torcida nos cálculos da lógica; no teatro há um processo mais simples e mais ampliado; a verdade parece nua, sem demonstração, sem análise.

Diante da imprensa e da tribuna as idéias abalroam-se, ferem-se, e lutam para acordar-se; em face do teatro o homem vê, sente, palpa; está diante de uma sociedade viva, que se move, que se levanta, que fala, e de cujo composto se deduz a verdade, que as massas colhem por meio de iniciação. De um lado a narração falada ou cifrada, de outro a narração estampada, a sociedade reproduzida no espelho fotográfico de forma dramática.

É quase capital a diferença.

Não só o teatro é um meio de propaganda, como também é o meio mais eficaz, mais firme, mais insinuante.

É justamente o que não temos.

As massas que necessitam de verdades, não as encontrarão no teatro destinado à reprodução material e improdutiva de concepções deslocadas da nossa civilização,
— e que trazem em si o cunho de sociedades afastadas. É uma grande perda; o sangue da civilização, que se inocula também nas veias do povo pelo teatro, não desce a animar o corpo social: ele se levantará dificilmente embora a geração presente enxergue o contrário com seus olhos de esperança.

Insisto pois na asserção: o teatro não existe entre nós: as exceções são esforços isolados que não atuam, como disse já, sobre a sociedade em geral. Não há um teatro nem poeta dramático...

Dura verdade, com efeito! Como! pois imitamos as frivolidades estrangeiras, e não aceitamos os seus dogmas de arte? É um problema talvez; as sociedades infantes
parecem balbuciar as verdades, que deviam proclamar para o próprio engrandecimento. Nós temos medo da luz, por isso que a empanamos de fumo e vapor. 

Sem literatura dramática, e com um tablado, regular aqui, é verdade, mas deslocado e defeituoso ali e além, — não podemos aspirar a um grande passo na civilização. À arte cumpre assinalar como um relevo na história as aspirações éticas do povo — e aperfeiçoá-las e conduzi-las, para um resultado de grandioso futuro.

O que e necessário para esse fim?

Iniciativa e mais iniciativa.

Fonte:
Machado de Assis. Crítica Literária. Pará de  Minas/ MG: Virtualbooks, 2003.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 757)



Uma Trova de Ademar  

Fiz a “pergunta ao espelho” 
que para não me ofender : 
disfarçou, ficou vermelho 
e não quis me responder! 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Se queixando do calor,
no consultório a gatinha,
- Ponho onde a roupa doutor?
- Deixa ali perto da minha...
–Campos Salles/SP– 

Uma Trova Potiguar  

Eu sou trovador, de fato, 
mas nunca erra quem diz 
que eu não engraxo o sapato 
de Antônio Augusto de Assis. 
Manoel Cavalcante/RN– 

Uma Trova Premiada  

1975   -   Nova Friburgo/RJ 
Tema   -   “LIVRE”   -   14º Lugar 

- Eis minha cara-metade...
Mulher assim ninguém tem!
- Mas o amigo, sem maldade:
- A outra metade é de quem?! 
–Antônio Carlos Teixeira/DF– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Quanta vez junta a um jazigo
alguém murmura de leve:
- Adeus para sempre, amigo!
E diz-lhe o morto: - Até breve! 
–Belmiro Braga/MG– 

U m a P o e s i a  

Com Roberto eu gravei mais de um CD, 
comprei muitas ações da Globo ação, 
produzi o programa do Faustão, 
estou agora gravando um LP, 
produzi uma crise no PT 
que está desorganizado demais, 
fiz a droga invadir toda La paz 
e estou fazendo o programa fome zero 
Xuxa é doida por mim, mas eu não quero, 
e o que é que me falta fazer mais? 
–Raulino da Silva/RN– 

Soneto do Dia  

CAUSA MORTIS. 
–Dorothy J. Moretti/SP–

Todo mundo que chegava 
ao velório do Candinho, 
penalizado, falava: 
- Morreu como um passarinho. 

Um bebum que ali se achava, 
curioso, entre o burburinho, 
a cada passo escutava: 
- Morreu como um passarinho. 

Chega alguém que, comovido, 
pergunta-lhe ao pé do ouvido: 
- De que a morte foi causada? 

E o bebum, em tom de prece: 
- Também não sei, mas parece 
que foi de uma estilingada.

Teatro de Ontem e de Hoje (Cartas Portuguesas)


Baseado nas cartas amorosas escritas por uma freira no século XVII, o espetáculo de Bia Lessa desdobra a personagem em duas atrizes, Luciana Braga e Carla Camurati, num palco que abriga uma cenografia natural de plantas e águas.

Interna no Convento Concepção de Beja, em Portugal, a madre Mariana Alcoforado escreve cartas ao amante, um oficial militar que servia na França. As cinco cartas escritas e postumamente publicadas foram adaptadas pelo cineasta Julio Bressane para o espetáculo dirigido por Bia Lessa.

O cenário de Fernando Mello da Costa, constante parceiro da encenadora, monta um ambiente bucólico, com o palco coberto de terra e cortado por um riacho, preenchido de árvores e pedras. A composição concreta de um bosque retrata menos o lugar de uma ação do que a subjetividade da apaixonada. O texto, de inegável veia romântica, preserva do original a descoberta do amor e, na ausência do ser amado, a dedicação ao próprio sentimento, expressa em frases como: "Odeio a tranqüilidade da minha vida antes de te conhecer". 

Em crítica para a revista Veja, Arnaldo Lorençato escreve: "O palco se inunda de sensualidade na pele de Carla Camurati, enquanto Luciana Braga compõe uma religiosa de delicadeza e fragilidade surpreendentes. Num cenário magnífico recortado por um riacho, a dureza da clausura ganha a aparência de floresta. Ali, Mariana se cobre de lama e tenta o suicídio. Seu tormento beira o insuportável, realçado pela trilha sonora, que inclui Polegnala e Todora, por coros femininos de vozes búlgaras. O dramalhão, no entanto, foi evitado. Há até humor, particularmente quando o texto revela as artimanhas femininas usadas para a conquista, como cozinhar ou costurar".1

A crítica Maria Lúcia Pereira aprofunda os princípios que fundam o trabalho da encenação: "Na exploração da teatralidade está a chave do trabalho de Bia Lessa. O cenário naturalista de um bosque (feito com árvores verdadeiras) cortado por um riacho é pontuado por signos de evidente falsidade. Neste sentido, é emblemática a pomba de papier mâché, mensagem dos amantes. Ela desce grotescamente do urdimento balançando-se na ponta de um barbante. É, neste momento, portadora de uma mensagem ao público: 'Isto é teatro'. Enquanto elemento cênico contém em si seu reaproveitamento na repetição do espetáculo no dia seguinte, e no dia seguinte, até o final da temporada. É assim no teatro, está convencionado. Porém, num momento de decisão, a pomba é arrancada do fio donde pende e literalmente enterrada na lama real. Rompe-se, deste modo, a convenção implícita. Bia Lessa não respeita limites, muito menos os tácitos, e circula voluntariamente entre o real e o simbólico. O truque teatral que não conta o segredo de seu funcionamento é aliado ao mais singelo exercício de interpretação - e aqui nos referimos especificamente à maravilhosa cena na qual Luciana Braga levita e transmite, num simplório jogo de salão de mímica, seus sentimentos mais profundos a Carla Camurati. Tanta simplicidade, envolta pela essência do teatro - o jogo - proporciona um momento de suspensão no tempo onde se opera a comunhão ritualística entre palco e platéia".2

Antecedido pela ópera Suór Angélica, de Giacomo Puccini, 1990, e sucedido por Don Giovanni, outra ópera, agora de Wolfgang Amadeus Mozart, 1992, Cartas Portuguesas integra um grupo de espetáculos que retrata a forte e instigante visualidade da encenação de Bia Lessa. 

Notas

1. LORENÇATO, Arnaldo. Cartas inflamadas. Revista Veja, São Paulo, ano 25, n. 18, abr.-mai., 29 abr. 1992. Veja SP, p. 68.

2. PEREIRA, Maria Lúcia. Um emocionante ritual cênico. O Estado de S. Paulo, S. Paulo, 22 abr. 1992. Caderno 2, p. 2.

Fonte:

José de Alencar (Ao Correr da Pena) Rio, 22 de abril: A Estação das Flores


O Botafogo continua a ser o rendez-vous da sociedade elegante desta corte.

As tardes não têm sido tão lindas como deviam; mas felizmente aí vem o mês de maio, o mês das flores, da poesia, a verdadeira primavera da nossa terra.

Começa a estação dos bailes e dos saraus. O Campestre dá a sua primeira partida por estes dias; o Cassino nos promete uma bela noite antes do fim do mês.

Teremos naturalmente, como nos anos passados, uma febre dançante. Ninguém escapará à epidemia; e até alguns malévolos espelham que o próprio ministério fará uma contradança.

Venha, pois, o mês gentil, a estação das flores, com as suas belas tardes, com as suas lindas manhãs de cerração, com os seus dias puros e frescos!

Quanta coisa bonita que se prepara este tempo! Que belas noites, que alegres divertimentos nos promete ainda o arrabalde do Botafogo!

Uma regata, um baile popular, e um fogo de artifício suspenso sobre as águas límpidas da baía! Que magnífico espetáculo!

A minha pena, coitadinha, já está tremendo de susto, só com a idéia de que há de ser obrigada a descrever todas essas maravilhas! Que se arranje como puder; é coisa que bem pouco me embaraça.

Além destes encantadores divertimentos, ainda teremos outros que por ora estão em segredo, e que se revelarão a seu tempo; assim como muita novidade política que se está guardando para a abertura das câmaras.

Que novidades são estas? Não sei; correm tantas versões, que é impossível acertar com a verdadeira. Cada um descreve a situação à sua maneira, forma conjeturas, e acaba fazendo uma pergunta que está no pensamento de todos:

- Haverá oposição?

Entretanto, na minha fraca opinião, a situação é a mais bela e a mais esperançosa que é possível. Navegamos num mar de rosas ao sopro das brisas bonançosas; faz um tempo soberbo: tudo sorri, tudo brilha.

E, se não, lancem os olhos sobre a atualidade e estudem com atenção os prognósticos favoráveis que vão aparecendo.

Com a entrada da boa estação, as folhas de uma árvore que diziam carunchosas, as folhas da Constituição, reverdecem. Hércules reveste-se da túnica de Nesso, e dispõe-se a recomeçar os sete grandes trabalhos. A nossa marinha se enriquece consideravelmente com uma nau de pedra, invento que não possuem os países mais civilizados da Europa. Finalmente, o exército teve uma promoção!

Não há, pois, que duvidar. A época é toda de esperanças; e, se por aí se vêem esvoaçar urubus, não é porque o ministro esteja doente. Qual! é porque estamos tratando agora da limpeza das praias.

Há também uns sujeitinhos que espalham que o ministério já não regula. Que contra-senso! O ministério dos regulamentos! Bem se vê que são coisas a que não se deve dar o menor crédito.

Assim, pois, creio que se pode responder negativamente à pergunta que fazem todos os políticos. Não teremos oposição. Tratar-se-á de uma outra questão jurídica e administrativa; far-se-ão algumas interpelações, e nada mais.

Quatro meses depressa se passam; e os ministros, que gostam tanto do gabinete, mas que têm uma ojeriza particular às câmaras, tomarão um meio termo, e decidirão nos salões com os deputados as questões mais importantes da administração.

O salão é um terreno neutro entre a câmara e o gabinete. No gabinete só entram os íntimos, aqueles que estão no segredo do dono da casa e que gozam da sua familiaridade. A câmara é o aposento onde ordinariamente têm lugar os arrufos e as zanguinhas do marido com a mulher, onde de ralha e se passam algumas horas de mau humor.

No salão, porém, recebem-se todas as visitas de cerimônia ou de intimidade; dão-se bailes, reuniões dançantes e concertos. Conversa-se ao som da música; conferencia-se a dois no meio de muita gente, de maneira que nem se fala em segredo, nem em público.

Se a palestra vai bem, procura-se alguma chaise-longue num canto da sala, e, a pretexto de tomar sorvete ou gelados, faz-se uma transação, efetua-se um tratado de aliança.

Se a conversa  toma mau caminho, aí aparece uma quadrilha que se tem de dançar, uma senhora a que se devem fazer as honras, um terceiro que chega à propósito; e acaba-se a conferência, e livra-se o ministro do dilema em que se achava, do comprometimento de responder sim ou não.

Um ministério prudente deve por conseguinte procurar sempre o salão antes de entrar na câmara, e isto até mesmo por uma analogia com o que se passa nas relações domésticas e na vida familiar.

Um namorado imprudente que, prescindindo das etiquetas, quisesse logo do primeiro dia penetrar na câmara de alguma beleza fácil que requestasse, corria seu perigo de ver-se obrigado a saltar pela janela, a quebrar uma perna, e talvez a ser agarrado pela polícia.

Ao contrário, um conquistador de tática, que primeiro se faz apresentar no salão, que concilia as boas graças da mamãe, e se inicia nos negócios do papai, que se faz necessário, daí a pouco passa à varanda, ao gabinete, e por fim conquista a câmara.

Bem entendido, conquista a câmara com o auxílio da igreja; assim como o ministério deve conquistá-la com o auxílio da justiça.

Está, pois, definido o programa da nossa situação política. O ministério deve abrir os seus salões, dar um baile as noites, e tratar de fazer com que haja bons espetáculos líricos, a fim de os teatros serem concorridos.

Realizando este programa, não deve ter medo dos deputados, porque ninguém deixará as belas salas iluminadas e as elegantes rainhas da moda com todas as fascinações, para se ir meter numa câmara velha e escura, que até já foi cadeia!

Além do sossego de espírito, ganharão os ministros uma popularidade espantosa entre as moças, entre os leões da cidade, e até entre os músicos e os sorveteiros, que abençoarão este diário consumo de notas e de sorvetes.

Nenhum folhetinista poderá deixar de fazer o seu elogio quando no domingo passar em resenha os magníficos saraus que tiverem lugar durante a semana, e acharem nas suas recordações as mais belas idéias e as mais bonitas inspirações para um artigo poético.

As moças com este trato contínuo fascinarão de todo os seus adoradores; e o número dos casamentos se multiplicará consideravelmente, trazendo um sensível aumento de população, devido unicamente à política do ministério.

Deixemos por um momento esta perspectiva brilhante, para olhar um quadro triste da semana, uma cena de luto em que devemos tomar parte.

Faleceu na noite de segunda-feira o Sr. Conselheiro João Duarte Lisboa Serra. Ainda na flor da idade, sucumbiu a uma enfermidade cruel, depois de um longo sofrimento de cerca de três meses.

Reunia às virtudes cívicas e à inteligência e integridade de vida pública os mais nobres sentimentos do homem; era um zeloso empregado, um cidadão honesto, um amigo leal, e um excelente pai de família.

Não há muito tempo, numa carta que nos dirigiu, ofereceu-nos uma poesia feita nas suas noites de insônia e de padecimento. Mal sabíamos nós, ao ler estes versos tão simples e tão repassados de mágoa e de sentimento, que ouvíamos o canto do cisne.

Aqui os copio com o trecho da carta. Os seus amigos, aqueles que o estimavam, ouvirão ainda uma vez as suas palavras.

“Adeus!

“Bem quisera terminar mandando-lhe alguma flor mimosa colhida como por encanto no meio das vastas e monótonas Campinas deste meu prosaico retiro. Mas apenas deparo com os ramos fúnebres do cipreste.
...............................................................................................................................
“Leia, pois, no meio das esperanças que lhe sorriem, esses tristes versos do desengano; e receba no grito do moribundo uma lembrança indelével do amigo.

“É a minha oração da manhã.
Domine, exaudi orationem meam!
Morrer tão moço ainda! Quando apenas
Começava a pagar à pátria amada
Um escasso tributo, que devia
                 A seus doces extremos!

Morrer tendo no peito tanta vida,
Tanta idéia na mente, tanto sonho,
Tanto afã de servi-la, caminhando
               Ao futuro com ela!...

Se ao menos de meus filhos eu pudesse,
Educados por mim, legar-lhe o esforço...
Mas ah! que os deixo tenras florezinhas
            À mercê dos tufões.

Vencerão das paixões o insano embate?
Sucumbirão na luta do egoísmo?
As crenças, a virtude, o sentimento,
            Quem lhes há de inspirar?

Não te peço, meu Deus, mesquinhos gozos
Deste mundo ilusório; mas suplico
Tempo de vida, quanto baste apenas
           Para educar meus filhos.

É curto o prazo; dai-me embora ao fel
Dos sofrimentos; sorverei contente.
Lúcida a mente, macerai-me as carnes
          Estortegai meu corpo.

E após, tranqüilo, volverei ao seio
Da eternidade. A fímbria do teu manto,
Face em terra, beijando, o meu destino
          Ouvirei de teus lábios.

Andaraí, 1855.”.

Voltemos a página, e passemos dos dramas verdadeiros e reais aos dramas escritos, às cenas do teatro.

O Ginásio deu a sua terceira representação, na qual estreou uma espirituosa menina, que tem um belo talento e as melhores disposições para a cena. Em algumas ocasiões especialmente representou com tanta inteligência, com tanta graça, que arrancou aplausos gerais.

A companhia vai perfeitamente, tanto quanto é possível aos modestos recursos de que dispõe. É conhecida geralmente a falta que temos de bons atores; e por isso não há remédio senão ir criando novos. O Ginásio por ora é apenas uma escola; mas uma escola que promete bons artistas.

A sala é pequena; entretanto a circunspeção que reina sempre nos espectadores, a lotação exata das cadeiras e gerais, a regularidade da representação, fazem que se passe uma noite agradável, e muito mais divertida do que no Teatro de São Pedro de Alcântara.

Se as minhas amáveis leitoras duvidam, vão examinar com os seus próprios olhos se falto a verdade. Vão assistir a uma noite de espetáculo, e ver brincar na cena com toda a naturalidade aquela interessante e maliciosa menina de que lhes falei.

As minhas leitoras se recusariam por acaso a fazer este benefício à arte, dando tom a este pequeno teatrinho, que tanto precisa de auxílio e proteção?

Estou certo que não; e está me parecendo que esta noite enxergarei pelos camarotes muito rostinho gentil, muito olhar curioso procurando ver se eu os enganei e faltei à verdade.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

Jornais e Revistas do Brasil (Correio da Manhã)


Período disponível: 1901 a 1974 
Local: Rio de Janeiro, RJ 

Um dos mais respeitáveis e longevos periódicos do país, o Correio da Manhã nasceu bastante modesto. Sua primeira edição, de 15 de junho de 1901, tinha apenas seis páginas, sendo três ocupadas por anúncios. Com formato standard e periodicidade diária, não trazia manchetes, como boa parte dos jornais de sua época. A primeira página apresentava apenas um título grande e o texto se distribuía por oito colunas, além de não publicar fotogravuras, só desenhos.

 Na primeira página vinham assuntos nacionais, acontecimentos de destaque no Rio de Janeiro, críticas, editoriais e troças com a política e a sociedade cariocas. Na segunda página figurava o noticiário internacional (que passaria à primeira página nos períodos das grandes guerras), de conteúdo fornecido pela agência de notícias Havas. O diário apresentava ainda as editorias “Seção de Comércio”, “Letras e Artes”, “Dia Social”, “Teatro” e “Dia da Caserna”.

 Em 1906 o jornal se tornou o primeiro periódico brasileiro a apresentar um caderno especial aos domingos, agora já com fotogravuras. Em 1929, novas rotativas foram instaladas nas oficinas do Correio da Manhã, que em 1933 possibilitaram algumas inovações editoriais, como a criação de manchetes e de seções infantis, femininas, de rádio e de agricultura, entre outras. Em 1959, o jornal passou a ter um segundo caderno em definitivo, e em 1962 edições impressas a cores, como os cadernos de quadrinhos destinados ao público infanto-juvenil. Nos seus melhores momentos, as tiragens diárias do Correio da Manhã foram superiores a 200 mil exemplares.

 Fundado por um jovem advogado idealista chamado Edmundo Bittencourt, o Correio da Manhã é considerado hoje um dos mais importantes jornais brasileiros do século XX, introdutor de uma ética própria e de refinamentos textuais que se transformariam na sua marca. Nascido numa época em que a imprensa costumava fazer sempre o jogo do poder, o periódico primava por seu caráter independente, liberal e doutrinário, dentro de uma linha editorial combativa. Identificava-se com a classe média do Rio de Janeiro e apresentando muitas vezes aos leitores textos de forte carga emocional. Ao longo do tempo desenvolveu também certa preocupação estética inovadora, marcada pela crescente valorização de ilustrações e fotos. Ademais, o Correio da Manhã sempre se posicionava a favor de medidas modernizadoras e contra as oligarquias que, aliadas às forças governamentais, bloqueava na sua opinião o acesso do povo a alguns de seus direitos fundamentais.

 Desde a primeira edição o Correio da Manhã caracterizou-se, nas palavras de Nélson Werneck Sodré, por um “ferrenho oposicionismo, de extrema virulência”, em contraste, ainda segundo o historiador, com o “extremo servilismo” adotado por jornais concorrentes. O jornal manteve-se fiel a essa linha inicialmente fazendo oposição ao governo Campos Salles, e mais tarde à ditadura de Getúlio Vargas, ao governo de João Goulart e, por fim, ao regime civil-militar instaurado em 1964. Por outro lado, posicionou-se favoravelmente diante de históricos que testemunhou, como ao engajamento brasileiro na Primeira e na Segunda Guerras Mundiais, instando os diferentes governos a se aliarem a causas que considerava patrióticas.

 Mesmo os seus eventuais equívocos teriam sido no sentido de defender os direitos dos cidadãos. É o caso da histórica campanha que o jornal moveu contra a vacinação obrigatória contra a varíola imposta pelo governo federal por inspiração do médico sanitarista Oswaldo Cruz. O Correio da Manhã condenou de forma veemente a vacinação em massa, e sua posição pode ter insuflado a Revolta da Vacina, que entre os dias 10 e 16 de novembro de 1904 transformou a centro da antiga capital federal numa praça de guerra, deixando o saldo de 30 mortos. O que chegou a ser visto com uma atitude reacionária e obscurantista do Correio da Manhã, já que se conhecem os benefícios da vacinação, especialmente para aquela época, quando o Rio de Janeiro era uma cidade das mais insalubres, hoje historiadores tendem a considerá-la como uma questão de princípios. O que o jornal se negava a admitir era aquela invervenção do poder central que considerava radical na vida pessoal dos brasileiros.

 Por essas e outras, o Correio da Manhã foi sempre muito visado pelo poder. Em 31 de agosto de 1924, o jornal chegou a ser fechado pelo presidente Artur Bernardes, sob a acusação de estar imprimindo clandestinamente o folheto Cinco de Julho, em apoio aos 18 do Forte. Em 20 de maio de 1925 o periódico foi reaberto, sob a direção provisória do senador Moniz Sodré. Poucos anos depois, Edmundo Bittencourt passava a direção e a propriedade do jornal ao seu filho, Paulo Bittencourt, que assumiu a 17 de março de 1929. Em 2 de agosto de 1963, com o falecimento de Paulo Bittencourt, Niomar Moniz Sodré (sua esposa e filha do senador Moniz Sodré) passou a ocupar o cargo de diretora-presidente do jornal. Desde 16 de julho daquele ano, uma grande reforma gráfica já estava em curso. O Correio da Manhã passava a ter menos blocos de texto, privilegiando os espaços em branco (sobretudo no segundo caderno) e emprego maior da fotografia, esta última com legendas mais instigantes e criativas, iniciando uma nova tendência na imprensa carioca. Pouco depois de iniciada essa nova fase, o Correio da Manhã, passaria a sofrer com a interferência do poder militar.

 No impasse que se seguiu à renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, o Correio da Manhã posicionou-se coerentemente a favor da posse do vice-presidente, João Goulart, que lideranças militares não queriam aceitar. Pouco tempo depois, outra vez por questão de princípios, o jornal pôs-se contra o governo de João Goulart, por considerar que ele estimulava atitudes que iam contra a Constituição e a ordem pública, como, por exemplo, o suposto estímulo à quebra de hierarquia nas Forças Armadas. Ficaram famosos pelo estilo e contundência seus dois editoriais – “Basta!”, de 31 de março de 1964, e “Fora!”, de 1º de abril – que denunciavam desmandos do governo de Jango e anunciavam sua derrubada pelo golpe civil-militar.

 O que o Correio da Manhã e outros jornais que apoiaram o golpe esperavam era que o novo presidente da República imposto pelos conspiradores, marechal Humberto Castello Branco, convocasse eleições e entregasse o governo a uma liderança civil. Mas os militares, uma vez instalados, preferiram manter-se no poder. O Correio da Manhã começa então a denunciar as arbitrariedades do regime militar. Nenhum outro jornal do Rio de Janeiro deu tanto espaço às manifestações de rua contra os governos de Castello Branco e Costa e Silva, quando policiais e estudantes de confrontavam em embates violentos nas ruas das principais cidades do país. As posições – tanto do regime quanto do jornal – se radicalizariam após a publicação do Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968, que cassou os direitos fundamentais de cidadania e fez o país submergir por mais de duas décadas nas sombras de uma ditadura agora declarada.

 No pouco tempo que lhe restou de vida a partir daí, o Correio da Manhã continuou fiel a seus princípios, denunciando na medida do possível, apesar da censura, prisões arbitrárias, torturas e outras violências praticadas pelo regime. Após um obscuro período marcado por boicotes de anunciantes (temerosos de retaliações do governo), um atentado à bomba ocorrido na sua redação, em 7 de dezembro de 1968, e uma série de perseguições, prisões e cassações dos direitos políticos contra jornalistas e administradores que lá militavam, o Correio da Manhã acabou por ser arrendado, em 1969, à Editora Comunicações Sistemas Gráficos, de propriedade de Maurício Nunes de Alencar. Nesta última fase, o jornal voltaria a incomodar o regime militar, mas acabou extinto definitivamente em julho de 1974. Somava-se a isso o drama pessoal da antiga proprietária do Correio da Manhã, vítima de uma série de ataques supostamente promovidos por agentes da repressão política ou por simpatizantes da ditadura, que incluíram um incêndio em sua coleção particular de documentos e livros e até tentativas de assassinato.

 Nos seus últimos momentos, o Correio da Manhã parecia ter voltado ao seu estado inicial de penúria, saindo com edições de apenas oito páginas, em tiragens que variavam em torno de três mil exemplares por dia.

 Em sua trajetória, o jornal contou com contribuições de personalidades brasileiras do campo político e cultural, como Rui Barbosa, José Veríssimo, Coelho Neto, Artur Azevedo, Afonso Celso, Medeiros e Albuquerque, Evaristo de Morais, Carlos de Laet, Alberto de Oliveira, Antonio Salles, Leão Veloso Filho (que usava o pseudônimo de Gil Vidal), Álvaro Lins, Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Carlos Lacerda, Aurélio Buarque de Holanda, Franklin de Oliveira, Antônio Callado, Rubem Braga, Antonio Moniz Vianna, Carlos Heitor Cony, Otto Maria Carpeaux, Luis Alberto Bahia, Nelson Rodrigues, Oswaldo Peralva, Fernando Pedreira, Márcio Moreira Alves, Hermano Alves, Paulo Francis, Newton Carlos, Paulo de Castro, Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Decio Pignatari, Oliveira Bastos, José Lino Grünewald, Ferreira Gullar, entre outros. Muitos destes últimos eram colaboradores frequentes do denso “4º Caderno”, suplemento dominical do final dos anos 1960, em que se discutiam política nacional e internacional, literatura, artes plásticas e filosofia.

Fontes consultadas:
 Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro: Secretaria Especial de Comunicação Social. Correio da Manhã – Compromisso com a verdade. Cadernos da Comunicação. Série Memória, vol. 1: Rio de Janeiro, 2005.
 ANDRADE, Jéferson Ribeiro de. Um jornal assassinado: a última batalha do Correio da Manhã. José Olympio: Rio de Janeiro, RJ, 1991
 SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Civilização Brasileira, RJ, 1966.

Fonte:
http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/correio-da-manhã

Soares dos Passos (Canção)


Que noite d'encanto!
Que lúcido manto!
Que noite! amo tanto!
Seu mudo fulgor!
Oh! vem, ó donzela;
Não temas, ó bela,
Que a noite só vela
Quem sonha d'amor.

A luz infinita
Dos astros, crepita,
Arqueja e palpita,
Serena a brilhar:
Assim o teu seio,
De casto receio,
De tímido enleio
Costuma pulsar.

A lua, qual chama,
Que os seios inflama,
Fanal de quem ama,
Desponta no céu;
E a nítida fronte
Retrata na fonte
E estende no monte
Seu cândido véu.

E a fonte murmura
Por entre a verdura,
E ao longe d'altura
Lá desce a gemer:
Que sons, que folguedos!
Parece aos rochedos
Dizer mil segredos
D'infindo prazer.

Silêncio! o trinado
Lá volta enlevado,
Das noites o amado,
Da selva o cantor;
E o hino que entoa
No bosque ressoa
E ao longe revoa,
Gemendo d'amor.

O facho da lua
Coa sombra flutua,
Avança e recua
No chão do jardim;
Nas asas da aragem,
Que agita a folhagem,
Recende a bafagem
Da rosa e jasmim.

Que noite d'encanto!
Que lúcido manto!
Que noite! amo tanto
Seu mudo fulgor!
Oh! vem, ó donzela;
Não temas, ó bela,
Que à noite só vela
Quem sonha d'amor.

Fonte: 
Poesias de Soares de Passos. 1858 (1ª ed. em 1856). http://groups.google.com/group/digitalsource