sábado, 17 de julho de 2010

Panorama da Literatura Italiana



Após a queda do Império Romano, verificou-se na Europa uma série de transformações políticas que determinaram um processo de desenvolvimento das línguas faladas, dando origem ao “vulgar”, no qual a língua do povo prevalece sobre a língua erudita. Entre as línguas românicas, isto é, derivadas do “romano”, ou seja do latim, tiveram especial importância para o início da literatura italiana a língua e a literatura provençal, e a língua e a literatura francesa. No Século XII, a cultura ainda é monástica e assim não surpreende o florescer de uma literatura religiosa com Francisco de Assis, Jacopone da Todi, etc. Mais importante, na segunda metade do século, foi o movimento do Dolce Stil Nuovo, que teve início em Bolonha com Guido Guinizelli e prosseguiu em Florença com Guido Cavalcanti, Dante Alighieri, Lapo Gianni, etc.

No final do século, aparece a primeira obra de Dante Alighieri (Vida Nova) e os anos iniciais do século XIV são marcados pela publicação das outras obras de Dante (Convivio, De Vulgari Eloquentia, De Monarquia) e, sobretudo, pela Divina Commedia, a grande composição em versos que sintetiza e conclui a Idade Média, obra que tanta importância teve em toda a história literária da Europa até à nossa época. Mas quando a Idade Média entrava em declínio, uma nova cultura, inspirada na redescoberta das obras clássicas da antiguidade, dava os seus primeiros passos. Dessa nova era são testemunhas imortais as obras de Francesco Petrarca, do Secretum ao Canzoniere, inspiradas no mais alto lirismo, cristão e profano, clássico e renovador ao mesmo tempo.

Se as obras do Petrarca já parecem voltadas no sentido de uma nova cultura humanista, o Decameron de Giovanni Boccaccio demonstra estar profundamente ligado à realidade comum, numa narração cómico-realística, inspirada nos horizontes da classe mercantil que nela encontrava o seu momento privilegiado.

O século XV oferece-nos a explosão do conhecido movimento humanista que, nos primeiros cinquenta anos procura e estuda os clássicos, mas que, na segunda metade do século, dá-nos uma floração de obras de inspiração nova e de uma beleza singular.

E do Humanismo passou-se ao Renascimento, que domina toda a cultura italiana do século XVI. Eis aqui as obras de Ludovico Ariosto (autor do poema Orlando Furioso), Torquato Tasso (autor da Gerusalemme Liberata), de Niccolò Machiavelli (autor de Il Principe e I Discorsi), de Francesco Guicciardini (Storia d’Italia), de Castiglione (Il Cortegiano). Foi uma época memorável não só para a literatura, bem como para todas as artes e até a língua se renovou, não somente nas obras dos autores, mas também nos estudos dos filólogos.

A busca de um esmero formal exagerado, as dificuldades criadas pelas autoridades religiosas, a decadência política, privou a Itália daquela supremacia cultural da qual até então tinha desfrutado. Entretanto, a Europa se encaminhava para um novo ciclo de civilização, o Iluminismo, que chegou à Itália só em meados do século XVIII.

O século regista também um nome importante, o de Carlo Goldoni, reformador da Commedia dell’arte e do teatro italiano em geral. As suas peças são ainda hoje representadas em todo o mundo.

Depois de um breve período neoclássico, o romantismo, que já se tinha afirmado na Europa do Norte, chegou à Itália, precedido de mil disputas e polémicas com os defensores do Classicismo.

As motivações principais do Romantismo italiano resumem-se ao princípio de espontaneidade da poesia, na recusa das regras clássicas e da imitação de modelos, no carácter popular da literatura que deve ter motivações nacionais e patrióticas, na exaltação dos grandes acontecimentos do passado, na função social, moral, educativa e religiosa da literatura e, finalmente, na pesquisa de uma linguagem cada vez menos académica.

Ugo Foscolo e Giacomo Leopardi encontram-se numa posição dialéctica entre Classicismo e Romantismo. Enquanto Le ultime lettere di Jacopo Ortis de Foscolo são ricas em influências pré-românticas e Le Grazie reproduzem uma arquitectura clássica, os Sepolcri ainda estão parcialmente ligados a modelos do século XVIII com a criação de grandes mitos e a pesquisa romântica do sublime. De Leopardi podemos sublinhar a classicismo de alguns Canti, a elegância e o equilíbrio da composição e o romantismo da autobiografia, o sentimento do infinito, a concepção existencial, a ideia do destino e da natureza, a linguagem poética que tanto nos Idilli, quanto nas Operette morali, oferece a lúcida constatação da inelutável infelicidade humana.

Rejeitando o Romantismo lírico e individualista, Alessandro Manzoni revoluciona de vez a tradição clássica italiana, de tipo lírico e ainda inspirada em Petrarca, a fim de actuar na História, vista como relação homem-sociedade, dirigida pela Providência e pela Graça.

Após a tensão espiritual que nos Inni Sacri parece uma verdade reencontrada e nas tragédias colide com a história e com a descoberta da vitória do mal, o autor de I Promessi Sposi chega a uma afirmação confiante de que o bem acaba finalmente triunfando. O romance histórico torna-se, com Manzoni, um romance de ideias e o realismo literário coincide com a substância do seu cristianismo numa concepção da obra de arte estritamente ligada a um fim moral e civil.

O Romantismo italiano correspondeu ao espírito nacional e literal do Risorgimento, ao qual transmitiu também um firme fundamento ideológico, influenciando o público que viveu o problema nacional mais como um problema moral do que político. A literatura dos primeiros anos do século XIX é, portanto, uma literatura “militante”, visando a criação de uma consciência nacional e a pesquisa de um conteúdo moderno, popular e concreto. Podemos distinguir duas correntes dentro do Romantismo, de acordo com a distinção feita por Mazzini: os manzonianos eram os escritores que actuavam baseando-se num prudente reformismo; os foscolianos, os que procuravam soluções radicalmente revolucionárias. O crítico De Santis aceitou esta distinção e falou de uma escola liberal cujos máximos expoentes foram Manzoni, Cesare Cantù, Massimo D’Azeglio, Niccolò Tommaseo, Tommaso Grossi, o grupo toscano da Antologia e uma escola democrática que se desenvolveu em torno da figura de Giuseppe Mazzini e que produziu uma corrente de adeptos que chegou até Carlo Cattaneo.

No período do Risorgimento desenvolveu-se o género “memorialístico” que, por um lado, correspondia a uma precisa exigência de compromisso ético-político e, por outro lado, apoiava o gosto romântico pela confissão autobiográfica. Desta corrente, que voltará um século mais tarde com a literatura memorialística do segundo pós-guerra, são testemunhas Le mie prigioni, de Silvio Pellico, Le ricordanze della mia vita, de Luigi Settembrini e I miei ricordi, de Massimo D’Azeglio.

Na poesia, ao lado das composições épico-políticas de Berchet e das sátiras de Giuseppe Giusti, verificou-se uma grande produção de obras em dialecto, como as Poesie do milanês Carlo Porta, os Sonetti do romano Giuseppe Goacchino Belli, La scoperta dell’America de Cesare Pascarella e as poesias napolitanas de Salvatore di Giacomo.

Uma característica da segunda metade do século XIX é o novo papel intelectual que explode em toda a sua contraditoriedade com o movimento chamado Scapigliatura segundo o título de um romance de Cletto Arrighi.

A Scapigliatura não encontrou uma formulação teórica e poética completa como o Futurismo, mas teve, da mesma forma, o papel de colocar em crise a cultura oficial e o gosto burguês, embora não tenha com seguido evitar muitos motivos da escola romântica, como a ideia do suicídio, da morte, do macabro, do individualismo, motivos que até mesmo o Romantismo dos primeiros anos do Século XIX não tinha recusado. Emilio Praga, Arrigo Boito, Iginio Ugo Tarchetti e Giovanni Camerana são considerados os escritores mais interessantes do movimento.

A “Scapigliatura” é o momento no qual a literatura italiana começa a se separar do provincianismo e da falta de correspondência com a grande literatura europeia: começa-se a ler Victor Hugo, Edgar Allan Poe, Charles Baudelaire, Heinrich Heine e, mais tarde, Maupassant, Zola, Goncourt e Balzac.

Dali vemos surgir o fenómeno do Verismo, literalmente ligado ao Naturalismo francês, mas com a notável diferença que o Verismo italiano tem carácter regional, dialectal e provincial (sobretudo do Sul de Itália), enquanto o Naturalismo francês se coloca num ambiente de proletariado urbano (Zola). O maior teórico do Verismo é Luigi Capuana, mas não podemos esquecer Federico De Roberto, Matilde Serao e os representantes da cultura regional toscana, Mario Pratesi e Renato Fucini. O maior representante do Verismo italiano é Giovanni Verga, cuja actividade literária é claramente dividida em dois períodos pela primeira novela de ambiente siciliano e de inspiração verística, Nedda, do ano de 1874, Grazia Deledda da Sardenha, Prémio Nobel no ano de 1926, escreveu seus romances com um estilo sóbrio, vigoroso e austero.

Também Carducci, Pascoli e D’Annunzio representam um problema para a crítica contemporânea, embora esta concorde em sublinhar a sua importância para a poesia do século XX. Os três poetas representam três diferentes soluções para um único problema, o métrico-estilístico, que se torna uma tentativa de superar a métrica italiana tradicional no sentido do verso livre e da grande revolução poética deste século.

Crítico e filólogo, Giosuè Carducci inaugurou um tipo de escola chamada “histórica” erudita, dirigida no sentido de pesquisas positivistas e analíticas, de edições críticas e da reconstrução do desenvolvimento da cultura e da vida nacional italiana, influenciando as tendências historiográficas sucessivas.

Gabriele D’Annunzio é considerado o maior representante do Decadentismo famoso graças aos romances Il Piacere e L’Innocente aos quatro livros das Laudi às poesias de Alcyone, às tragédias La figlia di Iorio e La Fiaccola sotto il moggio e à sua poesia, rica de uma temática variada, que abrange problemas de estética, parnasianismo, a ideia do super-homem, etc., características estas do chamado fenómeno do dannunzianesimo. A poesia torna-se, para D’Annunzio, uma descoberta intuitiva, para além das mediações intelectuais e reais, uma verdadeira orgia de imagens, sons, sensações, que encontram a sua expressão literária num estilo refinado e sensual.

A personagem-homem (naturalista) morre num dos romances mais famosos de Luigi Pirandello, Il fu Mattia Pascal, aonde, pela primeira vez, um protagonista actua sem motivações, podendo ou não fazer certas coisas. A personagem é desumanizada, avulso do seu próprio ser, observa a realidade, mas não participa nela.

É esta a linha da grande literatura europeia, de Pasternick a Beckett, que na Itália continua até hoje, nos romances de Moravia ou nas tentativas da nova-vanguarda.

Além de Pirandello, autor de romances, novelas e dramas (Così è se vi pare, Sei personaggi in certa d’autore, Enrico IV, Tutto per bene) è preciso recordar um inovador da nossa tradição cultural: Italo Svevo de Trieste, pseudónimo de Schmitz. Representante da cultura da Europa Central, foi o criador do romance psicológico La coscienza di Zeno, ao qual se seguiu Una vita e Senilità.

Ao lado de uma poesia denominada “crepuscular”, cujos maiores expoentes são Sergio Corazzini, Guido Gozzano e Marino Moretti, que nos transmitiram uma produção poética e narrativa de tipo intimista e decadente, porém rica, como demonstrou a crítica mais recente, de temas e técnicas que relembram as experiências de Pascoli e Montale, encontramos a poesia futurista.

O movimento que se desenvolveu em torno da figura de Filippo Tommaso Marinetti é importante, não só pela produção artística em si, mas também por ter sido a primeira verdadeira vanguarda, na Itália e na Europa, em que a arte tem ligação com a vida. O Futurismo é caracterizado pelo gesto, pela revolução anarquista, voltada no sentido da destruição, do enfraquecimento do poder burguês, através dos mesmos mitos que da sociedade eram símbolo e produto.

O período entre as duas guerras regista uma série de fenómenos: na poesia, o Hermetismo; na prosa, o Surrealismo italiano, o Realismo e o Neo-realismo de Vittorini e Pavese. Vittorini, depois da experiência de revolta política de Il garofano rosso atingiu, apenas em 1936-37, a superação definitiva do Naturalismo e a identificação da celebração histórica da personagem com o seu lirismo. Toda a produção de Pavese se desenvolveu na dialéctica entre o mundo do campo e a cidade, pólo negativo que significa falsidade e engano. Entre as suas obras lembramos Paesi tuoi, la Spiaggia, Ferie d’Agosto, La luna e i Falò, Il carcere, Il Compagno e I dialoghi com Leucò.

Ungaretti, Montale, Quasimodo e Saba, representam as vozes mais importantes da lírica do século XX, dirigida no sentido de uma realidade inexplicável, desdobrada em momentos, impossível de ser configurada num significado preciso, num estilo justamente chamado “hermético” que, como foi demonstrado em recentes estudos, representa o último desenvolvimento de uma tendência clássica que percorre toda a literatura italiana.

Em torno da década de 30, paralelamente à literatura tradicional, embora renovada com romances tipo Il Mulino del Po, de Bacchelli, Le Sorelle Materassi, de Palazzaschi, desenvolve-se, em Itália, o fenómeno chamado Realismo ou Primeiro Realismo, para diferenciá-lo do Neo-realismo da década de 50, parcialmente inspirado na tradição literária do período entre as duas guerras.

Levi e Pratolini não se incluem cronologicamente na geração do Realismo da década de 30, mesmo tendo ressentindo-se da sua influência. O primeiro escolheu um caminho criado com a experiência de Turim e o exemplo de Gobetti, e o segundo voltou ao regionalismo toscano, seguindo a linha Pratesi-Palazzeschi-Tozzi.

Levi foi o arquétipo do escritor que transmitiu nas suas obras o empenho e a problemática do pós-guerra, como em Cristo si è fermato a Eboli e L’orologio, enquanto Pratolini se manteve sempre em equilíbrio entre autobiografia lírica, o memorialismo e o compromisso político.

O clima cultural do imediato pós-guerra sofreu enormemente com os problemas que a reconstrução impôs à classe política e, logo, também à intelectual.

No entanto, o termo “Neo-realismo” dilatou-se até atingir um arco de produção que abrange Vittorini, Pavese, Moravia, Calvino, Fenoglio, Soldati, Levi, Pratolini, Mastronardi e Seminara.

O fenómeno esgota-se no decénio 1950-60 por um processo interno de esclerotização. De qualquer modo, é importante lembrar Moravia que, a partir de 1929, assumiu o papel de moralista crítico da sociedade burguesa, ainda que permanecendo exclusivamente no campo narrativo. Da sua vasta produção podemos lembrar Gli Indifferenti, Le ambizioni sbagliate, L’imbroglio, Agostino, La romana, La ciociaria, Il conformista e i Racconti romani.

Tommasi di Lampedusa, autor do Gattopardo, representa o retorno a uma forma literária mais refinada e ao gosto do romance histórico.

Um discurso à parte merecem dois autores como Carlo Emilio Gadda e Pier Paolo Pasolini, os quais, na sua diversidade estilística, cronológica e literária, representam duas soluções diferentes para o problema da linguagem. Gadda iniciara a sua actividade literária em 1926, com Il giornale di guerra e di prigionia, ao qual se seguiram La madonna dei filosofi, Il castello di Udine, L’Adalgisa, Novelle del ducato in fiamme, até ao sucesso com Quer pasticciaccio brutto de Via Merulana, editado em 1957, mas já anteriormente publicado em capítulos, em 1947, na revista Letteratura. Gadda depois de ter passado por três diferentes fases literárias, inaugurou um tipo de experimentação linguística que se tornou o produto de uma série de elementos diversos, amalgamados de forma, às vezes, caricatural.

Pasolini pertence a uma geração mais jovem de escritores. Começou a escrever em dialecto friulano com La meglio gioventù até chegar à ideologia marxista, interpretada através de uma visão pessoal de Gramsci (Le ceneri di Gramsci). O momento final deste processo – do individual ao colectivo – é representado pelos romances, pela exaltação do primitivo, da adolescência e do proletariado urbano. Nascem, assim, Ragazzi di vita e Una vita violenta e, mais tarde, as poesias de La religione del mio tempo e Poesia in forma di rosa.

Cassola e Bussani são talvez os escritores mais representativos de uma certa atitude intelectual, visando mais a análise dos insucessos do que a interpretação da situação.

Depois de 1968, também a neo-vanguarda se encaminhou no sentido da liquidação de certos produtos que já tinham perdido grande parte da sua característica provocatória junto do público, que agora os consome como um produto literário qualquer. Por um lado, assiste-se à repetição de experimentações já conhecidas e parcialmente desgastadas, por outro lado, é restaurada uma literatura tradicional que põe entre aspas a neo-vanguarda: explode, com toda a sua força, a literatura kitsch.

Ressurge a literatura de tipo naturalístico e o romance psicológico, tendências que frequentemente se entrelaçam até mesmo numa única obra. Saem os novos romances de Cassola, Bassani, Berto, Piovene, Prisco, Pomilio e das escritoras Manzini, Morante e Ginzburg.

Um caso a parte é representado pelo escritor Ignazio Silone. Ele viveu a sua utopia em apartada solidão: o sonho do encontro entre socialismo e cristianismo. Dão disso testemunho os seus romances: Fontamara, talvez o primeiro romance coral do século XX italiano, Vino e Pane, Una manciata di mare, L’avventura di un povero cristiano, expressões do drama da sua consciência.

Fonte:
www.iicbelgrado.esteri.it/

Marcus Vinicius (Os Vasos)


O verso é um vaso sagrado
com tampa e adorno incrustrado
se aberto assim com cuidado
revela a palavra encantada
a muito tempo aguardada
que vai se sentar no poema
bela como um diadema
feito um cristal burilado

Mas se o vaso ao chão for lançado
em mil pedaços partido
seus cacos forem esmagados
seu pó então diluído
basta ao poeta apanhá-lo
bebê-lo em taça de vinho
saborear cada gole
engolir bem devagarinho

Tomai nas mãos e bebei
o rubro sangue da poesia!

Come a carne do verso
deixe-o embeber seu corpo
circular nas suas veias
numa profusão epilética
em cada cadeia genética
cada elétron fundido
que o coração semi-morto
bata quase explodindo

O poeta não é humano
nem nada tem de divino!

Mas diferente dos sábios
que arrancam tudo do vaso
a canção lhes queima a alma
num ardor que nunca acalma
numa paz que não serena
e com simples gestos de afeto
em noites quentes e amenas
o sonhador delirante
descobre a lágrima errante
beleza e dor: seu dilema
assim se sente mais vivo
e vira a própria poesia
como as daquele vaso
que nunca foram escritas

Nessa hora
a carne do poeta se entrelaça
no insólito mistério das palavras
o templo incabável do etéreo
agora se quiser
ante a magia que se encerra
provar da fantasia que há nos livros
esquece o vaso
deixa o verso vagar livre

Devorem o poeta ainda vivo!

Fonte:
http://literaciapoemasetc.blogspot.com/

Alexandre Drayton (Domingo de Chuva)



Domingo, mais um dia como tantos outros, no frio janeiro da Cidade Luz. Dia de lavar a roupa suja, de tentar arrumar a bagunça (permanente!) da casa, de passar o pano no chão, de pensar na semana que começa. Um momento de reflexão desleixada, de estudar o atrasado, dia diferente talvez.

E' pena que a meteorologia não ajudou, empurrando todo mundo algumas horas a mais na cama. Vento, chuva, frio e tempo cinzento podem vencer a idéia de visitar um museu gratuitamente, como é o caso do primeiro domingo de cada mês. E sou capaz de apostar que muitos cederam à tentação da preguiça e, absortos neste clima envolvente, em pouco ou quase nada pensaram.

E comigo não foi diferente. Até que a físico-química dependência de “checar“ o e-mail, fez-me vir ao tal computador. Eis-me aqui, donc, sem sono e com o estoque de sites a visitar esgotado, tentando escrever algo que tenha sentido ao fim.

Experimento dar uma sacudida e animada no espírito, saindo um pouco para espiar o tempo. Teve jeito não: as amigas ventania e temperatura baixa me receberam com pompa e circunstância. Sem outra opção entrei, e teimoso como sou, recomecei a teclar.

Foi difícil não sentir o que se tenta afastar num dia como esse: a tal da cruel saudade. Palavra impar, que dizem só existir em português, chegou sem pedir licença. Entrou, puxou a cadeira e, saboreando um café amargo com Malboro ligths, pôs-se a me incomodar. Esboçando uma resistência esqueço-me dela por longos segundos, ao fim dos quais recebo um direto de direita, perdendo por knock-out.

Numa ultima tentativa, ensaio comparar àquela do inicio, quando cheguei, essa de hoje. Queria ver se tinha amadurecido, se era mais forte, se podia vir a ser exemplo para os amigos recém-desembarcados. Uma vez mais, o gongo deu-lhe ganho de causa. Houvera de fato apenas uma mudança de nomes, pois a antiga Senhora Saudade hoje se chamava La Madame Nostalgie.

E assim continuei a senti-la, na certeza de que uma vez mais um mundo de lembranças viria-me à mente. Pensei na família distante, nos amigos que ha’ muito não vejo, em praia, na comidinha gostosa do fundo da panela. Imaginei coisas simples, lugares comuns, mentiras infantis e os tempos de infância. Em verdade, senti-me só.

Vi, portanto, que solidão e saudade são almas gêmeas. Velhas conhecidas de outrora, promovem incômodos e aleatórios encontros, onde tentam desafiar o sorriso e a alegria, banindo-os para longe algumas vezes. E foi justamente num desses rendez-vous casuais em que vi-me metido. Pensei poder sair de fininho, mas ao final do corredor encontrei porta fechada.

Não existia outra alternativa, a não ser mascar feito chiclete e digerir sozinho minha angústia. Injusto seria fazer conjecturas, pois tristeza que se preze não se explica, sente-se. E caminhando por essa mesma estrada, imaginei os milhares de solitários mundo afora: habitantes de um mesmo universo, do grande consciente coletivo poeticamente chamado la solitude.

Mas percebi que esta mesma solidão, inenarrável, dura e difícil, tinha outras facetas. Não era a maior de todas, pois conseguia guardar traços de beleza dentro de si. A maior solidão, na verdade, é dos quem não amam e fecham-se no absoluto vazio do nada. Solitários são aqueles que temem a ajuda mútua e que não partilham com o próximo os pequenos segundos da vida. Triste e mísero é o homem que evita sentir suas emoções, permutando solidariedade com egoísmo. A maior solidão é a dos que não acreditam e fazem de seus sentimentos algo torpe, que reflete o amargo e apaga a luz do bem-viver. Solidão real é aquela do infeliz que perdeu suas esperanças, vivendo um pesadelo constante, permeado de pseudo-angústias e cego em relação ao belo mundo ao seu redor.

Eu, do alto dessas tolas idéias, acreditando na vida e num mundo melhor, vi-me um feliz e pequeno solitário, nada mais. Pois, como bem disse o poetinha:

— “A fé desentope as artérias; a descrença é que dá câncer“.

Fonte:
http://www.lardobomleitor.com

Miguel Marelenquelem (O Conto de Fadas e o Imaginario Infantil)



RESUMO: Este artigo apresenta uma pesquisa em andamento, que questiona a preocupação do corpo docente em buscar um sentido didático para a utilização da literatura em sala de aula, não levando em consideração a importância dos contos de fadas para a construção do imaginário infantil. O estudo é baseado em autores como Bruno Bettelheim e Nelly Novaes Coelho, que tratam de contos de fadas cada autor, em uma área específica: psicanalítica e literária, e outros autores como, por exemplo, Gianni Rodari e Marcel Postic, que tratam do imaginário. O objetivo desse trabalho é observar a influência dos contos de fadas no imaginário infantil. Acredita-se que o contato com os contos de fadas possibilitará a criança o ensaio de vários papéis sociais, proporcionando a construção de uma personalidade sadia, bem como, promover a socialização, a troca de experiência e uma maior inserção no grupo social.

INTRODUÇÂO

Acredita-se cada vez mais na importância e na influência dos contos de fada, no desenvolvimento do imaginário infantil.

Ouvir e contar histórias é fundamental para o desenvolvimento da identidade da criança, pois através dos contos ela tem a possibilidade de ensaiar seus papéis na sociedade, adaptando-se a situações reais e colocando-se dentro da história, como também desencadeia idéias, opiniões, sentimentos e criatividade, antecipando situações que a criança só iria experimentar na vida adulta.

Objetivamos neste projeto demonstrar que os contos de fadas proporcionam desenvolvimento da imaginação, socialização em grupo, percepção de mundo, e na construção da identidade e autonomia da criança.

O CONTO DE FADAS

Os contos de fadas têm origem Celta, e surgiram como poemas que revelaram amores eternos, ou estranhos e até mesmo fatais. A princípio estes poemas eram independentes, mais tarde foram integrados como um ciclo novelesco, idealista, preocupado com os valores humanos. Historicamente, os contos clássicos nasceram na França no século XVII, na corte do rei Luís XIV e pela mão de Charles Perrault, inicialmente para falar aos adultos. Mas foram encontrados por estudiosos, fontes antes do nascimento de Cristo eram estas orientais e célticas, que a partir da Idade Média foram conhecidas por fontes européias.

Hoje em pleno século XXI os contos maravilhosos ainda têm algo a nos dizer? Com certeza! “o que nelas parece apenas infantil, divertido ou absurdo, na verdade carrega uma significativa herança de sentidos ocultos e essenciais para a nossa vida” NELLY (1987: 09). Em nossa sociedade os contos de fadas ganharam um nova roupagem indo além do prazer da leitura, pois com a “descoberta” de sua importância simbólica, do lúdico, da imaginação e da fantasia proporcionamos a construção de uma personalidade sadia na criança.

Além dos tradicionais contos de fadas, encontramos autores que se apropriam dos personagens ou situações dos contos de fadas, para recriarem novos textos simbólicos, como: “O menino e o Lobo”, “A fada que tinha idéias”, “A fada desencantada”, “A verdadeira história dos três porquinhos”, “Chapeuzinho amarelo”, entre muitas outras.

Segundo Nelly apund Câmara Cascudo, o conto popular maravilhoso é justamente o mais amplo e mais expressivo, pois ele nos traz informações históricas, etnográficas, sociológicas, e jurídicas. É um documento vivo, mostrando costumes, idéias, decisões e julgamentos da Humanidade em um determinado momento histórico. Para todos nós é o primeiro “leite intelectual”, os primeiros heróis, as primeiras cismas, os primeiros sonhos, os movimentos de solidariedade, amor, ódio, e compaixão vêm com as histórias fabulosas, ouvidas na infância.

De acordo com Khéde, os contos de fadas surgiram como forma de produção e organização social pré-capitalista. Eles representam em seus personagens valores burgueses que surgiram e se consolidaram entre os séculos XVII e XIX.

O Gato de Botas é o pícaro, pois tira proveito da corrupção social. O Pequeno Polegar, é o anão astuto que vence gigantes bobos. Perraut, também utiliza em seus contos o confronto dualista entre bons e maus, feios e belos, fracos e fortes, como exercício de crítica a corte, onde personagens pobres superam a nobreza com sua inteligência. “A presença da fada unívoca do narrador nos contos de fadas sugere um modelo fechado de narrativa que, por sua vez, reproduz uma realidade sociocultural também fechada. Mas eles apresentam o confronto entre, geralmente, duas posições: A dos que dominam, e a dos são dominados” (KHÉDE, 1990:19). Os contos de fadas são caracterizados por um único traço, e quando este é muito repetido, faz com que surja um esteriótipo, onde a bruxa será sempre um personagem maravilhoso, a serviço do mal; a fada sempre bondosa; o sapo vai virar príncipe; os gênios ora são bons ora maus (os magos são de origem pagã e exibem sabedoria); reis e rainhas, podem usar seus poderes tanto para o bem, quanto para o mal, reproduzindo sempre valores clássicos, significam a fantasia do poder e os conflitos dos relacionamentos interpessoais; príncipes e princesas, estão ligados a aventuras, e são transgressores. A princesa é caracterizada por sua função social ligado ao cuidar da casa e da família, são bonitas, honestas, e piedosas, e por isso merecem como prêmio seu príncipe encantado.

O Pinóquio, o qual podemos comparar como a volta do filho pródigo sustentado pela Bíblia. A história possui forte cunho moralista e Pinóquio alterna situações de infração, punição e salvação. Como prêmio pelo seu bom coração acaba transformado em um menino de verdade, perdoando-o as estrepolias do passado, e ao mesmo tempo ganha bens materiais como um quarto bem equipado, e também recupera a saúde de seu pai. “Os contos, representam valores que se cruzaram através de ciclos históricos, assim, podem significar ritmos de iniciação, símbolos tatômicos e a luta mítica entre forças da natureza” (KHÉDE, 1990:24).

Os personagens maravilhosos seguem inúmeras funções, tanto dentro da narrativa eminentemente lúdica, quanto à de denúncia social. As soluções maravilhosas são hoje questionadas por sociólogos, lembrando o estímulo à alienação provocada por resoluções mágicas, que são defendidas pela psicanálise mostrando a possibilidade de resoluções de problemas reais, através da representação simbólica. A criança aparece pouco, ou simbolizando o bom sendo e a inteligência, ou aparece como vítima da autoridade familiar.

OS IRMÃOS GRIMM

Na pesquisa prática com as crianças, foi utilizado as Obras dos Irmão Grimm.

A Família GRIMM, de Hanau, na Alemanha, teve o privilégio de dar ao mundo três nomes ilustres no terreno das Letras e das Artes. Contudo, como "Irmãos Grimm", são mais conhecidos os dois mais velhos, Jakob Ludwig Karl e Wilhelm Karl, ambos filólogos e colecionadores de histórias populares.

Com o Irmão, fez preciosas pesquisas no campo da tradição popular, anotando ambos, diretamente da boca do povo humilde, histórias, lendas, superstições e fábulas da velha germânia. Wilhelm Karl, com estudos acurados nesse setor, fez-se o precursor da moderna ciência do folclore.
As histórias recolhidas pelos Irmãos Grimm, que tem na fantasia e no sobrenatural seus elementos constitutivos, são conhecidas de todo o mundo civilizado, e apoiam-se em recontos da antiguidade ou da Idade Média. Muito se fala numa senhora Katheri Wiehmann, esposa de um alfaiate, que com sua memória extraordinária, transmitiu aos dois curiosos das tradições germânicas um verdadeiro tesouro de sagas.

Tais sagas foram levadas ao livro através da pena de Wilhelm Karl, e vieram dar a coleção de histórias que de gerações a gerações foi se repetindo, e apresentadas sob formas diversas e atribuídas a autores diversos, encontrando traduções e adaptações mais ou menos livres em todos os recantos do mundo.

A LEITURA DOS IRMÂOS GRIMM HOJE

Hoje, discute-se a conveniência de fornecer a crianças essas leitura relacionada com o mundo fabuloso da imaginação, histórias em que se mesclam fatos cruéis, criaturas fantásticas, bem como animais encantados, heróis impossíveis, madrastas perversas. Fala-se, ainda, na incongruência de dar à infância desta época, essencialmente científica e informatizada, histórias que se ajustariam, talvez, à cultura medieval, mas não tem razão de ser na nossa época.

Ora, acreditamos que a necessidade do maravilhoso se conserva latente, é positiva nas criaturas, mesmo naquelas que já se despediram da quadra efêmera em que se vê o mundo do nível dos olhos infantis. O dragão de goela chamejante de ontem, é tão excitante para a imaginação alerta de uma criança quanto a nave espacial de hoje, cuspindo fogo em busca de mundos inexplorados. E, no fundo do coração, todos desejaríamos dispor de um fada madrinha que nos cobrisse de dons, ou de uma vara de condão que nos permitisse atravessar sem medo as florestas sombrias, latejantes de mistérios e avejões, que surgem no caminho de nossas vidas, por muito prosaicas que elas sejam.

O DESENHO DA CRIANÇA

“Se a literatura infantil se destina a crianças e se acredita na qualidade dos desenhos como elemento a mais para reforçar a história e a atração que o livro pode exercer sobre os pequenos leitores, fica patente a importância da obra infantil. É o caso, por exemplo, da ilustração”. (LAJOLO, 1991: 13)

Nessa pesquisa, o desenho é uma fonte fundamental para compreendermos como os contos de fadas influenciam no Imaginário Infantil. Portanto, faz-se necessário, fazermos uma pequena abordagem sobre o tema, a fim de conhecermos de maneira mais apropriada, este foco de estudo.

No livro “O Desenho Infantil”, escrito por MEREDIEU e traduzido por LORENCI, coloca o desenho como sendo uma expressão da personalidade, “As análises infantis demonstram sempre que por detrás do desenho, da pintura e da fotografia, escondeu-se uma atividade inconsciente muito mais profunda: trata-se da procriação e da produção no inconsciente do objeto representado”. Cada traço, cor, forma, pressão do lápis, tem um significado específico na interpretação do desenho. Para analisarmos o desenho temos três principais aspectos:

1. A maneira como a criança utiliza as linhas e formas. As linhas curvas e sinuosas nos indivíduos sensíveis e temerosos; ângulos retos, linhas firmes, nos opositores e nos realistas. (CARDOSO e VALSASSINA, completam sua idéia dizendo que as crianças realistas, por vezes agressivas tendem a desenhar linhas retas, as crianças sensíveis, imaginativas, com pouca confiança, tendem a desenhar linhas curvas, e linhas em zigue – zague, representam sinais de instabilidade).

2. O modo de distribuição do espaço-localização dos personagens. A terça parte superior, representa o ideal; a terça parte média, representa o sentido da realidade; a terça parte, inferior, representa as pulsões inconscientes. Vale lembrar que segundo o autor, a criança tímida desenha-se pequenina no centro da página, enquanto a instável preenche toda a superfície como traços nervosos.

3. Escolha da cor. A ausência de cor pode ser considerada como a marca de “vazio afetivo”, sua integração harmoniosa” ao desenho mostraria, pelo contrário, um bom equilíbrio. O emprego das cores puras: vermelho, amarelo e azul, e das tonalidades firmes seria um bom sinal até seis anos. Além daí, a utilização abusiva do vermelho traria a agressividade, a ausência de qualquer controle emocional. A frequência do tons escuros preto e marrom, e sujos amarelo e castanho, indicam uma má adaptação e denuncia num estado de regressão.

Vale lembrar que CARDOSO e VALSASSINA, afirmam que “a escolha da cor é feita segundo a sua sensibilidade e descobertas de momento”. (1988:86), citando Ebenezer Looke, 1985, complementa “Tão profundamente interessada está a criança pela cor que nenhum ensino de desenho adaptado à natureza Infantil poderá excluí-la” (1988:84).

Segundo CARDOSO, Camilo e VALSASSINA, Manuela M., apud Duquet, "a criança quando desenha reproduz o seu modelo interno e ainda as impressões que vive através dos traços a formas que executa, fase que esse autor denominou de realismo intelectual” (1988:82)

É importante destacar que quando a criança desenha, ela desenha para alguém, com alguma finalidade, esteja essa pessoa presente ou não, o objetivo claro ou não. A criança espera uma troca, uma resposta deste pessoa. A criança pinta para se exprimir, ainda segundo o autor “a criança é criadora duma expressão viva porque, dotada de faculdades que no adulto vão estar mutiladas, ela representa a sua maneira o mundo que vive (...) A criança não transmite recordações visuais, antes traduz plasticamente as sensações e os pensamentos” (1988:69).

O desenho é o “palco” para onde caminham a observação da criança, guiado pela sua memória aliado a sua imaginação. Através do desenho a criança tem a possibilidade de desenvolver toda sua motricidade, como é de conhecimento geral, e também o seu cognitivo, pois traz a luz da imagem que representa no papel, suas recordações já há muito tempo guardadas. Com a mesma facilidade que recorda seu passado a criança também imagina o futuro, criando personagem, e situações, em busca do novo. Afirma DERDYK, Edith “A memória evoca fatos vividos, a imaginação projeta no futuro desejos de conquista. E o presente é a materialização desses instantes, é a ponte de comunicação entre o que já foi e o que será. O desenho vai registrando, em seu processo de trabalho, o mapa da ampliação da consciência” (1989:130).

A capacidade de imaginação, é fundamental para a construção do conhecimento. Ela é o eixo norteador entre o desenho, e a criança. Continua DERDYK, “Imaginar é projetar, é antever, é a mobilização interior orientada para determinada finalidade antes mesmo de existir a situação concreta. A imaginação possui uma natureza visionário, detectando a intencionalidade contida na ação humana” (1989:131).

O IMAGINÁRIO INFANTIL

O imaginário da criança pode ser comparado a um rio, quando jogamos uma pedra no rio, ondas circulares se formam ao redor e vão se movimentando e atingindo correntes de águas cada vez mais longe. A pedra ao mergulhar vai assustando peixes, atraindo curiosos, e mudando a rotina do local, mesmo que por pouco tempo.

Uma criança ao ouvir contos de fadas, transforma a pedra em cada uma das palavras que lhe são contadas, trazendo lembranças, sonhos, desejos, personagens, dúvidas, medos e associações.

Marcel Postic (1993:19) apund Gurvitch, 1996, coloca-nos que imaginar não é só pensar, não significa apenas relacionar fatos, e analisar situações, tirando-lhe significados. “imaginar é penetrar, explorar fatos dos quais se retira uma visão. Esta só poderá ser comunicada ao outro através de símbolos, que provocam harmônicos e estabelecem a comunhão. O símbolo age como mediador para revelar ocultando, ocultar revelando, e ao mesmo tempo incitar à participação que, embora com impedimentos e obstáculos, fica favorecida”.

Gianni Rodari (1982:142), apund Dewey, apresenta nos a função da imaginação: “A função da própria imaginação é a visão de realidades e possibilidades que não se mostram nas condições normais da percepção visível. Seu objetivos é penetrar claramente no remoto, no ausente, no obscuro. Não só a história, a literatura, a geografia, e a aritmética, contém uma quantidade de argumentos sobre os pais a imaginação deve operar, para que possam ser compreendidos” e completa; “A função criativa da imaginação pertence ao homem comum, ao cientista, ao técnico, é essencial para descobertas científicas bem como para o nascimento da obra de arte, é realmente condição necessária da vida cotidiana”.

No conto, o símbolo pode ser um personagem, que irá enriquecer a identidade da criança, porque ela ira experimentar outras formas, de ser e de pensar, possibilitando a ampliação de suas concepções sobre o meio, pois no faz de conta a criança desempenha vários papéis sociais, e aprende com eles, acreditamos que ela os imita para compreendê-los.

Quando a criança entra no “mundo” da fantasia e da imaginação de um conto de fadas, ela elabora hipóteses para a resolução de seus problemas e toma atitudes do adulto indo além daquelas de sua experiência cotidiana, buscando alternativas para transformar a realidade. No faz de conta, seus desejos podem facilmente ser realizados e quantas vezes a criança desejar, criando e recriando situações que ajudam a satisfazer alguma necessidade presente em seu interior. Bettlheim, afirma que a criança precisa compreender seu inconsciente, para poder dominar seus problemas psicológicos de crescimento, superar suas decepções narcisistas, dilemas édipicos, ser capaz de abandonar dependências infantis, obtendo um sentimento de individualidade e valorizando-se.

Segundo POSTIC “ O pensamento progride de forma linear. A imaginação se processa em espiral, por alargamento de seu espaço. Ela não se dirige para níveis mais diferenciados, mais especializados, estende-se por extensão e por conquista de novos territórios” (1993:19).

Vygotsky, contribui com seus estudos do brincar, afirmando que ele irá permitir que a criança aprenda e elaborar e resolver situações conflitantes que vivencia ou vivenciará no seu cotidiano. Para isso a criança usará suas capacidades básicas como a observação, imitação e imaginação.

Segundo Gianni Rodari (1982:139), “Germes da imaginação criativa, reforça Vygotski, manifestam-se nas brincadeiras dos animais: assim manifestam-se ainda mais na vida infantil. A brincadeira, o jogo não é uma simples recordação de impressões vividas, mas uma reelaboração criativa delas, um processo através do qual a criança combina entre si os dados de experiência no sentido de construir uma nova realidade, correspondente às suas curiosidades e necessidades”.

Quando Vygotsky discute o papel do brinquedo refere-se especificamente à brincadeira do faz de conta, como o brincar de casinha, de escolinha, de cavalo com o cabo da vassoura, entre outras. Faço relação com Vygotsky, porque o faz de conta, do conto de fadas é também um jogo lúdico, e faz parte do brincar. As crianças amadurecem por intermédio de suas próprias brincadeiras e das invenções das brincadeiras de outras crianças e adultos. No princípio suas imitações poderão ser simples, de acordo com a idade, e a experiência de vida de cada criança, mas com o passar do tempo, (e com o desenvolvimento das atividades programadas), o faz de conta da criança fica mais elaborado.

Para Vygotsky, ao reproduzir o comportamento social do adulto em seus jogos, a criança esta combinando situações reais com elementos de sua ação fantasiosa. Esta fantasia surge da necessidade da criança de reproduzir o cotidiano da vida do adulto da qual ela ainda não pode participar como gostaria. Contudo, esta elaboração no faz de conta necessita de conhecimentos prévios do mundo que a cerca, portanto, quanto mais rica forem suas experiências, mais informações a criança irá dispor para materializar em seus jogos lúdicos.

A brincadeira e o faz de conta criam a Zona de Desenvolvimento Proximal na criança, que através da mediação de colegas, família, e educadores, a criança irá passar para o desenvolvimento potencial. No faz de conta, a criança passa a dirigir seu comportamento pelo mundo imaginário, isto é, o pensamento está separado dos objetos e a ação surge das idéias.

Assim do ponto de vista do desenvolvimento, o jogo do faz de conta pode ser considerado um meio para desenvolver o pensamento abstrato, em que a imaginação é uma ação, sendo ela concreta ou não, mas acima de tudo é algo em permanente amadurecimento, e não uma coisa, “A imaginação da criança, estimulada a inventar palavras, aplicará seus instrumentos sobre os traços da experiência que provocarão sua intervenção criativa”. Valotto (1997:19), fala nos sobre o contato com as histórias, sendo que elas não somente ampliam o horizonte cultural das crianças, e promovem seu enriquecimento lingüístico e literário, mas também colocam em doação, a disponibilidade do contador, contemplando a equilibrada formação das crianças em sua relação com eles mesmos e com o mundo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo como base os objetivos deste projeto:

Possibilitar as crianças o contato com a Literatura Infantil, através dos contos de fada;
Promover o desenvolvimento da imaginação, da criação, e da percepção de mundo, a partir das possíveis interpretações dos contos de fada.; e
observar através da aplicação do trabalho a importância que é dada aos contos de fadas na escola. É possível definir alguns parâmetros:

Na escola pública, existem trabalhos isolados que valorizam a literatura infantil, mas em sua maioria todos a utilizam para fins didáticos. No centro de Educação Infantil, existe uma preocupação do corpo docente em valorizar o imaginário da criança, bem como suas demais potencialidades.

Percebemos que em ambas as instituições as crianças participam das atividades, e demonstram através de textos, desenhos, dramatizações, gestos, e conversas suas angústias, alegrias, vontades e dúvidas ao colocarem-se no lugar dos personagens, vivenciando momentos do seu cotidiano.

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO:

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas.15.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.
CARDOSO, Camilo.VALSASSINA,Manuela. Arte Infantil. Linguagem Plástica. 2ed. Lisboa: Presença, 1988.
CHAUI, Marilena. Convite a Filosofia. 8 ed. São Paulo: Ática, 1997.
LAJOLO, Marisa, ZILBERMAN, Regina. Literatura Infantil Brasileira - Histórias e Histórias. 5 ed. São Paulo: Ática,1.991.
NOVAES, Nelly. Coelho Literatura Infantil. 7.ed.Ed. São Paulo: Moderna, 2.000.
______* O Conto de Fadas. São Paulo: Ática, 1987.
PAULINO, Graça. O Jogo do Livro Infantil. Textos Selecionados para Formação de Professores .Belo Horizonte: Dimensão, 1.997.
POSTIC, Marcel. O imaginário na Relação Pedagógica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993.
RODARI, Gianni. Gramática da Fantasia. 8 ed. São Paulo: Summus, 1982.
VYGOTSKY, Lev Semenovich. A Formação Social da mente. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

Contos (A Verdade)


Conto Judaico

Um dia, a Verdade andava visitando os homens sem roupas e sem adornos, tão nua como o seu nome. E todos que a viam viravam-lhe as costas de vergonha ou de medo e ninguém lhe dava as boas vindas.

Assim, a Verdade percorria os confins da Terra, rejeitada e desprezada.

Uma tarde, muito desconsolada e triste, encontrou a Parábola, que passeava alegremente, num traje belo e muito colorido.

- Verdade, por que estás tão abatida? - perguntou a Parábola.

- Porque devo ser muito feia já que os homens me evitam tanto!

- Que disparate! - riu a Parábola - não é por isso que os homens te evitam. Toma, veste algumas das minhas roupas e vê o que acontece.

Então a Verdade pôs algumas das lindas vestes da Parábola e, de repente, por toda à parte onde passa era bem-vinda.

- Pois os homens não gostam de encarar a Verdade nua; eles a preferem disfarçada.
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Conto Árabe (Maneira de Dizer as Coisas)

Uma sábia e conhecida anedota árabe diz que, certa feita, um sultão sonhou que havia perdido todos os dentes. Logo que despertou, mandou chamar um adivinho para que interpretasse seu sonho.

- Que desgraça, senhor! - exclamou o adivinho. Cada dente caído representa a perda de um parente de vossa majestade.

- Mas que insolente! - gritou o sultão, enfurecido. Como te atreves a dizer-me semelhante coisa? Fora daqui!

Chamou os guardas e ordenou que lhe dessem cem acoites. Mandou que trouxessem outro adivinho e lhe contou sobre o sonho.

Este, após ouvir o sultão com atenção, disse-lhe:

- Excelso senhor! Grande felicidade vos está reservada. O sonho significa que haveis de sobreviver a todos os vossos parentes.

A fisionomia do sultão iluminou-se num sorriso e ele mandou dar cem moedas de ouro ao segundo adivinho. E quando este saía do palácio, um dos cortesãos lhe disse admirado:

- Não é possível ! A interpretação que você fez foi a mesma que o seu colega havia feito. Não entendo porque ao primeiro ele pagou com cem acoites e a você com cem moedas de ouro.

- Lembra-te meu amigo - respondeu o adivinho - que tudo depende da maneira de dizer...

Um dos grandes desafios da humanidade é aprender a arte de comunicar-se. Da comunicação depende, muitas vezes, a felicidade ou a desgraça, a paz ou a guerra.

Que a verdade deve ser dita em qualquer situação, não resta dúvida. Mas a forma com que ela é comunicada é que tem provocado, em alguns casos, grandes problemas. A verdade pode ser comparada a uma pedra preciosa. Se a lançarmos no rosto de alguém pode ferir, provocando dor e revolta. Mas se a envolvemos em delicada embalagem e a oferecemos com ternura, certamente será aceita com facilidade.

A embalagem, nesse caso, é a indulgência, o carinho, a compreensão e, acima de tudo, a vontade sincera de ajudar a pessoa a quem nos dirigimos.

Ademais, será sábio de nossa parte se antes de dizer aos outros o que julgamos ser uma verdade, dizê-la a nós mesmos diante do espelho.

E, conforme seja a nossa reação, podemos seguir em frente ou deixar de lado o nosso intento.

Importante mesmo, é ter sempre em mente que o que fará diferença é a maneira de dizer as coisas...

Fontes:
http://textos_legais.sites.uol.com.br/
Imagem = http://sandersonmoura.blogspot.com

Hilda Simões Lopes (Tempo de Ler Clarice)



Perceba os paradoxos e pense em como nunca o homem foi tão poderoso para o bem e para o mal. Podemos modificar espécies, viajar no sistema solar e destruir o planeta. Montamos uma rede de comunicação universal e instantânea, vemos e ouvimos tudo, falamos quando e com quem queremos. E vivemos imersos em corrupção e violência, banalizamos a vida e a morte e, ruminando pânico, erguemos grades, trancamos portas e nos encarceramos. É o tempo da contradição onde se aprofundam abismos, medos e inseguranças. O homem está abandonado, perdeu o contato com a terra, com o céu. Ele não vive mais, ele existe. Clarice Lispector disse assim.

Nessa época de homens poderosos em todos os sentidos, ler Clarice, a hermética, a intimista, a escritora que se afasta da sociedade em crise para a crise do indivíduo, a escritora do torvelinho das almas, cada vez mais parece água fresca em dia de quarenta graus à sombra.

Clarice Lispector também fala em assassinato mais profundo: aquele que é um modo de relação..... um modo de nos vermos e nos sermos e nos termos, assassinato onde não há vítima nem algoz, mas uma ligação de ferocidade mútua.

Clarice não enxergava a desumanidade do social e sim a das almas, punha a mão na fome de integridade e não na de comida, gritava pela ausência de ser e não pela de saúde e saneamento. Queria mexer na seiva e não nos galhos da árvore. Coisa difícil, afinal a “fome” é imensa e tem muitas faces, e metaforicamente Clarice explica: a pessoa come a outra de fome, mas eu me alimentei de minha própria placenta. E me pergunto se ler sua literatura não é isso mesmo, comer placenta, engolir fermento de vida, deixar as bordas e afundar no miolo.

O interessante é que essa fome por uma humanidade centrada no ser, presente na obra de Clarice Lispector, vive no imaginário dos africanos e faz parte de seu vocabulário. Eles diriam que Clarice Lispector anseia um mundo de “ubuntu”. Tal expressão, usada hoje para sistemas operacionais simples e gratuitos, vem da África onde é bonita em significado como em seu uso virtual. Tem a ver com nossa essência, algo como “sou o que sou devido ao que todos somos”, e para os africanos, quanto mais nos apropriamos dessa idéia mais humanos ficamos. Tem muito “ubuntu” quem não se intimida com o sucesso, a capacidade ou a beleza dos outros porque sabe que, igual ao outro, é parte de um todo, ou quem não rouba do outro porque sabe como atingirá o todo do qual faz parte. Este sentimento nutriu o “ontem eu tive um sonho, todos éramos cidadãos do mesmo mundo” de Martin Luther King, o “Imagine” de John Lennon e vários discursos de Bill Clinton.

Ignoro se Clarice conhecia a palavra africana, mas a idéia se derrama de sua literatura: Não me mostre o que esperam de mim porque vou seguir meu coração, não me façam ser o que não sou, não me convidem a ser igual porque sinceramente sou diferente........ Não copie uma pessoa ideal, copie a você mesma........ O que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesmo.

Claro, Clarice, claríssimo, ser o que se é porque cada um é um e temos de nos somar e não nos copiar.

Os todos poderosos homens de hoje, para o bem e para o mal, como diz Clarice Lispector, não vivem, existem. Vivem apenas um carnaval de vaidades, teres e poderes, usando as fímbrias de suas existências cambaleantes, controladas por comprimidos e sedentas por paz e alegria genuína.

Imagine todas as pessoas/ vivendo pelo hoje / nada porque matar ou morrer / nenhuma necessidade de ganância ou fome / imagine todas as pessoas / compartilhando o mundo todo. John Lennon disse assim. Bem igual a Clarice.

Ele usou a música, ela as metáforas. Era uma humanidade deslumbrada pelo poder tecnológico alcançado, mas eles queriam alcançar a mudança das almas. E alma, sabe? é um negócio imenso. Clarice usou as metáforas porque as palavras não chegavam lá, e acharam difícil de entender. Passou o tempo e o deslumbramento implodiu, todo mundo viu, os poderes avançaram, para o bem e para o mal. Por dentro, fome por outro tempo. Tempo de ler Clarice.

Fonte:
Zero Hora.

Hilda Simões Lopes (1945)



Hilda Simões Lopes nasceu em Pelotas/RS em 23 de novembro de 1945.

Advogada, socióloga, professora universitária.

Individualmente, publicou livros de ensaios sociológicos, romances e crônicas.

É autora dos ensaios
Do Abandono à Delinqüência (Editora Shogun, Rio de Janeiro) e Senhoras e Senhoritas, Gatas e Gatinhas (Editora da Universidade Federal de Pelotas/RS).

Em 1998 publicou o romance A Superfície das Águas (Editora do Instituto Estadual do Livro/RS), ganhador do Prêmio Açorianos de Literatura daquele ano.

Em 2000, foi finalista do Prêmio Açorianos de Literatura, com o livro de crônicas de viagem Cuba: Casa de Boleros (AGE Editora, Porto Alegre/RS).

Em 2001, publicou a novela Um Silêncio Azul (AGE Editora, Porto Alegre/RS).

Tem contos e poesias publicados em coletâneas de autores gaúchos, como Mulher Poeta (Editora Alcance, Porto Alegre/RS), Mercopoemas (Editora Alcance, Porto Alegre/RS) e Contos de Oficina (Editora PUC/RS).

Hilda Simões Lopes participa de cursos de criação literária no Brasil e no exterior.

Fonte:
http://www.amigosdolivro.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=6967

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Silva Barreto (1918 - 2010)

Silva Barreto (Decálogo do Poeta)


1. O amor constitui a principal essência do poeta;

2. Toda poesia deve conter uma mensagem em defesa do bem-estar da humanidade;

3. O Poeta é um amigo da Natureza, quem a destrói, rouba-lhe uma de suas principais fontes de inspiração;

4. O egoísmo, a covardia, a crueldade, a calúnia, a inveja, a avareza e a mesquinhez são sentimentos incompatíveis com a alma do Poeta;

5. O sofrimento não será motivo para sua derrocada, mas alicerce de onde nascerá seu mundo de sonhos;

6. A luta do Poeta é transcendental porque busca o caminho da perfeição;

7. O problema da vida e o da morte não o devem preocupar porque a poesia o eternizará;

8. A arma do Poeta é a poesia e ela deve ser a guardiã dos indefesos, principalmente das crianças, dos animais e das árvores.

9. O Poeta tem o dom da premonição, e, por isso, percebe que o homem, cegamente, caminha para a autodestruição: como missionário, cabe-lhe evitar sua queda no caos;

10. A poesia não tem fronteiras e nem idade, sob qualquer padrão o Poeta deve eternizar o belo.

Fontes:
http://espacomulher.com.br/cnpl/cnpl_edicao34.html
Imagem =
http://virtualiaomanifesto.blogspot.com

Silva Barreto (1918 – 2010)


Somente através da mulher poderemos alcançar o céu ou a glória"
Silva Barreto

Francisco da Silva Barreto, o eminente poeta, fundador e presidente honorário do Movimento Poético Nacional do Brasil, foi luso-descendente. E muito disso se orgulha, sendo seus ancestrais de Viana do Castelo e Braga, em Portugal, locais que ele esteve procurando dados para escrever o seu majestoso livro sobre esse passado de sua vida.

A origem da família Barreto é Viana do Castelo, depois foram para Braga, e um de seus ascendentes, Francisco Barreto Falcão, que veio para o Brasil no Século 18, foi para a região de Mariana, onde fixou a raiz da família Barreto no Estado de Minas Gerais. Silva Barreto também esteve em Sintra, Portugal, onde no Palácio Nacional, no seu teto, está o nome da família Barreto, registrando os seus ancestrais lusitanos.

Integrante do Ministério Público, advogado, curador da família, e aposentado como Procurador de Justiça. Fundou o Movimento Poético Nacional, junto com o poeta Menotti Del Picchia, em 20 de outubro de 1976, o qual é hoje um dos maiores grupos associativos do Brasil, em todos os Estados da União, inclusive, com delegados em London/Ontário no Canadá e Lisboa, Portugal. Além disso, fundou o jornal “A Voz da Poesia”, do Movimento Poético Nacional, onde é diretor.

Sebastião Silva Barreto nasceu em Visconde do Rio Branco, estado de Minas Gerais, onde costumava ir quase sempre, bem como Cabo Frio e Angra dos Reis, locais onde mantinha seus negócios particulares e também gozava períodos de férias. Casado com Creuza Barreto, artista plástica e diretoria de Patrimônio do Movimento Poético Nacional.

O acervo poético dele é quase incomparável, com 14 livros editados e no seu último livro publicado, “Poesias e Crônicas que ficaram para trás”, além de poesias e sonetos, nos mostra todo tipo de poesias, as clássicas, as objetivistas, que é o seu verdadeiro sonho. Inclusive, divulgou um “Manifesto Objetivista”, as crônicas (Os Enigmas da Poesia), enfim, nos mostrando tudo com relação à poesia e si.

Nesse livro, Silva Barreto nos mostra para o conhecimento o que é a poesia clássica e moderna, gêneros poéticos, a métrica, enfim tudo o que um poeta deseja saber de sua arte e finaliza com crônicas, com elucubrações filosóficas e nada mais podemos dizer, é tudo fantástico e fenomenal. Além dessa parte, Silva Barreto é um declamador da maior forma possível, a sua oratória é espetacular.

Seus livros são dotados de todo tipo de poesias, métricas perfeitas, e sendo mestre na Língua Portuguesa, tudo é escrito dentro dos parâmetros de nossa língua, não existindo qualquer falha, com o português perfeito, que ele sempre exige dos poetas e escritores que fazem parte das associações a que ele pertence.

Ele criou o “Dia Nacional da Poesia” que está fixado no dia 20 de outubro, data conjunta com a criação do Movimento Poético Nacional, onde existiu um decreto fixando essa data. Porém, muitos insistem em grafar esse dia em outra data, o que fez ele verificar que após o dia da sua fixação, não existiu nada decretado para outro dia. Tudo são meras formas de publicação, portanto, o dia correto é mesmo o 20 de outubro como Dia Nacional da Poesia.

A obra de Silva Barreto é bastante extensa, como também, as entidades que ele pertence e os diplomas e honras que lhe foram dadas no decorrer de sua vida poética, e assim sendo vamos mostrar essa beleza significativa:

Livros Editados:
A Tragédia da Fonte (versos satíricos);
Reticências Luminosas (versos);
Problemas Penais Oriundos de Identificação (opúsculo de direito);
Projeto para Constituição de Portarias sobre menores (opúsculo de direito);
Figuras Anônimas (1ª e 2ª edição);
20 Poemas e Uma Lágrima (poema);
O Mau Vizinho (opúsculo de direito);
Flores de Sangue (poemas);
As Serpentes do Paraíso (contos, crônicas e lendas);
Viajando pelo Mundo (descrição de viagem);
Patrocínio, o Espártaco de Bronze (opúsculo biográfico);
A Família Barreto (genealogia);
Símbolos da Hora Amarga (poemas);
A Viagem de uma Lágrima e Outros Poemas (poema).

Silva Barreto pertenceu a várias entidades, todas glorificadas com a sua presença, ou seja:
Movimento Poético Nacional
Academia Cristã de Letras
Academia Rio-branquense de Letras
Club des intellectuels Français
Academia Internacionale de Lutéce, França
Associação Paulista do Ministério Público de São Paulo
Associação dos Cavaleiros de São Paulo
Academia de Letras de Brasília
Academia de Letras, Ciências e Artes Ana Amélia do Rio de Janeiro
Instituto Brasileiro Genealógico
Casa do Poeta "Lampião de Gás" de São Paulo
Associação Paulista de Imprensa
União Brasileira de Escritores, e outras entidades.

O número de diplomas, medalhas e troféus praticamente não caberia neste artigo, é tão grande, infindável, e em todos eles o “Emérito Poeta” Silva Barreto é o portador de todas essas relíquias que o coloca no panteão dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos.

Honra e glória a essa pessoa rica em caráter, mestre da poesia e magnífico seguidor da Língua Portuguesa, e esse magistral e emérito poeta luso-descendente, honrou o nome do Brasil e do querido e eterno Portugal.

Fonte:
Adriano da Costa Filho . Jornal Mundo Lusíada. http://www.mundolusiada.com.br/COLUNAS/ml_coluna_233.htm

José Calçada (Casinha Pequenina)



Casinha Pequenina - canção pequena e singela - mas quanta grandeza em tua pequenez e quanto de belo em tua singeleza!

Casinha Pequenina, álbum de tantas recordações, de tantas lembranças ,não de lembranças perdidas ou esquecidas, mas de lembranças vivas , vivas na mente, na alma e no coração de todos os apreciadores da boa música , quer a popular, quer a sertaneja, a música do nosso sertão, quantas vezes , talvez, inspirada na orquestração sinfônica da passarada da mata sob a batuta firme e segura do grande maestro-o sabiá-laranjeira! Casinha Pequenina berço de um grande amor, com o teu coqueiro ao lado ,coitado, já morto pela dor cruenta da saudade! Casinha Pequenina, altar de tantos juramentos, feitos com tanto fervor, e palco de um beijo apaixonado e prolongado, daquele amor sincero e leal! Casinha Pequenina, pra mim, a sonoridade dos teus acordes e o sentimentalismo da tua letra! Pra ti, a minha saudade infinda!
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José Calçada, professor de Birigüi, já falecido.

Fonte:
http://www.portrasdasletras.com.br/

Monteiro Lobato (O Rabo do Macaco)


Era um macaco que resolveu sair pelo mundo a fazer negócios. Pensou, pensou e foi colocar-se numa estrada, por onde vinha vindo, lá longe, um carro de boi. Atravessou a cauda na estrada e ficou esperando. Quando o carro chegou e o carreiro viu aquele rabo atravessado, deteve-se e disse:

- Macaco, tire o rabo da estrada, senão passo por cima!

- Não tiro! – respondeu o macaco – e o carreiro passou e a roda cortou o rabo do macaco.

O bichinho fez um barulho medonho.

- Eu quero o meu rabo, eu quero o meu rabo ou então uma faca!

Tanto atormentou o carreiro que este sacou da cintura a faca e disse:

- Tome lá, seu macaco dos quintos, mas pare com esse berreiro, que está me deixando zonzo.

O macaco lá se foi, muito contente da vida, com a sua faca de ponta na mão.

- Perdi meu rabo, ganhei uma faca! Tinglin, tinglin, vou agora para Angola!

Seguiu caminho.

Logo adiante deu com um tio velho que estava fazendo balaios e cortava o cipó com os dentes.

- Olá amigo! – berrou o macaco – estou com dó de você, palavra! Tome esta faca de ponta.

O negro pegou a faca mas quando foi cortar o primeiro cipó a faca se partiu pelo meio.

O macaco botou a boca no mundo – eu quero, eu quero minha faca ou então um balaio!

O negro, tonto com aquela gritaria, acabou dando um balaio velho para aquela peste de macaco que, muito contente da vida, lá se foi cantarolando:

- Perdi meu rabo, ganhei uma faca; perdi minha faca, pilhei um balaio! Tinglin, tinglin, vou agora para Angola!

Seguiu caminho.

Mais adiante encontrou uma mulher tirando pães do forno, que recolhia na saia.

- Ora, minha sinhá – disse o macaco, onde já se viu recolher pão no colo? Ponha-os neste balaio.

A mulher aceitou o balaio, mas quando começou a botar os pães dentro, o balaio furou.

O macaco pôs a boca no mundo.

- Eu quero, eu quero o meu balaio ou então me dê um pão.

Tanto gritou que a mulher, atordoada, deu-lhe um pão. E o macaco saiu a pular, cantarolando:

- Perdi meu rabo, ganhei uma faca; perdi minha faca, pilhei um balaio; perdi meu balaio, ganhei um pão. Tinglin, tinglin, vou agora para Angola!

E lá se foi muito contente da vida, comendo o pão.

Fonte:
Covil do Orc. Contos do Covil.

Carolina Maria de Jesus (Quarto de Despejo)

Introdução

Quarto de Despejo (diário de uma favelada), de Carolina Maria de Jesus, embora tenha despertado a atenção de vários autores norte-americanos., é uma obra que ainda está a merecer uma análise mais aprofundada por parte da crítica nacional. É importante ressaltar que foram vendidos em torno de um milhão de exemplares em cerca de quatorze países. É uma das obras brasileiras mais vendidas, tendo sido traduzida em mais de treze línguas.

Ao ser publicado em São Paulo, em agosto de 1960, o livro obteve imediato sucesso, com a venda de trinta mil exemplares, surpreendendo a própria editora, que recebeu pedidos de todo o país.

Estranhamente, porém, apesar do sucesso obtido com Quarto de Despejo, os outros livros de Carolina (Casa de alvenaria, Diário de Bitita, Pedaços da fome e Provérbios) nenhuma repercussão tiveram ao mundo literário nem despertaram o interesse do público brasileiro.


É necessário registrar alguns detalhes da vida da autora para que se possa compreender a importância de seus escritos e explicar como uma pessoa da sua condição social possuía tantas informações sobre a vida política e social da época e uma sensibilidade rara para entender o mundo.

Carolina Maria de Jesus saiu de Sacramento, pequena cidade do Triângulo Mineiro, em 1947, fugindo da pobreza da zona rural.

Perambulou pelo interior do Estado até chegar a São Paulo, onde trabalhou como doméstica em casa de pessoas importantes, como a família Zerbini. Não se adaptando ao trabalho doméstico, Carolina mudou-se para a hoje extinta favela do Canindé, nos arredores da cidade, passando a trabalhar como catadora de papel. Naquela época era um trabalho até certo ponto “rentável” devido à precariedade dos serviços de coleta de lixo.

Negra, jovem, bonita, inteligente, mãe solteira, independente, Carolina despertava a inveja das vizinhas e a cobiça dos homens.

Alfabetizada até o 2º ano primário, desenvolveu e cultivou o gosto pela leitura e o hábito de escrever. Tudo indica que deve ter tido acesso a algumas obras dos grandes autores brasileiros nas casas em que trabalhou, o que lhe manteve acesso o desejo de ser “artista” e explica a menção a poetas como Casimiro de Abreu e Castro Alves. Tais informações não teria uma menina que houvesse estudado até o 2º ano primário em uma escola do interior.

Carolina dividia seu tempo entre as tarefas de catar papéis, cuidar dos afazeres domésticos (que, na verdade eram poucos, pois quase nada havia a cozinhar, lavar ou arrumar no pequeno barraco) e a escrever o seu diário, onde registrava os fatos corriqueiros de uma favela.

A publicação de Quarto de Despejo se deve ao jornalista Audálio Dantas, que entendeu a importância do diário da favela do Canindé.

Incumbido de fazer uma reportagem sobre a inauguração de um parque infantil naquela favela, Dantas ouviu uma mulher gritar “Vou colocar vocês no meu livro”. Curioso em saber de que “livro” se tratava, o jornalista foi levado pela própria Carolina ao seu barraco. Mostrou-lhe então alguns cadernos recolhidos no lixo, nos quais registrava o dia-a-dia da favela, a fome, as dificuldades para conseguir alimento, as brigas, as mortes, enfim, o cotidiano de uma sociedade miserável, à margem da humanidade.

Audálio Dantas, após muitas dificuldades, conseguiu que a livraria Francisco Alves publicasse a obra. Inicialmente, pretendia lançar três mil exemplares, mas conseguiu aditar trinta mil, em pouco tempo esgotados.

As dificuldades por que passava Carolina eram tantas que, no dia do lançamento do livro, teve de sair a catar papel para conseguir dinheiro que lhe permitisse comprar comida para os filhos.

Paradoxalmente, o mundo que a homenagearia e a escolheria como “escritora”, recusava-se a ver a miséria em que vivia aquela mulher. Reconhecida de início como uma revelação – uma mulher negra, pobre, favelada, semi-alfabetizada, mãe solteira -, Carolina teve um brilho efêmero. O sucesso da obra se explicaria pelo fato de ter sido lançado num momento em que estavam em voga a contracultura e a bossa nova. Mas começava uma nova era, em que predominaria, de início, uma “censura branca” a certas manifestações artísticas que poderia torna-se incômoda para o poder estabelecido.

Há que se considerar o momento político por que passava o Brasil naqueles anos, o que pode ter influenciado negativamente na divulgação de uma obra que revelava um lado “poder” e miserável da vida, que a classe dominante preferia ignorar. Carolina passou a representar um papel importante na sua comunidade, tinha consciência política excepcional para uma pessoa de sua condição social, o que poderia ser uma “ameaça” ao modelo político que começava a se desenhar naquele momento. Os favelados já lhe diziam: “Carolina, já que você gosta de escrever, instiga o povo para adotar outro regime”. Esse fato talvez explique a recusa dos editores em publicar seu último livro, Provérbios, que foi por ela mesma financiado.

Carolina Maria de Jesus chegou a ser mundialmente conhecida com a publicação de seu primeiro livro. No entanto, após o fracasso de suas últimas obras, voltou a viver na pobreza, falecendo em 1977, ignorada por todos.

José Carlos Sebe Bom Meihy, estudioso da obra de Carolina, informa que, com a ajuda dos filhos da autora, localizou “uma caixa com trinta e sete cadernos, contendo cinco mil cento e doze páginas”, em que constavam poemas, contos, quatro romances e três peças de teatro, em meio a receitas de bolos, contabilidade doméstica e lições escolares dos filhos.

Finalmente, cumpre ressaltar a intervenção de Audálio Dantas na escrita de Carolina. O jornalista informa que fez algumas correções no texto, colocou algumas vírgulas, retirou outras, suprimiu alguns trechos, por repetidos, mas manteve a grafia original, limitando-se ao ordenar a narrativa de forma coerente. Esses dados são essenciais ao se estudar a linguagem usada pela autora. De qualquer forma, tudo indica que o jornalista não substituiu palavras ou expressões empregadas por Carolina, as quais são fundamentais para a compreensão do estilo da autora.

Síntese da obra

Quarto de desejo é um relato de fatos verídicos vivenciados ou presenciados pela autora, que faz questão de registra-los quase que diariamente.

Em seu diário, Carolina Maria de Jesus descreve a favela do Canindé, as pessoas e o tipo de vida que levam. Relata as brigas constantes entre marido, mulher e vizinhos, a fome, as dificuldades para se obter comida, as doenças a que estão sujeitos os moradores da favela, seus hábitos e costumes, as mortes, o suicídio, a presença constante da miséria de uma sociedade marginalizada e esquecida pelos governantes.

15 de julho de 1955. Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu pretendia comprar um par de sapatos para ela.

Assim tem início o diário de Carolina, que terminará em 1º de janeiro de 1960:

1.º de janeiro de 1960
Levantei as 5 horas e fui carregar água.

Ao longo desses anos, a autora registra a vida na favela, a sua luta diária contra a fome, o esforço para criar com dignidade os filhos José Carlos, João e Vera Eunice.

A fome é uma constante ao longo da obra:

Como é horrível ver um filho comer e perguntar: “Tem mais?” Esta palavra “tem mais” fica oscilando do cérebro de uma mãe que olha a panela e não tem mais.

E a pior coisa para uma mãe é ouvir esta sinfonia:

- Mamãe eu quero pão! Mamãe, eu estou com fome!
Eu estou triste porque não tenho nada para comer.

Quando consegue algum alimento, a narradora reflete sobre sua condição de pessoa expulsa do mundo humano:

Quando eu levava feijão pensava: hoje eu estou parecendo gente bem – vou cozinhar feijão. Parece até um sonho!

A miséria que presencia é tão chocante que Carolina acha que alguém poderia não acreditar no que conta:

... Há de existir alguém que lendo o que eu escrevo dirá... isto é mentira! Mas, as misérias são reais.

Com grande senso crítico, a autora destaca as visitas do padre à favela:

De manhã o padre veio dizer missa. Ontem ele veio com o carro capela e disse aos favelados que eles precisam ter filhos. Penso: porque há de ser o pobre quem há de ter filhos – se filhos de pobre tem que ser operário? (...) Para o senhor vigário, os filhos de pobre criam só com pão. Não vestem e não calçam.

O contraste entre a favela e a cidade é percebido com acuidade e senso crítico por Carolina:

Quando eu vou na cidade tenho a impressão de que estou no paraíso. Acho sublime ver aquelas mulheres e crianças tão bem vestidas. Tão diferentes da favela. As casas com seus vasos de flores e cores variadas. Aquelas paisagens há de encantar os visitantes de São Paulo, que ignoram que a cidade mais afamada da América do Sul está enferma. Com as suas ulceras. As favelas.

Fatos corriqueiros como brigas entre marido e mulher, entre as mulheres e os bêbados, a presença da Rádio Patrulha, mortes por intoxicação com alimentos putrefatos são narrados com detalhes por Carolina:

Eu já estou tão habituada a ver brigas que já não impressiono.
Despertei com um bate-fundo perto da janela. Era a Ida e a Amália. A briga começou lá na Leila. Elas não respeitam nem a extinta. O Joaquim interviu pedindo para respeitar o corpo. Elas foram brigar na rua.

Ao olhar atento da narradora nada escapa:

... Nas favelas, as jovens de 15 anos permanecem até a gora que elas querem. Mescla-se com as meretrizes, contam suas aventuras [...] Há os que trabalham. E há os que levam a vida a torto e a direito.
As pessoas de mais idade trabalham, os jovens é que renegam o trabalho. Tem as mães, que catam frutas e legumes nas feiras. Tem as igrejas que dá pão.

Carolina demonstra ser uma pessoa exatamente atualizada em relação ao que se passa na vida política do país, o que se comprova pelas constantes referências aos políticos em destaque na época, como Carlos Lacerda, Jânio Quadros, Adhemar de Barros e Juscelino Kubitschek.

A exploração da boa-fé do povo pelos políticos na época de eleições, as visitas dos candidatos à favela, os pequenos agrados e as promessas não cumpridas são registradas pela narradora de forma crítica e consciente.

... Quando um político diz nos seus discursos que está ao lado do povo, que visa incluir-se na política para melhorar as nossas condições de vida pedindo o nosso voto prometendo congelar os preços, já está ciente que abordando este grave problema ele vence nas urnas. Depois divorcia-se do povo. Olho o povo com os olhos semicerrados. Com um orgulho que fere a nossa sensibilidade.

Destacam-se também na obra referências a autores da literatura brasileira, como Castro Alves e Casimiro de Abreu, a personalidades conhecidas nacional ou internacionalmente, como Assis Chateaubriand, Elisabeth Taylor, o Príncipe do Japão, a revista estrangeira Reader´s Digest, que lhe devolveu os originais de um livro (“A pior bofetada para quem escreve é a devolução de sua obra.”)

Sempre em atrito com os vizinhos por causa dos filhos, Carolina diz:

- Os meus filhos estão defendendo-me. Vocês são incultas, não pode compreender. Vou escrever um livro referente a favela. Hei de citar tudo que aqui se passa. E tudo que vocês me fazem. Eu quero escrever o livro, e vocês com estas cenas desagradáveis me fornece os argumentos.

No entanto, não foi só isso que Carolina relatou. Além de registrar o cotidiano da favela, mostrou-se grande conhecedora dos problemas da vida de toda uma sociedade.

Estrutura da Obra

Quarto de Despejo não é apenas a autobiografia de uma favelada catadora de papéis. É também um documento sobre a vida de uma favela. Registrado sob a forma de diário, é uma seqüência de fatos ordenados cronologicamente, situados no tempo por meio de datas. Nesse sentido, faz lembrar o Diário de uma jovem, escrito pela menina judia Anne Frank. Alguns acontecimentos são relatados mais de uma vez, talvez porque a autora faça questão de repeti-los ou porque se esqueceu de que já os havia mencionado.

Trata-se de uma narrativa linear, entremeada por reflexões da narradora que demonstram profunda sensibilidade e senso crítico.

Quarto de Despejo não se enquadra em um gênero literário fixo, podendo-se aproxima-lo, quando muito, da linha memorialista. São relatos de fatos verídicos, reprodução de diálogos e considerações sobre a vida dos favelados.

1) Ambiente: A autora descreve o ambiente físico – a favela e seus barracos – por meio de detalhes, sem preocupação de fornecer uma visão geral. Os pronomes aparecem ao longo do texto, na medida em que aqueles aspectos são relevantes para a compreensão do fato que narra ou para mostrar a miséria que reina naquela comunidade. O fornecimento precário de energia elétrica, a inexistência de água encanada e de rede de esgotos, embora pagassem por esses serviços, a falta de banheiros, a sujeira, a imundice, a presença de ratos e pulgas nos barracos são sempre mencionados por Carolina.

O fio não dava para ligar a luz. Precisava emenda-lo. Sou leiga na eletricidade.
... Já faz seis meses que eu não pago a água. 25 cruzeiros por mês. E por falar em água, o que eu não gosto e tenho pavor é de ir buscar água.
Eu mandei o senhor Dario entrar. Mas fiquei com vergonha. O vaso noturno estava cheio.

Em diversas passagens, Carolina deixa clara a imagem que tem da favela:

... Cheguei na favela: eu não acho jeito de dizer que cheguei em casa. Casa é casa. Barracão é barracão. O barraco tanto no interior como no exterior estava sujo.
... Eu classifico São Paulo assim: o Palácio é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam o lixo.

Essas descrições são, às vezes, marcadas por certo humor, como no episódio em que conta como a chuva alagou a favela:

As pessoas de espírito jocoso dizem que a favela é a cidade náutica. Outros dizem que é a Veneza Paulista.

A favela e suas misérias constituem assim o pano de fundo do registro de uma classe social marginalizada e até hoje ignorada pelas autoridades.

2) Contexto histórico: Os fatos narrados por Carolina abrangem um período de transição na história do Brasil. Iniciando-se em 1955 e terminando em janeiro de 1960, o diário registra fatos de relevância social e política na cidade de São Paulo. Vivia-se um momento de estabilidade social e de certa euforia no contexto político, com o início da construção de Brasília, que seria inaugurada em 21 de abril de 1960. Todo o país se voltava para o “grande acontecimento” que era a construção de uma nova capital idealizada por um Presidente da República bastante popular entre as classes mais baixas. No entanto, os problemas sociais, a fome, a falta de moradia, de saneamento básico permanecem ignorados pelas autoridades políticas, tão envolvidas com o novo projeto presidencial.

Jânio Quadros e Adhemar de Barros são figuras constantemente mencionadas por Carolina. Carlos Lacerda, conhecido por sua língua afiada e como grande orador, futuro governador do Estado da Guanabara e deputado federal nessa época, aparece no diário de Carolina, muitas vezes de forma irônica.

Há ainda referências a fatos da época, como a presença dos artistas da companhia cinematográfica Vera Cruz, que participaram da filmagem de um documentário sobre a vida de um famoso favelado, o Promessinha.

São mencionados por Carolina jornais, como o Diário da Noite, e revistas de grande circulação, como O Cruzeiro, que apresentou uma reportagem sobre a autora sob o título “Retrato da favela no Diário da Carolina”.

Quase todos os acontecimentos que, de certa forma, despertavam o interesse de Carolina são descritos no diário, sejam os que ocorrem na favela, sejam as notícias que lê nos jornais.

3) Foco narrativo: A obra apresenta uma narrativa em primeira pessoa, como é natural no diário. Os fatos são apresentados sob a óptica da narradora que, ao mesmo tempo que o narra, tece considerações sobre a vida, a situação dos pobres e dos favelados, a atitude dos políticos, a exploração dos comerciantes e dos atacadistas, o desperdício de alimentos.

É uma visão unilateral, pessoal e, de certa forma, subjetiva, na medida em que a própria narradora é também protagonista. Pode-se dizer, portanto, que, ao lado do tempo exterior representado pelo registro cronológico dos acontecimentos, há um tempo interior representado pelos momentos de reflexão da narradora.

Ao traçar um panorama dos hábitos e costumes do seu meio social, Carolina expressa a sua visão por meio da observação dos fatos e das atitudes das pessoas que conhece, destacando-se, ela mesma, como um elemento principal sobre o pano de fundo, que é a favela.

4) Personagens: Quarto de Despejo é uma autobiografia. Não se poderia, portanto, falar em “personagens” na acepção atribuída a esse termo pela crítica literária aos protagonistas de uma obra de ficção. Melhor seria denominar as pessoas que aparecem no diário de “pessoas” mesmo ou “figuras”. Não são elas criação da imaginação da narradora, mas sim pessoas que realmente existiram. Carolina Maria de Jesus “retrata” a si mesma e as pessoas que com ela conviveram.

Trata-se, pois, de um relato construído em torno da própria Carolina – autora-narradora. A ela juntam-se as outras figuras que fazem parte do seu cotidiano, como os filhos, os inúmeros vizinhos e conhecidos, os amigos e os amantes. Há ainda referência aos nordestinos, em número cada vez maior na favela. São tantas as pessoas a quem se refere que seria impossível menciona-las. Há que se destacar, porém, o senhor Manoel, amigo e, depois, seu amante, o cigano, Orlando Lopes, o cobrador da luz, senhor Pinheiro, presidente do Centro Espírita, e o repórter Audálio Dantas.

Carolina é uma pessoa inteligente, curiosa, com grande senso crítico da realidade. Vivendo em um meio promíscuo, em que as brigas e o alcoolismo são uma constante, Carolina procura manter-se afastada dos vícios para que possa cuidar bem de seus filhos. São aspectos marcantes da sua personalidade o gosto pela leitura e a preocupação com a educação dos filhos. Suas opiniões sobre as condições em que vivem os favelados, os catadores de lixo, as atitudes dos políticos e da Igreja são sempre pertinentes e extremamente atuais.

É importante assinalar a postura um tanto ambígua da narradora em relação aos negros. Há momentos em que ela deixa transparecer preconceito contra os de sua raça, ao dizer que os negros não eram dados ao trabalho. Além disso, ela só se relaciona afetivamente com os brancos. Em certo momento, ela diz:

Despertei pensando no cigano, que é pior do que o negro.

Já em outra passagem, Carolina diz:

...adoro a minha pele negra, e o meu cabelo rústico. Eu até acho o cabelo negro mais educado do que o cabelo de branco.

É interessante notar que Carolina sempre associa a cor negra a tudo que é ruim para ela:

Olhava para o meu barraco envelhecido. As tabuas negras e podres. Pensei: está igual a minha vida.
A minha (vida), até aqui, tem sido preta. Preta é a minha pele. Preto é o lugar onde eu moro.
Comeram e não aludiram a cor negra do feijão. Porque negra é a nossa vida. Negro é tudo que nos rodeia.

Entre as muitas considerações ou reflexões de Carolina, vale a pena ressaltar algumas:

Eu não consegui armazenar para viver, resolvi armazenar paciência.
Eu fiz uma reforma em mim. Quero tratar as pessoas que eu conheço com mais atenção.
O meu sorriso, as minhas palavras ternas e suaves, eu reservo para as crianças.
Não se vê mais os corvos voando as margens do rio perto dos lixos. Os homens desempregados substituíram os corvos.
Pelo que observo, Deus é o rei dos sábios. Ele pois os homens e os animais no mundo. Mas os animais quem lhes alimenta é a Natureza porque se os animais fossem alimentados igual os homens, havia de sofrer muito. Eu penso isto, porque quando eu não tenho nada para comer, eu invejo os animais.
A enfermidade que atinge o preto, atinge o branco. Se o branco sente fome, o negro também. A natureza não seleciona ninguém.
“Enfim, o mundo é como o branco quer. Eu não sou branca, não tenho nada com estas desorganizações.
Temos só um jeito de nascer e muitos de morrer.
Carolina é uma pessoa que sabe de tudo, que se interessa por tudo:
Ele é o homem mais bem remunerado da favela. Trabalha para o Conde Francisco Matarazzo.
Hoje eu estou lendo. E li o crime do Deputado de Recife. Nei Maranhão.
Eis o que estava escrito no jornal do dia 26 de junho de 1958:

Zuza, pai de santo, em cana.

Ao se referir às touradas de Madri, à fábula da rã e da vaca, de La Fontaine, ao cavalo de Tróia, entre outros assuntos da cultura universal, a narradora demonstra um conhecimento invulgar para uma pessoa de sua condição social.

Aspectos marcantes na obra

Embora a autora, com sua excepcional percepção da vida, aborde muitos temas importantes e atuais, há alguns aspectos que predominam na obra: a fome e a miséria – o “Quarto de Despejo” – e a consciência político-social. Em torno desses temas, Carolina tece comentários sobre tudo de que tem notícia, sobre as informações que obtém por meio de jornais e revistas que, na maioria das vezes, lê nas bancas.

1) A fome: É, por assim dizer, o leit-motiv da obra. Quase tudo gira em torno da fome, do sofrimento da mãe ao ver os filhos pedindo alimento, das mortes devido à ingestão de alimentos putrefatos situação dramática que ainda se vê nos dias de hoje.

E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual – a fome.
Vi os homens jogar sacos de arroz dentro do rio. Bacalhau, queijo, doces. Fiquei com inveja dos peixes que não trabalharam e passam bem.
Estou tão indisposta que se eu pudesse deitar um pouco! Mas eu não tenho nada para os meninos comer.
...Saí triste porque não tinha nada em casa para comer. [...] Parece que o meu pensamento repetia:
-Comida!Comida!Comida! [...] E estou sem dente. Magra. Pudera! O medo de morrer de fome!
Quando eu encontro algo no lixo que eu posso comer, eu como. Eu não tenho coragem de suicidar-me. E não posso morrer de fome.
...Hoje não temos nada para comer. Queria convidar os filhos para suicidar-nos.
...Quando cheguei em casa estava com tanta fome. Surgiu um gato miando. Olhei e pensei: eu nunca comi gato, mas se estivesse numa panela ensopado com cebola, tomate, juro que comia. Porque a fome é a pior coisa do mundo.
Eu disse para os filhos que hoje nós não vamos comer. Eles ficaram tristes.
Quando o Nilton começou a passar fome, foi com a mãe.
Pensei: a fome também serve de juiz.
A pior coisa do mundo é a fome. É o único registro do dia 26 de agosto de 1959
.

2) O “quarto de despejo”: Os homens, como seres humanos, têm necessidade de separar e classificar as coisas de acordo com sua função – as limpas das sujas e as úteis das inúteis. Na sociedade descrita por Carolina, há um grupo que trabalha exclusivamente com as coisas sujas e inúteis, com o lixo ( numa época em que não se pensava em reciclagem), de tal forma que com elas se identificam.

Assim Carolina reconhece-se como “lixo”, como um ser que está no Quarto de Despejo para ser jogado fora.

Enquanto estou na favela tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num Quarto de Despejo.
Sou rebotalho. Estou no Quarto de Despejo, e o que está no Quarto de Despejo ou queima-se ou joga-se no lixo.
Depois pensei: eu não saio do Quarto de Despejo, o que posso saber o que se passa na sala de visita?
Mas ele deve aprender que a favela é o Quarto de Despejo de São Paulo. E que eu sou uma despejada.
Favela, sucursal do inferno, ou o próprio inferno.

3) Consciência política e social: A consciência da situação política do país e do papel que deveria ser exercido pelos políticos transparece em vários trechos. Carolina está a par do que acontecia não só em São Paulo como em outros Estados. Muitas dessas referências são eivadas de crítica e de fina ironia.

Eu quando estou com fome quero matar o Jânio, quero enforcar o Adhemar e queimar o Jucelino.

Mas o povo está interessado nas eleições, que é o cavalo de tróia que aparece de quatro em quatro anos.
Ao meu lado estava a mulher do nortista que dormia com a mulher do Chó. Estava nervosa e falava tanto. Parece que tem a língua elétrica. Parecia o Carlos Lacerda quando falava do Getúlio.
As intrigas delas é igual a de Carlos Lacerda que irrita os nervos.
Uma senhora disse que foi pena! A bala que pegou o major podia acertar no Carlos Lacerda.
Você já viu um cão quando quer segurar a cauda com a boca e fica rodando sem pega-la?
É igual o governo do Jucelino.
Os políticos só aparecem aqui nas épocas eleitoraes. O senhor Cantídio Sampaio quando era vereador em 1953 passava os domingos aqui na favela. [...] Mas na Câmara dos Deputados não criou um projeto para beneficiar o favelado. Não nos visitou mais.
As dificuldades corta o afeto do povo pelos políticos.
... A notícia do jornal deixou-me nervosa. Passei o dia xingando os políticos, porque eu também quando não tenho nada para dar aos meus filhos fico quase louca.
Ele só dá os pedaços de bolacha. E elas saem contentes como se fossem a Rainha Elisabethe da Inglaterra quando recebeu os treze milhões em jóias que o presidente Kubstchek lhe enviou como presente de aniversário.
Os exploradores do povo, os mais fortes, os que podem determinar os preços dos alimentos, respaldados por um sistema capitalista predador, não escapam à crítica de Carolina:
... Os preços aumentam igual as ondas do mar. Cada qual mais forte. Quem luta com as ondas? Só os tubarões. Mas o tubarão mais feroz é o racional. É o terrestre. É o atacadista.
O tratamento dado às crianças nos abrigos de Menores – as FEBENS da época – já era um problema de que muitos tinham conhecimento. Carolina questiona a maneira como esses menores são tratados.
Percebi que no Juizado as crianças degrada a moral. Os Juízes não tem capacidade para formar o caráter das crianças. O que é que lhes falta? Interesse pelos infelizes ou verba do Estado?
Ao conhecer prostitutas que haviam sido criadas no abrigo de Menores, Carolina exclama: Pobres órfãs do Juiz!
Ao se referir a Moisés, que protegia os judeus, a narradora ressente-se da falta de um líder negro que defendesse a sua raça:
Já nós os pretos não tivemos um profeta para orar por nós.
Os norte-americanos não escapam da crítica de Carolina:
Fico pensando: os norte-americanos são considerados os mais civilizados do mundo e ainda não convenceram que preterir o preto é o mesmo que preterir o sol.

Estilo/Linguagem

1) Carolina Maria de Jesus possui um estilo próprio característico, fluente. Interesse e curiosidade desperta a linguagem usada pela autora. É uma pessoa semi-alfabetizada, que comete erros gramaticais elementares em contraste com um vocabulário erudito, conseguindo assim exprimir seus pensamentos com a maior facilidade.

Talvez seja uma das únicas obras brasileiras que retratam fielmente não só a maneira de falar das pessoas incultas como a de escrever. Note-se também que a autora não usa palavras de baixo calão, a não ser em um outro caso, e, assim mesmo, para reproduzir a fala de outras pessoas. Apesar de conviver com o “lixo” da cidade, Carolina mantém uma linguagem “pura”. Os erros gramaticais não comprometem a compreensão de sua mensagem.

Eu chinguei o Chico de ordinário, cachorro...
Os pasteis é um acontecimento aqui em casa.
Outros trazia água do Serviço, nos garrafões.

2) Sua linguagem é pontilhada pelo lirismo, pelas metáforas, pelas comparações inusitadas. Alguns exemplos ilustram essa linguagem que se poderia encontrar nos grandes autores:

Parece que esse cigano quer hospedar-se no meu coração.
Por isso que eu digo que a favela é o Gabinete do Diabo.
A cidade é um morcego que chupa o nosso sangue.
As brisas suaves perpassam conduzindo o perfume das flores.
A vida é igual um livro. Só depois de ter lido é que sabemos o que encera.
Parece que a minha vida estava suja e agora estão lavando.
A voz de pobre não tem poesia.
A língua das mulheres é um navio. Fica incendiando.
Parece que eu vim ao mundo predestinada a catar. Só não cato a felicidade.
O dia está triste igual a minha alma.

3) Aspecto que se destaca no estilo de Carolina Maria de Jesus é o fato curioso de uma semi-alfabetizada usar termos cultos, pouco conhecidos e raramente utilizados a não ser na linguagem escrita, e emprega-los adequadamente. Assim, encontram-se, entre outras:

- mulheres atrabiliarias
- história do infausto Miguel Colona
- a noite está tepida
- sinfonia matinal
- sou rebotalho
- um homem que não é nipônico
- os maus elementos que mesclam-se com eles
- é pungente a condição dos pracinhas.
- Ablui as crianças
- Aleitei-as (as crianças)
- A vida ia ficar insípida
- Melancia deturpada

Em certos momentos, a autora entrega expressões não propriamente eruditas mas pouco usadas na linguagem coloquial:

Deixei o leito as 5 e meia.
Despertei as 2 da madrugada.
Essas frases, aliás, são repetidas ao longo de todo o diário, talvez para mostrar a monotonia, o trabalho repetido todos os dias, assim como “Levantei e fui catar papel”

Conclusão

Quarto de Despejo é mais do que o retrato de uma favela. É a denúncia das condições de vida de uma comunidade marginalizada, por alguém que dispunha de poderosa arma e que soube utiliza-la como nenhum outro: a palavra. E dessa arma Carolina Maria de Jesus fez o uso devido. Relatou, descreveu, mostrou o sofrimento, as agruras da fome, preocupada não com apuro formal da linguagem , mas com o conteúdo de sua mensagem. O sonho de escrever um livro com “os argumentos” que os favelados lhe forneciam realizou-se.

Carolina Maria de Jesus seria uma grande personalidade do mundo literário, na opinião dos poucos autores que se dedicaram ao estudo de suas obras. O trecho seguinte, citado no estudo “Carolina Maria de Jesus: Emblema do Silêncio”, de José Carlos Sebe Bom Meihy, demonstra bem o grau da consciência política dessa autora semi-alfabetizada:

“O Brasil é um jovem de um metro e noventa de altura com a pretensão de homem feito, só que está muito doente, com o coração fraco e desanimado. Foi tratado com o cruzeiro e o tratamento não foi producente. Continuou anêmico.Então, decidiram chamar um médico dos Estados Unidos que lhe aplicou uma injeções de dólares. O Brasil teve apenas uma melhora temporária. Mas, o Brasil queria é se curar, queria ficar forte. Resolveu consultar um médico da Inglaterra que deu-lhe umas pílulas de fibras esterlinas e não surtiu o efeito desejado. O Brasil já está perdendo a esperança de readquirir a sua potência orgânica. Mas ele não desanimou e procurou um médico alemão que lhe deu umas gotas de marcos. Sua esperança se renovou: vou estabelecer-me e entrar numa competição. Mas as suas esperanças foram se derrapando quando aconselharam a procurar um médico russo. Ele não aceitou, ficando com receio de tomar o remédio rublo que é, porém, semelhante a uma atadura que lhe tolhe todos os movimentos. Preferiu, então, continuar fraco a ser predominado e os seus compatriotas não poderem brincar nem os três dias dedicados ao Rei Momo. Mas o Brasil já está pensando em fazer um transplante: retirar o coração militar e colocar um coração civil”.

Fonte:
professor Teotônio Marques Filho in Vestibular 2001, UFM, Estudo das Obras, Gráfica e Editora O LUTADOR, Belo Horizonte.