sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.122 e 123)


Duas Trovas Nacionais

Quanto sonho não vivido
do jeito que foi sonhado!
Mas tudo tem mais sentido
quando, enfim, é conquistado.
(OLGA AGULHON/PR)

Meu coração é uma rua -
bem fechada, já se vê -
por onde transita... nua,
a lembrança de você.
(DODORA GALINARI/MG)

Duas Trovas Potiguares

Quando as sombras do poente
deitam no mar que desmaia,
um langor envolve a gente
na branca areia da praia.
(FRANCISCO BEZERRA/RN)

Ninguém deve se arriscar
no amor, se inconsequente:
– Como pode a gente amar
quem não pode amar a gente!?
(DORINHA RABELO/RN)

Duas Trovas Premiadas

1994 > Niterói/RJ
Tema > MITO > Menção Especial

Esporte... ciência... arte...
no campo em que se apresente,
o mito, sempre que parte,
leva uma parte da gente...
(WALDIR NEVES/RJ)

Os sonhos que acalentei,
nos tempos de mocidade,
foram nuvens que soltei
no céu de minha saudade!
(MARIA CARRIÇO/RN)

Simplesmente Poesia

PEREGRINAÇÃO.
– José Lucas de Barros/RN –

Foi numa tarde de estio
que eu saí de mundo afora,
pagando caro, toda hora,
o meu louco desafio.
Fiquei longe do meu rio,
pelo qual meu peito chora.
Ai, campos de doce aurora,
de sol bonito e bravio!
Por esses dias tristonhos,
minha bagagem de sonhos
foi ficando pela estrada.
Salvei muitas esperanças,
mas, na mala das lembranças,
há tempos não cabe nada.

ROSEIRA PARAÍSO.
– Francisca Alves de Sousa/CE – (Dona Nêga)

Flor, ainda não acabaste de nascer
e já procuras colorir o teu viver,
com as cores da dor e da paixão.
Guarda teu perfume flor querida!
Ainda estás a um passo da vida.
Ainda és meia flor e meio botão.
Guarda teu amor feito em perfume
porque o espinho agudo do ciúme,
está juntinho de ti em tua haste.
Deixas que Deus escolha teus caminhos
para que não sintas a dor destes espinhos
que vivem a ferir por toda parte.
Esta é a voz da mamãe flor,
que de tanto dá o seu amor,
ficou presa na haste, entre os espinhos.
E hoje vive e espera com um sorriso
que tu sejas a Roseira Paraíso,
a florescer por todo o seu caminho.

Duas Trovas de Ademar

Para alcançar o perdão,
no reino da eternidade,
vão julgar meu coração
no Tribunal da verdade!
(ADEMAR MACEDO/RN)

Lágrima... Um rio dolente,
que num trajeto imperfeito,
afoga os risos da gente
nas margens sujas do leito...
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Tive culpa, não o nego.
Naquele primeiro abraço,
eu transformei em nó cego
o que era apenas um laço
(JOÃO PEREIRA DA SILVA/MG)

Saudade é uma dor ferida
cravada no coração,
quanto mais você remexe
mas ela aumenta a pressão,
matando devagarzinho
sem ter dó nem compaixão.
(JOSÉ ALBERTO COSTA/AL)

Estrofes dos Dias 10 e 11 de fevereiro

Uns nascem para ter sorte
outros pra levar açoite,
o viver da cor da noite
não lhe dá qualquer suporte.
Vivem só pedindo a morte,
tudo que faz dá errado.
Quando chove em seu roçado,
nasce joio, em vez de milho,
ó mãe! Pra que tanto filho?
devias ter abortado!...
(FRANCISCO MACEDO/RN)

Saudade é uma dor ferida
cravada no coração,
quanto mais você remexe
mas ela aumenta a pressão,
matando devagarzinho
sem ter dó nem compaixão.
(JOSÉ ALBERTO COSTA/AL)

Sonetos dos Dias 10 e 11 de fevereiro

Geraldo Amâncio/CE
EU QUERO

Eu quero o som de etéreas orações
nas catedrais da fé sedimentada,
e a crença pura em Deus sem ser atada
ao nó ferrenho das religiões.

Vaga-lumes flutuando em procissões
deixando a noite suave iluminada.
Eu quero arco-íris na manhã raiada
bordando a aurora com irradiações.

E depois de escutar pelas campinas
o sussurro das brisas matutinas
quero ouvir a heróica melodia

da canção libertária dos kilombos,
e placidez de um revoar de pombos
enchendo o céu de paz e de poesia.

– Geraldo Lyra/PE –
O ABRAÇO DO CRISTO REDENTOR.

O Cristo, com seus braços bem abertos,
abençoando o Rio de Janeiro,
faz o gesto de amor ao mundo inteiro,
da Patagônia aos longes dos desertos...

Porém, Salis/Di Caro, muito espertos,
nos dão o vídeo e abraço brasileiro,
pois, simboliza o Rio verdadeiro,
terra do Bem e dos destinos certos...

Emocionante cena de carinho,
a quem a Vê, com sua alma enternecida,
lembra de Deus - seus atos de ternuras

que devemos a todos do caminho,
nesta passagem breve a ser vivida,
como ensinou Jesus, nas Escrituras!

Fonte:
Ademar Macedo

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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Jorge Saraiva Anastácio (Maringá e o Pôr-do-Sol)


O por-do-sol de Maringá é um hino gracioso ao Senhor do Universo; um desafio à natureza morta e um poema indescritível aos olhos humanos.

O esplendor, em êxtase, se queda ao contemplar, no horizonte, o panorama da luta agressiva das trevas com os venábulos solares.

Verdadeiramente nesta hora crepuscular, em que a luz do dia se extingue paulatinamente, em um repto à arte humana, o coração dos telúricos se transborda em esperança e ideais, à espera dos devaneios, que envolvem o íntimo do espírito.

É a hora, sem dúvida, das reflexões, O momento em que a mente se mergulha no infinito das indagações, à busca de meios que deem soluções a problemas, aparentemente invencíveis aos seres racionais.

Mesmo assim, indiferente aos entes inteligentes, a auréola de luz vermelha se esmaece, dando um sentido de mutação às coisas; os pássaros procuram os ninhos; as plantas se contraem, como um desafio ao dia ou como se despedissem da claridade para o sono profundo e misterioso da noite.

Na manifestação desse fenômeno de estertor, tudo é silêncio: as folhas não farfalham; as aves não gorjeiam; os galhos não crepitam e a luz, símbolo da vida, cede ao arremesso violento das trevas. Já na ausência dos matizes solares, desponta a noite soberba e sôfrega, sob a magia das estrelas coruscantes, que geram estro aos poetas, deleitam as crianças, embriagam os filósofos e os cientistas do Cosmo.

Este é, pois, o crepúsculo vespertino maringaense, em cujo espaço terrestre a tarde e a noite se fundem em autêntico painel, cuja descrição nenhum artista poderá jamais reproduzir, seja pelo pincel da inteligência, seja com os recursos da Arte, por ser, a obra-prima da sabedoria do Criador.
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Sobre o Autor
Nascido em Rio Pomba, Minas Gerais, em 27 de maio de 1934. Professor Universitário da UFJF, aposentado, Advogado militante em comarcas mineiras. Contista, cronista, historiador, articulista e poeta.

Membro de entidades lítero-culturais, dentre as quais o Instituto Histórico Geográfico de Juiz de Fora/MG; Associação dos Escritores do Amazonas (ASSEAM); Ordem Brasileira dos Poetas e Poetisas Sonetistas (OBRAPS- Camaçari/Bahia); International “Writers and Artists Association”, de Bluffton/USA; “Membro Emérito” da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete/MG; Academia de Letras da Manchester Mineira; Academia de Poetas e Prosadores de Minas Gerais e Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias, de Brasília/DF.

Participa de várias antologias nacionais e estrangeiras. É Verbete no Directory Of International Writers and Artists,” de Bluffton/USA (1999) e do Dicionário Bibliográfico de Escritores Brasileiros Contemporâneos, Adrião Neto (1998). Possuidor de diversas medalhas de ouro, prata e bronze; destaque especial; certificados e de outros títulos honoríficos, conferidos por entidades literárias, por trabalhos literários em prova e verso.

Fontes:
- Texto extraído da Revista Tradição, cedida pelo seu editor, Jorge Fregadolli. Maringá,PR. Ano XXX - n. 336 - dezembro de 2010. p. 26.
- Biografia cedida pelo autor.

Daniel Campos (A Lenda do Sabiá)


Sabiá cantou lá na beira do rio. Passou água, passou flor, passou tábua de pescador... E o sorriso na boca do peixe namorador a correnteza levou. Levou pro lado de lá do mar de maré cheia. Ôo Oxumaré... Alumeia ô alumeia.

Sabiá cantou lá na beira do rio. Passou barquinho de papel, passou ingá, passou carinho de Iemanjá... E a estrela caída do céu a correnteza levou. Levou pra terra dos botos, dos brotos e das sereias. Eê rainha do mar... Entonteia.

Sabiá cantou lá na beira do rio. Passou chuva de corrupio, passou vento de assobio... E quando menina marilene chegou, uma sirene ordenou e a correnteza parou. Chegou com cabelo dourado e olhos alaranjados que até o velho sabiá, gaguejou: Eê Oxum... Vê se me ajuda a voar.

Sabiá cantou lá na beira, o rio virou... E as flores, os barquinhos e os ninhos voltaram do mar. E veio até cavalo marinho cavalgando de lá. Veio arraia, veio golfinho, veio conchinha só pra enfeitar o vestido de louça da moça de corpo rosa chá. Ah! Oxossi abre os caminhos do bosque... O amor vai chegar.

Sabiá voou e cantou em dó flechado por um pataxó, ou por um guarani ou por um cupido carimbó. Sabiá caiu no rio e sumiu num fio de luar pra mó de nunca mais voltar. Tudo porque a menina entrou no rio de vestido branco balonê e se engravidou do canto daquelas águas como quem diz: E baluaê... O amor há de vingar. Eê Xangô... Vê se me devolve pro ar.

O céu desvirginou quando a menina cantou na beira do rio. Sol relampejou, lua trovejou e o rio transbordou. E o destino de cá e de acolá, junto do lá do sabiá, a correnteza carregou. Menina deitou, dormiu, sonhou nos braços de um tempo que, de tanto amor, pecou. Ôo Oxalá... Clareia seu candiá que o dia serenou.

O rio se levantou e alecrins, cupidos, querubins, gemidos sustenidos e passarins passaram num bloco de ganzá enquanto o mundo passava em marilene ma ri lê neá. E eram arlequins e colombinas em línguas de serpentina sem começo e sem fim. Eê Iansã... Cadê a manhã, cadê o perfume de jasmim, cadê o ciúme da maçã?

Lua cheia sangrou e o mundo chorou nas mãos da parteira que a correnteza carregou pra beira. E do ventre poente daquela menina raiou o amor ardente do canto do sabiá. Oô axé Oxumaré! O di lá, saravá rei Oxalá! E quem nasceu cresceu amou voou sonhou cantou na areia do rio. Oô menina, rainha do mar, incendeia.

Sabiá cantou lá na beira do rio. Passou água, passou flor, passou tábua de pescador... E o sorriso na boca do peixe namorador a correnteza levou. Levou pro lado de lá do mar de maré cheia. Ôo Oxumaré... Alumeia ô alumeia.

Fonte:
http://www.danielcampos.biz/textos/exibe/linhas/a-lenda-do-sabia

Efigênia Coutinho (Deixa Acontecer...)


Na conjunção da vida, quero te falar.
Falar coisas que vêm do meu coração
E como o vento eu quero te acariciar,
Quero te tocar com suave emoção.

Quero o meu sentimento te oferecer.
E no teu dia - a – dia sob o Sol de verão,
Sentir o teu cheiro em cada amanhecer,
Deixar-me viver um lindo sonho de sedução.

Quero fazer um ninho em teu pensamento
E respirar a brisa que acaricia o teu sorriso.
Quero ouvir suave a voz de teu sentimento,
Para eu sentir todo o sabor de teu paraíso.

Quero sentir tua pele a minha pele tocar,
Descobrir que o tempo será nosso aliado
E numa troca de desejos nos fará delirar,
Deixando acontecer este sonho dourado.

Fonte:
A autora

Aparecido Raimundo de Souza (Promessa)


O teu olhar me enleva
e me leva
para o mundo
encantado
dos sonhos
realizados.

O teu olhar
completa
o meu olhar
o espaço
o tempo
os corpos
desaparecem
e tudo
é perfeito
ao fitar
o teu olhar.

A promessa
do teu olhar
expressa
a promessa
do meu olhar
e desejo
que entendas
como eu entendo
o que falamos
ou deixamos
de falar
pelo olhar.

A promessa do teu olhar
faz-me ver
o paraíso
na Terra
o teu olhar
que se estende
ao meu olhar
se funde
na promessa
de um olhar terno
e belo.

Meu olhar
queda-se
no teu olhar
e vive por um momento
lampejos de luz
que aquecem
vibram
e antevêem
o ardor
de uma paixão
vindoura
que agora
é só promessa.

Fonte:
O Autor

Roberto Pinheiro Acruche (Meus Poemas n. 9)


OBRA DIVINA

Veja Amor, como é linda esta paisagem!
A luz dourada do sol sobre a mata,
a água cristalina da cascata...
Indescritível, tal uma miragem.

Olhe aquelas árvores, que beleza!...
Esta vastidão plena, tão florida,
exuberantemente colorida,
climatizada pela natureza.

Cenário encantador, impressionante!
Harmoniosamente perfumante,
modulado com a magia do amor...

Minudenciosamente preciso,
somente quem criou o paraíso
adviria... ser seu escultor!

ABSTINENTE

O que mais ambicionas que eu faça
para receber de ti o que sonho?
Vendo-te tão reservada, suponho...
Que nessa união, não sintas mais graça.
Por que insistes negar-me o teu carinho
se a ti me entrego com amor e ternura,
e deixas-me sentir a desventura
de estar só, mesmo não estando sozinho?

Imploro teu amor... e abstinente...
Já rezei, chorei, pedi pôr favor...
Contudo persistes indiferente.

Rejeitado, vou padecendo a dor,
aprisionado por este amor,
transformado num pedaço de gente!

PALHAÇO

Eu sou palhaço!
Eu sou palhaço!...
Você na está vendo?
Eu sou o palhaço que brinca,
que ri e que chora!

Brinco porque tenho alma de criança,
divirto pelo prazer de fazer sorrir...
De fazer sorrir a criança alegre,
a criança triste,
a criança que tem e a que não tem brinquedo.

Mas eu também choro!
Eu choro!...
Eu choro pela criança abandonada,
pela criança que sofre,
pela criança maltratada,
pela criança que tem fome,
pela criança incompreendida,
pela criança violentada.

Mas eu continuo palhaço
da cara pintada
fazendo dá risada.

Eu tenho que alegrar a criançada!
Viva... Eu sou palhaço, no circo
ou aqui fora,
não importa o lugar e a hora,
eu sou o palhaço
que brinca, que ri e que chora.

CONTRA PONTO

Quando a saudade aperta
e o ciúme rasga o coração,
entre a raiva e a paixão...
travado no silêncio,
no momento mais forte
da imaginação...
Xingo-te, injurio-te,
ofendo-te com as mais agressivas
e insultuosas palavras.
Chamo-te, de cortesã,
devassa, meretriz,
safada, ordinária, vadia...
Mas quando me procuras
enlouquecida de desejo...
atiro-me em teus braços,
te abraço, te beijo
chamo-te de paixão
mulher da minha vida...
e entrego-me as volúpias
do teu amor;
e no desagravo
deixo de ser senhor
para ser teu escravo,
servil e devotado amante
acorrentado aos teus desejos.

POEMA PARA O MEU AMOR
Em você encontro a paz
a ternura que me satisfaz.

Em você encontro o perfume
das flores, o calor da paixão
e o ardor do ciúme.

Os seus lábios rosados,
as vezes pintados de carmim,
tão sedosos e formosos
são como as flores do alecrim.

Você é o meu aconchego,
minha inspiração,
a razão dos meus sonhos,
minha vitória, meu troféu,
a estrela do meu céu.

Você é minha alegria,
meus versos, minha poesia,
a melodia da minha cantiga,
o amor da minha vida.

Fonte:
O Autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.120 e 121)


Duas Trovas Nacionais

Sê bondoso e destemido,
vigilante em teus caminhos.
Se não queres ser ferido,
evita plantar espinhos!
(FLÁVIO STEFANI/RS)

Uma Coisinha de nada
sintetiza imensa dor:
a florzinha abandonada
saudosa de um beija-flor!
(JEANETTE DE CNOP/PR)

Duas Trovas Potiguares

Em meio a pessoas loucas,
de tristeza eu me inundo.
Lembro então como são poucas
as alegrias do mundo.
(CLÉA REVOREDO/RN)

Em cada conto, que conto,
conto somente o que é meu,
e, dessa conta, eu desconto,
tudo aquilo que for seu.
(MARCOS MEDEIROS/RN)

Duas Trovas Premiadas

2008 > Bandeirantes/PR
Tema: AUDÁCIA - Menção Especial

Tem, do herói, santo ou profeta

- em meio às guerras e à dor –

a mesma audácia, o poeta

que teima em falar de amor!

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA – SP


2000 > Niterói/RJ
Tema > DELÍRIO > Menção Honrosa

Quando a ilusão me conclama
a esperar por quem não vem,
eu deliro... e, em minha cama,
beijo o lençol... sem ninguém...
(PEDRO MELO/SP)

Simplesmente Poesia

– Graça Graúna/RN –
MIRAGENS.

À meia luz
escudados nos sonhos
despistaram o medo de amar
e só diante do espelho admitiram
que a nudez é um perigo
capaz de intimidar o Amor
...depois do amor a espera
sem pressa, sem dor
depois do amor
o desejo natural
de repousar entre lençóis
e continuar a loucura
que não se vê em jornais.
Escudados nos sonhos
beberam a angústia do ser
na boca molhada de suor e sexo
seguindo o infinito
neste sopro de adeus...

– Ferreira Gullar/MA –
INSETO

Um inseto é mais complexo que um poema
Não tem autor
Move-o uma obscura energia
Um inseto é mais complexo que uma hidrelétrica
Também mais complexo
que uma hidrelétrica
é um poema
(menos complexo que um inseto)
e pode às vezes
(o poema)
com sua energia
iluminar a avenida
ou quem sabe
uma vida.

Duas Trovas de Ademar

Se me encontrares sozinho,
e, se nos tornarmos nós...
Mato você de carinho
debaixo dos meus lençóis!
(ADEMAR MACEDO/RN)

Um monumento de luz
fez-se em mim arquitetado
na mensagem que Jesus
disse, ao ser crucificado.
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

As coisas simples, modestas,
encerram saber profundo.
Nasceu, sem plumas e festas,
o Maior Homem do mundo!
(LUCY SOTHER ROCHA/MG)

Eu serei a vida inteira
por você, o que quiser...
esposa, mãe, companheira,
ou, simplesmente, mulher!
(MARIA DOLORES PAIXÃO/MG)

Duas Estrofes dos Dias 8 e 9 de fevereiro

Corre um gato miando numa bica,
ferve um bule com chá de capim santo,
a cantiga de um galo em cada canto,
a fumaça de um prato de canjica,
um cachorro medroso se estica,
benzedeira curando mal olhado,
um frangote caçôa admirado
de um matuto que puxa uma marrã;
quando o sol beija a face da manhã
o sertão vira um reino encantado.
(HÉLIO CRISANTO/RN)

Uma vaca no curral
lambendo o bezerro novo,
um tejo bebendo ovo
escondido no quintal;
uma tramela de pau
é a tranca do portão,
mulher catando algodão
vaqueiro entrando no mato;
tudo isso é o retrato
das coisas do meu sertão.
(LUCAS CORREIA/CE)

Dois Soneto dos Dias 8 e 9 de fevereiro

– Darly O. Barros/SP –
CANTARES

Meu estro, qual estertorante fio
lodoso, a rastejar por um deserto,
vacila, em aceitar o desafio
das folhas brancas de um caderno aberto...

- Hesitação não é do teu feitio,
faze sonora a pena que te oferto,
quero-a vibrante, como a voz de um rio,
que tem, no mar, o seu destino certo;

mas, te lembrando , sempre, que és poeta,
que dês à voz a entonação correta
quando de paz falares, vai, avança,

leva o teu canto a todos os lugares
e, que ao dulçor do som dos teus cantares,
o mundo colha um sopro de esperança!

– Dorothy Jansson Moretti/SP –
FOLHA NA TEMPESTADE

A tarde é fria e escura. Do céu turbulento,
a chuva, em grossos fios, cai sobre as calçadas,
e os carros, pela rua, em louco movimento,
espirram, sem consciência, as águas empoçadas.

Fugindo ao temporal, pessoas apressadas
inconscientes, também, sem parar um momento,
ignoram ao passar, entanguidas, geladas,
duas crianças sós, sem o mínimo alento.

Acaso importa a alguém que o vento instigue ou tolha,
ou leve a qualquer lado as folhas arrancadas?
A criança de rua é também uma folha

arremessada ao vento, em plena tempestade...
E há de rolar sozinha até quando a recolha
o carinho de alguém... e de um lar de verdade.

Fonte:
Ademar Macedo

Tania Montandon (A Poesia na Arte Moderna e suas Interfaces)

Tania Montandon pintando
As portas tremem vendo-a chegar mais uma vez. O céu está lindo, a cabeça vazia, o coração capotando, taquicardia...

Um mundo, um submundo, uma sociedade, um lugar pros excluídos. Vida! O que é isso? Um dom, uma magia, uma música sem melodia única, mas múltipla, enquanto respira e percebe quão menos sabe e a que se destinara...

Toda inovação em arte, como reconhecia Wordsworth, implica mudanças sociais. A revolução permanente assegura a posição em que se encontra até que o corpo volte à terra e nela desapareça misturada a ossos de homens e bestas, talos de plantas, folhas de trigo e esterco.

Curiosa análise de Piet Mondrian:

"No futuro, a realização do puramente escultórico na realidade palpável substituirá a obra de arte, pois não precisaremos quadros, já que vivemos no meio da arte realizada."

Quanto mais a vida se desequilibra, mais se demanda a arte.

A arte moderna nasce no meio da revolução oposta àquela arte que já não quer ser, da substância e do espírito da antiga e eterna arte, via sublimação, transformação artística de pensamentos, considerações e formas novas. Descoberta de outras ordens de fenômenos, aperfeiçoamento do verso, poder criador da imaginação poética, força das palavras e realidades vivas, concretas além de abstrações teóricas.

A liberdade angustiada diante tantas repressões da cultura leva à eclosão do rio ocluso de longas águas agitadas e posses particulares da essência transbordante, predispondo a se fazer o que mais não se desejaria fazer, boicote do desejo vital do sujeito como ataque impulsivo ao desejo repressor do Outro.

A palavra é a portadora da mensagem dos interesses supremos do espírito à consciência.

astro de nervo e ocluso vento
em diálogo diáfano do sanguíneo catavento
hipógrifo violento
que consiste, emparelhados com o vento,
os gestos e as vozes,
os olhares e a vida,
para dentro e para fora, intransponível
A luz se comunica
pois que é força !
Que o temor se multiplique!
todos os gestos do eu e de fora
para um e outro lado abrindo espantos
em deserto monte,
quando se parte o sol a outro horizonte
musicalmente estranha de vendaval em si
garra de fogo a violentar montanhas
cega e desesperada
baixarei a aspereza emaranhada

Palavras são signos das representações do espírito.

"O extremo limite de toda a especulação sobre a natureza da poesia, sua essência, pertence ao campo da estética, e não concerne a poeta e crítico de preparação tão limitada quanto eu." (Thomas Eliot)

O poema se faz pelo discurso e imagem poética e usa ritmo, harmonia, rima, combinação de palavras... O poeta substitui as formas espirituais pelas formas sensíveis: imagens, intuição, sensação...

A palavra direta dá ao objeto só o caráter concreto. Para se alcançar o sentido poético necessita-se juntar ao termo algo que possibilite a visão de uma imagem figurada. A palavra se transfigura na poesia.

Sentimento

Há conforto, amor, abundância na linda casa
Tanta miséria, fome, carência na favela
Novas ondas de vida palpitam em meu coração
Um amigo secreto surge na oportuna ocasião

Desmerecida do conhecido, margem do avesso
Outra paisagem é benquista, atiça o desejo
Sensações carnais, anseios angelicais
Adentram a subjetividade, talvez sejam vitais

O espelho mostra as marcas do já feito, feio
O desejo mostra o anseio pelo novo, insatisfeito
Áspera lida de esperanças emaranhadas
Algo desperta novas notas em vendaval, estranhadas

"Não é a coisa em si mesma ou sua existência prática, senão a imagem e o discurso o que constitui como o núcleo central do poema."
(Hegel, fonte de todas teorias da expressão poética moderna, mesmo aquelas que se colocam em oposição a ele)

Que peso tem a brisa sentida
Na grade fria da janela
Montanha de dor chorando no verão
Imensa é a coroa de espinhos sobre ela
A impor, canhestra, sua simbolização.

A paixão mística é a exaltação e a negação da vontade, a mortificação.

Para saber tudo, deves não querer saber algo em nada.

Solitário, o morto ascende à montanha da dor original.
E nem uma só vez seu passo ressoa no destino insonoro.

Mas se os infinitamente mortos despertassem em símbolo,
Em nós, olhai, mostrariam talvez os engastes pendentes
Das aveleiras vazias, ou a chuva que cai
Sobre o reino obscuro da terra em primazia

Na venturosa ascensão,
Sentiríamos uma ternura enorme
Perturbadora, misteriosa
Quase o cair da felicidade

No alto, as fumaças recém-nascidas
Estrelas seriam no país da dor
Luzidia lamentação revelando nomes:
Do que não é, não foi, não será jamais.

A mente convoca quaisquer mundos caprichosos e variáveis
Afeiçoa-se a ele ou o muda, onipotente
Pode o convocar ou o banir à sua mercê
.

O organismo biológico tende sempre à preservação da vida e da espécie humana. Porém a mente é tão complexa e possui poderes desconhecidos a ponto de conseguir enganar o próprio ser em sua ambiciosa busca para satisfazer a escorregadia falta infinita até conseguir com que se deseje a própria extinção, esquecendo-se que ansiar é o próprio viver.

Não há por que ter que saber ao que se anseia, a ânsia basta assim como a vida. Ambas terminam juntas, como duramente descobrira Buda. Conhecer e aprender a lidar com a ansiedade talvez seja a chave para uma vida sábia.

Fonte:
Carlos Leite Ribeiro/Iara Melo. Portal CEN.

Lívio (Poesias Avulsas)


De Lívio, um anjo poeta. Psicografia: Maju
––––––––––––––––––––––
AH! DEIXA-ME SOMENTE SONHAR...

De escudeiro a lacaio me transportei,
à servir a mulher que tanto amei!
Minhas mãos oferecia para teus pés firmar,
quando em belos corcéis ias montar...

Nelas pisavas, antes de na relva macia e escorregadia,
começares a cavalgar...
A seiva do verde mato escorria, como fazias,
quando partias e meu coração deixavas
também a chorar...

A relva macia molhava as patas dos bravos cavalos,
que mansos se tornavam...
Também te amavam!...
E como os dominavas...
Ias em seu dorso montada,
até onde o Céu e o Mar se encontravam...

Ver a tarde se escoar; ali então lágrimas vertias;
Brilhavam a luz do luar,
a clarear a estrada por onde eu deveria chegar...
Como te entendia!...
Queria me amar e contigo também me levar...

Mas sabias! Nesta vida, permitido ainda não era te amar...
Olhava tristonho tua partida, pois sabia onde ias...
Seria onde a mata entrega seus filhos noturnos a piar!
E Sonhava...

Pois sabia que um dia ocultamente te seguiria...
Iria nas batidas do teu coração...
Pequeno então me faria, para em teu colo me ocultar,
e sentir o teu respirar...

Sofreríamos, quando à tarde lânguida se despedisse
e pedisse para a noite chegar...
Eu deveria retornar...
Um servo deve sua dama em seu lugar esperar...
Sua volta, aguardar...

Ah! Deixa-me somente sonhar!
O clarear de um trovão, mais uma vez me chamou a atenção!
Um passado relampejou e me chamou a razão!
Um duelo ao longe se fazia...

Alguém dizia!
E uma voz em minha mente se fez presente!
Em duelo, uma vida perdestes...
Uma outra vida deves escalar,
para em outra tua amada encontrar...

Mais uma vez separado, dela vais sofrer!
Teu destino vais entender...
São degraus! Sevem subir e ao alto chegar,
para lá se encontrarem...
Outras alturas galgarem
e a um Novo Mundo um dia chegarem...

Compreendi, que ainda nesta vida,
me pertencer livremente, não podias...
Te vi retornando e eu te esperando,
para do belo corcel descer, e agora te oferecer
não somente a mão,
mas também, meu coração...

Um dia, juntos estaremos...

VOCÊ

Afasto a Pedra do Meu Sepulcro Interno
Deixo o Corpo, Libero a Alma
Desfaço as Dunas Das Saudades
Criadas Pelas Monções das Ilusões

Foi Preciso que de Ti eu Me Ausentasse
De Mim te Libertasse
E Seguisse Livre.....
Solto ....

Foi Preciso Rasgar o Rótulo do Meu Ser
Vooar Pela Vida um Vôo Livre...
Sem Algemas...

Deixar de Ser Apenas um Alguém
Que Traz Impresso Na Alma,Coração e Mente
Somente
Você....

Apago Agora a Minha Imagem
Sou o Começo e o Fim de uma Estrada
Que Segue Com Mêdo
De Tanto Amar
Você...

A CIGANA

Certo dia, vi tuas mãos, as minhas prendendo...
Teus lábios docemente beijando...
Dizias um desejo ter; pr’a sempre entre as minhas, as tuas ficar...
Em Toques Mágicos, teus dedos, nos meus deslizavam...
Pareciam escalar montanhas, descer em profundos vales,
E como piratas, ir aos mais profundos e distantes mares...

Queriam se aventurar, mistérios decifras...
Eles sabiam quando deviam seguir, para ou afagar...
Se aventurar; mistérios decifrar...
Nessa escalada, entorpecestes os meus sentidos,
E minhas mãos confiantes, obedientes se entregavam...
Descortinando minhas emoções,
senti o seu oculto desejo, em me seduzir...

Duvidavas das minhas emoções;
Brincavas com os meus sentimentos e como cigana,
saias feiticeira a bailar...
Sem saber, que as linhas das minhas, são as mesmas das tuas mãos!
Elas marcam as mesmas encruzilhadas,
subidas, descidas, chegadas e partidas.
com a mesma hora prevista; marcada...

Os mesmos encontros, desencontros... A mesma Paixão.
Minhas mãos falam por ti, não precisas explorar...
São as mesmas linhas do Destino, a se encontrar.
Já estão presas, mas, deixo-as entre as tuas a pensares...
Que sou mais uma conquista tua!

Te enganastes minha Cigana, no querer me enganar...
Olhe Tuas Mãos... Toque-As...
Estás a Ti, em Mim a Descobrir...
Sou Teu... És Minha...
Iguais num Só Destino...

O SONHO DE UM POETA

Era uma tarde linda de primavera e o poeta se manifestou tranqüilo!
Pousando levemente a destra em sua pena de nuances prateadas,
como seus primeiros fios de cabelos brancos, reluzentes à luz do luar,
parou o “moiço” poeta a meditar: Tão moço e tão só!

Triste sina a sua...
Porque deveria então pensar, em noites de luar...
Nenhum romance a lhe esperar... Nenhuma esposa...
Mal conquistara a liberdade de usufruir desta regalia...
A de ser um poeta abandonado em noite de luar...

O que faz um homem olhar o luar e sonhar
o Amor de uma Mulher, mesmo que ela não tenha nascido ainda...
Mesmo que em seus sonhos nada se realize, mas mentaliza, que existe!...
Pior que Sofrer de Amor é Sofrer Sem Amor...

A Lua não lhe fala nada; a brisa não imita a amada
a soltar-lhe as madeixas de seus cabelos...
Nem mão a acariciar-lhe a fronte...
Mas, não sente falta disto; nunca amou...

Então porque este “moiço” poeta está a questionar?
Se nem chorar pode por alguém, pois nunca teve amor...

Moça:
As Almas sempre esperam por alguém que lhe completem a existência...

É o Sonho do Poeta, para que suas penas tracem
a trajetória de sua amada, pintando em letras douradas,
em páginas coloridas o traço de uma Alma Apaixonada...
É o Sonho de um Poeta Louco, que lhe enalteça um pouco a Alma...
Este pobre “moiço” loiro...

Fonte:
http://mjsv.no.comunidades.net/

Machado de Assis (Análise dos Contos de “Várias Histórias”: 11. Mariana )



Análise de Sonia Maribel Muñoz Croveto (UFSC), sob o título Entre a (des)leitura e a (des)escrita: o duplo conto Mariana
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“A leitura é uma ‘desescrita’ assim como a escrita é uma desleitura”.
Harold Bloom (1995, p.15)

Nas palavras de Harold Bloom encontro o principal deslinde para a seguinte leitura ou desleitura do conto Mariana de Machado de Assis. O fazer e desfazer, a escrita e desescrita, que se opera no duplo registro narrativo machadiano: o conto Mariana (1871), publicado no Jornal de Famílias, e o conto Mariana (1891), do livro Várias Histórias.

Os dois relatos, ainda que separados pelo tempo, se entrecruzam, imbricam e amalgamam configurando uma espécie de refração e desdobramento do tecido textual que remete às categorias de repetição e diferença, “não só em sua mais abstrata reflexão como também em suas técnicas efetivas” (DELEUZE, 1988, p. 15). [Deleuze (1988, p. 15), ao explorar a repetição e a diferença, coloca como uma das justificativas que, a arte do romance moderno contemporâneo gira em torno dessas duas categorias, a nível concreto e abstrato, a técnica e a reflexão.]

A repetição, a partir da definição de Deleuze (1988, p. 428), a considero como a ação que “coloca o conceito fora de si e faz com que ele exista em outros exemplares”. Essa existência multiplicada registra-se através do “deslocamento e do disfarce”, o que delineia ou demarca, em simultâneo, a construção da diferença. Essas categorias, na acepção utilizada, conjugam-se com a terminologia de desleitura e desescrita, que tem sua base na noção de influência, mas fora do sentido tradicional “da passagem de imagens e de idéias” de escritores para seus sucessores. A influência, como a concebe Bloom (1995, p. 15), “significa que não existem textos, apenas relações entre os textos”.

Em decorrência, a influência poética “depende de um ato crítico, uma desleitura ou desapropriação, que um poema exerce sobre outro” (BLOOM, 1995, p. 15): repetição e diferença. A proposta deste trabalho é demonstrar como se produz a desleitura e desescrita de Mariana sobre Mariana e, por conseguinte, de Machado de Assis sobre Machado de Assis.

Esta travessia inicia-se com o jogo dialético, os encontros e desencontros; prossegue com a busca das dobras do tecido textual, o disfarce histórico detrás da vida privada; e termina com a desmontagem da trama: o dizer e o desdizer, pêndulo que se movimenta entre a farsa e a tragédia.

Encontros e desencontros

No conto de 1871, Mariana é uma escrava, namorada do senhor da casa, que se suicida ante a impossibilidade desse amor. No conto de Várias Histórias, Mariana é uma mulher branca, casada, que tem uma relação extraconjugal e que, ao ser abandonada pelo amante, tenta suicidar-se, mas é salva pela mãe.

A Mariana negra surge na escrita como uma moça obediente para depois, transformar-se em uma cativa incontrolável. A Mariana branca, em um início, é uma mulher revoltada, que quebra o voto do matrimônio, mas ao final, converte-se em esposa exemplar. Ambas compartilham a metamorfose do eu, mas em sentido inverso. [A escrava Mariana lembra a cativa Sabina, personagem principal do poema do mesmo nome que Machado (1994, p. 140-145) publicou no livro de poemas Americanas (1875). Sabina, grávida, se suicida ao saber que Otávio, o moço da casa e pai do filho que esperava, havia-se casado. Sabina, como Mariana, havia sido criada na casa grande.]

As duas narrativas têm como eixo principal, pelo menos na parte superficial, o que se poderia denominar na época, uma relação “amorosa imprópria”. É aí a primeira unidade das histórias. E, também, o primeiro jogo dialético com respeito às personagens: branca/negra, livre/cativa, subordinação/ insubordinação e vida/morte,

O segundo encontro/desencontro registra-se no tempo-histórico. O primeiro conto não consigna nenhuma data, salvo o ano de publicação janeiro de 1871, no Jornal de Famílias. Essa data poderia servir de parâmetro para situar a história em 1871. Esse seria o ano de retorno de Macedo, o narrador, depois de 15 anos na Europa.

O segundo conto desborda-se de datas. Poder-se-ia dizer que tem seu ponto de partida em 1872, quando Evaristo, o amante da Mariana branca, parte a Europa. E só retorna em 1890. E não por uma questão de amor, senão de curiosidade: queria saber o que tinha acontecido no Brasil em novembro de 1889.

Ao se comparar o ano de início de ambas narrativas com a história do Brasil, contextualiza-se que, em 1871, se tinha o debate político da lei de libertação dos escravos. Aí se apresenta outra ambivalência. Macedo retorna ao Brasil antes da sanção da lei que dava liberdade aos filhos dos escravos e Evaristo parte após da aprovação.

Como se observa, o tempo histórico narrativo é antagônico e de continuação: onde termina uma história, começa a outra. Aqui outra vez o jogo dialético: inicio/fim, datas/sem datas, escravidão/libertação. E outra unidade: Macedo e Evaristo retornam de uma viagem/exílio na Europa, mas só de visita.

As diferenças e semelhanças, também, se apresentam no caso do narrador e sua relação com o conflito amoroso. No conto de 1871, o narrador, Macedo, começa o relato em primeira pessoa para depois introduzir a história de seu amigo Coutinho com a escrava Mariana, acentuando que a moça era tratada como filha e não cativa.

Macedo descreve um Coutinho perplexo e comovido pela paixão que tinha despertado na jovem escrava. O suicídio de Mariana ocasiona a metamorfose de Coutinho: a redescoberta e afloração de um outro eu. Quinze anos depois desse fato, em 1871, é a voz desse outro Coutinho, surgido na dor, que confessa aos amigos: Creio que posso dizer ainda hoje que todas as mulheres de quem tenho sido amado, nenhuma me amou mais do que aquela. Sem alimentar-se de nenhuma esperança, entregou-se alegremente ao fogo do martírio; amor obscuro, silencioso, desesperado, inspirando o riso ou a indignação, mas no fundo amor imenso e profundo, sincero e inalterável (MACHADO, 1994, p. 783).

A declaração de Coutinho foge das convenções sociais, mas na escrita não desperta nenhuma voz de censura, pelo contrário percebe-se um ambiente de solidariedade entre os amigos, sobretudo quando o narrador acentua que o relato “foi ouvido com tristeza por todos”. Essa tristeza teria suas raízes na luta abolicionista?

No conto Mariana, de Várias Histórias, não existe relação entre o narrador e os personagens. O narrador parece ser um espectador que segue a Evaristo, mas é um observador que se movimenta entre o real e o irreal, o passado e o presente, o interno e o externo, mergulhando na psique dos autores do drama.

O deslocamento do mundo real produz-se no momento que Evaristo espera ser recebido por Mariana. Ao olhar o retrato da moça, “com seus lindos olhos redondos enamorados”, Evaristo o desdobra, reproduzindo uma antiga cena de amor. Mariana adquire, assim, forma real. Desprende-se do retrato e reúne-se com o amante:

[...] vagarosamente, Mariana desceu da tela e da moldura, e veio sentar-se defronte de Evaristo, inclinou-se, estendeu os braços sobre os joelhos e abriu as mãos. Evaristo entregou-lhes as suas, e as quatro apertaram-se cordialmente (MACHADO, 1994, p. 543).

Esta imagem machadiana traz reminiscências do conto O Retrato (1832), de Nikolai Gogol. Na história russa, Chartkov, protagonista do relato, compra o retrato de um ancião impressionado por seus olhos vivazes, “uns olhos onde o artista parecia ter concentrado toda a força do pincel e toda a habilidade” (GOGOL, 1955, p. 641).

Dias depois, Chartkov viu, com horror, “o ancião se mover e se apoiar com as mãos na moldura”, de imediato “se endereçar, esticar as pernas e pular fora” (GOGOL, 1955, p. 649). Como Mariana, o velho abandona o retrato. A experiência desperta dúvida em Chartkov: “Talvez não fosse só um sonho ou um delírio, senão uma autêntica visão” (GOGOL, 1955, p. 652).

Aí a diferença de Chartkov com Evaristo. Chartkov é incapaz de separar a realidade da fantasia, Evaristo, por sua parte, reconhece e assume a duplicidade da percepção. Ele desempenha, ao mesmo tempo, a função de testemunha e protagonista da história. Não se perde nos caminhos da imaginação.

A presença desse duplo consciente poderia ser interpretada em palavras de Derrida (Apud ROSSET, 1998, p. 101), como “a eterna ausência de um presente verdadeiro”. Para Evaristo, o passado seria a imagem original que dispensa qualquer outra. Essa imagem, origem do drama, ressurge dezoito anos depois da separação forçada.

A eterna repetição desse passado, que absorve o presente, registra-se quando o narrador descreve o encontro furtivo entre Evaristo e Mariana, em 1872, e que se vivencia como se fosse hoje:

Nenhum perguntou nada que se referisse ao passado, porque ainda não havia passado; ambos estavam no presente, as horas tinham parado, tão instantâneas e tão fixas, que pareciam haver sido ensaiadas na véspera para esta representação única e interminável. Todos os relógios da cidade e do mundo quebraram discretamente as cordas, e todos os relojoeiros trocaram de ofício (MACHADO, 1994, p. 543-544).

A atmosfera romântica, o passado que se repete, se dilui no cenário real. Mariana parece ter esquecido o passado. No tempo real, ela é uma devota esposa no leito agonizante do marido e depois, uma viúva que sofre até o delírio. Ao final, o encontro entre os ex-amantes será breve e indiferente, como dois estranhos.

O narrador do conto Mariana, de 1871, apresenta dois personagens marcados pela emoção; em contraposição, o narrador do conto Mariana, de Várias Histórias, mostra dois seres marcados pela razão. Coutinho nunca se recupera do suicídio da moça, Evaristo se recupera com facilidade da separação na Europa. A ambivalência no plano psicológico se produz, também, na construção da imagem de Mariana. Enquanto Coutinho constrói a imagem idealizada da Mariana negra e expressa remorso pelo suicídio da escrava, Evaristo desconstrói a imagem idealizada da Mariana branca e libera-se do remorso da infidelidade.

O antagonismo do narrador permite reconstruir o terceiro jogo dialético quecimenta a arquitetura textual: conhecido/desconhecido, emocional/racional, ilusão/desilusão, ficção/realidade. E até o dualismo que se registra na posição do olhar: um retorna da Europa e o outro, aparentemente, nunca saiu do Brasil.

As duas histórias são como dois pólos opostos unidos pela força de contrários. Na contradição – narrador, tempo e personagem – funda-se as bases da inter-relação de um tecido textual com o outro. Como se cada relato fosse uma face do outro. Repetição e diferença. Desleitura e desescrita. Essa unidade que se configura e complementa na oposição reflete-se, também, no viés encoberto da narrativa. Como apontei no início, de forma superficial, os dois contos seriam duas faces opostas de uma mesma temática: um caso de amor, que funciona como disfarce do eixo central que seria o questionamento da sociedade brasileira.

O disfarce histórico

Este segundo momento está influenciado pelo olhar de John Gledson. Para o pesquisador, os romances machadianos, “como um todo, pretendem transmitir grandes e importantes verdades históricas”. Segundo Gledson (1986, p. 17), no período de 1871 e 1894, Machado “mostra a impossibilidade de um Brasil em beneficio de seu povo”.

Seguindo esse caminho, ao retirar a máscara do fracasso amoroso, tem-se que a primeira história esconde/expõe o tema da escravidão e a segunda esconde/expõe o drama da Monarquia e a República. A micro-história funciona como protótipo e projetor da macro-história. A história individual encerra o drama nacional.

Machado parece ter escrito dois contos em cada um deles. Em cada narrativa há uma relato paralelo, um registro histórico encoberto, dois corpos de palavras que convidam a uma autopsia histórico-literária, a entrecruzar a História e a Literatura, para compreender a dobras da escrita machadiana.

O narrador do conto Mariana, de 1871, fica impressionado com as mudanças arquitetônicas e comerciais do Brasil durante os últimos 15 anos: Achei mudado o nosso Rio de Janeiro, e mudado para melhor. O jardim do Rocio, o boulevard Carceller, cinco ou seis hotéis novos, novos prédios, grande movimento comercial e popular [...] (MACHADO, 1994, p.771).

O historiador Cruz Costa (1989, p. 23) confirma a visão do narrador, quando refere que, de 1850 a 1870, o Brasil “passou por grandes transformações. Surgiram as estradas de ferro, o telégrafo e as primeiras indústrias”. No texto, a modernidade vai funcionar como contrapeso ou antítese de outra realidade.

Essa outra realidade transpassa a superfície. É uma radiografia da sociedade, na alma humana. O êxtase do narrador pelo desenvolvimento urbano, desloca-se para mostrar sua desilusão com a vida dos amigos, alguns deles ligados ao governo. A voz narrativa não faz distinção entre uns e outros:

Alguns amigos tinham morrido, outros estavam casados, outros viúvos. Quatro ou cinco tinham-se feito homens públicos, e um deles acabava de ser ministro de Estado. Sobre todos eles pesavam quinze anos de desilusões e cansaço. Eu, entretanto, vinha tão moço como fora, não no rosto e nos cabelos, que começavam a embranquecer, mas na alma e no coração que estavam em flor (MACHADO, 1994, p. 771).

Note-se a remarcação que faz ao falar de “quinze anos de desilusões e cansaço” que se pode estender à estrutura social do país. A cidade tinha trocado na parte exterior, mas no interior, na essência, seguia sendo a mesma cidade ancorada no tempo da escravidão, sistema político já “superado” na Europa.

Essa leitura desprende-se da perspicácia do narrador ao introduzir um “caso de amor” para falar da escravidão. Nas dobras do tecido textual registra-se a insubordinação de Mariana e o “projeto romântico” de alguns senhores de escravos de dar liberdade os cativos, o que pode fazer desse relato um conto de traços abolicionistas.

Coutinho, o escravista, olha a Marina como um ser humano, a despoja de sua condição de escrava, interessa-se por ela e segue passo a passo cada uma de suas reações. Ao descobrir certo ar de tristeza no rosto da cativa, que atribui a um amor impossível, tenta encontrar a origem da mágoa e pensa até em dar-lhe liberdade:

Parecia-me evidente que ela sentia alguma coisa por alguém, e ao mesmo tempo que o sentia, certa elevação e nobreza. Tais sentimentos contrastavam com a fatalidade de sua condição social. Que seria uma paixão daquela pobre escrava educada com mimos de senhora? Refleti longamente nisto tudo, e concebi um projeto romântico: obter a confissão franca de Mariana e, no caso em que se tratasse de um amor que a pudesse tornar feliz, pedir a minha mãe a liberdade da escrava (MACHADO, 1994, p. 776).

No personagem Coutinho, Machado concentra as vozes, quase apagadas, de alguns traços abolicionistas. Não se poderia falar de abolição porque Coutinho não fala da libertação de todos os cativos. Não renuncia a seu status de escravista. Restringe seu projeto, que não chega a concretizar, a um caso específico.

Coutinho é revestido de sentimentos e atitudes que não correspondem a sua condição social: a extrema preocupação por indagar a tristeza da cativa. Pelo contrário, a Mariana2 dócil e meiga das primeiras linhas transforma-se em uma moça revoltada, que foge, enfrenta ao amo e decide a morte.

A gentil mulatinha” de Machado é uma insubordinada que renega de haver sido tratada como “filha”, fato que, com extrema lucidez, reconhece como disfarce da escravidão em um diálogo com Coutinho. Diálogo onde, em alguns momentos, se coloca em nível de igualdade com o amo:
-Não falemos nisso, nhonhô. Não se trata de amores, que eu não posso ter amores. Sou uma simples escrava.
-Escrava, é verdade, mas escrava quase senhora. És tratada aqui como filha da casa. Esqueces esses benefícios?
-Não os esqueço; mas tenho grande pena em havê-los recebido.
-Que dizes, insolente?
-Insolente? Disse Mariana com altivez. Perdão continuou ela voltando à sua humildade natural e ajoelhando-se a meus pés
(MACHADO, 1994, p. 776).

A voz sempre calada da escrava emerge, novamente, para gritar: “Não! Não irei” quando é descoberta na primeira fuga, mas ante o inevitável retorno à fazenda, diz desafiante: “que importa que faça? Eu estou disposta a tudo”. Surpreende ainda mais a transparência de suas palavras quando responde a Coutinho o porquê da fuga:
- Se alguém me seduziu? Perguntou ela; não, ninguém; fugi porque eu o amo, e não posso ser amada, eu sou uma infeliz escrava. Aqui está por que eu fugi. Podemos ir; já disse tudo. Estou pronta a carregar com as conseqüências disto
(MACHADO, 1994, p. 779).

Semanas depois, Mariana volta a fugir e ao ser encontrada, outra vez lança o desafio: “estou disposta a tudo”. Esta vez suicida-se. Antes de expirar, a moça libera a Coutinho – o escravista e, em paralelo, o amor impossível – de qualquer remorso: “Nhonhô não tem a culpa: a culpa é da natureza” (MACHADO, 1994, p. 783).

Que quis dizer Mariana com “a culpa é da natureza”? Com esta frase ambivalente, Machado, de alguma forma, libera a Coutinho – representante do sistema político – da tragédia da escrava, mas em simultâneo, no desenvolvimento do texto, acusa a Coutinho e o sistema político da tragédia. Eis aqui um duplo discurso político. [Chalhoub (1998, p. 97-99) aponta que Machado, “em vários de seus escritos, testemunhou e analisou sistematicamente o ponto do vista do dominado”, fazendo uso “de uma arte arriscada, que ratificava a ideologia paternalista na aparência mesma quando roía-lhe os alicerces”. Traço que prefiro denominar de duplo discurso político.]

A duplicidade do discurso político aparece, também, na fala de Coutinho. Como escravista, persegue a fugitiva, vai à polícia e não desiste da busca, mas antes da fuga, mostra-se partidário de liberar a Mariana, mais um “projeto romântico” no cenário político brasileiro de 1856 a 1871. Projeto que se (des)constrói no texto.

O simples fato de Machado humanizar a escrava e de revesti-la de atributos característicos de uma moça branca culta, (Mariana sabe ler, escrever e fala francês) pode ser entendido como um sutil discurso de igualdade enquanto que a postura de Coutinho, a grande comédia da sociedade a respeito da abolição.

A mesma sutileza que utiliza para se referir à escravidão, reaparece no conto Mariana, de Várias Histórias, para questionar todo o aparato político, social e econômico. Aí o tema da escravidão não será aludido de forma direta. Será um olhar crítico da história no período de 1872 a 1890. [Para Gledson (1991, p. 87), Machado encarava o ano de 1871, como um ano decisivo para história do Brasil, por ser o ano de aprovação da Lei do ventre livre e das primeiras divergências na oligarquia.]

O conto inicia-se com a seguinte pergunta: que será feito de Mariana? Interrogante que, no transcorrer da leitura, pode-se transformar em uma indagação mais abrangente: que será feito do Brasil? Isso devido a que o motivo da viagem do protagonista radica em conhecer os pormenores da revolução de novembro de 1889.

Desde a partida de Evaristo a Europa, em 1872, até seu retorno em 1890, o Brasil tinha passado por diversas transformações: a libertação dos escravos, a queda da monarquia, a proclamação da República e a instalação da Assembléia Constituinte, mas o olhar de Evaristo é incapaz de enxergar essas mudanças. Essa incapacidade de olhar, não se restringe só a Evaristo, é a marca do brasileiro que conviveu com a história, daquele que foi espectador das “modificações políticas”. O personagem Evaristo concentra e projeta a impossibilidade do homem comum de perceber e capturar as mudanças da estrutura política do país.

A referida interpretação baseia-se nos livros de história de João Costa Cruz e Nelson Werneck Sodré. Costa Cruz (1989, p. 26-45) destaca que “o Império foi liquidado de maneira sumária”, em um clima de indiferença, “pois a República nada mais foi, uma vez ainda, do que uma nova composição de classes dominantes”.

Na mesma linha, Werneck (1970, p. 291) refere que “a aceitação plena e pacífica” da instalação da República lembra os “acontecimentos, rápidos, superficiais, consumados e tranqüilamente recebidos”. Machado ressaltara esse traço superficial do que fala Werneck ao comparar a mudança política do Brasil a uma obra teatral no conto Mariana.

É assim que, nas primeiras linhas, antes de partir ao Brasil, aparece um Evaristo interessado em saber a data de representação da comédia de um amigo. Faz as contas da viagem e conclui que, voltando meses depois, “chegaria a tempo de comprar o bilhete”. Quando retorna a Paris descobre que a obra tinha sido retirada.

Nesse momento, no final, se desvela todo o transfundo político do relato. “Cousas do teatro, disse Evaristo ao autor da obra, para consolá-lo. Há peças que caem. Há outras que ficam no repertório” (MACHADO, 1994, p. 548). Adequando essas palavras ao cenário político do Brasil, teríamos “coisas da política. Há governos que caem. Há outros que ficam”.

A afirmativa de Evaristo traz à memória a “aceitação plena e pacífica” da República. E também “os dez governos que se sucederam no poder de 1880 a 1889, representando pontos de vista diversos ou opostos” (HOLANDA, 1977, p. 350). Em base a esse antecedente político, não é por acaso que Machado escolhe como obra teatral uma “comédia”. [Holanda (1977, p. 354) descreve-se, também, que a maior parte da povoação esperava a morte natural do segundo reinado com a morte natural do rei, e preparava-se para a mudança infalível. Daí que a queda da Monarquia não foi uma surpresa para o país.]

A vida política transformada em comédia. Uma comédia que cai do cenário, como caíram, um a um, os dez governos dos últimos nove anos de Monarquia. Nesse contexto, Evaristo representa a ausência e a indiferença, Mariana a “aceitação plena e pacífica”. Evaristo foge, Mariana se reacomoda no cenário social.

Uma vez nus os personagens, aflora o discurso político camuflado, o ataque com a palavra escondida. A escrita da realidade detrás dos muros da fantasia amorosa. A (des)leitura do Brasil. O Brasil como um texto que Machado lê e (des)lê, escreve e (des)escreve, arma e desarma em duas nada inocentes historinhas de amor.

A desmontagem do leitor/autor

Das entrelinhas dos textos, de um Machado que descreve a sociedade brasileira, agora me centrarei no movimento oscilatório que vai da tragédia à farsa e da farsa à tragédia. Dupla ação que se registra nas costuras da trama e na inter-relação de um conto com o outro. Outra remarcação do avesso e da unidade.

A Mariana negra é um relato trágico. Tem uma suicida, uma noiva que dissolve o noivado quatro dias antes do matrimônio e um homem – culpável do suicídio e abandonado quase no altar – que, apesar dos 15 anos transcorridos, ainda não consegue rearmar a vida. A história avança do amor à dor e da dor à morte. Depois de 20 anos de ter escrito esse conto com traços de tragédia, Machado reescreve a história da Mariana negra e constrói uma farsa do relato original. A trama da segunda versão converte-se em uma farsa porque o suposto amor entre Evaristo e Mariana, descrito como uma fatalidade, não passa de um “caso ocasional”.

É a mesma Mariana que defende a instituição do matrimônio e aclara a Evaristo, o amante, que nunca deixará o marido:
-Não venhas outra vez com essa eterna desconfiança, atalhou Mariana sorrindo, como na tela, há pouco. Que quer você que eu faça? Xavier é meu marido; não hei de mandá-lo embora, nem castigá-lo, nem matá-lo, só porque eu e você nos amamos
(MACHADO, 1994, p. 544)

A família se sobrepõe à paixão amorosa. O realismo supera o romantismo. E os dois personagens inserem-se, finalmente, no caminho da “ideologia decente e familiar, amiga de sacrifícios” (SCHWARZ, 1981, p. 108). Evaristo parte à Europa, para se curar do amor irrealizável, e Mariana, aferra-se ao amor oficial, o amor do esposo. A tragédia e a farsa que se descobre a nível macro, ao situar um conto frente ao outro, se desfaz na estrutura de cada relato. O conto Mariana, de 1871, desenvolve toda a tragédia, mas ao final do relato, Coutinho, o sobrevivente da história, parte com os amigos para “examinar os pés das damas que desciam dos carros”. [Schwarz (1981, p. 63) destaca que, nos primeiros romances, Machado insistia na santidade das famílias, traço que qualifica de “conformismo”, mas no caso do conto Mariana (1891) eu o observo como parte do duplo discurso, a construção e desconstrução da família.]

Com essa descrição Machado acaba, na última linha, com a tragédia e funda um ambiente de farsa, quebrando a direção do relato. No seguinte conto, o processo se inverte. As tentativas de Evaristo de ver a Mariana, para levar “a imagem -deteriorada embora- daquela paixão de quatro anos” (MACHADO, 1994, p. 548) criam uma tragédia encoberta.

Eis, aqui, o processo de desmontagem no interior de cada texto e em sua identificação com o outro. Duas trilhas literárias divergentes, que se entrecruzam com tal naturalidade que, o leitor passa de um extremo a outro, conduzido ou seduzido pelo duplo olhar de um Machado autor/leitor.

Esse duplo olhar instaura uma Mariana negra que frente ao espelho, reflete uma Mariana branca. Imagem contrária/imagem prolongada que emerge nos encontros e desencontros, nas dobras do disfarce histórico e na arquitetura textual. Concentra-se aí o avesso da leitura e da escrita: desleitura e desescrita.

Bibliografia
BLOOM, Harold. Um mapa da desleitura. Trad. Thélma Médici Nóbrega. Rio de Janeiro: Imago, 1995.
_____ Cabala e crítica. Trad. Monique Balbuena. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
_____ A angústia da influência. Trad. Arthur Nestrovski. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. O Brasil monárquico. Tomo II da História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro: DIFEL, 1977.
CRUZ COSTA, João. Pequena História da República. São Paulo: Brasiliense, 1989.
CHALHOUB, Sidney. “Diálogos políticos em Machado de Assis”. In: A história contada. Sidney Chalhoub; Leonardo de Miranda Pereira (org.). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, pp. 95-122.
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Trad. Luiz Orlandi, Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
FURLAN, Stélio. Machado de Assis: o crítico/ enigma de um rio sem margens. Florianópolis: Momento atual, 2003.
GLEDSON, John. Machado de Assis: impostura e realismo. Trad. Fernando Py. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
_____ Machado de Assis: ficção e história. Trad. Sônia Coutinho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
GOGOL, Nikolai. O retrato. In: Obras Completas. Trad. Irene Tchernowa. Madrid: Aguilar, 1955.
MACHADO DE ASSIS. Obra Completa. Afrânio Coutinho (Org.). V. II. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
MAGALHÃES, Raimundo. Machado de Assis desconhecido. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
MATOS, Mário. Machado de Assis: o homem e a obra/ os personagens explicam o autor. V. 153. Rio de Janeiro: Nacional, 1939.
VIERA, Mirella. “Quase silêncio, quase melodia: a paixão amorosa nos contos de Machado de Assis”. In: Cânone e contextos. 5 Congresso Abralic-Anais. V. 2. Rio de Janeiro: [s.n], 1998, p. 445-448.
SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo: Duas cidades, 1981.
WERNECK SODRÉ, Nelson. Formação Histórica do Brasil. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1970.
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Continua… Análise do conto “12. Conto de Escola”.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Caio Martins (Opostos)


Desde o início foste reticente,
não se perguntou se eu te queria.
Tomastes conta de mim
sem importar-te com meu pranto
e espanto de bofetada.

Houve momentos nos quais
não me dei conta de teu domínio.
Na memória nada resta, o resto
sempre foi teu pé na garganta,
a espada no peito, retilíneo
jogo unilateral.

Inerme
mal aprendi a defender-me
fraco
tentei mostrar-me astuto
insensato
me reconheci no teu oposto

Julguei, nalguns momentos
tomar-te toda, sugar
os cálices de teu corpo
embebedar-me de teus licores
tomar-te sacrílego, fremente
até ter-te tonta e louca
incapaz de seres sensata.

Desafiei-te:
que esmagasses!
Brigaria e criaria tudo de novo
sem o pânico da alcatéia.

Perdi os momentos, movimentos
do solo desvairado, sem estréias.

E não houve também mulher alguma
capaz de suicidar-me
tirar-me tudo, o nada
que sempre tive... Que pena!

Mas tu, Vida
escorres a cada segundo
dentre meus dedos, te insinuas
e negaceias, me invades
e me deixas só.

A cada segundo, o irritante
é pressentir-te o sorriso no rosto.

No rosto
do teu oposto.

Fontes:
O Autor

Efigênia Coutinho (Mulher-Madura)


Extravagância, inquietação, devaneio,
Não tem logar no espírito da Mulher-Madura
Que vive tão somente a sua plenitude..
Traz nos gestos e idéias a variante...

E á múltipla atração da natureza
Que pujante de brilho e beleza
Constantemente pulsa dentro dela
Sem lhe abalar, o rijo, a alma singela!

Assim se desenvolve, até chegar
Recôndita linguagem lhe anuncia
Haver chegado a mutação da idade,
Num poético dilúculo a seiva divinal!

E a olímpica torna esta seiva exótica
Potencia, embebendo-a bem no
Fundo, com o batismo de garbo,
Sedução, e a feminilidade nele alcança!
Que a fará requestada Mulher-Madura!

Para finalizar a linda chegada
O radiante apogeu, que da mulher
Muda a alma e o corpo com formosura,
Na torre de mistérios para o Amor
Fertilizante, habilmente preparada...

Ao coração do seu Homem, deixa-se em
Sobejos, desejos, balsamo precioso, que mitiga,
Ao manejo audaz com seu amor travesso!
Dali contempla a vida, e põe-se em
Guarda, á espera dum destino, que não tarda!

Balneário Camboriú
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Lino Mendes (São Saias, Meu Bem, São Saias…)


As “saias”, cantadas e bailadas ou só cantadas, cantigas de festa ou de trabalho (quando o mesmo não era de empreitada), é uma das mais belas modas do folclore português, mais centralizada no Alto Alentejo em especial no distrito de Portalegre onde, segundo Tomaz Ribas já existia no século XII.

Cantadas por homem e mulher, por duas mulheres, ou ainda por dois homens e uma mulher quando a mesma era disputada por ambos , de uma maneira geral eram de criação espontânea, era ali, na altura que os versos saiam. E como se compreenderá, eram de despique, por vezes de escárnio e mal dizer. E, se como dissemos se trata de quadras marcadas pela espontaneidade, muitas perduraram no tempo.

O exemplo de uma que se tornou de expressão nacional:

Estas é que são as “saias”,
estas saias é que são;
São cantadas e bailadas
na noite de S.João.

Outras houve, que terão sido adaptadas como esta:

MONTARGIL terra tão linda,
não és vila nem cidade.
mas és um rico cantinho
onde brilha a mocidade.

E a finalizar. Deixamos umas “cantigas” a despique:



RAPAZ
Estas raparigas de hoje
iguaizinhas são às dontem,
albardá-las e mandá-las
com um cântaro à fonte

RAPARIGA
Estes rapazes de agora
estes que de agora são,
albardá-los e mandá-los
à serra buscar carvão

RAPAZ
Menina que tanto sabe
diga lá o seu saber,
uma camisa bem feita
quantos pontos vem a ter

RAPARIGA
Quantos pontos vem a ter
vou-lhe já explicar,
não são mais e não são menos
dos que lhe querem plantar

RAPAZ
Menina que tanto sabe
faça-me esta conta bem.
um molho de trigo limpo
quantas meias quartas tem

RAPARIGA
Falaste no trigo limpo
mas não me falas no joio,
quatrocentas e oitenta
meias quartas tem o joio

MONTARGIL—05/02/011

Folclore, Superstição, Lendas e Histórias (Aves do Brasil: João-de-Barro)


Os guaranis explicam a origem do ógaraitig, o nosso joão-de-barro, com uma poética lenda:

Vivia no recesso da floresta, afastado de todos e em companhia de seu velho pai, um donzel, guapo e bravo caçador. Vira esse Nemrod guarani uma cantora que por ali passara em suas excursões e por ela ficara cativo de amor. Segundo o ritual de sua tribo, logo que um jovem alcançasse a época da idade viril, teria de suportar três pesadas provas de resistência física: uma competição de carreira a pé, um concurso de natação e por fim, a provança de um jejum. O triunfador receberia, como prêmio, a própria filha do rubichá. As duas primeiras competições venceu-as galhardamente o donzel caçador, e assim foi o único a suportar os noves dias de jejum, encerrado entre couros, como preceituava o ritual.

Conta a tradição oral que triunfou da prova última, mas quando os juízes da estranha provação o foram retirar dentre os couros onde permaneceu imóvel nove dias, bebendo somente suco de milho, viram que o guapo caçador empenequenitava, minguava, fazia-se cada vez menor, até que se transformou em um pequeno ógaraitig. Dos couros logo voou para uma árvore próxima, onde desferiu um canto alegre e gargalhante. Renunciava assim à filha do cacique, que ele não amava. Ainda nos conta mais a tradição. Diz que essa jovem cantora, por causa da renúncia, também se converteu em ave, para fazer companhia àquele que, por seu amor, desdenhara das honras e do mando.

Fonte:
SANTOS, Eurico. Os pássaros do Brasil. Ed. Itatiaia

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.117, 118 e 119)


Três Trovas Nacionais

Na escola da humanidade,
ninguém aprende a lição
sem o lápis da bondade
e a borracha do perdão.
(JOSÉ FABIANO/MG)

A saudade é um passarinho
em teimosa migração,
vem do passado, e faz ninho
nos beirais do coração.
(HÉRON PATRÍCIO/SP)

Maria anda bem vestida.
Dizem que faz quase nada.
Tem roupas caras... que vida!
Mas, só trabalha pelada.
(NILTON MANOEL/SP)

Três Trovas Potiguares

Enquanto a vingança é crime,
destruidor da pessoa,
o perdão é tão sublime
que faz feliz quem perdoa.
(JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN)

Nesta distância entre nós,
o amor de tudo reclama;
há um dos nossos lençóis,
sobrando em cima da cama!
(PROF. GARCIA/RN)

Eu e o sapo temos tosca
maneira de encher o papo:
feliz, ele engole mosca
e, eu, à força, engulo sapo.
(JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN)

Três Trovas Premiadas

2001 > Taubaté/SP
Tema > PERDÃO > Menção Especial

Um ser de enorme valor
me ensinou esta lição:
dar aos amigos, amor
e aos inimigos, perdão!
(MARINA BRUNA/SP)

2000 > Niterói/RJ
Tema > DELÍRIO > Menção Especial

Em meus delírios risonhos
fiz de você quase um Deus...
e fui vivendo os seus sonhos
como se fossem os meus!
(ARLINDO TADEU HAGEN/MG)

2000 > Ribeirão Preto/SP
Tema > PREGUIÇA > 1º Lugar.

Preguiça assim, minha gente,
só a do Chico Messias,
que “pra” morrer de repente
demorou quarenta dias!
(MANOEL NAHAS NETO/SP)

Simplesmente Poesia

MOTE:
URGENTE É MUDAR AS TREVAS
EM SUAVES BÊNÇÃOS DE LUZ.

GLOSA:
Irmão, o pão que tu levas
vem dividir com nós todos,
pois, sem cobranças e engodos
urgente é mudar as trevas
naquilo em que mais te elevas,
assim como fez Jesus
que no suplício da cruz
nos deu a paz e o perdão,
transformando a escuridão
em suaves bênçãos de Luz.
(THALMA TAVARES/SP)

– Sergio Severo/RN –
LENA.

Por teu amor eu cometi louquices
por teu amor vivi a cada dia
desdenhando a vida que corria,
por teu amor eu fiz tantas sandices.

E descuidei de mim, por teu amor,
Por teu amor me pus lá na coxia
e tu, no palco, louca de alegria,
nem percebias ser por teu amor.

Sem teu amor jurei morrer, de fome,
mas consegui viver sem teu amor.
Graças a Deus já esqueci teu nome:
MARIA HELENA PIRES MIRABOR !

– Chico de Sousa/PB –
QUE CORNO QUE NADA!

Um cientista me disse
que estava já convencido
que ser corno só ruim
para quem é inibido;
chifre ficou foi para o homem
o boi usa de atrevido.
Pesquisando sobre chifre
fiquei bastante contente,
descobri que esse troço
não existe, felizmente;
isso é coisa que a mulher
põe na cabeça da gente.

Três Trovas de Ademar

Da fonte que jorra o amor,
Deus, na sua imensidão,
faz jorrar com todo ardor
as carícias do perdão.
(ADEMAR MACEDO/RN)

Passam sempre em meu portão,
trazendo um fardo de dor,
crianças que não têm pão,
pedindo “um pão por favor”!...
(ADEMAR MACEDO/RN)

Política era a vizinha
que permutou por Brasília,
todos empregos que tinha,
menos o bolsa família!
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Sei que os deuses recompensam
quem perdoa, estende a mão,
mas enxergo maior benção
em saber pedir perdão.
(CLARINDO BATISTA/RN)

Chorar... quem é que não chora,
– nem que seja internamente –
quando alguém que a gente adora
se vai... repentinamente!
(NÉLSON FACHINELLI/RS)

Quando a mulher do vizinho
cruza contigo na rua,
diz o demônio baixinho...
– esta é melhor do que a tua...
(DURVAL MENDONÇA/RJ)

Três Estrofes dos Dias 05, 06 e 07 de fevereiro

Acertei na Mega Sena,
e, como pensei, proponho:
Vou contratar quem eu quero,
meu viver será risonho!
A riqueza é uma parada...
Acordei, fiquei sem nada,
tudo não passou de um sonho!
(DJALMA MOTA/RN)

Na vida eu sofri abalos
e desesperos medonhos,
sonhos, sonhos e mais sonhos
sem poder concretizá-los,
na fronte senti os halos
das auras da juventude,
porém não tive a virtude
de dormir entre os teus seios;
não tive amores, sonhei-os
quis possuí-los, não pude!
(LOURIVAL BATISTA/PE)

Errar, é do ser humano
e todos podem errar;
mas, saibam, que perdoar
é divino, é soberano.
Não deixe que um ato insano
lhe amargure o coração,
perdoe-me, e me estenda a mão
pra ser, por mim, apertada;
perdoar não pesa nada,
pesado é pedir perdão!
(ADEMAR MACEDO/RN)

Três Sonetos dos Dias 5, 6 e 7 de fevereiro

– Francisco Macedo/RN –
MACHEZA.

Na minha casa é a “Lei Chico de Brito”,
a mulher tem que ouvir e até saber,
que será, sempre meu, o último grito
e em verdade, ela tem que obedecer.
Ela diz: - Vá comprar um frango frito,
eu grito logo, vou, mas vou comer.
– tu não come, eu paguei e tenho dito!
Apelo e berro, vou, mas, sem correr.
Se ela quiser ou não, é sempre assim,
pois comigo não tem tempo ruim...
Pois, se é para gritar, eu sou mais eu.
E todo mundo sabe que é verdade,
para eu manter a minha autoridade
Lá em casa, o último grito é sempre o meu.

– Milton Nunes Loureiro/RJ –
CICATRIZ.

Um dia, alguém, chegando à minha porta,
abriu-a, lentamente, toda, inteira.
E, ao reviver uma esperança morta,
trouxe-me a crença pela vez primeira.

Porém, meu Deus, foi breve, passageira,
essa alegria que o meu ser exorta.
Se um dia amei sem medo e sem fronteira,
hoje a existência nem sequer me importa.

Prossigo triste no final da lida,
ao ver o quanto ingrata foi a vida,
nestas saudades de quem não me quis.

Por isto, eu trago na alma, hoje deserta,
um gosto amargo de ferida aberta
que eu não ouso chamar de cicatriz...

– Adelmar Tavares/PE –
PARA O MEU PERDÃO
.

Eu que proclamo odiar-te, eu que proclamo
querer-te mal, com fúria e com rancor,
mal sabes tu como, em segredo, te amo
o vulto pensativo e sofredor.

Quem vê o fel que em cólera derramo,
no ódio que punge, desesperador,
mal sabe que, se a sós me encontro, chamo
por teu amor, com o mais profundo amor...

Mal sabe que, se acaso, novamente,
buscasses o calor do velho ninho
de onde um capricho te fizera ausente,

eu, esquecendo a tua ingratidão,
juncaria de rosas o caminho
em que voltasses para o meu perdão...

Fonte:
Ademar Macedo

Machado de Assis (Mariana)


Capítulo Primeiro

"QUE SERÁ FEITO de Mariana?" perguntou Evaristo a si mesmo, no largo da Carioca, ao despedir-se de um velho amigo, que lhe fez lembrar aquela velha amiga.

Era em 1890. Evaristo voltara da Europa, dias antes, após dezoito anos de ausência. Tinha saído do Rio de Janeiro em 1872, e contava demorar-se até 1874 ou 1875, depois de ver algumas cidades célebres ou curiosas, mas o viajante põe e Paris dispõe. Uma vez entrando naquele mundo em 1873, Evaristo deixou-se ir ficando, além do prazo determinado; adiou a viagem um ano, outro ano, e afinal não pensou mais na volta. Desinteressara-se das nossas cousas; ultimamente nem lia os jornais daqui; era um estudante pobre da Bahia, que os ia buscar emprestados, e lhe referia depois uma ou outra notícia de vulto. Senão quando, em novembro de 1889, entra-lhe em casa um reporter parisiense, que lhe fala de revolução no Rio de Janeiro, pede informações políticas, sociais, biográficas. Evaristo refletiu.

— Meu caro senhor, disse ao reporter, acho melhor ir eu mesmo buscá-las.

Não tendo partido, nem opiniões, nem parentes próximos, nem interesses (todos os seus haveres estavam na Europa), mal se explica a resolução súbita de Evaristo pela simples curiosidade, e contudo não houve outro motivo. Quis ver o novo aspecto das cousas. Indagou da data de uma primeira representação no Odéon, comédia de um amigo, calculou que, saindo no primeiro paquete e voltando três paquetes depois, chegaria a tempo de comprar bilhete e entrar no teatro; fez as malas, correu a Bordéus, e embarcou.

"Que será feito de Mariana? repetia agora, descendo a rua da Assembléia. Talvez morta... Se ainda viver, deve estar outra; há de andar pelos seus quarenta e cinco... Upa! quarenta e oito; era mais moça que eu uns cinco anos. Quarenta e oito... Bela mulher; grande mulher! Belos e grandes amores!"

Teve desejo de vê-la. Indagou discretamente, soube que vivia e morava na mesma casa em que a deixou, rua do Engenho Velho; mas não aparecia desde alguns meses, por causa do marido, que estava mal, parece que à morte.

— Ela também deve estar escangalhada, disse Evaristo ao conhecido que lhe dava aquelas informações.
— Homem, não. A última vez que a vi, achei-a frescalhona. Não se lhe dá mais de quarenta anos. Você quer saber uma coisa? Há por aí roseiras magníficas, mas os nossos cedros de 1860 a 1865 parece que não nascem mais.
— Nascem; você não os vê, porque já não sobe ao Líbano, retorquiu Evaristo.

Crescera-lhe o desejo de ver Mariana. Que olhos teriam um para o outro? Que visões antigas viriam transformar a realidade presente? A viagem de Evaristo, cumpre sabê-lo, não foi de recreio, senão de cura. Agora que a lei do tempo fizera sua obra, que efeito produziria neles, quando se encontrassem, o espectro de 1872, aquele triste ano da separação que quase o pôs doido, e quase a deixou morta?

Capítulo II

DIAS DEPOIS apeava-se ele de um tílburi à porta de Mariana, e dava um cartão ao criado, que lhe abriu a sala.

Enquanto esperava circulou os olhos e ficou impressionado. Os móveis eram os mesmos de dezoito anos antes. A memória, incapaz de os recompor na ausência, reconheceu-os a todos, assim como a disposição deles, que não mudara. Tinham o aspecto vetusto. As próprias flores artificiais de uma grande jarra, que estava sobre um aparador, haviam desbotado com o tempo. Tudo ossos dispersos, que a imaginação podia enfaixar para restaurar uma figura a que só faltasse a alma.

Mas não faltava a alma. Pendente da parede, por cima do canapé, estava o retrato de Mariana. Tinha sido pintado quando ela contava vinte e cinco anos; a moldura, dourada uma só vez, descascando em alguns lugares, contrastava com a figura ridente e fresca. O tempo não descolara a formosura. Mariana estava ali, trajada à moda de 1865, com os seus lindos olhos redondos e namorados. Era o único alento vivo da sala; mas só ele bastava a dar à decrepitude ambiente a fugidia mocidade. Grande foi a comoção de Evaristo. Havia uma cadeira defronte do retrato, ele sentou-se nela, e ficou a mirar a moça de outro tempo. Os olhos pintados fitavam também os naturais, porventura admirados do encontro e da mudança, porque os naturais não tinham o calor e a graça da pintura. Mas pouco durou a diferença; a vida anterior do homem restituiu-lhe a verdura exterior, e os olhos embeberam-se uns nos outros, e todos nos seus velhos pecados.

Depois, vagarosamente, Mariana desceu da tela e da moldura, e veio sentar-se defronte de Evaristo, inclinou-se, estendeu os braços sobre os joelhos e abriu as mãos. Evaristo entregou-lhes as suas, e as quatro apertaram-se cordialmente. Nenhum perguntou nada que se referisse ao passado, porque ainda não havia passado; ambos estavam no presente, as horas tinham parado, tão instantâneas e tão fixas, que pareciam haver sido ensaiadas na véspera para esta representação única e interminável. Todos os relógios da cidade e do mundo quebraram discretamente as cordas, e todos os relojoeiros trocaram de ofício. Adeus, velho lago de Lamartine! Evaristo e Mariana tinham ancorado no oceano dos tempos. E aí vieram as palavras mais doces que jamais disseram lábios de homem nem de mulher, e as mais ardentes também, e as mudas, e as tresloucadas, e as expirantes, e as de ciúme, e as de perdão.

— Estás bom?
— Bom; e tu?
— Morria por ti. Há uma hora que te espero, ansiosa, quase chorando; mas bem vês que estou risonha e alegre, tudo porque o melhor dos homens entrou nesta sala. Por que te demoraste tanto?
— Tive duas interrupções em caminho; e a segunda muito maior que a primeira.
— Se tu me amasses deveras, gastarias dous minutos com as duas, e estarias aqui há três quartos de hora. Que riso é esse?
— A segunda interrupção foi teu marido.

Mariana estremeceu.

— Foi aqui perto, continuou Evaristo; falamos de ti, ele primeiro, a propósito não sei de quê, e falou com bondade, quase que com ternura. Cheguei a crer que era um laço, um modo de captar a minha confiança. Afinal despedimo-nos; mas eu ainda fiquei espiando, a ver se ele voltava; não vi ninguém. Aí está a causa da minha demora; aí tens também a causa dos meus tormentos.
— Não venhas outra vez com essa eterna desconfiança, atalhou Mariana sorrindo, como na tela, há pouco. Que quer você que eu faça? Xavier é meu marido; não hei de mandá-lo embora, nem castigá-lo, nem matá-lo, só porque eu e você nos amamos.
— Não digo que o mates; mas tu o amas, Mariana.
— Amo-te e a ninguém mais, respondeu ela, evitando assim a resposta negativa, que lhe pareceu demasiado crua.

Foi o que pensou Evaristo; mas não aceitou a delicadeza da forma indireta. Só a negativa rude e simples poderia contentá-lo.

— Tu o amas, insistiu ele.

Mariana refletiu um instante.

— Para que hás de revolver a minha alma e o meu passado? disse ela. Para nós, o mundo começou há quatro meses, e não acabará mais — ou acabará quando você se aborrecer de mim, porque eu não mudarei nunca...

Evaristo ajoelhou-se, puxou-lhe os braços, beijou-lhe as mãos, e fechou nelas o rosto; finalmente deixou cair a cabeça nos joelhos de Mariana. Ficaram assim alguns instantes, até que ela sentiu os dedos úmidos, ergueu-lhe a cabeça e viu-lhe os olhos rasos de água. Que era?

— Nada, disse ele; adeus.
— Mas que foi?!
— Tu o amas, tornou Evaristo, e esta idéia apavora-me, ao mesmo tempo que me aflige, porque eu sou capaz de matá-lo, se tiver certeza de que ainda o amas.
— Você é um homem singular, retorquiu Mariana, depois de enxugar os olhos de Evaristo com os cabelos, que despenteara às pressas, para servi-lo com o melhor lenço do mundo. Que o amo? Não, já não o amo, aí tens a resposta. Mas já agora hás de consentir que te diga tudo, porque a minha índole não admite meias confidências.

Desta vez foi Evaristo que estremeceu; mas a curiosidade mordia-lhe a ele o coração, em tal maneira, que não houve mais temer, senão aguardar e escutar. Apoiado nos joelhos dela, ouviu a narração, que foi curta. Mariana referiu o casamento, a resistência do pai, a dor da mãe, e a perseverança dela e de Xavier. Esperaram dez meses, firmes, ela já menos paciente que ele, porque a paixão que a tomou tinha toda a força necessária para as decisões violentas. Que de lágrimas verteu por ele! Que de maldições lhe saíram do coração contra os pais, e foram sufocadas por ela, que temia a Deus, e não quisera que essas palavras, como armas de parricídio, a condenassem, pior que ao inferno, à eterna separação do homem a quem amava. Venceu a constância, o tempo desarmou os velhos, e o casamento se fez, lá se iam sete anos. A paixão dos noivos prolongou-se na vida conjugal. Quando o tempo trouxe o sossego, trouxe também a estima. Os corações eram harmônicos, as recordações da luta pungentes e doces. A felicidade serena veio sentar-se à porta deles, como uma sentinela. Mas bem depressa se foi a sentinela; não deixou a desgraça, nem ainda o tédio, mas a apatia, uma figura pálida, sem movimento, que mal sorria e não lembrava nada. Foi por esse tempo que Evaristo apareceu aos seus olhos e a arrebatou. Não a arrebatou ao amor de ninguém; mas por isso mesmo nada tinha que ver com o passado, que era um mistério, e podia trazer remorsos...

— Remorsos? interrompeu ele.
— Podias supor que eu os tinha; mas não os tenho, nem os terei jamais.
— Obrigado! disse Evaristo após alguns momentos; agradeço-te a confissão. Não falarei mais de tal assunto. Não o amas, é o essencial. Que linda és tu quando juras assim, e me falas do nosso futuro! Sim, acabou; agora aqui estou, ama-me!
— Só a ti, querido.
— Só a mim? Ainda uma vez, jura!
— Por estes olhos, respondeu ela, beijando-lhe os olhos; por estes lábios, continuou, impondo-lhe um beijo nos lábios. Pela minha vida e pela tua!

Evaristo repetiu as mesmas fórmulas, com iguais cerimônias. Depois, sentou-se defronte de Mariana como estava a princípio. Ela ergueu-se então, por sua vez, e foi ajoelhar-se-lhe aos pés, com os braços nos joelhos dele. Os cabelos caídos enquadravam tão bem o rosto, que ele sentiu não ser um gênio para copiá-la e legá-la ao mundo. Disse-lhe isso, mas a moça não respondeu palavra; tinha os olhos fitos nele, suplicantes. Evaristo inclinou-se, cravando nela os seus, e assim ficaram, rosto a rosto, uma, duas, três horas, até que alguém veio acordá-los:

— Faz favor de entrar.

Capítulo III

EVARISTO teve um sobressalto. Deu com um homem, o mesmo criado que recebera o seu cartão de visita. Levantou-se depressa; Mariana recolheu-se à tela, que pendia da parede, onde ele a viu outra vez, trajada à moda de 1865, penteada e tranqüila. Como nos sonhos, os pensamentos, gestos e atos mediram-se por outro tempo, que não o tempo; fez-se tudo em cinco ou seis minutos, que tantos foram os que o criado despendeu em levar o cartão e trazer o convite. Entretanto, é certo que Evaristo sentia ainda a impressão das carícias da moça, vivera realmente entre 1869 e 1872, porque as três horas da visão foram ainda uma concessão ao tempo. Toda a história ressurgira com os ciúmes que ele tinha de Xavier, os seus perdões e as ternuras recíprocas. Só faltou a crise final, quando a mãe de Mariana, sabendo de tudo, corajosamente se interpôs e os separou. Mariana resolveu morrer, chegou a ingerir veneno, e foi preciso o desespero da mãe para restituí-la à vida. Xavier, que então estava na província do Rio, nada soube daquela tragédia, senão que a mulher escapara da morte, por causa de uma troca de medicamentos. Evaristo quis ainda vê-la antes de embarcar, mas foi impossível.

— Vamos, disse ele agora ao criado que o esperava.

Xavier estava no gabinete próximo, estirado em um canapé, com a mulher ao lado e algumas visitas. Evaristo penetrou ali cheio de comoção. A luz era pouca, o silêncio grande; Mariana tinha presa uma das mãos do enfermo, a observá-lo, a temer a morte ou uma crise. Mal pôde levantar os olhos para Evaristo e estender-lhe a mão; voltou a fitar o marido, em cujo rosto havia a marca do longo padecimento, e cujo respirar parecia o prelúdio da grande ópera infinita. Evaristo, que apenas vira o rosto de Mariana, retirou-se a um canto, sem ousar mirar-lhe a figura, nem acompanhar-lhe os movimentos. Chegou o médico, examinou o enfermo, recomendou as prescrições dadas, e retirou-se para voltar de noite. Mariana foi com ele até à porta, interrogando baixo e procurando-lhe no rosto a verdade que a boca não queria dizer. Foi então que Evaristo a viu bem; a dor parecia alquebrá-la mais que os anos. Conheceu-lhe o jeito particular do corpo. Não descia da tela, como a outra, mas do tempo. Antes que ela tornasse ao leito do marido, Evaristo entendeu retirar-se também, e foi até a porta.

— Peço-lhe licença... Sinto não poder falar agora a seu marido.
— Agora não pode ser; o médico recomenda repouso e silêncio. Será noutra ocasião...
— Não vim há mais tempo vê-lo porque só há pouco é que soube... E não cheguei há muito.
— Obrigada.

Evaristo estendeu-lhe a mão e saiu a passo abafado, enquanto ela voltava a sentar-se ao pé do doente. Nem os olhos nem a mão de Mariana revelaram em relação a ele uma impressão qualquer, e a despedida fez-se como entre pessoas indiferentes. Certo, o amor acabara, a data era remota, o coração envelhecera com o tempo, e o marido estava a expirar; mas, refletia ele, como explicar que, ao cabo de dezoito anos de separação, Mariana visse diante de si um homem que tanta parte tivera em sua vida, sem o menor abalo, espanto, constrangimento que fosse? Eis aí um mistério. Chamava-lhe mistério. Ainda agora à despedida, sentira ele um aperto, uma coisa, que lhe fez a palavra trôpega, que lhe tirou as idéias e até as simples fórmulas banais de pesar e de esperança. Ela, entretanto, não recebeu dele a menor comoção. E lembrando-se do retrato da sala, Evaristo concluiu que a arte era superior à natureza; a tela guardara o corpo e a alma... Tudo isso borrifado de um despeitozinho acre.

Xavier durou ainda uma semana. Indo fazer-lhe segunda visita, Evaristo assistiu à morte do enfermo, e não pôde furtar-se à comoção natural do momento, do lugar e das circunstâncias. Mariana, desgrenhada ao pé do leito, tinha os olhos mortos de vigília e de lágrimas. Quando Xavier, depois de longa agonia, expirou, mal se ouviu o choro de alguns parentes e amigos; um grito agudíssimo de Mariana chamou a atenção de todos; depois o desmaio e a queda da viúva. Durou alguns minutos a perda dos sentidos; tornada a si, Mariana correu ao cadáver, abraçou-se a ele, soluçando desesperadamente, dizendo-lhe os nomes mais queridos e ternos. Tinham esquecido de fechar os olhos ao cadáver; daí um lance pavoroso e melancólico, porque ela, depois de os beijar muito, foi tomada de alucinação e bradou que ele ainda vivia, que estava salvo; e, por mais que quisessem arrancá-la dali, não cedia, empurrava a todos, clamava que queriam tirar-lhe o marido. Nova crise a prostrou; foi levada às carreiras para outro quarto.

Quando o enterro saiu no dia seguinte, Mariana não estava presente, por mais que insistisse em despedir-se; já não tinha forças para acudir à vontade. Evaristo acompanhou o enterro. Seguindo o carro fúnebre, mal chegava a crer onde estava e o que fazia. No cemitério, falou a um dos parentes de Xavier, confiando-lhe a pena que tivera de Mariana.

— Vê-se que se amavam muito, concluiu.
— Ah! muito, disse o parente. Casaram-se por paixão; não assisti ao casamento, porque só cheguei ao Rio de Janeiro muitos anos depois, em 1874; achei-os, porém, tão unidos como se fossem noivos, e assisti até agora à vida de ambos. Viviam um para o outro; não sei se ela ficará muito tempo neste mundo.

"1874", pensou Evaristo; "dous anos depois".

Mariana não assistiu à missa do sétimo dia; um parente, — o mesmo do cemitério, — representava-a naquela triste ocasião. Evaristo soube por ele que o estado da viúva não lhe permitia arriscar-se à comemoração da catástrofe. Deixou passar alguns dias, e foi fazer a sua visita de pêsames; mas, tendo dado o cartão, ouviu que ela não recebia ninguém. Foi então a São Paulo, voltou cinco ou seis semanas depois, preparou-se para embarcar; antes de partir, pensou ainda em visitar Mariana, — não tanto por simples cortesia, como para levar consigo a imagem, — deteriorada embora, — daquela paixão de quatro anos.

Não a encontrou em casa. Voltava zangado, mal consigo, achava-se impertinente e de mau gosto. A pouca distância viu sair da igreja do Espírito Santo uma senhora de luto, que lhe pareceu Mariana. Era Mariana; vinha a pé; ao passar pela carruagem olhou para ele, fez que o não conhecia, e foi andando, de modo que o cumprimento de Evaristo ficou sem resposta. Este ainda quis mandar parar o carro e despedir-se dela, ali mesmo, na rua, um minuto, três palavras; como, porém, hesitasse na resolução, só parou quando já havia passado a igreja, e Mariana ia um grande pedaço adiante. Apeou-se, não obstante, e desandou o caminho; mas, fosse respeito ou despeito, trocou de resolução, meteu-se no carro e partiu.

— Três vezes sincera, concluiu, passados alguns minutos de reflexão.

Antes de um mês estava em Paris. Não esquecera a comédia do amigo, a cuja primeira representação no Odéon ficara de assistir. Correu a saber dela; tinha caído redondamente.

— Cousas de teatro, disse Evaristo ao autor, para consolá-lo. Há peças que caem. Há outras que ficam no repertório.

Fonte:
ASSIS, Machado de. Várias histórias. Ed. Martin Claret