sábado, 3 de dezembro de 2011

Contos de Sempre (Os Seis Companheiros Invencíveis)


Era uma vez um homem que tinha muita habilidade para tudo: sentou praça, serviu o rei e, quando a guerra acabou, o rei mandou-o embora e deu-lhe dois vinténs para as despesas da viagem. O homem não gostou do presente, e protestou, no caso de encontrar quem o ajudasse, vingar-se do rei, que fora tão ingrato para ele.

Quando ia andando, viu no meio de uma grande mata um homem que arrancava árvores, como quem arranca cebolas.

- Ó homem! Queres vir daí comigo? – perguntou-lhe o soldado.

- Com a melhor das vontades, mas primeiro deixa-me levar este feixezito de lenha a minha mãe.

E pegando em cinco árvores, atou-as, pô-las às costas e partiu.

- Olha, nós dois havemos de conseguir tudo.

Foram andando, andando, e encontraram um caçador, de joelhos, com a espingarda apontada.

- O que estás a fazer aí, caçador?

- O que estou fazendo? Daqui a duas léguas está um mosquito numa folha de carvalho! Quero ver se lhe meto um grão de chumbo no olho esquerdo.

- Anda daí, caçador, nós três havemos de conseguir tudo.

Foram andando, andando, e chegaram a uns moinhos que se moviam muito depressa. Mas o que era melhor é que não havia vento.

O soldado observou:

- Ora esta! Não faz vento, e os moinhos andam.

E nisto foram andando, até que encontraram um homem em cima de uma árvore. Tapava com uma das mãos uma venta e assoprava pela outra venta.

- Que diacho estás tu aí a fazer, não me dirás? - perguntou o soldado.

- A dez léguas daqui há sete moinhos: como vês, sou eu que os faço andar com o sopro da minha venta esquerda.

- Anda daí, meu rapaz, nós quatro havemos de conseguir tudo.

O homem desceu e foi ter com os três. Foram andando, andando, quando deram com um indivíduo que estava firmado numa perna só, tendo a outra no chão, ao seu lado.

- Aqui está um maganão que quer com certeza descansar - notou o soldado.

- Corro muito - respondeu o tal indivíduo -, e para não correr tanto, desatarraxei a outra perna. Quando tenho ambas as pernas, corro mais depressa do que as andorinhas voam.

- Que me dizes?

- Anda daí, nós cinco conseguiremos tudo.

Foram andando, andando, quando no meio do caminho encontraram um indivíduo que tinha o chapéu inclinado sobre uma orelha.

- Salvo o devido respeito, meu caro senhor, - disse o soldado - parece-me que podia pôr o chapéu de um outro modo.

- Nessa é que eu não caio, meu amigo; quando ponho o chapéu direito na cabeça, faz um frio tal que os pássaros caem mortos, gelados, no chão.

- Anda daí, homem, nós seis havemos de conseguir tudo.

Foram andando, andando, até que chegaram a uma cidade, onde o rei anunciava que, se houvesse alguém que vencesse na carreira sua filha, receberia em prémio a mão da princesa, mas que se fosse vencido era degolado.

O soldado foi ter com o rei, e disse-lhe que tinha um criado que estava pronto para correr com a princesa.

O rei respondeu:

- Pois sim, mas olha que, se for vencido, as cabeças de vocês ambos são cortadas.

O soldado aceitou, e ordenou ao andarilho que atarraxasse a perna e que não se deixasse vencer.

A aposta era que seria vencedor o que trouxesse primeiro uma bilha de água de uma fonte que havia dali a uma légua.

A princesa e o andarilho receberam cada um a sua bilha, e partiram ao mesmo tempo. Ainda bem a princesa não tinha dado dois passos, e já o diacho do homem se perdia de vista. Chegou à fonte, encheu a bilha, e vinha já de volta, quando no meio do caminho lhe dá o sono; pôs a bilha no chão, e deitou-se. Pegou porém num crânio de cavalo e encostou nele a cabeça, julgando que a dureza do travesseiro o não deixaria dormir muito.

A princesa, que corria como outra qualquer pessoa, chegara à fonte, enchera a bilha e vinha já de volta, quando deu com o seu rival que estava ferrado num profundo sono.

- Bem, tenho o inimigo em minhas mãos!

E esvaziando a bilha do dorminhoco, pôs-se a caminho. Mas o caçador, que estava no alto de um castelo, vira tudo.

- Nada! A princesa não levará a melhor.

E apontando a espingarda, fez fogo e quebrou, sem fazer mal ao que dormia, o crânio do cavalo que lhe servia de travesseiro.

O homem acorda, dá com a bilha esvaziada, e vê que a princesa levava já uma grande distância.

Não perdeu o ânimo, voltou à fonte, encheu a bilha, e chegou a vencer a princesa.

- Até que enfim! - disse o andarilho. - Isto é que eu chamo andar e mexer as pernas.

O rei e a filha estavam furiosos. O vencedor não passava de um miserável soldado com baixa; resolveram dar cabo dele e dos cinco que o acompanhavam.

- Tenho um meio, um bom meio, verás. Não escaparão da que lhes vou preparar!

E com o pretexto de lhes querer dar um banquete, fê-los entrar num quarto cujo soalho, paredes e portas eram de ferro.

No meio do quarto estava uma mesa coberta de pastéis, doces e frutas.

- Entrem, entrem, e comam até fartar!

E assim que os viu dentro foi-se à chave e fechou-os por fora. Depois ordenou ao cozinheiro que acendesse um fogão debaixo daquela sala, até que o ferro ficasse vermelho.

Os seis companheiros, que estavam comendo e bebendo, começaram a sentir calor: ao princípio imaginaram que era do comer, mas o calor ia cada vez a mais, até que eles levantaram-se e foram até à porta para a abrirem. Estava a porta fechada por fora. Viram logo que o rei lhes queria fazer alguma das suas.

- Deixá-lo lá - observou o homem do chapéu. - Vou já fazer um frio tal, que não haverá calor que possa com ele.

E pôs o chapéu direito na cabeça. O calor desapareceu logo e os pratos gelaram na mesa.

Duas horas depois, o rei, imaginando que os homens estavam cozidos e recozidos, mandou abrir a porta, e veio ele mesmo em pessoa ver a sua obra. Achou os seis companheiros contentes e felizes, e dizendo que queriam sair dali para se aquecerem um pouco, tal era o frio que havia dentro daquela sala.

O rei, furioso, foi ter com o cozinheiro e perguntou-lhe porque não cumprira as suas ordens.

- Real senhor, saiba vossa majestade que cumpri. Aqueci o ferro até ele ficar vermelho.

O rei foi ver e reconheceu que o cozinheiro não mentia. Não sabendo porém como desfazer-se daqueles hóspedes tão incómodos, mandou chamar o soldado e falou assim:

- Se prescindires dos direitos que tens sobre minha filha, dar-te-ei tanto ouro quanto quiseres.

- Aceito, meu senhor, aceito, mas há-de dar-me tanto quanto puder levar um dos meus criados: nesse caso não exijo a mão da princesa.

O rei bateu as palmas de contente; o soldado disse que havia de vir buscar o dinheiro dentro de quinze dias. No entretanto reuniu os alfaiates que havia em todo o reino e encomendou-lhes um grande saco. Quando aquele saco, que levara quinze dias a coser por um exército de alfaiates, estava pronto, o valentão que arrancava árvores, como quem arranca cebolas, pegou nele às costas e apresentou-se no palácio.

O rei perguntou que espécie de homem era aquele valentão que trazia às costas um saco tão grande... Quando soube quem era, ficou desesperado por ver que dinheirão caberia ali dentro...

Mandou vir um tonel que fazia suar os dezasseis homens que o trouxeram: o valentão pegou no tonel com uma só mão e, metendo-o no saco, perguntou:

- Então é só isto?

O rei mandou buscar todos os seus tesouros, que foram direitinhos para o fundo do saco.

- Mais! Mais! Mais! - gritava o homem.

O rei mandou buscar setecentas carruagens carregadas de ouro e o valentão meteu-as, assim como os bois que as puxavam, dentro do enorme saco.

- Enfim, o melhor é ir metendo a esmo tudo o que eu apanhar ao alcance da mão!

E foi metendo, metendo tudo!

- O saco ainda não está cheio, mas afinal fechemo-lo assim mesmo.

E atando com uma grande corda a boca do saco, atirou-o para os ombros e partiu.

Assim que o rei viu que todas as suas riquezas iam às costas de um só homem, mandou reunir toda a sua cavalaria e deu ordem para que prendessem os seis companheiros, e que lhes tirassem o saco. Os regimentos abalaram atrás dos fugitivos.

- Alto aí! Alto aí! Senão, sereis esquartejados - gritaram os comandantes da tropa.

- O que é que vossemecês dizem? - tornou o homem que soprava pela venta -nós esquartejados! Esperem que eu vos ensino a todos!

E tirando a mão da venta, soprou, soprou, e não lhes digo nada!, soldados, cavalos, comandantes, tudo foi pelos ares.

Um velho general pediu misericórdia e o homem deixou de soprar, não sem lhe dizer:

- Vai dizer ao teu rei que não mande mais tropa contra a gente, que eu atiro-a toda por esses ares...

O rei, quando tal soube, redarguiu:
- Deixá-los lá, parece que aqueles homens são feiticeiros. Os seis companheiros dividiram todas aquelas riquezas, casaram-se, tiveram muitos filhos e foram muito felizes até à hora da morte.

Fonte:
José António Gomes e Isabel Ramalhete (Seleção e coordenação). Contos de Sempre. Porto/Portugal: Porto Editora, Setembro de 2004.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 414)

Uma Trova Nacional

Teve um infarto na cama
a noiva que é tão frajola,
ao ver que, em vez do pijama,
o noivo pôs camisola.
–MAURÍCIO FRIEDRICH/PR–

Uma Trova Potiguar

A mulher, belo animal,
a muitas coisas se atreve,
até o fio dental;
ela enfia onde não deve...
–ZÉ DE SOUZA/RN–

Uma Trova Premiada

2005 - Belém/PA
Tema: DÍVIDA - Venc.

Devo-te oitenta! Mas quero
pagar-te em nota de cem...
- Me empresta mais vinte! Espero
devolver no mês que vem!
–RENATO ALVES/RJ–

Uma Trova de Ademar


O esquecimento é meu drama!
Estou vendo a coisa preta...
Pus o pijama na cama
e fui dormir na gaveta.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


"Abre , meu bem, a janela,
me esquenta que a neve cai..."
Quem abriu foi a mãe dela,
quem me esquentou foi o pai!
–APRYGIO NOGUEIRA/MG–

Estrofe do Dia


Eu sozinho, corri o mundo inteiro
a procura de grandes aventuras
sem temer o perigo e as lonjuras
ganhei fama de grande aventureiro,
na muralha da china eu fui pedreiro,
trabalhei como ourives em Omã,
fui soldado na guerra do Irã
detonando granada, bomba e traque;
viajando nas terras do Iraque
galopei no cavalo de Sadan.
–HÉLIO CRISANTO/RN–

Soneto do Dia

Quem com Ferro Fere...

–FRANCISCO MACEDO/RN–


Chicó bravo macho e voraz garanhão,
mulher deu bobeira, o Chicó faturava,
viúva, solteira, nenhuma escapava,
bonita, charmosa, brechó ou “canhão”.

A sua mulher em total solidão,
sabia de tudo ficava calada,
de tanto sofrer e de ser corneada,
tomou certo dia a melhor decisão.

O grande Chicó que vivia de festa,
danou-se a sentir a coceira na testa...
Ele não sabia da lei do retorno.

A lei não perdoa e Chicó, garanhão,
tornou-se uma vítima do Ricardão,
de tanto trair, tanto mais se fez corno!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Cecília Meirelles (Livro de Poemas)


CANÇÃO

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

MOTIVO

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
Sou poeta.

Irmão das coisas fugidias
Não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

CANÇÃO I

Nunca eu tivera querido
dizer palavra tão louca:
bateu-me o vento na boca,
e depois no teu ouvido.
Levou somente a palavra
deixou ficar o sentido.

O sentido está guardado
no rosto com que te miro,
neste perdido suspiro
que te segue alucinado,
no meu sorriso suspenso
como um beijo malogrado.

Nunca ninguém viu ninguém
que o amor pusesse tão triste.
Essa tristeza não viste,
e eu sei que ela se vê bem...
Só que aquele mesmo vento
fechou teus olhos, também...

DESTINO

Pastora de nuvens, fui posta a serviço
por uma campina desamparada
que não principia nem também termina,
e onde nunca é noite e nunca madrugada.
(Pastores da terra, vós tendes sossego,
que olhais para o sol e encontrais direção.
Sabeis quando é tarde, sabeis quando é cedo.
Eu, não.)

Pastora de nuvens, por muito que espere,
não há quem me explique meu vário rebanho.
Perdida atrás dele na planície aérea,
não sei se o conduzo, não sei se o acompanho.
(Pastores da terra, que saltais abismos,
nunca entendereis a minha condição.
Pensais que há firmezas, pensais que há limites.
Eu, não.)

Pastora de nuvens, cada luz colore
meu canto e meu gado de tintas diversas.
Por todos os lados o vento revolve
os velos instáveis das reses dispersas.
(Pastores da terra, de certeiros olhos,
como é tão serena a vossa ocupação!
Tendes sempre o início da sombra que foge...
Eu, não.)

Pastora de nuvens, não paro nem durmo
neste móvel prado, sem noite e sem dia.
Estrelas e luas que jorram, deslumbram
o gado inconstante que se me extravia.
(Pastores da terra, debaixo de folhas
que entornam frescura num plácido chão,
Sabeis onde pousam ternuras e sonos.
Eu, não.)

Pastora de nuvens, esqueceu-me o rosto
do dono das reses, do dono do prado.
E às vezes parece que dizem meu nome,
que me andam seguindo, não sei por que lado.
(Pastores da terra, que vedes pessoas
sem serem apenas de imaginação,
podeis encontrar-vos, falar tanta coisa!
Eu, não.)

Pastora de nuvens, com a face deserta,
sigo atrás de formas com feitios falsos,
queimando vigílias na planície eterna
que gira debaixo dos meus pés descalços.
(Pastores da terra, tereis um salário,
e andará por bailes vosso coração.
Dormireis um dia como pedras suaves.
Eu, não.)

A DOCE CANÇÃO
A Christina Christie

Pus-me a cantar minha pena
com uma palavra tão doce,
de maneira tão serena,
que até Deus pensou que fosse
felicidade - e não pena.

Anjos de lira dourada
debruçaram-se da altura.
Não houve, no chão, criatura
de que eu não fosse invejada,
pela minha voz tão pura.

Acordei a quem dormia,
fiz suspirarem defuntos.
Um arco-íris de alegria
da minha boca se erguia
pondo o sonho e a vida juntos.

O mistério do meu canto,
Deus não soube, tu não viste.
Prodígio imenso do pranto:
- todos perdidos de encanto,
só eu morrendo de triste!

Por assim tão docemente
meu mal transformar em verso,
oxalá Deus não o ausente,
para trazer o Universo
de pólo a pólo contente!

BALADA DAS DEZ BAILARINAS DO CASSINO


Dez bailarinas deslizam
por um chão de espelho.
Têm corpos egípcios com placas douradas,
pálpebras azuis e dedos vermelhos.
Levantam véus brancos, de ingênuos aromas,
e dobram amarelos joelhos.

Andam as dez bailarinas
sem voz, em redor das mesas.
Há mãos sobre facas, dentes sobre flores
e com os charutos toldam as luzes acesas.
Entre a música e a dança escorre
uma sedosa escada de vileza.

As dez bailarinas avançam
como gafanhotos perdidos.
Avançam, recuam, na sala compacta,
empurrando olhares e arranhando o ruído.
Tão nuas se sentem que já vão cobertas
de imaginários, chorosos vestidos.

A dez bailarinas escondem
nos cílios verdes as pupilas.
Em seus quadris fosforescentes,
passa uma faixa de morte tranqüila.
Como quem leva para a terra um filho morto,
levam seu próprio corpo, que baila e cintila.

Os homens gordos olham com um tédio enorme
as dez bailarinas tão frias.
Pobres serpentes sem luxúria,
que são crianças, durante o dia.
Dez anjos anêmicos, de axilas profundas,
embalsamados de melancolia.

Vão perpassando como dez múmias,
as bailarinas fatigadas.
Ramo de nardos inclinando flores
azuis, brancas, verdes, douradas.
Dez mães chorariam, se vissem
as bailarinas de mãos dadas.

Eduardo Frieiro (O Mameluco Boaventura)


O romance O mameluco Boaventura, publicado em 1929, de Eduardo Frieiro, remete ao passado de Minas e busca reviver a turbulenta civilização do ouro. Em meio a esse contexto, a vida sentimental do mameluco Fernão Boaventura conduz a narrativa e se mescla aos episódios de conquistas e riquezas dos arraiais do ouro.

Neste romance de fndo histórico, Frieiro desenvolve uma história em que a ação é o elemento forte da narrativa. Os episódios são recortados de forma a apresentar um painel típico do século XVIII nas Minas Gerais, na época do governo do Conde de Assumar.

Em O mameluco Boaventura, a situação do Brasil-Colônia que abrange as grandes revoltas em torno de personagens fictícias, faz a História confundir-se com a ficção e as personagens com o real. Em meio a isso, desenvolve-se a história de um herói – Boaventura – que passa pela turbulência da vida, perde sua amada e se transforma em seguidor de um caminho que transcende a sua essência.

Não faltam ao enredo ingredientes resgatados do Romantismo. A heroína, que tem a morte como única saída, é um exemplo entre vários da formulação romântica tão ao gosto dos escritores brasileiros do século passado. O romance de Frieiro, no entanto, é comedido. A situação do casal que enreda o romance é mais um pretexto para sediar o ambiente das Minas Gerais do que um drama de dimensões desproporcionais, que transborda sentimentalismos. O tratamento às situações heróicas acontece num plano mais realista do que propriamente romântico, ou seja, não há o derramamento sentimentalista que alguns autores românticos conferiam ás suas personagens. Recriar um passado histórico e trazê-lo como enredo é, também, uma reminescência romântica que encontramos neste romance. Claro está que o enfoque é diferente; não encontramos na trama de Frieiro aquele ufanismo próprio dos românticos.

Outras cenas, ao longo da narrativa, resgatam traços fortes do Realismo/Naturalismo, como por exemplo, o espancamento do escravo Eliezer, descrito com todos os detalhes cruéis. Ou, então, a descrição detalhada e chocante da cafusa nanica e corcovada Rita.

Também as pequenas mostras do caráter de algumas personagens denotam um certo tom realista na obra de Frieiro. Não se quer dizer com isso que O mameluco Boaventura seja um exemplo da obra Realista; ele está filiado ao Modernismo, dada a data de sua primeira publicação. Desponta no romance de Frieiro, acima de qualquer julgamento crítico ou filiação a uma determinada estética, uma pesquisa séria e competente acerca do tema tratado e do engedramento da linguagem que caracteriza o tempo tratado nesse texto, acerca do período colonial mineiro.

Dois momentos históricos são recriados por Frieiro nesse romance. O primeiro, de menores proporções no enredo, foi o conflito emboaba de 1709, de que o narrador dá notícia ao contar sobre a corrida dos primeiros reinícolas às Minas do Ouro.

O segundo momento histórico se deu por volta de 1920, “quando os levantes de mineiros refletiam a insatisfação ante o fisco”. Frieiro recria o levante fazendo contracenar as personalidades que encabeçaram o episódio, como o Conde de Assumar e seus dragões, e as personagens ficcionais, como o mameluco Boaventura e seu séqüito, por exemplo.

Sobressai, no romance como na História, a ferocidade de D. Pedro de Almeida, o Conde de Assumar, governador da Capitania. A seqüência do comando de Assumar e o destino dos rebeldes não está no enredo; o curso da história muda, com a mudança de Boaventura. É a ele que acompanhamos até o final da narrativa, contemplando o momento de sua tomada de consciência diante dos fatos que fizeram dele a personagem forte, atrevida e rebelde.

Toda a trama que envolve Fernão Boaventura é relatada por um narrador em terceira pessoa. Ele vai contar uma história acontecida num tempo remoto, distanciando, assim, o tempo da enunciação do tempo do enunciado. O romance de Frieiro recria o cenário colonial brasileiro pondo-nos em contato com a linguagem da época, sem com isso deixar a narrativa pedante ou ilegível. O seu vocabulário, de admirável precisão nas descrições e de louvável contemporaneidade nos diálogos, dá-nos a impressão de que defrontamos um escritor que se deixa absorver pelo assunto que versa”.

O romance de Frieiro, apesar da época de publicação (1929), muito pouco, ou quase nada, tem das primeiras tendências modernistas. Frieiro era, na verdade um avesso ao movimento modernista, como se verá a seguir. O mameluco Boaventura pode ser considerado um romance linear, em que não se constatam novidades narrativas. Isso não quer dizer que não tenha sua expressividade.

O autor aborda um tema regional de pouca monta no contexto histórico brasileiro, visto a pouca historicidade acerca dos levantes nas Minas do Ouro em nossa produção didática. Essa temática, então, é um dos atrativos do romance de Frieiro.

Personagens

Fernão Boaventura: Filho de Caetano Boaventura e uma cunha (daí o nome de mameluco), era um rapaz valentão e atrevido que ficara rico com a herança deixada pelo pai. Fernão fora educado no colégio de jesuítas, em São Paulo, onde “fez o currículo de humanidades e freqüentou lições de artes, teologia e casos de consciência”. Mas não tinha nada a ver com aquilo; a vida eclesiástica não combinava com seu temperamento ardiloso. Está sempre acompanhado de seu capanga Chicão, um negro forte e corajoso. Apaixona-se por Violante, a filha de seu inimigo Vilarinho, o Trasmontano. Rapta a jovem, mas não alcança o casamento pois tem de fugir à perseguição do pai de Violante e das forças do governo, por ter-se aliado aos amotinados do levante de Pitangui. Adoece mortalmente, mas é salvo por seu padrinho, o Frei Tiburciano, que, além de curá-lo, abre-lhe as portas do evangelho. Termina a história a caminho do convento beneditino, no Rio de Janeiro, onde irá filiar-se.

Caetano Boaventura: Pai de Fernão. Veio de Taubaté atrás do ouro das Minas. Ficou riquíssimo com as datas metalíferas que adquiriu às margens do Ribeirão do Carmo.

Frei Tiburciano de São José: Frade capuchinho, padrinho de crisma de Fernão. Tinha seus cinqüenta anos, era robusto e bem disposto. Em sua face redonda e avermelhada pendurava-se uns óculos. Era um homem íntegro, considerado modelo de bom sacerdote.

José Gomes Vilarinho: Era de uma família de Trás-os-Montes, o que lhe conferia a alcunha de Trasmontano. Enriquecera rapidamente com as rendosas lavras minerais e fazendas de criação nos Currais da Bahia, sem falar no comércio de aguardente, fume e carne, que lhe rendiam bons lucros. Morava num casarão assombrado no Arraial de Baixo. Era casado pela segunda vez com D. Maria Joaquina, com quem não tivera filhos. Era um homem rígido e formal, incapaz de alguma cordialidade. Tratava a mulher cerimoniosamente; no fundo, desprezava-a por sua esterilidade sem remédio.

Violante: Filha do Trasmontano e enamorada de Boaventura. Dama formosa, delicada, recém-vinda da Bahia, onde morava com a avó. Era filha do primeiro casamento de seu pai. Pesava sobre si a ameaça de um enorme sacrifício. Sei pai, após sua fuga com Boaventura, jurava encerra-la num convento da Bahia. Isso não chegou a acontecer, porque Violante morre, nos seus poucos vinte anos, de paixão e penúria.

Andresa: Era a mucama de Violante. Era uma mulata ardente, bonita e astuta. Namorava com Eliezer, com quem se encontrava às escondidas do patrão. Fiel à sua Violante, Andresa é a intermediária do romance da moça e Boaventura. Foge com a sinhazinha e Fernão, quando o rapaz rapta a jovem amada.

Eliezer: Escravo fiel de Boaventura. Fora flagrado em seus amores com Andresa e pagou caro por isso. Levou uma surra enorme dos homens do Trasmontano. A pedido de seu patrão, combina com Andresa um plano para ajudar o namoro proibido de Fernão e Violante, não sem antes consultar o feiticeiro Manuel Oxalá. Eliezer era vivo e ladino; gostava de tocar sua pequena flauta de bambu, com que fazia serenatas a Andresa.

Manuel Oxalá: Era um preto ancião, já caquético, de cabelos e barba brancos. A ele recorreu Eliezer para falar sobre a missão de que fora encarregado. Queria saber se seria novamente castigado. Eliezer entregou a ele os galos e o bornal das oferendas para o sacrifício, mas isso não bastara. O velho bruxo queria também a recompensa adiantada do trabalho que ia fazer, o que explicou direitinho fazendo o gesto universal do polegar e o indicador da mão direita que exprime dinheiro. Depois de receber as moedas do rapaz, o negro seguiu o ritual e, por fim, tranqüilizou Eliezer.

Alf. Suzarte: Rapaz bem apessoado, alferes de auxiliares do terço da Vila-Real de Sabará. Era um sujeito sem escrúpulos, de quem se contavam histórias bem escabrosas. Certa vez envolvera-se com a amaziada de um negociante baiano, com quem fugira. Era caso de morte publicamente executada, mas o alferes foi se esconder junto aos homens de seu terço e nada lhe aconteceu. Segundo uma crítica tendenciosa do Frei Tiburciano, Suzarte gostava de se poluir com escravas negras. Estava encantado por Violante, a quem pretendia corrigir, com o tempo, os calundus de sinhazinha caprichosa. Morreu nas mãos de Fernão, por época do levante de Pitangui.

D. Pedro de Almeida, o Conde de Assumar: Era o governador da Capitania de São Paulo e Minas (1919). Era ex-comandante do exército português na guerra da sucessão de Espanha. Descendia da ilustre estirpe dos Almeidas. Tinha pouco mais de trinta anos. Seu governo foi austero e baseava-se na seguinte tática: dividir para reinar. Na prática, isso significava trocar força e prestígio por favores. Ordenou rigorosa devassa e o pronunciamento dos cabeças nos levantes ocorridos nas Minas.

Dona Querubina: Era uma viúva que tinha uma pensão e uma loja de comidas e bebidas nos campos da Cachoeira. Por duas vezes Fernão esteve na pensão de D. Querubina. Uma, quando fugia da Vila-Rica por ocasião do desacato que fez ao escrivão, quando fora tomar satisfação sobre as terras suas que passaram às mãos do Trasmontano. Outra, quando foge de Pitangui, após o fracassado levante. É na pensão de D. Querubina que Fernão se restabelece e se introniza nos aprendizados divinos.

Além dessas personagens, figuram no romance o Figueirinhas, mercador de escravos e bugingangas; Nicota e Josefa, serviçais de D. Querubina; o Taturana, capanga de Vilarinho; o Ouvidor; Martinha, mulher de André Baracho; Manuel Nunes Dias, o famigerado caudilho aclamado ditador pelos Emboabas; Antônio Pereira, o português que comprara por oitocentas oitavas de ouro, as casas, as ferramentas e as terras do último morador do extinto Arraial do Carmo; o frade suro em cuja tonsura Fernão urinou, por vingança na pessoa errada, e que raptou a Nicota; e a feia Rita, a nova serva da pensão.

Enredo

A narrativa tem início com a venda de um escravo a André Baracho, um bem sucedido comerciante estabelecido em Passagem, a meio do caminho entre a Vila do Carmo e a Vila-Rica. O vendedor é Figueirinha, um mercador do Reino acostumado a abastecer a região com mercadorias vindas por navios. Baracho menosprezava a mercadoria, o mercador valorizava seu produto. O negócio se fecha nas duzentas oitavas, ambos os mercadores sabendo que fizeram um bom negócio.

André Baracho, é um imigrante português bem-sucedido, com sua loja de regatão, suas lavras de ouro, roças de milho e por volta de 1706, com os primeiros reinícolas que vinham atraídos pela fama das descobertas do ouro nos sertões das Minas Gerais.

Chegou pobre; o que tinha de seu trazia às costas. Era, entretanto, ambicioso e meteu-se em especulações de toda sorte: “mercadejava escravos, barganhava animais, receptava e contrabandeava o ouro”. A única característica que manteve foi a rudeza de seus hábitos; era um sujeito grosseirão. Bom negociante, andou a apossar-se de umas jazidas que eram de direito de Fernão Boaventura, herdadas de seu falecido pai. Baracho, sentindo que poderia ter complicações com o mameluco, transferiu as terras recém-adquiridas para o Transmontano, numa transação, certamente, ilegal.

Caetano Boaventura, paulista de Taubaté, chegou às Minas como todos os outros aventureiros, logo aos primeiros rumores da descoberta do ouro. De início, explorou o Ribeirão do Carmo e a Serra do Ouro-Preto, cujo ouro propiciou-lhes bens e riqueza.

Caetano era viúvo e seu único descendente era seu filho Fernão, que teve como alcunha carijó. Quando Caetano Boaventura morreu, em 1715, o jovem mameluco herdou todos os seus bens. Não tardou que Fernão fosse tomar satisfação da negociata de Baracho. Fernão Boaventura era um jovem temido nas Minas, onde “só a violência e o estrondo das armas impunham respeito”. Acompanhado de seu grupo, foi ter às terras do Batatal, onde tinha um lavradio de ouro. Mandou enxotar as escravas de Baracho, que lá estavam com o pretexto de vender aguardente, doces e outras comidas. Na verdade, as escravas serviam para entregar ao receptador o ouro roubado pelos escravos empregados nas minas. Em seguida, Fernão seguiu para as terras adquiridas recentemente pelo Transmontano e pôs para correr os que ali trabalhavam na extração.

Fernão e seu grupo continuaram seu caminho para Vila-Rica, a fim de resolver a pendência das terras que passaram para o Transmontano por intermédio do escrivão local. Chegaram sem muito alarido, já que Vila-Rica era um território dominado quase que exclusivamente pelos representates do rei. Os paulistas haviam perdido esse território para os reinícolas, que souberam explorar as minas, consideradas esgotadas pelos paulistas, com técnicas em uso nas colônias espanholas. Com isso, reativaram a extração. Assim surgiu o arraial do Ouro-Preto, “núcleo da futura Vila-Rica, a mais opulenta e povoada da Capitania.” A descrição de Vila-Rica é bastante precisa.

Dando sequência à narrativa, o episódio do suposto padre Sinfrônio destaca um acontecimento que parece comum à época: o rapto de uma escrava para que servisse a um clérigo. O caso é que Fernão e seu grupo buscavam pouso na casa de Dona Querubina. Lá, avistaram um padre, que confundiram com o tal Sinfrônio de quem ouviram a história sobre ter roubado uma mulata escrava do velho Boaventura. Quiseram, então, vingar o acontecido. A vingança acertou a pessoa errada e o bando dispensou o pouso da viúva.

Outro flagrante dos costumes de então aconteceu com Eliezer, um escravo de Boaventura que namorava Andressa, a mucama de Violante, filha de José Gomes Vilarinho, o Transmontano. O casal foi descoberto e Transmontano mandou dar um corretivo no rapaz, aproveitando a ausência de Boaventura. A surra foi grande. Quando soube do acontecido, Fernão invadiu a casa do Transmontano para uma vingança. Enquanto afrontava o dono da casa, o grupo de Fernão tirava a forra na senzala.

A cena serviu para a apresentação da jovem Violante, que intercedeu para que a violência acabasse. Seu pedido impressionou Fernão, que atendeu à súplica da jovem. Daí em diante, Fernão Boaventura começou a cortejar a moça, à revelia de Vilarinho e de D. Maria Joaquina, madrasta da jovem.

José Gomes Vilarinho chegara ao Brasil ainda jovem, recomendado a um rico mercador da Bahia, para quem trabalhou como caixeiro. Casou-se com uma das filhas do mercador, com quem teve uma única filha, ficou viúvo, mudou-se para as Gerais para negociar por conta própria, contraiu segundas núpcias com uma paulista, que não lhe dera filhos. Morava no Arraial de Baixo, na vila do Ribeirão do Carmo.

Após o pedido de Violante, a respeito da invasão de Boaventura e seu grupo em terras do Transmontano, Fernão tornou-se outra pessoa. Enamorou-se.

Naquela noite, Fernão dormiu mal. A moça Violante não lhe saía do pensamento. Aquele pedido tão doce inaugurou um desejo enorme no peito do rapaz. Precisava revê-la! Mas como, naquele vilarejo em que as poucas famílias viviam reclusas em suas propriedades, distantes do movimento? A família de Violante, apenas raramente, aparecia na missa dominical da matriz do Carmo.

Fernão esperou cinco longos dias até o evento. Arrumou-se com esmero, esperando fazer boa figura. Aguardou no adito da igreja a chegada da família Vilarinho. Com ares de fidalgo, Fernão faz uma reverência discreta à passagem da moça, o que deixou o Trasmontano contrariado. Violante só percebeu a presença do rapaz à saída; olhou-o com seus olhos cinzentos e pareceu reconhecê-lo. Poucas vezes teve o mameluco a mesma oportunidade; percebendo a insistência do rapaz, o Transmontano decidiu não retornar à missa do Carmo. Fernão esperava em vão. Estava enfeitiçado por aquela menina.

No dia 19 de abril de 1719, D. Pedro de Almeida, o Conde de Assumar, ofereceu um sarau à condessa pelo seu aniversário. Estavam presentes as personalidades mais consideráveis da Vila do Carmo e da Vila-Rica. Entre eles, a família Vilarinho. Estava também, para contragosto do Transmontano, o jovem Boaventura. Fora levado por seu padrinho, o Frei Tiburciano de São José, homem de letras e santidade. Estava presente, também, para desventura de Fernão, o jovem e bem apessoado alferes Suzarte.

A conversa continuava, agora sobre o governo do Conde de Assumar. Nos dizeres dos dois, era ele um homem austero, disciplinador, de carreira feita nas armas. Era apoiado pelos paulistas, com exceção da cobrança dos quintos, contra o que toda gente se recentia.

Frei Tiburciano aproveitou o ensejo para cobrar do conde o bispado no Carmo. Nova preleção se estendeu, desta vez partindo do próprio Conde de Assumar. Dizia ele que “os frades não querem também que os povos destas Minas tenham superiores”. Reclamou que os religiosos se sentiam desabrigados a contribuir com as taxas – que ele chamava de obrigações – para a Coroa. Frei Tiburciano terminou a conversa, levantando uma questão polêmica: a troca de favores entre o governo e a Igreja.

Os festejos continuaram, com danças e conversas. Instigada pelos presentes, Violante cantou trovas e xácaras, acompanhada pelo Alferes. Boaventura havia se prontificado a acompanhá-la na viola, mas ela ignorou a presteza do rapaz. Após sua apresentação, Fernão tomou da viola e anunciou que ia cantar. Cantou as primeiras estrofes da cantiga da Menina fermosa, cujos versos reclamavam do temperamento intempestuoso de uma dama tão formosa. Lançou um olhar para Violante e continuou a cantiga, que nos versos era a resposta da moça fermosa, mas que tomava o significado de uma resposta da própria Violante.

O governador interrompeu oportunamente a cantoria e anunciou uma próxima festa para o ano, recepcionada por um rico minerador. Fernão aproveitou o sussurro geral e disse à Violante: “Adoro-a, Violante...” A revelação deixou a moça ruborizada e lhe trouxe lembrança que não conseguiu definir. Veio à sua cabeça a cena do insulto a seu pai, e a sua indecisão em posicionar-se do lado do pai ou do rapaz. Gostaria de odiar Fernão, mas seu coração não consentia nisso. Chamava-lhe a atenção o olhar altaneiro e decidido do rapaz. Agradava-lhe a fisionomia do jovem, seu porte, sua pele morena. Recordou todas as atitudes do rapaz para com ela, com certo prazer. Lembrou-se de que aguardava ansiosamente cada domingo, até que o pai não mais a levasse à missa do Carmo.

Na saída da festa, Fernão arranjou um jeito de segurar demoradamente a mão que Violante lhe estendeu. Mais adiante, trocaram um olhar que queria dizer muitas coisas ao seu coração.

Fernão não ficava um só instante sem maquinar algum modo de falar com a moça. Era cada vez mais impossível saber de Violante, a moça não saía para nada, ninguém tinha notícias dela. Fernão ficava circulando o casarão dos Vilarinho, em vão. Teve então uma idéia. Pediu a Eliezer que reatasse com Andresa, para que a moça pudesse interceder por ele com Violante. Em troca, Fernão prometeu a alforria do escravo. Eliezer, apesar do medo que sentia ao lembrar-se do castigo que sofrera, acabou por concordar. Antes, porém, consultou o Manuel Oxalá, que depois de muito ritual e trabalhos de candomblé, disse que Eliezer podia ficar tranqüilo que tudo iria correr bem. Assim foi. Andresa passou a cumprir sua função de recadeira muito direitinho. Dizia à Violante o quanto Boaventura gostava dela e nem ligava às ameaças da moça de ir contar ao pai aquela travessura. Aos poucos, o rapaz Fernão era o assunto constante das duas.

Todos os dias, Fernão Boaventura passava com seu cavalo nas imediações do casario. Parava um pouco em frente à janela de Violante, que o espreitava por trás das cortinas, para não ser vista por ele. Inteirado disso, todas as vezes Fernão tirava o chapéu em cumprimento e ia-se embora, muito satisfeito. Violante era reservada, achava aquilo de gostar do mameluco uma loucura. Mas, como resistir à conquista daquele rapaz ousado?

D. Maria Joaquina, a madrasta, desconfiava do comportamento da enteada. Tratou de conspirar um plano para casar Violante com algum rapaz digno da família. Veio-lhe à cabeça o rapaz Suzarte. Contou suas dúvidas sobre os sentimentos da moça para o Trasmontano, que ficou muito espantado.

Diante da argumentação de D. Maria Joaquina, que sugeriu o Suzarte como saída para o possível relacionamento de Violante e Fernão, o Trasmontano voltou a se acalmar. Afinal, “o alferes não é de todo mau.(…) Dizem que não é lá de muitos bons constumes…” Combinaram convidar o alferes para uma visita. O alferes logo percebeu o arranjo dos Vilarinho e gostou da idéia. Violante é que se mostrava distante; não escondia o desamor que tinha por Suzarte. Vilarinho resolveu que era preciso fazer aquele casamento o quanto antes.

No dia 16 de julho realizavam-se no Carmo grandes festas religiosas e profanas, em homenagem à padroeira da Vila. Havia missa, procissões e, em seguida, o melhor da festança: as cavalhadas, cujo enredo recriava os torneios entre Cristãos e Mouros, com o sabor das histórias de Carlos Magno e os doze pares de França, e se recompunha o rapto da Princesa Floripes.

Como era de se esperar, a princesa foi representada por Violante. Fernão usou as cores dos cavaleiros cristãos – em que fazia boa figura – e Suzarte as cores do bando mouro. Também era esperado que o jovem Boaventura aprontasse alguma com o alferes. De fato, o mameluco arranjou um jeito de emparelhar-se com o outro e fê-lo ir ao chão. A platéia vibrou como a façanha. Um dos rituais da cavalhada é um cavalheiro tirar a argolinha pendente de um arco e oferecê-la a alguém da platéia. Num arroubo, Fernão realizou a façanha e entregou, publicamente, o objeto da proeza à Violante. A moça ficou atônita, ruborizada, com receio do pai, mas colocou seu lencinho na ponta da lança que lhe trouxe a oferenda. Fernão deixou o picadeiro radiante de orgulho e felicidade.

Outra tarefa do evento era o rapto da donzela. É claro que Boaventura realizou o feito, para infelicidade do Trasmontano. Tudo foi tão rápido que ele nada pôde evitar. Novamente o público delirou.

Algum tempo depois da festa, Fernão foi ter uma conversa com o padrinho, o Frei Tiburciano. Abriu seu coração, contando de sua paixão pela filha do Vilarinho. O frei espantou-se muito da coragem e audácia do rapaz; logo se confortou, comentando que a moça estava de casamento marcado com o alferes. Fernão não escondeu sua surpresa. Os dois conversaram sobre o comportamento do Suzarte, que não era nada exemplar. Entre outros malfeitos, o alferes gostava de se envolver com uma outra escrava, o que aos olhos do frei e, certamente, de toda a gente branca do lugar, era considerado uma libertinagem, um ato vergonhoso. Desgostoso com a notícia do casamento e certo de que isso era contra os desejos de Violante, Boaventura afirmou que a moça seria dele, ou de mais ninguém.

Arma, então, um novo plano.

Aproveitando que o Vilarinho estava ausente, deu ordens para que fosse, dizer no casario que o Trasmontano fora atacado e estava em perigo. Diante do fato, os empregados do velho saíram em seu socorro, deixando Violante, a madrasta e Andresa sozinhas. Boaventura, então, pôde se aproximar da jovem Violante e, em presença de D. Maria Joaquina e da jovem assustada, disse a que vinha.

Violante deu dois passos à frente. A força irresistível daquele homem a arrebatara de vez. Diante da indignação da madrasta, Violante seguiu o homem que amava.

O jovem casal principiou sua jornada, acompanhados do grupo e Boaventura e da dedicada Andresa. Fernão decidiu que Violante só seria sua diante da bênção de Deus. No caminho, encontraram um grupo de caçadores de ouro. Estavam esmorecidos da luta infértil da cata do ouro. A estação não estava boa para aquele grupo. Um de seus negros já tinha fugido, outro morreu de febre, outro foi comido por uma onça. Boaventura disse a eles sobre a fartura de ouro em Cuiabá, e o grupo de animou. Pediram liçensa para acompanhar o bando de Fernão. Iriam até Pitangui, comprariam alguns escravos para engrossar o grupo e seguiriam para Cuiabá.

O velho Trasmontano, desesperado com o acontecido, jurou matar Boaventura. Queria mesmo que o mestiço tivesse mil vidas para acabar com todas elas, tamanha sua raiva. Organizou um bando de homens valentes e foi atrás do roubador da filha. Uma chuva repentina flagrou-os em meio à jornada, o que atrasou em um dia a busca do Trasmontano. Chegando a Pitangui, o velho pai ficou sabendo que a filha estava hospedada em casa de uma família paulista, amiga de Fernão. Ficou sabendo, também, que semanas atrás, houve um motim na vila por causa de um juiz que tinha vedado o comércio de aguardente. O povo de lá havia expulsado o tal juiz, sob ameaça de morte, caso quisesse continuar na vila. O conde de Assumar, ciente do caso, enviou para a vila o ouvidor e uma pequena tropa de dragões. Ao saberem das proporções do incidente, resolveram buscar reforços no Carmo. O chefe do motim contra o juiz, um truculento caudilho paulista, temendo um ataque, resolveu amotinar-se com seus sequazes duas léguas adiante da vila, local de fácil defesa.

Assim que soube do paradeiro da filha, Vilarinho foi até a tal casa. O dono da casa assegurou que Violante estava segura lá, mas o Trasmontano insistia em que a moça fosse embora com ele. Nesse entremeio, Boaventura adentrou a casa e disse que nem o diabo impediria que a moça ficasse com ele. O fazendeiro se interpôs na discussão e o Vilarinho saiu esbravejando. Que podia fazer ele? Pedir reforços à justiça? Àquela justiça que estava ameaçada?

Enquanto isso, o Conde de Assumar acertou com o comandante da tropa de dragões o que deveria ser feito contra os amotinados de Pitangui. Fazia parte do colóquio, o alferes Suzarte, a chamado do governador. D. Pedro levantou reforços em Sabará e no Caeté, mais de cem homens dispostos a seguir com os dragões. Ouviu-se que havia mais de mil homens amotinados em Pitangui, vindos de fazendas dos arredores. Segundo Suzarte, os paulistas eram valentes, mas não entendiam da arte de se fazer guerra. O alferes Suzarte via nisso um bom pretexto para tirar a limpo o rapto de sua noiva.

O que sucedeu, então, foi que Boaventura e seu grupo uniram-se aos amotinados. Com os reforços encomendados pelo governador, foi fácil travar a batalha. Os revoltosos foram acuados e os que sobraram trataram de fugir para as terras de Cuiabá. Essas notícias chegavam até Violante, que estava adoentada em casa do fazendeiro Capitão Juca. Em sua convalescência, a jovem Violante via-se corroída pelo remorso.

A notícia de que o ouvidor acabara de tomar conta da vila e que iria abrir uma devassa para punir os cabeças revoltosos deixou Violante atônita. Sem notícias de Fernão, sua dor era infinita. Nisso, ouviu-se o galope de cavalo. Boaventura chegava, foragido, para despedir-se da amada. Ele contou que, estando ele e seus homens próximos à vila, perceberam uma patrulha em sua direção. Fernão mandara que metade de seus homens seguissem na frente e ele e o resto do grupo ficaram escondidos, acoitando a patrulha, que caiu na cilada. No combate, Fernão matou o alferes Suzarte. Os patrulheiros, no entanto, eram em maior número e acabaram vencendo o embate. Muitos homens de Boaventura tombaram, entre eles seu fiel guarda-costas, Chicão. Agora estava se despedindo, impossibilitando de levar adiante sua vida naquele lugar. Instantes depois da fuga, a patrulha invadiu a casa em busca do mameluco. Era tarde! Violante não resistiu a tanta agrura. Morreu na flor de seus vintes anos, do mais puro amor.

Escapando de Pitangui, Fernão juntou-se ao acampamento dos insurretos paulistas, ao sul do Rio Pará. Notícias da vila chegavam a qualquer momento. Primeiro, o governador queria punir severamente o chefe paulista; segundo, a força de dragões fora acrescida e enviada para prender os amotinados; depois, a morte de Violante.

Desorientado, Boaventura decidiu não acompanhar o grupo. Retornou à Vila-Rica e pediu pousada na casa da boa Querubina. Ela lhe contou que o frade suro, aquele que foi vingado por Fernão no lugar do outro que roubara a escrava do velho Boaventura, havia fugido com a Nicota, a escrava que ajudava Querubina no serviço da cozinha.

Boaventura estava tão desgastado, que adoeceu. A febre era forte. Querubina mandou chamar um curandeiro. A febre não cessava. Foi chamado um barbeiro-cirurgião, que também não obteve resultado. Chamaram, então, Frei Tiburciano para que tomasse as últimas providências que um frei pode tomar: encomendar a alma de seu afilhado. Mas Fernão se recuperou. Querubina atribuiu o milagre ao frade. Pediu-lhe a bênção e não deixou de renovar o raminho de alecrim aos pés de Nossa Senhora das Mercês, a quem recorrera em favor em Boaventura.

Fernão recuperou-se, graças aos remédios caseiros do frei e dos carinhos de Querubina. A fragilidade a que esteve exposto serviu para abrir-lhe a mente e o corpo para um novo momento em sua vida. “Sentia que o germe de um anseio religioso lhe entrava na alma.”

A partir daí, Fernão e seu padrinho entabularam um aprendizado sobre a “ordem de Deus” e os pecados do homem. “O homem é uma dissonância na harmonia universal e parece destinado a desconjuntar o plano da Providência”, dizia o frei. Era eloqüente e impressionava, cada vez mais, o Boaventura. E o arrependimento, a tônica forte do discurso, sensibilizou plenamente o rapaz. Frei Tiburciano, que viu despontar no sofrido afilhado uma nova pessoa, não deixou de contemplá-lo com a mais fina filosofia sobre a força da natureza. A analogia que faz entre Criador e criatura, referindo-se ao trabalho das formigas, era de grande esmero. Com isso, iniciou Fernão na vida religiosa que o rapaz optou por seguir.

Fonte:
Profª Carla Fagundes, disponível em http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/o/o_mameluco_boaventura

Eduardo Frieiro (1889 – 1982)


Eduardo Frieiro (Matias Barbosa, 1889 — Belo Horizonte, 1982) foi um professor universitário e escritor brasileiro.

Eduardo Frieiro nasceu em Matias Barbosa, na Zona da Mata mineira, mas cresceu no bairro Carlos Prates, em Belo Horizonte. Filho de imigrantes espanhóis, chegou à capital em 1898, para acompanhar o pai, pedreiro que participaria da construção da "nova capital". Devido à sua descendência, habituou-se a ler os autores castelhanos.

Foi professor catedrático de Literatura Espanhola e Hispano-Americana na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da qual recebeu o título de professor emérito.

Fundou a Faculdade de Filosofia dessa Universidade, onde ministrou também aulas de Filologia Românica, além de lecionar História do Livro na Faculdade de Biblioteconomia.

Primeiro diretor da Biblioteca Pública de Minas Gerais, hoje Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa.

Além de suas atividades acadêmicas, Eduardo Frieiro contribuiu por mais de 40 anos com o jornalismo literário, assinando regularmente artigos para jornais e revistas.

O escritor foi membro da Academia Mineira de Letras, e em 1936 recebeu o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra, concedido pela Academia Brasileira de Letras.

Publicações
– O Clube dos Grafômanos, (romance), Edições Pindorama, Belo Horizonte, 1927;
– 0 Mameluco Boaventura (romance), idem, idem, 1929;
– Inquietude, Melancolia (romance), idem, idem, 1930;
– 0 Brasileiro Não É Triste (ensaio), ed. Os Amigos do Livro, 1931;
– A Ilusão Literária (ensaio), idem, idem, 1932;
– 0 Cabo das Tormentas (romance), idem. idem, 1936;
– Letras Mineiras (ensaio), idem, idem, 1937;
– Os Livros, Nossos Amigos (ensaio), Livraria Paulo Bluhm, Belo Horizonte, 1941. A 2ª e 3ª edições da Editora Pensamento, São Paulo, 1945 e 1957;
– Como Era Gonzaga?, publicações da Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1950;
– O Diabo na Livraria do Cônego (ensaio), Livraria Cultura Brasileira, Belo Horizonte, 1946; a 2ª ed.
– Páginas de Crítica e Outros Escritos (ensaio), 1955;
– O Alegre Arcipreste e Outros Temas da Literatura Espanhola (ensaio), Livraria Oscar Nicolai, Belo Horizonte, 1959;
– O Romancista Avelino Foscolo (biografia).
– Feijão, Angu e Couve (ensaio), Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1950.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Frieiro
http://www.fafich.ufmg.br/dcs/departamento/projeto-memoria/um-pouco-de-historia/quem-e-quem/eduardo-frieiro/

II Seminário Internacional de Crítica Literária


Seminário discute tensões da crítica literária contemporânea

Ficção versus realidade, tradução, exposição midiática e obras multimídia serão parte dos debates

II Seminário Internacional de Crítica Literária

quarta 7 a sexta 9 de dezembro

A crítica literária atual se depara com um cenário novo e desafiador. Como lidar com as interações entre autor e exposição midiática intensa, produção literária e intercâmbio cultural, literatura e hibridismo artístico? Qual o sentido da crítica nos dias de hoje? De 7 a 9 de dezembro, o II Seminário Internacional de Crítica Literária explora essas questões, na sede do Itaú Cultural, em São Paulo.

Participam do evento intelectuais e críticos brasileiros e estrangeiros como Marjorie Perloff (Estados Unidos), Marisa Lajolo (Brasil), João Cezar de Castro Rocha (Brasil), David Toscana (México), Berthold Zilly (Alemanha), Luiz Costa Lima (Brasil) e Mario Perniola (Itália), além de outros escritores, teóricos, tradutores e filósofos, de várias nacionalidades e linhas de pensamento.

São 8 convidados internacionais e 11 nacionais. Os debates têm curadoria da escritora, professora e pesquisadora Maria Esther Maciel e da consultora e produtora cultural Selma Caetano. A mediação será realizada por 6 especialistas brasileiros.

entrada franca - ingresso distribuído com meia hora de antecedência
reserva para grupos: itaucultural@comunicacaodirigida.com.br

quarta 7

17h30 O Papel da Crítica no Jogo entre Realidade e Ficção

com David Toscana (México) e José Castello (Brasil)

A literatura não tem compromisso algum com a explicação, mas, sim, com a invenção. Os escritores já não se iludem: a literatura não é, e nunca foi, um espelho capaz de refletir, com nitidez e perfeição, o mundo real. Em que medida, no complexo, veloz e fragmentado século XXI, a literatura ainda pode – se é que um dia conseguiu fazer isso – dar conta da realidade?

20h A Crítica Biográfica e os Desafios da Ficção

com Italo Moriconi (Brasil), Leonor Arfuch (Argentina) e Marisa Lajolo (Brasil)
mediação Regina Zilberman

A valorização midiática da figura do escritor, aliada à profusão editorial de obras biográficas e autobiográficas, tem exigido da crítica contemporânea um reposicionamento diante das complexas relações entre vida e literatura, autor e obra, realidade e ficção. Que estratégias de abordagem têm sido usadas pela crítica no trato dessas questões? Até que ponto a vida de um autor serve como referência para a leitura de uma obra?

quinta 8

15h A Tradução como Crítica

com Berthold Zilly (Alemanha), Márcio Seligmann-Silva (Brasil) e Paulo Henriques Britto (Brasil)
mediação Marcelo Tápia

Tradução, crítica e criação são práticas interligadas. O ato de traduzir implica um diálogo crítico-criativo com outras culturas e com a própria tradição literária, interferindo também, de forma incisiva, no próprio fluxo da produção literária do presente. Em que medida, nesse movimento, a tradução reinventa também seus próprios conceitos e mecanismos de leitura? O que define a força crítica do trabalho de tradução?

17h30 A Crítica de Poesia em Tempos Digitais

com André Vallias (Brasil), Eduardo Sterzi (Brasil) e Marjorie Perloff (Estados Unidos) |
mediação Lourival Holanda

O advento de novos suportes digitais tem possibilitado o surgimento de expressões poéticas cada vez mais híbridas, mediadas por diferentes relações entre texto, imagem, interatividade e vários recursos multimídia. Como a crítica de poesia tem lidado com essas mudanças? Em que medida ela tem criado novos procedimentos e fundamentos de abordagem e reflexão para lidar com as linguagens poéticas do mundo digital?

20h A Crítica Literária como Intercâmbio Cultural

com Antonio Gonçalves Filho (Brasil), João Cezar de Castro Rocha (Brasil) e Martín Kohan (Argentina) |
mediação Luiz Ruffato

A crítica quase sempre desempenhou o papel de avalizadora da produção literária e, assim, serviu como parâmetro principal do intercâmbio cultural entre os países. Em tempos de rápida circulação de informações, a crítica literária ainda tem espaço para desempenhar esse papel? Se não, quais são os novos mecanismos disponíveis e quais as consequências da substituição da crítica literária por eles?

sexta 9

17h30 Crítica Literária Hoje: Impasses e Desafios

com Joan Ramon Resina (Estados Unidos), Josefina Ludmer (Argentina) e Luiz Costa Lima (Brasil) |
mediação Sérgio Alcides

Os equívocos em torno da palavra crítica: se não é um gênero literário, o que pode ser? O crítico é um "juiz da arte", um mediador que facilita o acesso do público ou alguém que exerce uma reflexão sistemática sobre a obra literária? Qual é a validade da crítica hoje? Quais são seus grandes desafios e impasses?

20h Crítica e Interdisciplinaridade

com Aurora Bernardini (Brasil) e Mario Perniola (Itália) |
mediação Ivan Marques

O entrecruzamento de diversos saberes e campos disciplinares tornou-se uma das linhas de força do cenário crítico contemporâneo. Como a crítica literária tem lidado com essa flexibilização de fronteiras, abrindo-se ao diálogo e às interseções com outras formas de conhecimento, como a filosofia, os estudos culturais, a sociologia e a política? E até que ponto a prática da interdisciplinaridade tem redimensionado o papel da crítica literária hoje?

Itaú Cultural – Sala Itaú Cultural (247 lugares) | Avenida Paulista 149 – Paraíso [próximo à Estação Brigadeiro do Metrô]

informações: 11 2168 1777

Fonte:
Itaú Cultural

Noite da Formiga Cultural em 8 de Dezembro


Caro (a) Amigo (a), “Noite da Formiga Cultural”

quando pretendemos realizar uma confraternização em meio a várias e riquíssimas atividades literárias e musicais (Confira no convite em anexo). Este evento que é uma realização conjunta do Clube Literário Marconi Montoli - CLMM, Academia Formiguense de Letras – AFL, Delegacia Formiguense da UBT e da Associação dos Amigos da Cultura da Cidade de Formiga – AACCF será realizada na Cervejaria Monte Cristo, no dia 08/12/11 a partir das 20h00min e os ingressos individuais estão sendo vendidos a R$ 10,00 (reserva de Mesa R$ 40,00) e na Portaria (no dia) a R$ 15,00. Convide também os amigos a participarem conosco. Ajude-nos a divulgar o evento.

Certos da especial atenção e participação, desde já agradecemos.

No aguardo,

Paulo José – Organização

José Carlos Dutra do Carmo (Manual de Técnicas de Redação) Parte V


CONHECIMENTO LINGÜÍSTICO.

Use todo o seu conhecimento gramatical. Faça um rascunho e ao passar o texto a limpo, observe se faltam acentos, sinais de pontuação, se há erros de grafia, termos de gíria, impropriedade vocabular.

CONJUNÇÃO.

Seja cauteloso ao utilizar as conjunções como, entretanto, no entanto, porém. Quase sempre são dispensáveis.

Evite o exagero de conectivos (conjunções e pronomes relativos) para evitar a repetição e para não alongar períodos.

Para mostrar hipóteses diferentes, as dúvidas e conflitos de reflexão da personagem, explore as conjunções alternativas e adversativas.

Sim, sou homem e deixei-me levar por meus instintos. Como a senhora deve saber, sou respeitador. Nada farei que desabone a minha conduta.

Elvira era simplesmente uma entre as outras empregadas domésticas da mansão. Tinha, no entanto, seus sonhos, alguns até mesmo ousados, e uma quase certeza de conseguir alcançá-los. Mas como? Decidiu, após muito pensar. Se ficasse mais algum tempo naquele trabalho, poderia conseguir uma promoção para chefe das serviçais ou, pelo menos, um aumento no ordenado, já que desempenhava com esmero suas funções. E, a partir dessa convicção, tornou-se exemplar.

CONJUNTO.

Quando quiser descrever um conjunto, empregue termos indicadores de lugar que revelem posição, aproximação ou afastamento de aspectos diferentes do conjunto.

Estavam todos os cavaleiros em volta da mesa. Nem todos, porém, tinham o mesmo prestígio na corte. Perto do rei estavam os mais destacados nobres: Marcelo, à esquerda; Eduardo, à direita. O primeiro trajava negro com as insígnias reais e o brasão de família. O segundo trajava azul e não trazia insígnias. Uma armadura reforçada cobria seu tórax.

CONSTRUÇÕES.

Não escreva construções como lá em Recife, aqui em Salvador mas, sim, em Recife, em Salvador.

CONTEÚDO.

Um bom texto não é apenas o texto correto, sem erros gramaticais. Ele deve ter conteúdo.

O conteúdo, que vale, no mínimo, 5 (cinco) pontos numa redação, não pode ser ridículo, nem infantil, mas deve ser simples.

Tome-se, como exemplo, o seguinte tema: O Acidente Nuclear de Chernobyl. Ao redigir sobre esse tema, não se pode esquecer, de forma alguma, de abordar os seguintes assuntos:

Nos próximos 30 (trinta) anos ainda vão morrer mais de 5 mil pessoas na Rússia e em países circunvizinhos, em conseqüência desse acidente.

A economia dos países vizinhos foi enormemente prejudicada, porque eles foram contaminados pela radioatividade.

Mais de 100 mil habitantes da cidade de Kiev foram evacuados, para que ela fosse despoluída, tornando-se uma cidade fantasma.

Os programas de energia nuclear foram quase totalmente paralisados, em todo o mundo, em razão dessa terrível tragédia.

Ficou comprovado, com esse acidente, que o homem ainda não está dominando, inteiramente, com segurança, a tecnologia da energia nuclear. A sua utilização e expansão, portanto, precisa ser repensada.

Faça sempre uma análise crítica do que escreveu, como, por exemplo, através das seguintes perguntas: Sua redação é interessante? A leitura do texto é agradável? Tem boas idéias? O texto dá uma boa idéia daquilo que foi descrito? O texto está bem organizado?

Presume-se que o candidato prestes a ingressar numa universidade tenha certa cultura. Assim sendo, não pode encarar o tema da redação de modo infantil ou rasteiro. É por meio do conteúdo, especialmente, que o professor irá aquilatar a capacidade ou o grau de conhecimento do aluno.

CONTO.

É a mais breve e simples narrativa, centrada em um episódio da vida.

CONTRADIÇÃO.

Para desenvolver a impressão de contradição, use conjunções adversativas. Se for o caso, varie as conjunções, observando as que se prestam a determinada situação.

Um homem gordo, bem vestido, porém sem pompa, saiu logo a seguir. Dirigiu-se ao carro, com passo leve e animado, mas não entrou.

O caso estava praticamente resolvido, mas alguma coisa ainda perturbava o Inspetor. A testemunha jurara ter dito a verdade, contudo sua voz não parecia firme como deveria estar naquela circunstância.

CONTRASTE.

Para manter a curiosidade do leitor com relação a personagens (ou cenário) contrastantes, oponha um a um os elementos em contraste.

Letícia, bonita, rica e cheia de preconceitos, olhava com desprezo a jovenzinha mirrada e pobremente vestida que tentava vender doces, aproveitando o sinal fechado.

A magreza e a palidez da jovem que se inspirava nas modelos de passarela, contrastava violentamente com as faces coradas e cheias de vida da amiga saudável, cujos padrões de estética divergiam frontalmente das de sua companheira.

COORDENAÇÃO.

Coordene suas idéias como se estivesse contanto uma história: o seu texto deve ter início (introdução), meio (desenvolvimento) e fim (conclusão).

CORREÇÃO GRAMATICAL.

A linguagem utilizada na redação precisa estar de acordo com a norma culta, ou seja, deve obedecer aos princípios estabelecidos pela gramática.

Tenha o máximo de cuidado para que sua redação não apresente, principalmente, nenhum erro de ortografia, acentuação, pontuação e concordância, seja ela verbal ou nominal.

Conhecer as normas que regem o uso da língua é fundamental para a produção de um texto correto. Em caso de dúvidas na redação, consulte sempre um bom livro de gramática.

CRIATIVIDADE.

É claro que uma abordagem original do tema valoriza seu texto. No entanto, o vestibulando deve ter cuidado para não confundir criatividade com idéias esdrúxulas. Na gíria estudantil, não viaje.

Lembre-se: Ninguém pode exigir que escreva bem, como um escritor, pois isto pressupõe talento; as faculdades querem que se escreva certo.

CRÍTICA.

É um tipo de redação que aprecia e avalia livros de caráter científico ou literário, além de manifestações artísticas ligadas ao cinema, ao teatro, à música, etc.

Habitue-se a criticar sua redação, procurando ver se todos os seus pormenores colaboram para criar a idéia que tem em mente.

Solicite a uma terceira pessoa, de bom conhecimento técnico ou nível escolar, para ler e fazer críticas sobre o seu texto, pois a leitura demasiada de nossos próprios trabalhos torna-nos cegos para determinados pontos.

CRÔNICA.

É uma narrativa curta que retrata, em geral, fatos do cotidiano, presenciados ou não pelo narrador, escrita numa linguagem leve, de caráter jornalístico.

Fonte:
http://www.sitenotadez.net

Paraná em Trovas Collection - 19 - Maurício Norberto Friedrich (Curitiba/PR)

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 18


ENTRE ESSA IRRADIAÇÃO

Ao Emílio de Meneses

Entre essa irradiação enorme, que palpita,
É possível que um dia, eu, pálido, a encontrasse,
Como a sonora luz de Vênus Afrodita,
Em meio do caminho, os dois, e face a face...

E que alucinação e que febre esquisita,
Que cegueira de amor e que ilusão falace,
Quando esse girassol, para a luz infinita,
Cá de dentro de mim, então, desabrochasse!

Seriam negros ou dourados os cabelos?
Junto daquela flor, tremeria de zelos?
Não tombaria morto aos pés desse prazer?

Os olhos de que cor? Não sei. Porém suponho
Que seriam assim tão grandes como um sonho...
Mas já passei a vida, e não a pude ver!

UMA CARTA

– Eu te escrevo esta carta, in extremis, Maria,
Deitado aqui por sobre um catre d’hospital,
O corpo exangue, os pés gelados, a mão fria,
E refletindo bem, não sei se faço mal.

Tu te recordas, pois, dessa tarde? Eu me lembro
De tudo. Foi ao pé de uma giesta em flor...
Eu te beijei as mãos, o cabelo... Dezembro
Ardia, enquanto nós mudávamos de cor...

Como sabes, parti noutro dia, bem cedo.
Era preciso ter um nome! Eu me alistei
Entre os que iam talvez morrer nesse degredo,
Em defesa da pátria e em nome de seu rei.

Nunca corri no campo o veado ou a lebre,
E nem mesmo atirei numa simples perdiz,
Mas quando entrei na luta, eu me bati com febre,
Bati-me como um bravo, e saí-me feliz.

No meio da refrega e da fumaça espessa,
Num crepúsculo de betume e vermelhão,
Flutuavas sobre mim, sobre a minha cabeça,
Como se acaso fosse o próprio pavilhão.

Dentro em pouco, também, o meu perfil tamanho
Destaque iluminou, de tal maneira que
Julguei ser um herói, mas um herói d’antanho,
De pluma e capacete e lança e boldriê.

Mas, ontem, ao sair de casa, um camarada
Trouxe-me para ver as linhas de um jornal
Que falava de ti. Olhei. Não disse nada.
Mas para não cair agarrei-me ao portal.

Quando me vi a sós, também, d’aí a pouco,
Tive desejos maus de estrangular alguém,
De te calcar aos pés, de fazer como um louco:
Bater-me contra dez, bater-me contra cem.

Era a hora em que o sol como um ladrão se esconde
Por trás dos serros e para longe de nós:
Tomei a minha espada e caminhei para onde
Eu sabia que estava o inimigo feroz.

Desafiei-os: cinco assaltaram-me, em guarda!
Eu queria morrer nesse combate, sim,
Com a graça, porém, de quem veste uma farda
E tem orgulho de ser um espadachim.

E de fato, que sei? após alguns minutos,
Vibraram-me no peito uma lança, caí
Sob os alfanjes nus desses cossacos brutos...
Mas que importa afinal, se vou morrer por ti! –
Sítio dos Pinhais, Novembro – 1909

SOMBRA

Ao Leôncio Correia

Um dia hei de partir e tu hás de ficar,
Como uma vela que se perdesse no mar,
Por entre o nevoeiro e a cerração escura...
Hás de ficar aqui, ó frágil criatura,
Atirada aos baldões cruéis da sorte má,
Ora de lá p’ra cá, ora de cá p’ra lá...

Tão atroz há de ser, porém, tão esquisito,
Tão despedaçador esse horroroso grito,
Vibrado de través dessas torres de ar,
Que onde quer que eu esteja há de me traspassar,
Há de ferir-me assim com tal desolação,
Com um desespero tal que hei de correr então
De país em país, de cidade em cidade,
Como um doido a tremer de infinita piedade...
E sem que saibas que eu estou presente, enfim,
Eu te possa sorrir, quando penses em mim,
Mas como névoa em torno à palidez da Lua,
E sombra, e nada mais do que uma sombra tua...

A cada passo, então, hei de te acompanhar,
Como uma espécie de gênio familiar.
Eu hei de te seguir, eu que por meus pecados
Só tenho percorrido os caminhos errados
Nessas estradas, mais sutil do que um ladrão,
Como se conduzisse um cego pela mão...
Eu sei o que é um abismo e conheço o perigo,
Onde fores pisar, hei de pisar contigo.
E a dor que te ferir há de ferir-me, pois,
De modo a nos ferir ao mesmo tempo os dois.
Quando soprar a dor, quando rugir o vento
Sobre a tua alma em flor, num descabelamento;
Quando o desgosto assim, num gesto mau, talvez,
Te prostrar como se fosse uma embriaguez;
Quando quiseres te lançar ao fundo d’água
Do desespero ou então aos açudes da mágoa,
Recorda-te de mim e de quanto eu te quis,
Não por seres feliz, mas sim uma infeliz.

E hás de ouvir minha voz no meio do caminho:
Não toques nesse pão, não bebas desse vinho;
Foge dessa tristeza, afasta esse pesar,
Não chores, meu amor, que me fazes chorar.
Não creias nesse olhar luminoso e risonho:
Não ames, que o amor não é mais do que um sonho.
Quando essa taça um dia alguém te oferecer:
Toda de ouro a ferver espumas de prazer,
Que nem sequer o teu lábio de leve a oscule.
Faze mais do que fez aquele rei de Thule:
Quebra essa taça em mil pedacinhos, e após
Lança os restos ao mar, de uma maneira atroz.
Eu te amo, meu amor, porém falo-te sério:
Eu não creio no amor, o amor é um mistério.
Debatendo-te aí, toda, de norte a sul,
Nunca, nunca verás esse pássaro azul...

E havemos nós de andar assim, anos e anos,
Por entre enganos mil e outros mil desenganos.
E eu sempre a te iludir, e eu sempre a te embalar
Sobre as ondas do mar, do encapelado mar.
E um dia, quando enfim, caindo de fadiga,
Quiseres descansar, descansa, minha amiga.
São horas de dormir, o sono não faz mal,
E eu hei de te fechar os olhos afinal.
Quando o sono vier, não faças cerimônia,
Que a vida não é mais do que uma longa insônia.
Quando o sono vier descendo por aí,
Eu não te acordarei, não chamarei por ti.
Vendo-te adormecer, as mãos em cruz no peito,
Nesse frio lençol envolta sobre o leito,
Depois de te beijar os cabelos reais,
Sabendo que jamais hei de te ver, jamais;
Depois de te beijar as tranças veludosas,
E por no teu caixão os lírios e as rosas,
Eu volverei de novo, ó minha doce irmã,
Eu sombra e nada mais do que uma sombra vã,
Para esse Orco profundo e região infinita
Onde entre sombras vãs a minha sombra habita.
Dezembro – 1909

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 17)

Justificar
PRIMEIRO-DE-ABRIL
O calendário Julino, de 45a.C., deslocou o início do ano, de 10 de março (dia do equinócio da primavera, quando o Sol passa do hemisfério sul para o hemisfério norte) para 1° de janeiro.
Vários povos submetidos aos romanos seguiram o novo calendário; outros levaram mais tempo em razão da resistência das autoridades eclesiásticas em aceitar o início do ano num mês cujo nome era dedicado a Janus, uma divindade pagã.
Os franceses resistiram muito, até 1564. Nesse ano, o rei Carlos IX decretou que o ano deveria ser contado a partir de 1° de janeiro tal como determinado pelo calendário juliano. Até então, os franceses comemoravam o ano-novo em 25 de março, no Dia da Anunciação, nove meses antes do nascimento de Cristo. As comemorações duravam uma semana, culminando, com festas, jantares e trocas de presentes, em 1 de abril.
Mesmo depois do decreto real, franceses conservadores não deram a menor bola e continuaram com suas festividades, comilanças e lembrancinhas no dia 1 de abril. Chamados "bobos de abril", foram ridicularizados, passando a receber nesse dia presentes idiotas e convites para festas inexistentes.
O costume de pregar mentiras em 1 de abril saiu da França e foi para o mundo. Lá o dia é conhecido como poisson d"Avril, peixe de abril, em referência à saída do Sol do signo zodiacal de peixes.
Como os ingleses não admitem nenhum povo mais conservador, somente em 1751 deixaram de adotar o início do ano em 25 de março e passaram para 1 de janeiro.

PUXAR A BRASA PARA SUA SARDINHA
A expressão, que significa levar vantagem egoisticamente, veio do espanhol arrimar ei ascua a su sardina.
Antigamente trabalhadores que moravam em cortiços ganhavam sardinhas, que eles assavam no fogo que iluminava o ambiente. Mas, quando os homens pegavam as brasas para suas sardinhas, o fogo se apagava e o clima esquentava, com muita briga e bate-boca no escuro. As desavenças chegaram a tal ponto que foi proibido o ingresso de sardinhas nos cortiços.

FAZER O QUILO
A palavra quilo, além da unidade de massa (do grego khílioi, mil), pode significar o líquido esbranquiçado a que se reduzem os alimentos na última fase da digestão. Veio do grego khulós, sumo, suco produzido pela digestão dos alimentos.
A expressão fazer o quilo é uma das seguintes atividades a que você pode dedicar-se depois de uma refeição: (a) repousar ou dormir (depois do almoço); (b) caminhar para facilitar a digestão. Segundo alguns etimólogos, a palavra quilo aí não tem nada a ver com o suco grego: veio do quimbundo (língua falada em Angola) quilo, sono.

REMORSO
A CONSCIÊNCIA TEM DENTES AFIADOS.
Um sinônimo em desuso para remorso é remordimento, que é o ato de remorder. Remorder pode significar tornar a morder ou afligir ("o arrependimento remordia o criminoso"). Remorso veio do latim remorsu, particípio de remordere, morder de novo, atormentar. Quer dizer, remorso é etimologicamente mordido outra vez. Por quem? Pela consciência. A palavra foi usada pela primeira vez, com o sentido de arrependimento, pelo poeta francês Rutebeuf (século XIII), na expressão remors de conscience, remordimento da consciência.

SAIR À FRANCESA
É sair de fininho, sem ser notado.
Os francos eram tribos germânicas que apareceram no século III. No século V, invadiram a Gália (país que ficava no atual território da França). Na língua dos francos, o frâncico, a palavra frank significava livre, liberal, isento - os francos não pagavam impostos na Gália por serem seus conquistadores. Frank deu no francês franc e daí foi para o português franco, com sentidos próximos ao do vocábulo frâncico original: sincero, gratuito (entrada franca), livre de impostos (zona franca).
Sair à francesa, então, seria originariamente sair franco, no sentido aduaneiro, ou seja, sair livremente, com isenção, sem demora para conferências de papéis e para cálculo de impostos a cobrar. Revoltados, os franceses, em respeito à sua [messe e em provocação a seus tradicionais adversários, criaram a expressão substitutiva filer à l"anglaise, sair à inglesa.
No português, franco originou franquear, permitir, livrar de impostos, e franquia, isenção, imunidade, licença.
O inglês [ranchise também veio do francês franc.

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Aventura do Príncipe – II – Entram todos

Enquanto tia Nastácia, depois de colocar a tranca na porta, procurava arrastar a mesa para formar uma barricada, o príncipe e sua comitiva iam subindo pela escadinha que o menino trouxera.

Subiram e pularam para dentro da sala. Quem primeiro pulou foi o doutor Caramujo. Tia Nastácia, ainda às voltas com a mesa, ouviu o barulhinho e voltou-se. Deu um berro.

— Acuda, sinhá! Estão pulando pela janela! Olhe quem está atrás de mecê! Um bichinho de óculos, que é um verdadeiro “felómeno...”

Narizinho explicou:

— Não tenha medo, vovó. Este é o doutor Caramujo, o grande médico que fez Emília falar. Tem pílulas para todas as doenças. É até capaz de curar aquele pinto sura que está com estupor.

Dona Benta havia voltado o rosto e visto atrás dela o doutor Caramujo, de óculos, a lhe fazer um cumprimento muito amável. E o seu espanto, que já era grande, cresceu ainda mais ao ver surgir na janela um peixinho vestido de rei.

— Este é o meu esposo, o príncipe Escamado, rei do reino das Águas Claras — explicou Narizinho, fazendo as apresentações. E esta senhora, príncipe, é a minha querida vovó, dona Benta de Oliveira.

Com uma gentil cortesia, o príncipe murmurou, todo amável:

— Tenho muita honra em conhecê-la, minha senhora e peço-lhe permissão para a tratar de vovó também.

A pobre velha por um triz que não desmaiou. Abanou-se muito aflita, uff, uff!... Depois, voltando-se para a negra:

— Ele fala mesmo, Nastácia! Fala tal qual uma gente...

A preta fez o sinal da cruz. Enquanto isso os outros fidalgos da corte foram pulando. Pulou o venerando Bernardo Eremita. Pulou a senhorita Sardinha. Pulou dona Aranha Costureira. Pulou o major Agarra-e-não-larga-mais. Cada um que pulava era um novo berro de tia Nastácia.

— E uma sardinha agora, sinhá! — ia ela exclamando. — E agora uma aranha! E agora um sapo! O mundo está perdido...

Por fim não agüentou mais: disparou para a cozinha. Dona Benta, porém, foi se acostumando, e dali a pouco já não estranhava coisa nenhuma. Começou até a achar uma graça-enorme em tudo aquilo.

— Você tem razão, minha filha — disse ela por fim. – Esse mundo em que você e Pedrinho vivem é muito mais interessante que o nosso.

E ferrou numa prosa comprida com o doutor Caramujo a propósito da doença do pinto sura. Enquanto isso Narizinho ia mostrando ao seu amado príncipe as coisas da sala. Mostrou o relógio da parede, mostrou os pratos do armário, mostrou o pote d’água. O que mais mexeu com o peixinho foi um guarda-chuva que estava a um canto.

— Para que serve isto? — perguntou ele.

— Para a gente não se molhar — respondeu a menina.

— Por que não o levaram, então, na viagem ao fundo do mar?

Tanta graça achou a menina nessa pergunta, que não resistiu à tentação de agarrá-lo e beijá-lo na testa.

— Você é um burrinho, sabe, príncipe? Um amor de burrinho...

Como ignorasse o que queria dizer burrinho, o príncipe não se ofendeu. Depois, notando a ausência do Visconde de Sabugosa e do marquês de Rabicó, pediu -notícias.

— O Visconde levou a breca — respondeu a menina. — Voltou da viagem ao fundo do mar tão encharcado que tive de pendurá-lo no varal de roupa para enxugar. Mas ficou mal pendurado. Deu o vento e caiu e ficou esquecido num canto por muito tempo. Resultado: deu nele uma doença esquisita chamada bolor. Ficou todo verdinho, coberto dum pó que sujava o assoalho. Embrulhei-o, então, num velho fascículo das Aventuras de Sherlock Holmes que andava rodando por aí e o botei não sei onde. Com certeza já morreu...

— Que horrível desgraça! — exclamou o príncipe seriamente compungido. — Logo que voltar ao reino hei de decretar luto oficial por sete dias.

— Não vale a pena, príncipe! O nosso Visconde já andava meio maluco com as suas manias de sábio. Ficou tão científico, que ninguém mais o entendia. Só falava em latim, imagine! Logo chega o tempo da colheita de milho e eu arranjo um Visconde novo.

— E o senhor marquês?

Narizinho teve receio de contar que fora Rabicó o ladrão da coroinha do príncipe. Limitou-se a dizer que como estivesse emagrecendo muito, tia Nastácia o pusera num chiqueiro para engordar.

— Muito simpático o marquês — disse o príncipe por amabilidade. — Também acho muito simpática a senhora marquesa.

— Eu quero tanto bem à Emília — explicou Narizinho – que tenho vontade de desmanchar o seu casamento com o marquês para casá-la com o gato Félix. Emília não está sendo feliz no primeiro casamento.

— Por que, se não é indiscrição?

— Os gênios não se combinam. Além disso, Emília não se casou por amor, como nós. Só por interesse, por causa do título. Emília não é mulher para Rabicó. Merece muito mais. Merece um senhor sacudido e valente como o gato Félix. É verdade que ele está a serviço da corte?

O príncipe mostrou-se surpreso.

— Gato Félix? — disse franzindo a testa. — Não conheço esse freguês...

— Como não, se foi ele quem trouxe a notícia da sua visita, príncipe?

— Não pode ser! Mandei o recado por uma sardinha...

Narizinho ficou a cismar. Lembrou-se de que quando dera o beijo no focinho do gato sentira um cheiro de sardinha. “Querem ver que ele comeu a mensageira do príncipe com o recado e tudo?” — pensou consigo. Nada disse, porém, para não entristecer o seu querido maridinho. E, mudando de assunto, convidou-o a dar uma volta pelo sítio.
––––––––
Continua... Aventura do Príncipe – III – Tia Nastácia e a Sardinha

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Trova Ecológica 56 - Francisco José Pessoa (CE)

Montagem sobre imagem obtida em www.familiaborbapinheiro.com

Carolina Ramos (Asas do Brasil)


Ser pássaro... Voar... ser a lufada
de brisa que circula sem caminhos...
Ser Ícaro sem quedas! Ver nos ninhos
o condor, rei da altura! Ter a alada

sorte de um Pégaso! Na cavalgada,
meio às nuvens de um céu feito de arminhos,
levar Perseu, fugido aos pergaminhos,
aos pés de Andrômeda, infeliz amada!

Santos Dumont contempla o espaço e sonha:
- Nessas nuvens, distantes caravelas,
dormem promessas em macia fronha:

" - O homem voa!" - Aspirando o azul profundo,
arroja-se! ... E asas verdes e amarelas,
põe nas espáduas de um surpreso mundo!

Fontes:
Carolina Ramos. Destino: poesias. São Paulo: EditorAção, 2011.
Imagem = http://www.culturabrasil.pro.br/

Aníbal Machado (João Ternura)


Iniciado na época em que se publicava Macunaíma, o livro João Ternura, assim como sua personagem principal, custou a nascer. Mas afinal, depois de 40 anos, apareceu com as marcas congênitas do Modernismo. A obra foi publicada postumamente em 1965, um ano após a morte do autor. Não se sabe ao certo quando Aníbal Machado começou a trabalhar nele. Mas não há dúvida de que o escreveu e reescreveu durante décadas.

O título é uma referência ao protagonista, espécie de alter-ego do autor. O romance é formalmente fragmentário, pois existe a presença de surrealismo, de álbum de momentos perdidos, memórias de uma infância mineira, é um romance de confissão de um adulto na confusão carioca.

O herói, "lírico e vulgar", como se cognominou durante o largo período de gestação, caminha dispersivamente, do nascimento à morte, sempre "sapeando".

João Ternura mistura realidade e supra-realidade, ficção e memória, prosa e verso.

A obra envolve o inconsciente, a turbulência e o “rumor da alma” (marca do estranho, onírico).

No prefácio, declara Aníbal Machado que, "com acréscimos, supressões e pequenas modificações no já feito, além da elaboração quase total da segunda parte em diante, procurei dar-lhe (ao livro) arranjo adequado à vida de seu morador: esse pobre João Ternura que nas nuvens melhor ficaria, uma vez que sua simplicidade e inocência nem sempre encontravam resposta num mundo em que não conseguiu (e nem suportava) atingir a chamada idade da razão e das conveniências sociais que tão tristemente já alcançamos.

Diluídas em névoa poética as contradições de pequeno-burguês, o herói parou, espantado, a meio caminho de sua libertação, quando começava a ter uma consciência menos confusa da realidade."

Estrutura

Esse romance "episódico-rapsódico-lírico", como o classificou Fausto Cunha, apresenta-se dividido em seis livros.

Personagens

João Ternura: é lírico, lúdico, engraçado, generoso, alegre, inerente, polimorfo. É em boa medida uma encarnação do povo brasileiro, em seus ganhos e perdas no esforço para crescer não apenas materialmente, mas ainda em termos de justiça e liberdade, de democracia e afirmação cultural. Como não busca apenas o crescimento pessoal, Ternura envolve-se em lutas populares e pratica atos heróicos - e perfeitamente inúteis - durante uma das revoluções que sacudiram o país na primeira metade do século XX.

Antônio e Liberata: pais de João Ternura.

Natália e Marina: tias de João Ternura.

Isaac: amigo de travessuras na infância.

Manuel: dono da gráfica.

Luisinha: irmã de Manuel.

Arosca, Silepse, Matias, Pepão, Biba e Josias: amigos da pensão.

Marilene e Rita: mulheres com quem se relacionou.

Jeremias: ex-repórter, bêbado.

Enredo

Livro I

O primeiro livro registra evocações, peripécias, sensações do período que vai do nascimento de João Ternura na fazenda até sua entrada para o colégio interno. É onde se registram as primeiras travessuras de João Ternura.

É neste livro que se conta da fuga do sítio, uma busca de lugares desconhecidos.

João Ternura escuta seus pais em relação sexual e o suspiro de tia Marina: Ah, como eu queria sentir aquelas dores de minha irmã!... De minha irmã que estava gemendo!... Tanto eu queria...

As histórias de Dona Iaiá também estão registradas neste livro I:eram as curiosidades sobre o mundo; e é neste livro tambám que Ternura descobre a pedra.

JoãoTernura é levado pelo pai ao internato.

Neste livro o autor realiza estilisticamente, pergunta sobre pergunta, a recuperação do mundo e da linguagem infantis. Nota-se também a fixação do fluxo de consciência de Ternura, também presente em outros passos do livro (chama-se também, a esse processo, monólogo interior).

Livro II

O segundo livro assinala o início da decadência econômica do pai, cujo negócio de barcas se tornara anacrônico com a construção da estrada. Ternura foge do colégio, nove meses depois.

No livro II nota-se a referência que Liberata, mão de Ternura, faz a um passo anterior, que não consta na antologia, onde ela está lavando roupa com as amigas e sonhando com o nascimento de João. Uma das amigas, então, aventa perversamente a possibilidade de João nascer gigante ou anão, polvo ou aranha. Existe ainda nesse livro a inclusão do poema integrando a narrativa.

Livro III

A partir do terceiro livro, já se encontra no Rio de Janeiro.

Conversa com o primo, as dificuldades: timidez, jeito de falar e andar, etc. Conversa com o mar: Mar, o que eu queria te dizer é que pertenço a uma espécie aborrecida que não escolhi. Posso um dia optar pelas tuas águas? Mergulha-se e fica... Ninguém vai notar a ausência...

É neste livro que Ternura conhece Rita: tempestade, aconchego, cuida dele, beija-o e ele desaparece.

Mostra a vida na pensão, a amizade com Manuel, os tipos que lá habitavam.

Dá-se um tratamento irônico à Revolução de 1930 e referência à Macunaíma, do livro de Mário de Andrade.

A lei contra lei do amor: surpreendido com uma menor, Ternura é preso.

Seus novos amigos: Matias, Pepão etc.
Numa carta, a mãe pede para que volte e ele nega.

O livro III fala da morte de Saint-Hilaire (Sentalher), onde logo após João Ternura, vai pra um bordel, desanimado, bebe e delira.

É registrado também sua conversa com Matias e Pepão sobre a Revolução: ele deveria tentar com o ministro uma aposentadoria.

Livro IV

Registro do diálogo com Matias e Manuel.

João Ternura sente saudades da chácara. Com a morte os pais, os parentes se dispersaram.

Matias, Pepão e Ternura saem com quatro mulheres. Nova sedução: Marilene (saudades e carta de amor). João Ternura tem constantes frustrações amorosas.

João trabalha na gráfica de Manuel como e quando quer e desaparece.

Pensa em um mundo ideal : o Reino de Bubuia.

Livro V


No livro V existe a relação irradiação / presença da amada, constante em Aníbal. Veja em Viagem aos Seios de Duília, por exemplo.

Flashback de Ternura: “Sob o céu do oeste, à beira de um rio, a chuva há muito vem saindo sobre os ossos de uma chácara abandonada. Sim, os anos teriam de correr... correram – e ele não percebia. Agora, está vendo nos destroços os sinais da passagem e velocidade dos anos.
Agressão do passado. Por que se revela de uma só vez tudo o que vinha se desmanchando em sigilo e devagar?
Ah, cadáver do mundo, vegetações da ausência!...
E tanto tempo a esperar a coisa, o grande segredo, a razão de ser!”

João reencontra Rita: “Rita enfeitada!... Dormindo ou fingindo que dormia... Mais poderosa dormindo que acordada.(...)

Correu a olhá-la de perto. A mão viajou por curvas e relevos. Com delicadeza para não despertá-la. Ele se deitou sobre ela, gemeu em cima, penetrou-a.
Como não acordar agora à pressão de outro corpo? Ou estria ela repetindo no abraço do momento o abraço permanente e universal de suas noites?”

A morte de Juca do Timbau. Preocupação com chuva no carnaval.

Livro VI

No livro VI há uma referência ao delírio de Ternura.

O fecho do romance decorre durante os três primeiros dias de um carnaval carioca, acontecimento que não serve apenas para desatar as necessidades do corpo, mas também para liberar o espírito crítico dos vários João Ternura que participam da festa.

No carnaval um orador de rua denuncia em linguagem meio joyceana os dilemas do mundo contemporâneo; e enquanto o samba rola, personagens não identificados divulgam um manifesto em favor dos que não têm lugar na sociedade, bem como o texto de um telegrama no qual se defende a liberdade da poesia e a renovação da literatura no Brasil.

Fonte:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/j/joao_ternura