quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Professor Garcia (Poemas do Meu Cantar) Trovas – 14 –

A ganância que te ilude
que te arrasta à solidão,
é a mesma falsa virtude
que esconde a luz da razão!
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Ah, se essa distância fosse
ponte, entre a nascente e a foz;
como seria mais doce
essa distância entre nós!
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A infância, é uma doce brisa;
passa logo, e de repente...
vem o outono e se eterniza
no chão da vida da gente!
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Ao vê-lo, em meio aos escombros,
a ajudá-lo, eu me propus,
sentindo o peso nos ombros
do peso daquela cruz!
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Aquele retrato antigo
que o tempo tem castigado,
conversa sempre comigo
segredos do meu passado!
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A sensação dos afetos
que recebi de meus pais...
Oferto aos filhos e netos,
por serem todos iguais!
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Busquei, na fonte de um templo,
a paz de um novo horizonte;
e achei essa paz no exemplo
que há no silêncio da fonte!…
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Cada verso que desliza
entre esses meus cegos dedos,
numa trova sintetiza
seus infinitos segredos!
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Deus mostra ao mundo insensato,
injusto, cego e sem luz...
que o infinito amor, de fato,
coube entre os braços da cruz!
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É no silêncio das noites,
na cadência dos meus ais...
que a saudade em seus açoites
quebra o silêncio da paz!
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Entre esperas e demoras,
vi passar tanta quimera!...
Que, a primavera das horas,
já nem é mais primavera!
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Essa constante ansiedade
que ao fim da tarde, caminha...
é a velha dor da saudade
que eu sinto toda tardinha!
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Exemplo bom é o exemplo,
que as almas bondosas dão,
rezando no altar do templo
pelas outras que se vão!
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Lembrando canções antigas,
de volta ao meu velho chão...
vi muitas sombras amigas
na orquestra da solidão!
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Meus dias!... Feliz por tê-los
na vida que se refaz,
no branco dos meus cabelos
aos ventos pedindo paz!
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Na estrada em que a luz palmilha,
é que a verdade se inspira;
e ante a luz que, tanto brilha,
jamais, se esconde a mentira!
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Não vi mais meus pirilampos,
poetas de luz do meu chão,
que iluminavam meus campos
nas noites de solidão!!!
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Na treva é que se carrega,
a dimensão do empecilho
da dor, que sente a mãe cega,
por não poder ver o filho!
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Num mundo de desiguais,
onde há tantos desenganos...
perde-se cada vez mais
os sentimentos humanos!
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Ousado e um tanto atrevido?
Mas confesso, e se não fosse...
jamais teria sentido
o mel de um beijo tão doce!
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Pelos teus gestos fanados,
para voltar não me peças;
sinto em teus sins, camuflados,
o olhar de falsas promessas!
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Quanta lágrima sentida
no olhar da mãe peregrina,
regando as rugas da vida
nas rugas da própria sina!
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Quanta lágrima sofrida,
e na alma, essa inquietude...
Por não ter feito na vida
tudo aquilo quanto pude!
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Se a esperança é paz no outono,
sê paciente na espera;
que a flor desperta do sono
na eclosão da primavera!
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Se a flor da infância se afasta,
crê noutras flores bondosas;
que uma flor que o vento arrasta
não rouba a vida das rosas!
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Sei que a saudade não mata,
mas provoca pranto e dor;
qualquer saudade resgata
saudosos sonhos de amor!
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Sem saber se tu me esperas,
cada verso que componho,
tem sabor das vãs quimeras
do tempero do meu sonho!
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Velho mar, meu confidente,
entre nós, tudo se arruma,
quando a queixa que se sente
vaga entre os cachos de espuma!

Fonte:
Professor Garcia. Poemas do meu cantar. Natal/RN: Trairy, 2020.
Livro enviado pelo autor.

Hans Christian Andersen (A menina que pisou no pão)


Era uma vez uma menina pobre, mas de natureza rebelde, que revelou más inclinações desde muito cedo. Quando pequenina, seu maior prazer era apanhar moscas e arrancar-lhes as asas, para vê-las depois andar se arrastando. Apanhava besouros e grilos e espetava-os em um alfinete. Punha depois uma folha de livro, ou qualquer pedaço de papel bem próximo dele, para que pudessem segurá-lo com as patinhas - só pelo prazer de vê-los agitaram-se e torcerem-se, na ânsia de se libertar do alfinete.

- O besouro está lendo - dizia a pequena Inger.  - Vejam como ele vira a página!

E, ao passo que ia crescendo, tornava-se cada vez pior. Era muito bonita, mas foi isso a sua infelicidade, sem dúvida.

- Será preciso um rude golpe para te fazer curvar a cabeça. - dizia a mãe - Quando era menor, muitas vezes pisoteaste meu avental. Receio que quando fores grande me pisoteies o coração!

E assim aconteceu.

Inger teve de ir para o campo, para servir em casa de uma família rica. Tratavam-na como se fosse filha e vestiam-na muito bem. Ia ficando cada vez mais bonita, mas o seu caráter não melhorava.

Um ano depois de estar lá, disseram-lhe os patrões:

- Deves ir visitar teu pais, Inger!

Ela foi, mas apenas com a intenção de se mostrar, para que vissem como andava bem vestida. Ao chegar aos portões da cidade, viu alguns moços e moças que conversavam à beira do lago e, sentada entre eles, sua mãe, com um feixe de lenha ao ombro.

Inger deu volta. Sentiu-se envergonhada de a ter por mãe - ela, tão fina! - Aquela velha esfarrapada, que juntava lenha no mato. Não ficou nem de leve compadecida, ao contrário, sentia-se irritada com aquilo.

Passou-se mais meio ano, e sua ama disse-lhe:

- Inger, é preciso que vás visitar teus pais. Leva-lhes este pão de trigo. Hão de ficar bem contente de te ver.

Inger vestiu suas melhores roupas e calçou os sapatos mais finos que tinha. Ergueu as saias, e caminhava com muito cuidado, para não sujar os sapatos. Certamente não merece censura por isso, mas quando chegou àquele ponto em que o caminho atravessa o brejo, e viu que estava todo cheio de lama, atirou no barro o pão que trazia, para passar por cima dele sem sujar os sapatos. Quando estava assim, com um pé sobre o pão e o outro erguido para dar mais um passo, o pão afundou-se, e foi se enterrando cada vez mais, até que desapareceu, levando-a consigo. E nada mais se viu ali a não ser o charco negro e cheio de bolhas.

Mas e a menina? Que foi feito dela?  Inger foi dar onde estava a mulher do brejo, que tem uma cervejaria lá embaixo. A mulher do brejo é irmã do rei dos Duendes, e tia da Bruxas, que são muito conhecidas. Muita gente tem escrito versos a respeito delas, outros pintaram os seus retratos, mas só o que sabemos a respeito da mulher do brejo é que quando o nevoeiro se ergue nos campos, no verão, é que ela está fabricando sua cerveja.

E foi nessa cervejaria que Inger caiu, mas lá ninguém pode permanecer muito tempo. Um carro de lixeiro é coisa suave, comparada com a cervejaria da mulher do brejo. O cheiro dos barris é o quanto basta para deixar uma pessoa doente, e estão tão juntos que não se pode passar entre eles. Além disso, onde há por acaso alguma frestinha, está cheia de sapos asquerosos e cobras viscosas. E foi entre todas estas horrendas imundícies vivas que caiu a pequena Inger. O frio era tão intenso que ela tremia, e já sentia os membros rígidos. O pão aderiu firmemente aos seus pés, e levou-a para baixo.

A mulher do brejo estava em casa. O velho Trasgo e seu bisavô encontravam-se lá de visita. A bisavó é uma mulher venenosa, e nunca está ociosa. Nunca sai sem levar o seu trabalho, e tinha-o à mão naquele dia. Estava ocupada em fabricar couro andejo para por nos sapatos das pessoas, de modo que quem os usasse não podia ter descanso. Bordava mentiras, e juntava todas as palavras inúteis que caíam no chão, para fazer dano com elas. Sim! A velha bisavó pode fazer tricôs e bordados muito finos!

Assim que avistou Inger pôs os óculos e olhou-a de alto a baixo, dizendo logo:

- Esta menina me interessa! Gostaria de levá-la, como lembrança da minha visita. Daria uma boa estátua para o corredor exterior da casa do meu bisneto.

Desse modo Inger foi à Terra dos Trasgos. Nem sempre as pessoas vão lá por esse caminho direto, visto que é fácil ir por caminhos mais extenso.

Era um corredor que nunca se acabava: dava vertigem olhar para diante ou para trás. Lá estava uma multidão ignominiosa, à espera de que se abrisse a porta da misericórdia, mas muito tinham que esperar! Grandes e gordas aranhas agitavam-se, tecendo teias de mil anos ao redor de seus pés, e aquelas teias pareciam parafusos, que a prendiam fortemente, como se estivessem amarradas com correntes de cobre. Além disso, todas as almas padeciam um eterno desassossego, um tormento perpétuo. O infeliz que tinha esquecido a chave do seu cofre, sabia que a deixara na fechadura. Mas seria um nunca acabar, se eu quisesse enumerar todas as torturas daquele lugar.

Inger sofria o tormento de parar em pé como uma estátua, com um pão colado aos pés.

- Foi o que ganhei, por querer conservar os sapatos limpos! - dizia ela consigo - Vejam como eles olham para mim!

Era verdade que todos olhavam para ela, e todas as suas más paixões lhes brotava, dos olhos, falando sem que os lábios se abrissem em palavras. Era uma visão terrível!

- Deve dar grande prazer olhar para  mim! - pensava Inger - Tenho um rosto lindo e belas roupas.

Voltou então os olhos para se ver. O pescoço também estava rígido. Mas oh! como se sujara na cervejaria da esposa do Brejo! Nunca se lembrara de semelhante coisa... A roupa estava coberta de lama viscosa, uma cobra se enroscara no cabelo e caía-lhe pelas costas. De cada prega do vestido espiava um sapo, coaxando sem parar. Era horrível! Mas sentia consolo, pensando:

- Todo os outros que se encontraram aqui embaixo, estão tão medonhos como eu!

Mas o pior era a fome devoradora que sentia, e não podia abaixar-se para tirar um pedaço do pão que tinha nos pés. Não! Não podia. Mãos e braços haviam endurecido, e todo o seu corpo era como um pilar de pedra. Só podia mover os olhos, mas isso, sim! Podia movê-los em redor e olhar para trás. E que visão medonha era aquela! Vieram as moscas, que lhe andavam por cima dos olhos, e por mais que ela pestanejasse, não iam embora. Não, as moscas não podiam sair, porque ela lhes tinha arrancado as asas, virando-as em insetos rastejantes.

Era um grande suplício da fome que a devorara por dentro; parecia-lhe que já estava completamente vazia.

- Se isto durar muito, eu não poderei suportar - pensou Inger.

Mas aquilo continuou, ela teve de suportar.

Foi então que uma lágrima escaldante lhe caiu sobre a fronte, e foi escorrendo pela face e pelo peito abaixo, até cair sobre o pão, e depois outra, e mais outra, e aquilo já parecia uma chuva.

Mas quem estaria chorando pela pequena Inger? Pois ela não tinha uma mãe na terra? As lágrimas de tristeza que uma mãe chora pelo seu filho sempre o alcançam, contudo, não lhe trazem alívio, elas queimam, e tornam o tormento cinquenta vezes pior. E a fome terrível de novo a assaltou, e ela sem poder apanhar o pão que tinha nos pés! Afinal experimentou uma sensação estranha: parecia-lhe que estava a se comer a si própria, e que já nada mais era senão um caniço oco, que conduz todos os sons. Ouvia distintamente tudo o que se dizia na terra a seu respeito, e tudo o que ouvia eram palavras duras.

Sua mãe, é certo, chorava triste e amargurada, mas dizia:

- O orgulho sempre precede a queda! Foi a tua infelicidade, Inger! Como magoaste tua mãe!

Não só sua mãe, mas todos na terra sabiam o que ela havia feito; sabiam que tinha pisado no pão e que submergira no paul. Souberam pelo pastor, que tinha visto tudo de cima do montículo onde se achava.

- Como afligiste tua mãe, Inger! - dizia a pobre mulher - Mas eu bem te avisei!

- Antes eu nunca tivesse nascido! - pensava Inger - Seria muito melhor para mim. As lágrimas de minha mãe não me servem de nada agora!

Ouviu também seus antigos patrões, pessoas tão boas, que tinham sido para ela o mesmo que pais, falando a seu respeito:

- Era uma menina pecadora. Não dava valor aos dons de Deus, e pisava-os aos pés. Será difícil para ela abrir a porta da misericórdia!

Mas Inger pensava lá embaixo;

- Deviam ter-me educado melhor! Deviam ter dominado a minha soberba, se eu a tinha.

Ouviu também uma canção que escreveram e que era cantada por toda a parte:
                 
                               " Menina tão arrogante.
                                 Que caminhou sobre um pão
                                  Pra não sujar os sapatos!"

- E terei de ouvir sempre esta velha história, e sofrer com isso! - pensava ela. - Mas os outros também deviam ser punidos pelos seus pecados. Haveria muito o que castigar! Oh! Como sofro!

E seu coração se endurecia ainda mais que a casca de fora.

– Ninguém poderá melhorar nada nesta companhia em que estou!  E eu não quero mesmo ficar melhor... Oh! Agora estão todos olhando para mim!

E Inge tinha o coração cheio de ódio e má vontade para com todos.

- Agora terão assunto para conversar lá em cima! Que tortura!

Ouvia as pessoas contarem, sua história às crianças, e estas diziam sempre:

- Malvada Inger! Era tão perversa que teve de sofrer tormentos!

E só ouvia da boca das crianças palavras duras.

Mas um dia, quando sentia o ódio e a fome a lhe roerem a casca vazia, ouviu o seu nome. Alguém contava a sua história a uma criancinha inocente, uma menininha, e a criança rompeu a chorar, ouvindo a história da orgulhosa e vaidosa Inger. E perguntou:

- Ela nunca subirá para a terra outra vez?

- Ela nunca tornará a subir para a terra. - disse a outra voz.

- Mas e se ela pedir perdão e prometer não tornar a fazer isso? - perguntou a criança.

- Ela não pedirá perdão. - disseram-lhe.

- Mas eu queria que ela pedisse! - insistiu a criancinha, que não aceitava explicações. - Eu dou a casa da minha boneca, para ela subir outra vez... É horrível o que aconteceu com a pobre da Inger!

Aquelas palavras chegaram ao coração de Inger, e parece que lhe fizeram bem. Era a primeira vez que alguém dizia: "Pobre da Inger!" Sem acrescentar alguma coisa a respeito das sua más ações. Uma criancinha inocente chorava e orava por ela, e aquilo lhe causava uma sensação estranha: desejaria chorar também, mas seus olhos não podiam derramar uma só lágrima, e isso ainda lhe aumentava o tormento.

Assim como os anos iam passando em cima, foram também correndo lá embaixo, sem que coisa alguma se modificasse: Inger já não ouvia falar tanto de si. Mas um dia percebeu um suspiro.

- Inger, Inger, quanto desgosto me causaste! Eu bem sabia que havia de ser assim!

Era sua mãe que estava moribunda.

Ouviu também o seu nome repetido pelos seus antigos patrões, e as palavras menos cruéis que sua ama disse foram estas:

- Chegarei a ver-te outra vez, Inger? A gente nunca sabe para onde irá!

Mas Inger sabia bem que sua ama, tão boa, tão virtuosa, jamais iria ter ao lugar onde ela estava.

Passou-se novo e longo período cheio de amargura. Inger tornou a ouvir o seu nome, e viu acima da sua cabeça duas coisas que pareciam duas estrelas cintilantes. Eram de fato dois olhos que se fechavam na terra, tantos anos se passaram depois que aquela criança tinha chorado tão sentidamente ao ouvir a história da "pobre Inger", que ela era agora uma anciã, a quem o Senhor chamava para o Seu lado. No último momento, quando a vida inteira da criatura lhe volta à memória, ela se lembrou das lágrimas que derramara por causa de Inger. E a impressão era tão clara na hora da morte, que a velhinha exclamou em voz alta:

- Senhor! Oxalá eu não tenha jamais, como Inger, calçados aos pés, sem o saber, teus dons abençoados. Oxalá também eu não tenha jamais nutrido orgulho no coração. Não me abandones agora na minha última hora!

Fecharam-se os olhos da velha dama, e os olhos de sua alma se abriram para ver as coisa ocultas, e como Inger tinha estado tão nitidamente presente nos seus últimos pensamentos, via agora quão profunda fora a queda da menina. E, àquela vista, desatou a chorar. Ficou, feito uma criança, chorando pela pobre Inger, no reino dos Céus.

Suas lágrimas e suas preces ecoaram na casca oca e vazia que encerrava a alma prisioneira e torturada, agora completamente vencida por todo aquele amor vindo de cima. Um anjo de Deus, chorando por ela! Por que lhe era feita esta concessão?

A alma torturada lembrava-se de cada ação terrena que praticara, e afinal desatou a chorar, e Inger chorou, como jamais fizera. Sentia-se agora cheia de tristeza pelos seus atos, chorou como se a grande porta de misericórdia nunca pudesse abrir-se para ela. Mas quando reconheceu isso em humildade e contrição, um raio de luz brilhou no abismo em que caíra.

O poder daquele raio de luz era muito maior do que o da luz do sol que derrete o homem de neve feito pelos meninos no jardim, e mais depressa, muito mais depressa do que se derrete um floco de neve dos lábios quentes de uma criança, dissolveu-se diante dele a forma petrificada de Inger, e como um passarinho voou com a rapidez do relâmpago para o mundo de cima. Estava muito assustado e tinha medo de tudo. Sentia-se vexado, receava encontrar o olhar de qualquer ser vivente, e procurou mais que depressa abrigar-se em uma fenda da parede.

Naquele esconderijo encolheu-se todo, tremendo da cabeça aos pés, não podia articular som algum, porque não tinha voz. E ali ficou muito tempo, antes que pudesse olhar com calma as coisas admiráveis que o cercavam. Sim, era na verdade admiráveis! O ar era tão suave e tão fresco, a lua brilhava com tanto fulgor, as árvores e arbustos exalavam tanto perfume! E além de tudo isso, já tão agradável, ainda suas penas estava limpas, tão brilhantes! Como toda a criação falava de amor e de beleza! O passarinho bem desejaria cantar alegremente, exprimindo todos os sentimentos que lhe brotavam no peito, entretanto não lhe era possível cantar. Teria gorjeado com a maior alegria, como os cucos e os rouxinóis fazem no verão.

O bom Deus, que ouve até os mudos hinos de louvor de um verme, compreendia também aquele cântico de gratidão que tremia no peito do passarinho, da mesma maneira que os salmos de David ecoavam no seu coração antes que tomassem forma em palavras e melodia. Aqueles pensamentos e aqueles cânticos sem voz foram crescendo e foram aumentando durante semanas. Deviam expandir-se, e à primeira tentava para praticar uma boa ação, achariam a saída.

Era o tempo da Festa de Natal. Os camponeses ergueram um mastro contra um muro e amarraram um feixe de aveia na ponta, para que os passarinhos pudessem ter um bom repasto naquele dia feliz.

O sol surgiu brilhante e iluminou o molho de aveia, e os passarinhos cercaram o mastro, pipilando. Foi então que daquela fresta da parede veio um pio fraquinho. Os sentimentos sempre aumentando do passarinho tinham achado uma voz, e aquele débil pipilar era o seu hino de louvor. Tinha despertado nele o pensamento de uma boa ação, e o passarinho voou, abandonando seu esconderijo. No Reino dos Céus era ele bem conhecido.

O inverno corria áspero, e toda  a água estava coberta por uma camada de gelo. Era com grande dificuldade que as aves e os outros animais encontravam alimento. O passarinho voava à beira da estrada, encontrava de vez em quando um grão de trigo nos sulcos dos trenós. Achava também alguns farelos de pão perto das hospedarias, mas comia apenas uma migalha, pois queria deixar bastante alimento para os outros passarinhos que ali aparecessem. Voou então para as cidades e espiava nas cercanias. Onde quer que alguma mão carinhosa tivesse espalhado migalhas de pão para os passarinhos, ele comia apenas uma só e deixava o restante.

No decorrer do inverno o passarinho tinha assim renunciado, em favor dos outros, tantas migalhas de pão que elas já igualavam em peso aquele pão inteiro que a pequena Inger calçara aos pés, para não sujar os sapatos. Então as asas cinzentas do passarinho ficaram brancas e foram se distendendo, e as crianças que viram aquela ave branca disseram:

- Lá anda uma gaivota, voando sobre o mar.

A ave ora mergulhava nas águas, ora voava e remontava muito alto. E, contra a intensa luz que brilhavam no espaço, não foi possível ver que fim levou.

As crianças afirmaram que ela entrou no sol.

Fonte:
Contos de Andersen.  In Contos da Tita.

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Versejando 98

 

Lima Barreto (Quase doutor)

A nossa instrução pública cada vez que é reformada, reserva para o observador surpresas admiráveis. Não há oito dias, fui apresentado a um moço, aí dos seus vinte e poucos anos, bem posto em roupas, anéis, gravatas, bengalas, etc. O meu amigo Seráfico Falcote, estudante, disse-me o amigo comum que nos pôs em relações mútuas.

O Senhor Falcote logo nos convidou a tomar qualquer coisa e fomos os três a uma confeitaria. Ao sentar-se, assim falou o anfitrião:

- Caxero traz aí quarqué cosa de bebê e comê.

Pensei de mim para mim: esse moço foi criado na roça, por isso adquiriu esse modo feio de falar. Vieram as bebidas e ele disse ao nosso amigo:

- Não sabe Cunugunde: o véio tá i.

O nosso amigo comum respondeu:

- Deves então andar bem de dinheiros.

- Quá ele tá i nós não arranja nada. Quando escrevo é aquela certeza. De boca, não se cava... O véio óia, óia e dá o fora.

Continuamos a beber e a comer alguns camarões e empadas. A conversa veio a cair sobre a guerra europeia. O estudante era alemão dos quatro costados.

- Alamão, disse ele, vai vencer por uma força. Tão aqui, tão em Londres.

-Qual!

- Pois óie: eles toma Paris, atravessa o Sena e é um dia inguelês.

Fiquei surpreendido com tão furioso tipo de estudante. Ele olhou a garrafa de vermouth e observou:

- Francês tem muita parte...- Escreve de um jeito e fala de outro.

- Como?

- Óie aqui: não está vermouth, como é que se diz "vermute"? Pra que tanta parte?

Continuei estuporado e o meu amigo, ou antes, o nosso amigo parecia não ter qualquer surpresa com tão famigerado estudante.

- Sabe, disse este, quase fui com o dotô Lauro.

- Por que não foi? perguntei.

- Não posso andá por terra.

- Tem medo?

- Não. Mas óie que ele vai por Mato Grosso e não gosto de andá pelo mato.

Esse estudante era a coisa mais preciosa que tinha encontrado na minha vida. Como era ilustrado! Como falava bem! Que magnífico deputado não iria dar? Um figurão para o partido da Rapadura.

O nosso amigo indagou dele em certo momento:

- Quando te formas?

- No ano que vem.

Caí das nuvens. Este homem já tinha passado tantos exames e falava daquela forma e tinha tão firmes conhecimentos!

O nosso amigo indagou ainda:

- Tens tido boas notas?

- Tudo. Espero tirá a medáia.

Fonte:
Lima Barreto. Crônicas. Publicado no “Careta”,  em 1915.

Vladimir Duarte Dias (Querência de Versos)

FRIO


Lá fora faz frio,
Sopra o vento,
Sacode árvores.
Lá fora faz frio.

Aqui no velho sobrado
Sentado no canto
Tal rebenque velho,
Abandonado,
Um homem está só.

Será que por dentro
Sem amor e alento
Seu corpo, sua alma
Não sente falta de alguém?

La fora faz frio,
Do lado de dentro
Será que esse homem
Não sente mais frio?
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VIVER

Que não seja só sofrer
Este meu pobre viver
Pois se viver é sofrer
Estou louco por morrer

Mas se é doce viver
Completo de paz e amor
Não quero saber sofrer
Aceito morrer de amor.
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VIDA

Martin Fierro não foi cantor
de versos de amor
Esqueceu aquele poeta
De cantar a primavera

Escreveu cantando louvores
De um gaúcho atormentado
Com o coração apertado
Compôs versos pilchados.

No mundo da nova era
O homem se fez quase quimera
Se vê e se faz muita festa
Poucos sentem a primavera.

Fonte:
Versos enviados por Anatoli Oliynik

Aluísio de Azevedo (Fluxo e Refluxo)


FACÉCIA* EM TRÊS ATOS

ATO PRIMEIRO


Cenário a duas tintas - branco e cor-de-rosa. A cena representa a plena ilusão de uns vinte anos em flor. Há formosas mentiras e claros sonhos de esperança voando pelo ar. Num doce clarão de aurora pestanejam, quase a fechar os olhos, as últimas estrelas. No primeiro plano crescem discretamente as primeiras violetas de junho e brotam em superabundância versos líricos, que ainda mal se firmam nos pés, ambos muito orvalhados, aquelas de rócio matutino e estes de lágrimas de amor platônico.

ELA e ELE

(Ele, primaveril e cato, contempla embevecido a natureza que desperta, e procura uma rima, Ela, outonal e bela, ardendo em dissimulados desejos, tem n’Ele os olhos postos e n’Ele concentra todo o seu enlevo).

ELA: (Tomando-lhe uma das mãos, sem que Ele dê por isso). Por que me não atendes, senhor dos meus pensamentos?... Por que me não arrancas com teus braços desta agonia que me mata?

ELE; (Distraído e trescalando o aroma da puberdade). Surgem ao longe sobre as montanhas os primeiros raios do sol... O mar deve a estas horas estar já crescido e belo, e a enchente há de trazer-me boa inspiração... Não fica longe a praia. Corramos!

ELA: Não! Atende um instante; atende por amor de Deus!

ELE: Ah! Estavas aí? Que de mim queres tu, mulher que eu mal conheço e encontro a cada passo em meu caminho?

ELA: De ti só a ti próprio quero.

ELE: Pois queres justamente o que te não posso dar.

ELA: Adeus.

ELE: Fica ao meu lado

ELA: Ingrato!

ELE: Impossível, filha; tenho que terminar o meu poema.... (Consulta o relógio) Cinco e meia! A preamar será às seis. Não há tempo a perder! Adeus! adeus!

ELA: Oh! Atende, meu amor! (Segura-o pelos braços). Não partas assim sem mais nem menos; tem pena de mim, que há longo tempo te sigo e te busco pelos cantos da cidade e recantos dos subúrbios, fazendo de meu desejo a sombra da tua indiferença. Não me escapes ainda desta vez, sem me deixares uma palavra de esperança... uma palavra ao menos!

ELE: (A olhá-la por cima do ombro). Uma palavra? Que palavra queres de mim?

ELA: (Arrebatadamente) Uma palavra de amor!...

ELE: Não tenho, filha... Minhas palavras de amor dei-as todas aos meus versos... Lê meus versos e contenta-te com isso... Já não é pouco... Adeus.

ELA: Cruel!

ELE: Adeus.

ELA: (Prendendo-o nos braços). Não! Olha! Escuta! Se não tens palavras de amor para me dar, dá-me então teus lábios, desses creio que não dispuseste ainda... Não sonegue o copo à boca do ébrio sedento!

(Ele sorri, e Ela, deixando-lhe os braços, cobre o rosto com as mãos e põe-se a soluçar).

ELE: (Perplexo, volta-se para Ela e passa-lhe a mão pelos cabelos). Então! então! Não te mortifiques desse modo, que isso me penaliza... Vamos! não chores, e deixa-me ir, preciso contemplar o oceano em preamar.

ELA: (Cingindo-o violentamente contra o colo e quebrando-lhe o frio sorriso dos lábios com um beijo ardente, que o penetra todo até à medula dos ossos). És meu!

(CAI O PANO)
 
ATO II

Cenário a duas tintas - cinzento e roxo. A cena representa a Dor. Há gemidos e suspiros soltos no ará ao fundo, um sinistro pressentimento de morte; no primeiro plano, flores murchas, estrofes inacabadas, contas de botica, receitas de médico e cautelas de casa de penhor. Numa das receitas lê-se o nome do Dr. Cabizo

CENA ÚNICA

ELE e ELA

(Estendida no seu leito de dor, com Ele ajoelhado junto à cabeceira). Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! Sinto ir chegando a hora tremenda! Tento os membros tolhidos como os de ma estátua do Almeida Reis... Creio que o médico quando vier já me não encontrará com vida. E não haver em casa um coto de vela para me ajudar a morrer! Vá! acende tu um charuto, se o tens, e enfia-o cá entre meus dedos hirtos... Salvem-se os princípios!

ELE: (Com a alma a derreter-se em lágrimas). Cala-te, meu amor! Não vês que essas tuas palavras me despedaçam o coração? Tu viverás, minha vida! tu viverás em meus braços, à sombra dos meus beijos... Ainda nos restam a coleção completa do Lamartine e o Curso de Literatura do Sílvio Romero; vou torrá-los hoje mesmo!

ELA: Só deploro morrer, canalha de minha alma, porque te deixo aqui na terra, a ti, com esses olhos, com essa boca e com esses cabelos, com todo esse tesouro que era o bem da minha vida e a alegria da minha carne, e que, ai de mim! aí fica para as outras!

ELE: Não! não morrerás, ou morrerei contigo!

ELA: Ah! Fala-me assim! Muito obrigada, meu amor! Se eu com efeito esticar desta, não me deixes ir sozinha... bem sabes que detesto a solidão. Vem comigo; fecha-te comigo na mesma treva, unidos como em nossas noites de delírio, e penetremos juntos no frio mistério, como juntos descíamos ao fundo ardente do nosso amor...

ELE: Sim, sim, não te abandonarei, ainda que tenha de abandonar a vida! Hei de na morte conservar-me fiel ao teu lado, como fiel aqui me tens ao lado dos teus gemidos. Sem ti, de que me serviria a existência?!

ELA: Meu amor!

(Calam os dois, num supremo arranco, os lábios febris com tão formidável beijo, que até a própria Morte, que nesse instante sorrateira ia entrando pela Esquerda Alta, se espanta e foge).

ELE: Estás salva!

ELA: (Saltando da cama). Ai, filho! corre então à modista, para que me mande os últimos figurinos. Domingo há baile nos Tenentes do Diabo! Anda! Não percas tempo!

(CAI O PANO)
 
ATO III

Cenário a duas tintas - vermelho e negro. A cena representa a parte do Inferno conhecida vulgarmente pelo nome de "Ciúmes". Há dúvidas cruéis e desconfianças assassinas que se cruzam no espaço, bramindo ameaçadoras. Ao fundo terríveis pesadelos, ânsias de sangue e amargores de fel. No primeiro piano perfídias, ingratidões, móveis partidos, páginas rotas, versos em cinzas, muita volubilidade feminina e camélias frescas com um cartão de visita.

CENA ÚNICA

ELE e ELA

(Arrancando os cabelos, o olhar em brasa e o coração em carne viva). Oh! Cala-te! Cala-te por piedade! Agora já me não resta a menor dúvida - ele é teu amante

ELA: (Sorrindo indiferente, e de novo bela). Que seja... E daí?...

ELE: Ingrata! (Com uma explosão de soluços). Ó meu Deus, por que consentiste tu que, eu a salvasse da morte com os meus desvelos?. Por que consentiste que eu mergulhasse no lodo terciário, donde arranquei esta terrível náufraga que agora me estrangula?

ELA: Que incoerência a tua! Pode lá alguém ser amado quando solta pela boca todas essas ridículas asneiras que estás dizendo, e verte pelos olhos todas essas insuportáveis lágrimas que estás chorando? Náufrago és tu, que te afogas no próprio pranto. Não gosto de afogados, nem tenho jeito para salva-vidas. Adeus!

Não! Perdoa! Atende! Não me fujas assim; não te vás, sem me deixares ao menos uma palavra de arrependimento!...

ELA: De arrependimento? Impossível, filho! já não tenho palavras de arrependimento; gastei-as todas com a leitura dos teus versos. Adeus.

ELE: Dá-me então teus lábios! Não negues o copo à boca do ébrio sedento!

ELA: Não. Isso foi noutro momento, à branca luz de uma aurora, já tão passada tomo a ilusão que me deste; agora, bem vês, é noite, noite funda e embriagadora, e tu, meu rapaz, não és companheiro para esta outra banda do amor. Volta ao faro das tuas rimas ariscas e às tuas madrugadas em jejum; vota sozinho, preciso mergulhar de novo nos meus mares negros, para cevar esta gulosa carne, que está caindo de fome.

ELE: Cruel! Perjura!

ELA: Qual perjura! Meu capricho por ti foi um mórbido sintoma. Hoje estou boa e não quero ouvir falar no que me lembre a moléstia.

ELE: Mas repara que é a morte que me dás com essas tuas cínicas palavras!

ELA: Pois morre tranquilo, filhinho; não estarei a teu lado para arreliar-te a hora extrema com os meus soluços, como desastradamente tentaste fazer comigo. Morre em paz. Adeus!

ELE: (Exalando o último suspiro). Deus te perdoe!

ELA: Ora até que afinal! Não há tempo a perder. O Cassino fecha à meia-noite e já passa das onze. Hoje é maré cheia, e a enchente deve trazer bom peixe... Corramos!

(CAI O PANO)
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* Facécia = chacota, gracejo, pilhéria.

Fonte:
Aluísio de Azevedo. O Touro Negro. Escrito em 1903.

Estante de Livros (O Livro de Uma Sogra, de Aluísio Azevedo)


O Livro de Uma Sogra foi o último romance de Aluísio Azevedo, escrito em 1895, no Rio de Janeiro. O romance trata da vida de casada de Olímpia, uma mulher vinda de uma família tradicional, que na hora de casar a única filha, Palmira, começa a busca por um marido ideal para ela. Através de Olímpia que Azevedo discorre sobre o casamento, que é o principal tema do livro.

Dona Olímpia procura encontrar o segredo para uma vida conjugal feliz e duradoura. Para isso, ela pesquisa algumas obras que abordam o tema. Essa obra traz uma nova perspectiva ao mundo literário no século XIX e abre um novo olhar sobre o universo feminino com um ponto de vista da mulher sobre o casamento.

O romance é narrado em primeira pessoa, onde Olímpia, a sogra, que sem conhecimentos acadêmicos ou filosóficos, escreve uma tese sobre o casamento que deve ser seguida por seu genro e filha. Ela convence-se de que o mal do casamento não está na monogamia, mas no meio de exercê-la.

O livro provoca diversas emoções, sentimentos e sensações naqueles que são casados ou vivem as situações descritas. Desperta, a partir do título, curiosidade sobre o seu conteúdo; famosas são as anedotas que se contam das sogras.

Verdade ou ficção, a leitura do livro é capaz de provocar as mais conflitantes emoções naqueles que vivem a idealizar os sentimentos e as paixões.

O autor, Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo, nasceu a 14 de abril de 1857, em São Luís do Maranhão, e pode ser considerado o maior representante da ficção naturalista no Brasil.

A partir da obra de Azevedo fixa-se nas letras brasileiras a preocupação com a realidade objetiva. A vida no fazer literário naturalista é representada através da ótica sistemática da ciência. A representação dos acontecimentos cotidianos e dos temperamentos preserva o tom determinista na análise, e as palavras de ordem são dissecar, documentar e observar.

Em Livro de Uma Sogra, a supremacia da natureza sobre a cultura fica demonstrada pela alusão às características físicas, biológicas e instintivas do homem separando as coisas da carne – incluídos os líquidos, odores e todos os fluidos corporais – das normas instituídas pela cultura burguesa.

O genro de Olímpia (a “sogra”) é observado como uma “espécime” de homem que satisfaz em representação fisiológica a forma material perfeita do corpo humano:

– “A conformação geral do corpo esteticamente falando, é simplesmente maravilhosa! Quando o vi nu, pensei ter defronte dos olhos uma estátua grega. Marte e Apolo fundidos, formando um homem.

Que belo conjunto de força e delicadeza anatômica! Nem sei como, com a degeneração da raça latina e com a crescente depravação dos costumes, ainda possa haver- no Brasil! um moço em semelhantes condições físicas! Verdade é que ele é de raça catalã!”

Além disso, a procriação humana é a verdadeira missão que a natureza exige de homens e mulheres: “procriar, e procriar bem”.

Estas e outras passagens fazem ver a maneira incomum que o naturalista Azevedo, através de Olímpia, utiliza para interpretar o laço matrimonial.

Também a crítica social está permeada por um pensar irônico que questiona as regras sem criticá-las, induzindo o leitor, pelas situações do texto, a desnudar a hipocrisia das convenções sociais: “O marido é sempre para a mulher uma garantia do presente e uma garantia do futuro; o amante é nada mais do que um incidente arriscado. O marido é uma conquista social; o amante é um sacrifício feito ao amor.”

Olímpia utiliza inúmeros argumentos para justificar suas ações que buscam afastar da convivência genro e filha: – “Que diabos de felicidade é então essa, que os casados aconselham a todos os seus amigos que a evitem?

Será isso egoísmo na ventura, ou falso vexame de confessar a própria desgraça?”

domingo, 23 de janeiro de 2022

Adega de Versos 67: Vanice Zimerman


Silmar Böhrer (Croniquinha) – 44 –

Aurora ensolarada. Sons nas cercanias.

A corruíra no beiral. O alarido na florestinha  dá mostras de que a manhã será de musicantos da passarada. A sinfonia nos faz pensar na profusão que se transforma em diversidade sonora e nos enche o ser com tanta musicalidade. A pluralidade de sons nos faz bem, enfuna pensamentos e o próprio ser.

É a variedade que devemos praticar e apregoar. A abundância vária potencializa, enche, abastece os pensares, nossas idiossincrasias, o viver.

Vivamos vívidos viventes vida a fora.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Sammis Reachers (A insanidade de Marival)

Finais da década de 90, eu havia acabado de entrar na função de cobrador, na empresa Ingá. Certo dia, em meio aos trabalhos, chegou a notícia de um feito quase inacreditável, de tão louco. Vamos aos fatos.

A linha era a 49-(mas naquela época as duas linhas 49 eram designadas, e não me pergunte o porquê, por 49-3 e 49-4). O cobrador era o Marival, mulato invocado e conhecido por seus arroubos de fúria. O dia de verão estava especialmente quente; eram por volta das três da tarde, os ônibus da tinha ainda não possuíam ar condicionado. Para completar, o carro estava rodando 'no buraco', a muita distância do carro da frente, e já lotado.

O furioso Marival estava transtornado. As roletas ficavam na parte de trás do veículo, no meio do salão, e a lotação era tanta que nem uma brisa conseguia entrar pelas janelas e alcançar Marival. O bruto suava em bicas, o sol batia diabólicos 43 graus, e chegando à praia de Icaraí, pra fechar o caixão, um engarrafamento fora de hora...

O amigo Marival já estava sentindo tonteiras, e de saco cheio. De repente, ele se levanta da cadeira e dá um berro lá pra frente:

- Chicão, abre aí! Abre essa droga de porta e espera que eu vou ali...

O motorista Chicão não entendeu nada, mas abriu a porta e viu Marival pular e correr para a praia.

– Vai pegar troco no quiosque - pensou o velho Chicão.

Qual não foi sua surpresa quando, alguns segundos depois, um dos passageiros gritou:

- Motorista, o Cobrador mergulhou na água!

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

Filemon F. Martins (Poemas Escolhidos) XIII

AMOR E SAUDADE
 
Vou prosseguindo pelo meu caminho
em busca do meu sonho mais dileto:
- cantar feliz e amar qual passarinho,
que no seu ninho sente-se completo.

Correr ao vento, roupa em desalinho,
plantando amor e paz no meu trajeto,
quero encontrar um pouco de carinho
que me dê paz no mundo sem afeto.

Vejo, porém, que continuo o mesmo,
descrente, sem amor, vagando a esmo
sem encontrar a tal felicidade.

E os sonhos que sonhei em minha vida
vão acenando em triste despedida
cravando, no meu peito, esta saudade.
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ANTES QUE A NOITE CHEGUE...

Quando o sol se debruça no horizonte
deixando a tarde bela e mais fagueira,
antes que a lua, pelo céu, desponte,
a saudade se achega e faz trincheira.

Ao longe, em tom avermelhado, o monte
transmite uma quietude verdadeira,
trazendo ao coração o som da fonte
que canta, docemente, em corredeira.

Assim, vou recordando os tempos idos,
sonhos fagueiros, lindos e vividos,
que a memória jamais vai esquecer...

E, antes que chegue ao fim dessa jornada,
terei, por certo, em minha caminhada
muitos versos de amor para escrever.
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A VOZ DO TEMPO
 
O tempo vai levando cruelmente
vidas, amores, glórias e venturas.
Dissabores espreitam lá à frente
e os sonhos viram pó e desventuras.
 
Ao procurar motivo que contente
um coração cansado das agruras,
minha oração se eleva docemente
e busca a paz que desce das alturas.
 
Mas o tempo não para e nem descansa,
não permite sequer uma esperança
que me deixe mudar o itinerário...
 
Impossível fugir do meu destino
já traçado, talvez, desde menino:
Levar sozinho a cruz do meu calvário!
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ELOGIO AO SONETO

No meu viver de agitação, proscrito,
eu busco a paz para escrever um verso
e de alma pura, coração contrito,
procuro a melhor rima do Universo.

O desespero aperta, estou aflito...
Como escrever num mundo tão perverso?
A inspiração me acode com um grito,
e o meu soneto nasce, incontroverso...

Ao verbo de Camões me fiz escravo,
em busca da palavra me fiz bravo,
para dar ao soneto nova aurora...

Que o pavilhão tremule lá na praça,
e brilhando, qual pérola sem jaça,
reine o soneto pelo mundo afora!
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INTERROGAÇÃO

Quando nascemos, dizem que o Destino
já vem traçado para o ser Humano,
pois sendo assim, irado, recrimino,
porque no meu, parece, há um engano.

Como entender que o amor do ser Divino
possa me dar sentença de tirano?
Se a predestinação me fez cretino,
como me corrigir, se sou mundano?

Que culpa cabe a mim, se esta premissa
for verdadeira e a providência omissa
para me condenar sem indulgência?

Porventura, o que a vida nos promete
nada se cumpre e apenas nos remete:
- por que nos deu o senso e a inteligência?

sábado, 22 de janeiro de 2022

A. A. de Assis (Saudade em Trovas) n. 27: Newton Meyer

 


Humberto de Campos (Modas...)

A imprensa carioca tem mostrado, nestes últimos tempos, um desusado interesse pelo Japão. "A Noite" mantém em Tóquio um correspondente epistolar, o Sr. Carlos Abreu, e não há quem não tenha lido, e quem não admire, no Rio, as crônicas deliciosas que o nosso cônsul em Kobe, o Sr. Osório Dutra, está mandando para "O Imparcial".

Despertada assim a fome de pitoresco do público, não há, hoje, quem não deseje conhecer a terra do Mikado, com as suas "geishas", os seus crisântemos, as suas cegonhas azuis e as suas cerejeiras cor de rosa, enfim, o Japão verídico ou de legenda, com os seus pequenos leques de seda e os seus grandes templos de porcelana.

Entre os curiosos desse gênero está, como era natural, o antigo engenheiro da Central do Brasil, Dr. Guilherme Viana, cuja velhice decorre, hoje, no meio da melhor prosperidade econômica, ao lado da esposa, a virtuosa Dona Saturnina, da filha viúva, D. Odete Meireles, e da sua encantadora sobrinha Maria Otávia, botão de rosa de dezoito pétalas, que é, pode-se dizer, uma segunda filha do casal.

Interessado, dessa forma, pelo Império do Sol Nascente, o velho engenheiro perguntou-me, outro dia, se eu possuía nas minhas estantes alguma obra sobre o Japão. Eu lhe falei em cinco ou seis, entre as quais as dos nossos patrícios Drs. Oliveira Lima, Luiz Guimarães e padre Feitosa, e o meu amigo escolheu:

- Mande-me o livro do padre. Deve ser mais fiel, mais de acordo com a verdade. E mande-me outro qualquer, de autor estrangeiro.

No dia seguinte remetia-lhe eu a "Viagem ao Japão", de monsenhor Feitosa, e uma obra de Mabel Bacon, americana, traduzida, há anos, para o francês, com o titulo de "Jeunes filles et femmes au Japon".

Ontem fui visitar o meu velho amigo, a quem encontrei com os dois volumes em cima da mesa, rodeado das três senhoras que lhe compõem a totalidade da família.

- Excelente livro, o do padre! - observou-me, de sopetão, o meu velho camarada. - Achei apenas um pouco exagerado, naquela parte em que ele diz ter visto os soldados de um destacamento tirarem a farda, e descansarem, nus, à vista de toda gente, ao lado das baionetas.

- E o outro livro, o da americana? - indaguei.

- Também tem exageros, excessos abomináveis, como, por exemplo, esse em que a autora conta que, no interior do país, as camponesas trabalham ao sol, cultivando a terra, tendo sobre o corpo unicamente um chapéu de abas largas, e, à cintura, um leque, amarrado por um cordão.

- Como é essa vestimenta? - indagou

D. Odete, intervindo.

- Um chapéu de palha, e um leque à cintura. - repetiu o pai.

- E nada mais! - acentuou.

A essa informação, D. Saturnina juntou as gordas mãos sobre o estômago, espantada:

- Meu Deus! Parece até "toilette" do Municipal!

Mas não terminou. Escandalizada com aquela heresia, a viúva interrompeu-a, protestando, logo, não em nome da decência, mas em nome do bom gosto:

- Oh, mamãe, assim, também, não!

E acrescentou, com horror:

- Onde a senhora já viu a gente ir ao Municipal de chapéu?!...

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.

Isabel Furini (Poemas Avulsos) III


FIM DE TARDE


Insignificante a vida humana...
sentimo-nos tão importantes
e somos gotas de água
(delirantes)
no imenso mar da eternidade.
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O FOGO DAS LETRAS

O fogo de Prometeu
despertou as almas

as almas escolheram palavras
para fazer acrobacias
e acenderam o fogo poético das Academias
eternizando a chama das letras

as Academias de Letras
são mestras do mundo
inspiram, orientam, motivam
e incentivam a busca do saber profundo
divulgam os livros
convocam leitores
alimentam os sonhos
dos literatos e dos poetas
engrandecem as almas
e aumentam o encanto
semeando a cultura, o amor e o espanto.

(3. lugar no Concurso da Academia Fluminense de Letras, em 2018)
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O POETA

Sonha com poemas
e acorda na noite,
escrevendo com os dedos
versos no ar.

Adora
navegar sobre ondas de folhas em branco,
velejar nos cadernos novos,
pular sobre areias de palavras,
correr na praia procurando o Verbo.
Livros, cadernos, papéis e mais papéis...

Continua a lutar com ondas indomáveis,
organiza os termos,
mas só ancora no oceano dos sentimentos.
Nesse instante,
o poeta compreende o poder do caos primordial.

(1. lugar no Concurso de Poesia de São José dos Pinhais, PR, 2002. Poema escolhido para o Projeto Leitura no Metro de Belo Horizonte/MG, parceria entre o Programa da A tela e o texto da UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais] e a CBTU [Companhia Brasileira de Trens Urbanos], 2007)
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POESIA DAS ASAS

(sons de asas ao vento)
dançando entre sombras
essa escultura ulula dependurada do teto

retrai-se o tempo
encolhe-se para observar o recinto
e pula entre os gravetos
dos minutos devorando-se a si mesmo
o passado entra pela janela de uma catedral
e invade o presente
(sons de asas ao vento)

(Poema inspirado em uma escultura de José Antonio de Lima, recebeu Menção Honrosa no XII concurso Fritz Teixeira de Salles, 2014)
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QUARTO SEM SOMBRA

esquecido do mundo Vincent pinta
(cartografia de subterrâneos anseios
tatuados no corpo e nas mãos )

o eu instintivo (adolescente)
extravasa emoções
extasia-se nas cores dos trigais
nas expressões dos rostos operários
nas luzes de Arles

pinta em um ritmo alucinante
pinceladas justapostas ganham vida
ele retrata seu quarto
obsessivamente

o quarto não tem sombras
ignora-as (elas o aterrorizam
com suas histórias)
mas as sombras
tentam entrar pela janela entreaberta
espreitam
(invisíveis)
desde as paredes do quarto do quadro do artista

a loucura perambula pela casa amarela

(Poema inspirado no quadro: O quarto, de Vincent Van Gogh – Outubro de 1888 – Museu Van Gogh, em Amsterdã = 1. Lugar no concurso da Academia Itapemense de Letras, SC, 2010)

Fonte:
Isabel Furini (org.). Os Melhores Poemas - 2020: Antologia. e-book.

Murilo Rubião (D. José não era)


"Vinde todos, ajuntai-vos,
povos indignos de ser amados."
(Sofonias, II, 1)


Uma explosão violenta sacudiu a cidade. Seguiram-se outras - menores e maiores. Desnorteado, o povo corria de um lado para o outro. Alguém que se conservara calmo no meio de tanta desordem gritou:

-  Não é o fim do mundo!

Eliminada a pior hipótese, surgiram novas conjeturas:

-  Para um bombardeio, faltavam os aviões.

-  Exercícios de artilharia?

-  Muito provável! - apoiaram alguns, apressados em explicar o mistério.

-  E os canhões? - indagaram os mais lúcidos.

Houve quem falasse de uma invasão misteriosa, para em seguida concordarem todos: D. José estava matando a esposa a dinamite.

Os populares hesitaram em aproximar-se do prédio. Após curto silêncio, vários estampidos foram ouvidos. Um vagabundo, que ainda não se emocionara com os acontecimentos, comentou:

-  Será que a dinamite foi insuficiente e ele recorreu ao revólver? Tornaram-se pálidos os rostos e, ansiosos, aguardaram o final do drama.

1  - Tragédia?

Não. D. José estava experimentando fogos de artifício.

Ninguém quis confessar o desapontamento nem o gasto inútil de imaginação que, naquela meia hora de terror, fora exagerado nos espectadores.

- Não a matou desta vez, mas ela não escapará de outra. Seu ódio por D. Sofia é incontrolável.

2 - D. José odiava alguém?

Calúnia! Amava a mulher, os pássaros e as árvores. Ela, sim, detestava-o, irritava-se com os animais.

Infelicidade conjugal?

Nunca! Os esposos combinavam admiravelmente bem.

Mas, entre os habitantes do lugar, não havia quem acreditasse nisso:

- Ela finge amá-lo somente pelo seu dinheiro. Estúpidos! D. José era o homem mais pobre da cidade e tinha uma úlcera no estômago.

3 - A mais leve contestação, contrapunham-se novas acusações:

-  E os meninos, que choram noite adentro, famintos, espancados?

Falso! D. José perdera os filhos (cinco), vítimas da tuberculose. Agora recordava-se deles manipulando um aparelho que imitava o pranto infantil. E comovia muito mais que qualquer choro de criança.

4 - D. José falava sempre de um livro que estava escrevendo. Um livro sobre duendes.

Era um fabulista?

Não. Os duendes habitavam a sua própria casa, ao alcance de seus olhos.

Seria a mulher um deles?

5 - Um dia encontraram-no enforcado. Disseram imediatamente:

- É só fingimento. O nó está pouco apertado.

- Vejam que cara matreira! Está zombando de nós. Infâmia! D. José suicidara-se mesmo.

Por quê?

Todo o mundo fingiu não saber.

6 - Aos que lhe tomaram a defesa, anos após a sua morte, perguntavam:

-  Afinal, o que fazia esse D. José? Se não fumava, não bebia, não tinha amantes?

- Amava o povo.

- E o povo?

- Observava-o com ferocidade.

7 - Mais tarde erigiram-lhe uma estátua. Com um dístico: "D. José, nobre espanhol e benfeitor da cidade".

Derradeira mentira. D. José era um pobre-diabo e não possuía nenhum título de nobreza. Chamava-se Danilo José Rodrigues.

Fonte:
Murilo Rubião. Contos reunidos. Publicado em 1953.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Varal de Trovas n. 544

 

José Fausto Toloy (O taxista e as cartas de amor)


“Todas as cartas de amor são ridículas,
não seriam cartas de amor
se não fossem ridículas”
- Fernando Pessoa


Ponto de táxi da rodoviária de cidade do interior do Paraná. Do ônibus desce um senhor comum até com ar respeitável de bom caráter.

— O senhor pode me levar neste endereço?

— Sim, sou o primeiro da fila, mas se quiser escolher um carro melhor, mais novo...

— Não, não, o seu está ótimo, cheguei de viagem de longe e estou muito cansado, será apenas uma visita...

— Aqui está , rua Porto Alegre,1086, dizia perto de um bosque.

— Esta rua agora mudou o nome. É Theobaldo Blume, nome de padre falecido num acidente!

— Vou enfim conhecer alguém muito especial e estou ansioso...

— É a primeira vez no Paraná?

— Sim, mas vou conhecer minha musa, que escreve cartas maravilhosas, sensível, uma mulher encantadora que todo homem sonha amar.

– Sei, sei, que ânimo, hein! — retruca José e olha desconfiado pelo retrovisor do Ford Corcel Del Rey.

Chegando ao endereço, o carro para a alguns metros do portão da casa de alvenaria, com enfeites de pedra São Tomé e jardim bem cuidado.

— Tá bom aqui, assim pode ter privacidade!

— Tá ótimo, meu bom homem, já volto!

Depois de apertar a campainha uma senhora, tipo idade da loba, questiona:

— Pois não! Seja breve, porque estou com bolo no forno, sim!

— Você é Sandra dos Santos?

— Sim, sou eu e o senhor que deseja?

—Vendedor de Enciclopédia Barsa...

– Não interessa… filhos já crescidos.

– Mas gosta de poesia e curte Drummond?

– Não leio muito!

Olha a mulher do semblante aos pés e dá desenxabido tchauzinho, depois esbaforido, corre de volta para o táxi ofegante:

– Vamos, vamos, taxista, de volta para a Rodoviária que quero pegar o próximo ônibus de volta pra São Paulo, nesta cidade maldita jamais colocarei os pés...

— Mas, o senhor conhece essa senhora?

— Não! Nunca tinha visto antes! Achei que fosse, pelas cartas, moça romântica e linda, que citava Drummond, Vinicius, Pessoa e...

— Quem são essas pessoas?

– Poetas, claro, já que vi que é ignaro em cultura, semi analfabeto também?

– Não precisa ofender, senão te largo na rua, seu frustrado!

Segue silêncio entre os dois homens.

– Ei, moço , estaciona naquela esquina que vou espairecer um pouco. Que droga!

Saiu correndo desesperado e entrou no bosque! Esqueceu o bauzinho no banco! Será que errei o endereço e não era a pessoa que procurava...

Ao abrir o baúzinho José encontra as cartas de amor e começa a ler…
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Conto integrante do livro Andanças pelo Mundo da Palavra (Prelo em Amazon books)

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Ronnaldo de Andrade (Colar de Spina)


Dia 10 de dezembro de 2021 fez dois anos que o SPINA veio à luz. Em comemoração, criei o Colar de Spina. Eu, enquanto criador dessa Nova forma poética, sinto-me feliz em ver sua solidificação acontecendo: Foram publicados no decorrer desse tempo (dois anos) cinco livros solos e duas Antologias exclusivamente de Spina (seis desses livros foram publicados em dois mil e vinte e um. Todos esses livros totalizam um 1.150 exemplares, sem contarmos com o sétimo livro, pois foi publicado em formato e-book e não sabemos a quantidade de exemplares), além de o SPINA marcar presença em coletâneas diversas, organizadas por outras pessoas, em revistas e blogs; estar sendo ensinado em escolas, estudado em Academias de Letras e outras entidades.

Fiquemos agora com as Regras e em seguida o Colar de Spina.

O Colar de Spina é constituído por um único título, o primeiro, e ele terá que fazer referência ao assunto (conteúdo) abordado nos oito Spinas que formarão o Colar. Antes do título é necessário colocar o cabeçalho COLAR DE SPINA ou Colar de Spina, mas o título tem que ser todo em maiúsculo. Cada texto precisa ser independente, ligado um ao outro somente pelo assunto (conteúdo), ou seja, um Spina não complementará o outro como se fosse estrofe subsequente.

É necessário que cada Spina tenha vida independente: sentido completo. Os Spinas precisam ser numerados e com espaço entre um e outro.

A primeira palavra do segundo Spina deverá ser uma trissílaba retirada da segunda estrofe do texto anterior, e assim se sucederá até o último. O último Spina, além de ser iniciado por uma acepção trissílaba retirada de um dos versos da segunda estrofe do Spina anterior, sua última rima deverá ser a palavra trissílaba que começou o primeiro Spina do Colar. No exemplo abaixo perceberemos que Atraque iniciou o primeiro Spina e finalizou o último.

O Colar de Spina pode ser composto por mais de uma pessoa. Sugiro que no máximo oito! 
 
Nota do Blog: A palavra trissílaba foi destacada em negrito para uma melhor visualização

COLAR DE SPINA

O VIAJANTE


Atraque seu barco,
atire-se nas águas,
viva esse instante.

Permita que a sereia cante
às dores de amores findos,
um hino para cada amante.
Depois siga avante. Vá, vá,
singrando o mar, ó viajante.

2
Singrando o mar,
furando as ondas,
avisto o barquinho.

Ele some assim, bem devagarinho,
naquele seu sobe, desce contínuo,
livre, semelhante a um passarinho.
Na bandeira levantada está escrito:
"Nenhum homem deverá ir sozinho".

3
Naquele oceano imenso,
emergido nas angústias,
vislumbrava o horizonte

desconhecido, sempre à sua frente,
como certo alguém guiando alguém
silenciosamente a caminho da fonte.
O Viajante, velho barqueiro solitário,
navegava tentando criar uma ponte.

4
Tentando se libertar
da intensa sensação
de amor tresloucado,

que faz do nosso peito
um hospício, da paz (ah,
a paz!) ser rio estourado;
sim, assim vai o homem,
sem o bem mais amado!

5
Hospício das águas,
às vezes... revoltas
ou pouco cristalinas,

que abriga saudades, lágrimas, dores
de amores colossais, intensos, findos;
almas tristes, felizes, velhas, meninas.
Esse oceano infinito acolhe andarilhos,
quais as tais locomotivas clandestinas.

6
Intensos têm sido
alguns dias atuais
que não evaporam

no ar, rápidos, como desejado.
As horas trazem infindo tempo,
são bichos (às vezes devoram
os momentos felizes) um tanto
famintos. No mar, elas choram.

7
Infindo caminhar terminal,
ectoplasma do reencontro,
utópica veracidade poética

sacodem no peito o coração
como um navio tantas ondas.
Nada mais há nessa dialética,
além de um recordar contínuo
ancorado na alma já diabética!

8
Recordar é: reviver,
reassitir aos filmes,
novo ritmo – tic-tac,

tic-tac – do órgão humano – tic-tac.
O passado distante faz-se, presente,
deixando tantas vezes em destaque
uma terna ingenuidade. Oh, viajante,
jamais nessas emoções se atraque!

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Aparecido Raimundo de Souza (O Caso do Porco Subtraído)

O TÚLIO RESOLVEU entrar no sítio do velho Siqueira que criava porcos para abate e levar, na mão grande, um dos milhares que ele mantinha nos chiqueiros. Como a divisa da quinta do sujeito ficava perto da herdade onde morava com os pais, o criador de galinhas e plantador de café Bartolomeu Carrancudo, o rapaz fez um planejamento bem simples e objetivo para não ser pilhado em flagrante e tudo que esquematizara rolasse por água abaixo. No dia que botou na cachola ser o momento propício, se alinhavou para praticar, sem mais delongas, o que levou quase um mês sopesando pós e contras.

Este dia seria o domingo. Geralmente, nos finais de semana os empregados do comerciante (como os de seu pai) relaxavam a guarda, o que lhe daria uma excelente margem para penetrar nas contiguidades do velhote e subtrair um dos animais sem ser apanhado com a boca na botija. Portanto “flexível a investida”, concluiu satisfeito e seguro de si. Esperou dar meia noite. A partir daí, se armou de uma lona de plástico, pegou seu pequeno caminhão e partiu para o desafio. Já em terras alheias, se protegendo entre árvores, caindo aqui, tropeçando ali, chegou, finalmente, aos barracões onde ficavam instaladas as pocilgas.

Em meio a enorme manada dos “sus scrofa domesticus”* que se descortinou à sua frente, Túlio carecia, no menor tempo possível, escolher um quadrúpede artiodáctilo* que não fosse muito obeso para ser melhor conduzido, uma vez que seu regresso até onde deixara o transporte amoitado, se daria pela mesma leiva, todavia, aquela hora da noite, totalmente desconhecida. Havia um outro detalhe que não poderia ser esquecido. Talvez o pior deles. Dependendo do peso do bunodonte* “escolhido”, a sua caminhada se faria duplamente penosa. Baseado nessa teoria da balança invisível, pinçou o “doméstico” que achou moleza manobrar a sua “barrilesca” carga sem muito esforço. Com ele em volta do pescoço, embrulhado no plástico que trouxera, tratou de picar a mula.

Não contava com um pormenor. O infeliz do suíno “rufião” chafurdado em excrementos os mais diversos, tranquilo e em paz, retirado assim, à força, sem prévio aviso, no cômodo do descanso, em seu persigal*, é lógico, ao se ver fisgado, se abriu endoidecido em sons engraçados e bizarros. A voz do cerdo é, por natureza, um tanto esquisita, e, de certa forma, excêntrica. Ao se sentir em perigo iminente, o coitado mandou ver num enraivecido iiihhh... iiihhh... iiihhh... iiihhh... quebrando a quietude silenciosa da noite lúgubre e entenebrecida.

Na revinda (*regresso), Túlio usaria a mesma picada de acesso. Não tinha como atalhar. Por conta, o medo enorme que sentia em ser pego por funcionários triplicou. Afora isso, levado pela chatice enervante do mamífero resmungando atabalhoadamente, por entre guinchos e grunhidos, tais cantorias deixavam os seus nervos frangalhados, ou melhor, emporcalhados.

— Cala essa matraca. — Observou a certa altura – Precisa ficar dando banda com esses sons aborrecidos em meus ouvidos?

O rapaz cochichava com o suidae* como se a criatura fosse alguém de entendimento pleno que pudesse ouvir e assimilar os seus clamores e, por conta, no minuto seguinte, obedecer e fechar o comedor de lavagens. Faltava pouco para chegar ao marco que estabelecia os limites da saída e ganhar a liberdade. A alguns passos de colocar os pés para o sucesso da missão, jogar o porco na carroceria do seu VUC, da JAC, um V260 e dar partida no motor, faróis e lanternas se acenderam inundando (como se dia fosse) a escuridão mansa da noite amena.

Rifles apareceram do nada, apontados para a sua cabeça. Ouviu, entre risos e chacotas, a voz do homem que identificou, de primeira: ali estava, em carne e osso, o velho Siqueira, ou como todos, na localidade, o chamavam pelas costas, de “Napoleão”.

— Alto lá, seu ladrãozinho barato. Fique onde está. E antes que eu ordene a meus empregados que lhe deem uma lição inesquecível, me esclareça uma dúvida cruel: onde pensa que vai com o meu porco?

Túlio se deteve apavorado. As duas mãos a segurarem o gorduchinho desviado que viajava às costas, aos berregos, passaram a tremer desordenadamente. Com a quebra da compostura, exatamente pela vergonha de ter sido pilhado com o produto do crime grudado em seu suor, a sua fortaleza desmoronou. Em trote idêntico, sem ter como se segurar, uma súbita incontinência urinária lhe fez molhar pernas abaixo, numa espécie de desarranjo renal surgido de modo imprevisto.

— E ai, seu ladrãozinho de meia tigela! — repetiu a voz, desta vez mais forte. - Responda: onde pensa que vai com o meu porco?

O desditoso, além da falta de paciência (o Landrace não dava trégua, parecia estar cantando, em repeteco, “O Porco”, do Beto Jamaica), e, sobretudo, aviltado em não conseguir se premunir até a “moita” mais próxima, também viu lhe escapar, de roldão, a voz. Afônico, balbuciou, mais assaparantado* que um rato solitário a se ver diante de uma gataria pronta para manda-lo para a barriga:

— Por... por... por... co... se.... seu... Si... Si... Si... quei... ra... que por... cooooooo...?!

Final da história: Túlio levou uma surra memorável dos peões do estancieiro. A parcela da coça se fez sem perdão, ou seja, mais dupla e atordoante, notadamente quando os esculcas* identificaram o larápio e comunicaram ao patrão que o “meliante”, não era outra figura, senão um dos filhos do Bartolomeu Carrancudo, seu amigo do peito e confinante por aquelas paragens.
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VOCABULÁRIO
Artiodáctilo = Ordem de mamíferos ungulados com um número par de dedos. Inclui os porcos, os touros, os hipopótamos, os camelos, os veados, as girafas, os carneiros, as cabras e os antílopes. Assentam no solo os dedos revestidos por cascos. Caracterizam-se por o eixo do membro passar entre os terceiro e quarto dedos. Estes podem ser quatro, como nos porcos e hipopótamos ou, mais vulgarmente, dois, como nos fissípedes típicos. Todos os artiodáctilos exceto os porcos são herbívoros. (Infopedia)
Assarapantado = Que se assustou; assustado. Que está atrapalhado; pasmado.
Bunodonte = Em zoologia, chamam-se bunodontes aos mamíferos que têm dentes molares com cúspides arredondadas e pouco desenvolvidas, como o homem, o porco e o urso. (wikipedia)
Esculcas = sentinelas, vigias noturnos.
Persigal = curral de porcos; pocilga, chiqueiro. (Oxford)
Suidade = é uma família de mamíferos artiodáctilos. Esta família taxonómica inclui vários gêneros, nos quais se encontram espécies de animais domésticos, como o porco-doméstico, e selvagens tais como o javali. (Wikipedia)
Sus scrofa domesticus = porco doméstico.


Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Minha Estante de Livros (Uma Tragédia no Amazonas, de Raul Pompéia)


Uma tragédia no Amazonas é uma novela envolvente que narra como o ódio e o desejo de vingança pode arruinar muitas vidas, e como uma pessoa pode ser odiada e amada ao mesmo tempo.

É cheio de detalhes, faz a pessoa sentir o clima selvagem e hostil vivido por pessoas que vivem na região do Amazonas, onde a lei raramente chega, e onde as pessoas muitas vezes fazem suas próprias leis.

Com maestria o autor narra a história de Eustáquio, sua esposa Branca, e a enteada Rosalina, que passaram a ser vitimas de perseguição, que incluíam tanto danos à propriedade da família, que ficava no vilarejo de São João do Príncipe no Amazonas, como tentativas de matar Branca e Rosalina. Curiosamente, em duas tentativas contra as mulheres, um misterioso protetor dá cabo dos agressores, o que não acontece com um escravo e um soldado contratados para defender a casa do subdelegado.

Começa por parte de Eustáquio uma caça aos agressores, aos poucos o editor traz a lume fatos que culminam com a identificação dos mesmos como sendo um grupo de negros que após assassinarem seu feitor e o dono da fazenda, saqueiam a sede e fogem, sendo capturados e presos pelo subdelegado, no entanto pouco depois eles fogem da improvisada cadeia, para a floresta, e começam a maquinar a vingança.

A morte de um dos escravos pelo misterioso defensor da família faz com que eles fiquem um pouco acuados, e passam dois anos sem fazer novas ameaças. No entanto a chegada ao vilarejo de salteadores espanhóis interessados em roubar Eustáquio, porque foram informados que ele possuía uma grande riqueza, reacendeu nos escravos fugitivos a chama da vingança, e encorajados pelos espanhóis voltaram a tramar contra a família.

Nesta ocasião, Eustáquio, que já não é mais subdelegado, passa a espionar o bando, descobrindo que tramavam atacar a casa no dia seguinte, recorre à ajuda do padre que no afã de proteger a casa indica quatro lavradores da cidade para reforçar a segurança. Eustáquio os contrata, sem saber na verdade que eles faziam parte dos seus inimigos, num plano do líder espanhol de infiltrá-los na residência de Eustáquio fato que o padre também desconhecia.

Enquanto aguardavam o ataque protegendo a casa, o padre revela que o misterioso protetor que por vezes defendeu a família, era na verdade um jovem que teve sua vida salva pelo pai de Rosalina, a enteada da família, só que embora salvasse o garoto o homem não sobreviveu ao acidente, em retribuição a isso o garoto vigiava a casa para proteger seus moradores.

Neste mesmo dia os vingadores conseguem invadir a casa, matam Branca, Eustáquio, bem como outros que ali estavam, incluindo uma criança que ainda a pouco havia nascido, filho de branca com Eustáquio.

Quando o jovem que protegia a família chega já é tarde e o malfeitor lhes tira a vida, e como última vítima Rosalina é barbaramente torturada e morta. Finalizando a história, o pai do jovem chega de uma viagem, mas já encontra todos mortos e o fim é dramático, com o pai ao lado do corpo do filho lamentando sua morte.

A história é cheia de detalhes, faz a pessoa sentir o clima selvagem e hostil vivido por pessoas que vivem na região do Amazonas, onde a lei raramente chega, e onde as pessoas muitas vezes fazem suas próprias leis.

Em Uma Tragédia no Amazonas, ressaltamos três espaços, onde decorre a intriga na novela, a floresta, a casa e o roseiral. Todavia, dos três espaços apontados, é a floresta que recebe um tratamento discursivo e imagético mais acentuado, em princípio, por ser objeto da curiosidade de leitores urbanos e alimentar fantasias de aventuras e de expedições fascinantes e perigosas, e depois, por estabelecer relação direta com a criação e a manutenção da atmosfera trágica.

Sob certa perspectiva historiográfica, a representação discursiva e imagética da floresta amazônica, na novela de Raul Pompéia, alude tanto à retórica dos cronistas de viagem do século XVI quanto reproduz a retórica folhetinesca.

Ao seguir o roteiro de narrativa linear, Raul Pompéia reserva o primeiro capítulo da novela à descrição de dois espaços em que se desenrolará a história, um deles, é a floresta amazônica e outro é a casa de Eustáquio. Esses dois espaços contribuem para determinado desenrolar e desfecho do enredo. A floresta e a casa do protagonista recebem do escritor certo tratamento visual que torna evidente a natureza oposta e contraditória de ambos, a partir dos quais e nos quais se refletem conflito e tensão decorrentes da relação entre cidadão e natureza, civilizado e selva, estrangeiro e autóctone, agente da justiça e regime do instinto, da violência e da vingança. A representação da floresta sobrepõe à representação da casa e se constitui esfera em que esses polos opostos provocam estado de situação pouco esclarecida que conduz o protagonista a cometer erros e enganos, o chamado miasma para os trágicos gregos.

No desenrolar da novela, notamos algumas formas de representação da floresta, que pretendem intensificar a ideia de que trágico é o espaço. Já nos primeiros parágrafos, o narrador reproduz discurso semelhante aos dos cronistas de viagem ao fazer referência a alguns aspectos geográficos da região, o que atribui tom levemente informativo à descrição da natureza. No entanto, o aparente esforço do escritor em tornar verossímil a descrição do espaço cede à projeção da imagem poetizada e alegórica da Amazônia

Em princípio, o enredo da novela de Pompéia explora a temática da vingança para justificar o drama violento vivenciado por Eustáquio e sua família em plena floresta amazônica. Todavia, a chacina da família do subdelegado, de seus ajudantes e amigos mais do que representar a efetivação do plano de vingança de um grupo de bandidos, representa a replicação, em escala menor, do fracasso da utopia da formação da civilização brasileira a partir da ação do homem branco em explorar e dominar a floresta.

O drama violento vivenciado pelos personagens possibilita a alegoria da repetição desse fracasso que sugere que outros problemas históricos e sociais brasileiros se fazem presentes a partir do desenrolar da trama, tais como exploração e domínio da terra, formação de novas cidades no interior do país, ausência dos aparatos do Estado em locais extremos e isolados do país, e a problemática jurídica em torno da aplicação da lei em “terra de ninguém”.

Fontes:
Net Saber. Resumos.

Danilo de Oliveira Nascimento. A representação do espaço trágico em Uma Tragédia no Amazonas, de Raul Pompéia. Disponível na Revista Recorte. Mestrado em Letras: Linguagem, Cultura e Discurso / UNINCOR. v. 12 - n. 1. jan -jun, 2015. (trechos)