quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Antônio Girão Barroso: o percurso de uma poética



A obra literária de Antônio Girão Barroso está inserida no Modernismo e, ao longo de seu percurso, acompanha as evoluções que tal estética sofreu, tanto em relação a traços estilísticos quanto a elementos temáticos. Seus poemas revelam a ruptura com os formalismos anteriores ao modernismo e a busca do coloquialismo da fala brasileira; daí a valorização dos versos livres e brancos ou, então, a combinação de versos de metros variados.

Poesias incompletas, de Antônio Girão Barroso (Edições UFC, 119 páginas) reúne, praticamente, toda a sua produção, cuja linguagem, sem sombra de dúvidas, é ponto de destaque em estética, com acento ao português popular, coloquial, pleno de brasileirismos, de neologismos, expressões populares e emprego irregular dos sinais de pontuação.

Nasceu Antônio Girão Barroso em Araripe (CE) aos 6 de junho de 1914 e morreu, em Fortaleza (CE) em 1990. Realizou a poesia, o conto, a crítica, sendo jornalista e professor universitário - graduado em Direito, fez doutorado em Economia. Foi membro do Grupo Clã - movimento artístico que, nos anos 1940, sedimentou as conquistas modernistas no Ceará -, ao lado de Aluísio Medeiros, Artur Eduardo Benevides, Eduardo Campos, João Clímaco Bezerra e Moreira Campos, dentre outros.

No poema de abertura, ´Estação de trem´, Antônio Girão Barroso já aponta a sua intenção em romper - particularmente aqui, no Ceará - com os padrões tradicionais da poesia, que se impuseram como verdadeiros cânones antes do advento do Modernismo: do ponto de vista formal, há o livre emprego de versos longos e curtos, sem métrica regular, bem como a presença apenas de rimas ocasionais, a dessacralização da linguagem por meio da fala matuta (´vem danado pra chegá´ - aqui, estabelece-se uma intertextualidade com Ascenso Ferreira, poeta pernambucano, autor dos versos: ´Vou danado pra Catende / com vontade de chegá´) e a exploração de recursos sonoros: Lá-e-vem o trem / lá-e-vem / com seu apito tão fino / vem danado pra chega /// Pacatú-b-a-bá / Paratú-b-a-bá /// Corre, menina / teu pai chegou / o trem das nove / não já apitou? /// Banana seca é o pau que rola. /// Lá-e-vem o trem / lá-e-vem / com seu apito tão fino / vem danado pra chegá /// Pacatú-b-a-bá / Paratú-b-a-bá /// Donde vem esse povo? / Vem do Ceará! /// Pacatú-b-a-bá / Paratú-b-a-bá /// Seu moço, me dê uma esmola / pelo santo amor de Deus... /// esse cego tá fazendo verso?/// O trem vinha puxando noventa / Ah trem espritado! /// Um bando de colegiais / tão fazendo sururu na vila. / Tem um bebendo até cachaça / o Acarape é tão perto / cachaça é quase de graça / contudo ele já gastou seiscentos reis.../// Fiu... / O trem partiu / Pacatuba sumiu. /// (Mas que vontade de voltar...) /// Pacatú-b-a-bá (p. 11-12)

Antônio Girão Barroso, à semelhança de Manuel Bandeira (a quem dedica esse poema, ressaltando a intertextualidade com ´Trem de ferro´, do poeta pernambucano) sabe, muito bem, unir humor, calor humano e ritmos sugestivos.

Ainda que não haja descrições do cenário, este se desenha por sugestões: a princípio, uma casa, onde a mãe lembra à filha a chegada do pai, e a interrogação: ´o trem das nove / já não apitou?´ nos revela que o trem funciona também como um cronômetro coletivo da cidadezinha; por fim, a própria estação, também delineada por gestos e atitudes dos moradores: a oferta de iguarias (mariola); a mendigação (´Seu moço, me dê uma esmola / pelo santo amor de Deus...´) - nesse caso, o rogo, em redondilha maior, deu ao ´moço´ a sensação de que o ´cego´ fizesse ´verso´. O trem, então, muda a paisagem da cidade: incitam-se os colegiais, os botequins... até que o trem parte, desfazendo o sonho.

Ainda que esteja comprometido com a inserção definitiva das idéias modernistas entre nós,

A. G. B. tem, notadamente, conhecimentos da evolução das conquistas modernas (Manuel Bandeira, com ´Libertinagem´; e Drummond, com ´Alguma poesia´ - livros publicados em 1930); desse modo, sente-se à vontade de versejar em ritmo metrificado; mas, no propósito de aliar literatura e povo, escolhe a redondilha (menor) - um dos ritmos mais populares entre nós, conforme, os versos de ´Vida´: Proezas não tenho / na vida tão pau / nem lances terríveis / tragédias enfim / com choros pesados / e mortes no meio / senão que uma vez / morrendo afogado / gritei pros passantes / me acudam me acudam. / Mas isso é tão simples / acho isso tão besta / tão sem novidade / a vida todinha / me acudam, me acudam.

O eu lírico reconhece-se numa pessoa comum, anônima - em verdade, um anti-herói, mergulhado numa vida monótona, sem grandes feitos: ´Proezas não tenho / na vida tão pau´. Assim, não foi lancetado por ´lances terríveis´ ou ´ tragédias´, isto é, não sentiu ainda, por perto, a experiência da morte ou das perdas inexoráveis. Tal atmosfera, porém, é quebrada ao lembrar-se de que, um dia, ´morrendo afogado´, pediu socorro, sendo, portanto, salvo.

O poema, a partir desse momento, aponta uma nota comum em A. G. B.: a fusão do cotidiano a elementos do eu, pois, o elemento externo lhe possibilita criar uma dimensão interior de infinitas complexidades; desse modo, o episódio concreto do afogamento converte-se no espelho de uma postura existencial: a de sentir-se, constantemente, desamparado, sozinho, à mercê do socorro público.

Fonte:
Diario do Nordeste. 22.10.2006. Seção Cultura. http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=375672

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Age de Carvalho (Caldeirão Literário do Pará)



Aqui, em meu país
irremediavelmente nordestino e miserável,
à luz elétrica de meu século,
sob todos os alfabetos do medo e da fome;

aqui,
entre o homem e o homem
(como dois sistemas totais
num universo de águas inacabado),
aqui vivo.

De Arquitetura dos ossos (1980)

BOCA

a minha e a tua:
o ímã das línguas lança promessas,
letra-sobre-letra

À vera,
a tempestuosa mão da rasura
subjaz
negra no plural dos pêlos
à procura do selo mais profundo,

funda.

De Arena, areia (1986)


FAZER COM, FAZER DE

Estar, entre
estrelas e pedras,
interrompido

Resto de
ervas, tempo, entre dentes
detém-se
a palavra-refém,

réstia.
De Pedra-Um (1989)


SANGUE-SHOW

Esse o tempo—
em-sempre da serpente,
seu recobrado sentido
circular nas glebas
do sangue.

Chão,
subcutáneo, chão—
aqui se apaga
a veia vida/obra,
aqui a cobra
(intra-
vírgula
venenosa) insinua
entre ramas brilhantes
seu eterno s:

aqui, é-se.

Revista Inimigo Rumor, 7 (1999)

CORCOVADO

à Nelci Frangipani

Uma última vez
antes de subirmos,
braços abertos sobre
a flora brava, aqui
em baixo, onde colho
a despedida –

o tempo
só de abraçar
o abricó-da-praia,
meu amigo,
enquanto tu, trezentas
e terrena, davas
comida aos gatos.

POEMA COMPLEMENTAR SOBRE O RIO
A José Maria de Vilar Ferreira

O rio consagrado: a vazante
lembrança que escoa em maré
baixa e retorna — água escura
— na preamar

O rio sagrado: invólucro do céu
e margem, e duas margens
dos caboclos amantes. O rio

passado: cismando na crisma, paresque
dumas lembranças que trabalham a solidão:
o paralelo das margens, uma igara partida,
as águas sujas que sempre voltam.

A CADELA

Caminhava grave pela casa
a cadela.
A cabeça quieta era sua altivez
quadrúpede no centro da cozinha.
Caminhava. Os olhos, costelas,
o mar de ossos, o coração
pardo e lento – caminhava.
A manhã debruçava-se pela janela: cristais no pó,
o púcaro da china, horas de louça
batendo nas palavras na sala da casa.
A cadela caminhava, dura,
secular.
(Domingo dormia
prolongado como um funcionário feriado).
Vivera demais. Descansava à sombra,
perto do quarador.
Sonhava farta, invisível,
a cadela azul,
nua
(o sexo velho e molhado,
um caranguejo arcaico sob o rabo).
Dormia, vazia.
Outubro doía longe, na Ásia,
quando a Fuluca anunciou: "A Catucha morreu".

De ROR (1980-1990)
São Paulo: Claro Enigma, 1990

IN ABSENTIA

E: ainda uma chance —
uma pedra se refolha
para o repouso,
o instante é
sempre presença

Ror de erros,
recolho repetidos
o que ainda me pertence

NISSO

que ascendeu
se revelou
e esqueceu

ponhamos uma pedra

SUMA

Quantas vezes
ainda por repetir?

Estão comigo, todas
de segunda mão,
não classificadas

ó anel
círculo mancha ervas
sombra relva irmã
estrela erro tumba
por companhia

pedra pedra pedra

A JOÃO CABRAL DE MELO NETO

só dizer
o que sei
e duvido saber, o sal
pela mão
do rio-sem
resposta —
um luxuoso dizer, de vagar sem onda
e vaga, fluvial, não aliterado;

um dizer repetido na diferença,
barrento, semi-dito, em Não fechado;

ou o não-dito, rios sem discurso,
nome por dizer ou dizer empedrado;

dizer sim o raro e claro do poema,
dizer difícil e atravessado, com margem
de erro.
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Fonte:
Antonio Miranda. www.antoniomiranda.com.br

Age de Carvalho (1958)



Nasceu em Belém do Pará, em 1958. Concluiu seus estudos primário e ginasial no Colégio Moderno, em Belém, e se formou em Arquitetura pela Universidade Federal do Pará em 1981. Lançou seu primeiro livro de poemas, Arquitetura dos Ossos, em 1980. Editou a página de poesia Grápho nos jornais paraenses A Província do Pará e O Liberal entre 1983-85, atuando também como tradutor. Passa o ano de 1984 em Innsbruck, Áustria. No final de 1986 retorna à Europa para se fixar em Viena. De 1991 a 2000 vive em Munique, Alemanha, e a partir deste ano muda-se definitivamente para Viena, onde hoje reside.

Como designer gráfico atua em várias revistas austríacas e alemãs na função de diretor de arte. Em 2006 é publicada na Alemanha a extensa antologia poética Sangue-Gesang ("Cantos do Sangue") traduzida por Curt Meyer-Clason.

Livros publicados, todos títulos de poesia:
Arquitetura dos ossos
(Editora Falângola/Semec, Belém, 1980)
A fala entre parêntesis
junto com Max Martins
(Edições Grápho/Grafisa/Semec, Belém, 1982),
Arena, areia
(Grafisa/Edições Grápho, Belém, 1986)
Ror: 1980-1990
(poesia reunida e o livro inédito Pedra-um,
Editora Duas Cidades, Coleção Claro Enigma, SP, 1990)
Móbiles
(junto com Augusto Massi, 7 Letras, Rio, 1998)
Caveira 41
(Cosac & Naify/7 Letras, São Paulo, 2003)
Seleta, antologia poética
(Editora Paka-Tatu, Belém, 2004)
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Fonte:

Lenda Indigena (O Cupim)



Obrigaram uma moça a se casar com um rapaz, contra a sua vontade.

Ela não gostava do marido de jeito nenhum. À noite, quando ele vinha se deitar, tentando abraçá-la, ela descia da rede e ficava de costas. Toda noite era assim.

Para ver se aos poucos ela se acostumava, o pai convidou o genro para caçarem no mato, levando-a junto. Mas ela continuava a não querer dormir com o marido.

O pai teve uma idéia. Pegou muitos vaga-lumes, “bagapbagawa man” na nossa língua. Sem que a filha percebesse, pregou grande quantidade de vaga-lumes no cupim, que chamamos “txapô”. Fez isso de dia. Atou a rede da filha bem pertinho do munduru, que é um ninho de cupim, e a rede do marido do outro lado. Assim fez um tapiri, uma cabana.

Anoiteceu, jantaram, a moça deitou na própria rede. Dormiu.

Quando foi no meio da noite, acordou e viu aquele munduru alumiado. Assustou que só vendo e deitou com o marido. Nunca mais largou o marido, e até hoje existe a luz no munduru.

Fontes:
Covil do Orc = http://covildoorc.wordpress.com
Imagem = http://desvendar.com

Ricardo Corona (Poetas do Paraná)



VENTOS E UMA ALUCINAÇÃO

1.
sol tórrido no
aljazar

(lascas de zinco refletindo)

sol batendo
no sal

2
das costas
do homem na barcaça
— e deu-se a estampa

(um sopro quente passa)

um caligrama na asa
do anjo
aprendiz da chuva

3.
rubricando, rebatendo
no arco-íris riso
da híbrida holografia

(do solo sobe um hálito quente)

espumas ainda agonizam
e novamente
o mar traz à margem sua franja

4.
atrás das pálpebras
o olho dá forma ao sol
: bola vermelha

(um vento mantra passa)

a íris fosforesce
aureolando as pupilas em brasa

5.
no cine Céu
a sessão inicia pelo fim

(o rubro horizonte nubla de repente)

barbatanas no céu anfíbio
guelras no céu íntimo

6.
hojes mais longínquos
lembram
ontens ancestrais

(um peixe roça a pele da pedra)

há uma escritura definitiva
nas estrelas
sílabas

7.
: a gula de luz
de uma galáxia canibal

(a lua finge mas já reflete sóis)

Anos-luz daqui
Andrômeda é a esfinge
da via-láctea
–––––––-

ONDAS NA LUA CHEIA
(poema sob influência)

A lua que tudo assiste
agora incide

O mar
— sob efeito —
ergue-se
crispado de ondas espumantes

Sua língua de sal
lambe e provoca
as escrituras da areia firme

Ondas deslizantes
redesenham
onde outras ondas ainda
desredesenharão,
fluindo
no fluxo
da influência

Sob efeito lunar
o mar muda
e a lua,
antes toda,
agora, mínima
(
e quem com ela muda?)
–––––––––––-

PAISAGEM NARCISISTA

Estando sempre à luz do sol,
a paisagem, narcisista, insiste.
E viciada em flashes e ohs!
de turistas, banhistas e surfistas.

Sendo ela que o sol eternamente assiste,
a paisagem, narcisista, insiste,
retendo estampas na retina, como se
somente a sua performance existisse.

Mas nela meu olhar não se detém,
nenhum clic, espanto, nada.

*
via láctea via língua
eis minha viagem
o quasar mais além
vai estar quase ali
o planeta terra
pingo no meu i
ponto na frase que se encerra

*
a chuva desce
pelo cheiro
a terra agradece
==============

TAMBOR

ouvido atento, colado
som lusitano, lento
meu cérebro no centro de Istambul
(de um lado, feras
do outro,
heras)

o giro incerto mastiga o ruído
metal ruim
de um lado da estampa,
azul
do outro,

coisas grudam na agulha
na ferrugem
na pane do som letal

de um lado, folhas
caem
pétalas

do mesmo lado
vão vira crisálida
borboletas-bomba
coração tam-
bor
tam
tambor tam
tam
tam-
bor tam
tam
tambor
TAM
–––––––––––––––

ENTRE

‘bientôt un espace’
quer dizer
‘em breve um espaço’

bonito isso
na raridade que é
esta manhã

na qual aspiro
ao desconhecido

decolo ao
meu labirinto

no pulso de todos os tempos

entre

‘bientôt un espace’
e a menina com narina balalaica
------
Fonte:
Antonio Miranda
Jornal de Poesia

Ricardo Corona (1962)



Ricardo Corona (Pato Branco - PR, 1962) graduou-se em Comunicação em 1987 (Febasp). Iniciou atividade poética no início dos anos 1980, publicando seus poemas em revistas e jornais literários.

De 1993 a 1996, apresentou várias performances poéticas criadas em parceria com Eliana Borges e iniciou pesquisa que aproximou a poesia do universo do som, mesclando referências que vão da poesia da música brasileira às experiências sonoras de vanguarda e que serão determinantes no seu disco Ladrão de fogo (Medusa, 2001)

Em 1998, organizou a antologia de poesia Outras praias / Other Shores (Iluminuras).

Criou em parceria com a artista plástica Eliana Borges as revistas de poesia e arte Medusa (1998-2000) e Oroboro (2004-2006).

Em 1999, publicou Cinemaginário (Iluminuras), seu primeiro livro individual, com repertório de poemas imagéticos e de intenso diálogo com o cinema.

Em 2003, em parceria com Eliana Borges, publicou Tortografia (Iluminuras), um livro de arte com desdobramentos da poesia para o universo das artes plásticas e destas para o campo poético.

De 2005 a 2007, percorreu o país com a apresentação de poesia falada e sonorizada Távivaaletra. Em 2005, com Joca Wolff, traduziu o livro-poema aA Momento de simetria (Medusa, 2005), de Arturo Carrera e nesse ano publicou Corpo sutil (Iluminuras). Em 2007, criou com Eliana Borges a performance Jolifanto.

Participações:
– Antologia comentada da poesia brasileira do século 21 (PubliFolha, SP, 2006, Org. Manuel da Costa Pinto);
– Papertiger: new world poetry (Austrália, 2004);
– Cities of chance: new poetry from the United States and Brazil (Ed. Rattapallax Press e 34, EUA, 2003, Org. Flávia Rocha e Edwin Torres);
– Pindorama – 30 poetas de Brasil (Revista Tse-Tsé, Argentina, 2000, Org. Reynaldo Jiménez); – Na Virada do Século – Poesia de invenção no Brasil (Ed. Landy, SP, 2002, Org. Cláudio Daniel e Frederico Barbosa) e
– Passagens – Antologia de poetas contemporâneos do Paraná (Ed. IOP, 2002, Org. Ademir Demarchi).

Parcerias musicais com Vitor Ramil, Ana Lee, Tiago Menegassi, Guêgo Favetti, Carlos Machado, Alexandre Nero, Neuza Pinheiro e Grace Torres.

Fonte:
Antonio Miranda
Jornal de Poesia

Ricardo Corona (O Escritor em Xeque)


Wilmar Silva - Ricardo Corona: como descobriu a poesia em sua vida?

Ricardo Corona - É difícil saber como a poesia entrou na minha vida. Talvez tenha chegado pelo som das páginas sendo viradas dos livros que a minha mãe lia. Ela sempre foi (e ainda é) uma leitora contumaz. O hábito táctil dos livros eu aprendi com ela e, penso agora, a partir da sua pergunta, sobre a repercussão desse som dentro de mim. Organicamente, acabou se misturando aos meus primeiros sentimentos, então, creio que minha descoberta da poesia veio desse som de livros em mãos maternas.

WS - Mais que hesitar entre som e sentido, ser poeta é hesitar entre substantivos e adjetivos?

RC - Os adjetivos têm que ser usados com cautela e sem hesitação. Não titubeio em eliminar adjetivos. Quanto à definição de Paul Valéry ("Poesia é a permanente hesitação entre som e sentido"), é a que mais me significa e desde sempre foi a que mais me interessou e me estimulou como poeta. Hesito sempre.

WS - É possível ao poeta de hoje produzir uma linguagem de invenção quando as vanguardas históricas habitam um abismo?

RC - Não sei exatamente o que quer dizer com "habitam um abismo". Mas levando ao pé da letra, não vejo nenhum abismo. Conforme o adjetivo da sua pergunta, as vanguardas se transformaram em movimentos históricos. Eu reconheço essas experiências como das mais importantes para o ambiente poético universal. No caso do Brasil, os poetas concretos (Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Pedro Xisto) nos deram régua e compasso... Mesmo que alguns neguem e outros odeiem, a verdade é que ainda usufruímos desse legado. Isto posto, o significado da palavra invenção deixa obrigatoriamente de estar ligado ao momento histórico das vanguardas. A experiência poética de hoje é outra. Acho uma experiência radical, por exemplo, operar cruzamentos de linguagens e épocas num trabalho contemporâneo. Um ritual Tungu está muito próximo de um happening dadaísta. E sabe qual a distância de tempo dessas manifestações? Mais de mil anos. Sabe qual a conexão? Ambas as manifestações trabalhavam poéticas sem sentido. Porém, apenas uma delas é conhecida como uma manifestação de vanguarda, que é a dadaísta. O que estou dizendo é que mesmo sem a necessidade da ruptura, a experiência continua, porque ela sempre esteve presente.

WS - Escrever poemas é o mesmo que remeter cartas para ninguém, ou escrever poemas é o mesmo que plantar as próprias sombras?

RC - Escrever poemas é o mesmo que rabiscar na própria pele. É dar ao mundo uma coisa que é sua. E dar, no meu repertório léxico, é feminino de dor.

WS - Sendo também performer, que pontos de mutação, a exemplo da obra em si como aquele Salto no Vazio de Yves Klein, entre o poeta léxico e o poeta físico?

RC - Acho que artistas como Yves Klein ou mesmo Carole Schneemann são agentes de performance. Claro que há muita similaridade entre a performance e a poesia que vai para o ar. Mas são linguagens autônomas. Eu trabalho com a cena e não me julgo um performer. Acredito piamente quando um texto é lido em voz alta pelo próprio autor. Eu gosto de começar nessa fronteira, nessa dimensão física do texto autoral, nesse lugar em que também se encontra a idéia nietzscheniana de acreditar somente nas coisas escritas com o próprio sangue. Neste sentido, sou um agente de poesia.

WS - A exemplos de tantos nomes que produzem e se publicam, há entrechoques nas poéticas de agora ou o mundo é uma pirâmide de repetição?

RC - Acho que as poéticas de várias épocas e culturas mantêm um diálogo intenso desde sempre. Os cantadores medievais com os poetas de cordel; a poesia de Glauco Mattoso e Gregório de Matos...; o grafite anônimo de hoje com o grafite também anônimo da cidade de Pompéia, do século I d. C. ... Mas não acho que isso seja uma pirâmide de repetição. Nossa época carrega nas costas milhões anos de cultura. Acho que temos que aprender que a idéia do “novo” não existe e que o desafio de se criar qualquer coisa mediante um repertório desses, é enorme. Talvez a sensação de impasse esteja mais na dificuldade de se classificar o que se faz hoje. Está difícil aplicar um adjetivo, um rótulo, uma única definição para a produção de agora. E isso é bom, é uma conquista, apesar da dificuldade da leitura crítica, do mapeamento. Mas aí já é um problema dos críticos. A nós cabe escrever sobre o que quisermos e pesquisar nas mais variadas fontes...

WS - Considerando o paradoxo entre a poesia concreta e a poesia marginal, e uma poesia de filigranas que você faz, falando em línguas, que língua Ricardo Corona escreve?

RC - Não existe mais essa dicotomia ou esse paradoxo na poesia brasileira. Não é mais possível pensar a partir desse paradigma. Uma premissa: eu gosto de lembrar o que Ferlinghetti dizia sobre poesia e público leitor, ou seja, que o poeta deve resguardar uma superfície de comunicação. Sem o ledo engano de querer "sentir o hálito das multidões" (Leminski), eu procuro evitar o hermetismo, até porque já penso o poema em voz alta e isso me exige comunicabilidade.

WS - A começar pelo nome que nasce puxando imagens, que imaginações iluminam seu livro de estréia solo Cinemaginário (Editora Iluminuras, SP, 1999)?

RC - A imaginação e as imagens de um cinema mental. Coloquei meus delírios e visões de mundo num fluxo poético. Cinemaginário é um livro enganador, pois parece se prestar mais à arte da visibilidade (da paisagem), mas o que importa nele é o invisível.

WS - Como foi realizada a poética híbrida de sons que comparece no CD Ladrão de Fogo (Editora Medusa, Curitiba, PR, 2001)?

RC - Muitos poemas que estão no CD Ladrão de fogo foram antes estampados no livro Cinemaginário. Porém, antes ainda do livro e do CD, eles compunham um repertório para várias récitas que apresentei pelo Paraná afora. Isso no início dos anos 1990. Então, gravar o CD foi uma conseqüência, um registro do trabalho que eu vinha fazendo. É um trabalho que incorpora processos criativos das vanguardas, mas sem dar as costas para o rico legado de referências que tem a poesia brasileira que está associada ao som, que vai desde as letras de música até a literatura oral.

WS - E Corpo Sutil (Editora Iluminuras, SP, 2005), que carreia para a matéria o adjetivo "sutil", que materiais foram usados para construir o enfeixe de papel?

RC - A dobra de Corpo sutil está numa poesia "líquida". Este elemento, a água, aparece no livro como um rio subterrâneo. Esse é o meu diálogo com o mundo, pois este livro, mais do que Cinemaginário, é um livro que está no mundo, que está dentro dele, embrenhado dele, sempre através de questões que me afligem. O meu mundo, digamos, mais individual, também aparece em cada poema, mas é como se fosse uma parte, um gomo de um todo.

WS - Como foi organizar a antologia Outras praias - 13 poetas brasileiros emergentes / Other Shores – 13 Emerging Brazilian Poets (edição bilíngüe – SP, ed. Iluminuras, 1998)?

RC - Em 1995, quando comecei a cogitar a idéia dessa antologia, lembro que havia muita necessidade de projetos assim. Não tinham revistas como se têm hoje. Os espaços eram bastante escassos e disputados. Dois ou três poetas que circundavam os segundos cadernos dos grandes jornais, alguns por competência e outros por mera relação de amizade com o editor, dominavam o espaço nacional dedicado à poesia. Num ambiente assim, sem internet, sem nada, antologias e revistas eram instrumentos político-culturais que serviam para romper com o dique. O time de poetas que está em Outras praias, com raríssima exceção, ainda está em atividade. E naquela época a maioria estava no seu primeiro ou segundo livro... Pra mim, como organizador, esse é o saldo principal. Fora isso, foi uma antologia bastante discutida, para o bom e para o ruim, e isso é sempre positivo, pois antologias não têm que indicar nada e, aliás, nem se deve acreditar nelas. Como disse, são instrumentos político-culturais.

WS - Que pode dizer sobre as linhas editoriais que divisam as revistas Medusa e Oroboro?

RC - São duas revistas de poesia e arte contemporâneas. Nesse ponto, são idênticas. Ou seja, nas duas publicamos as mesmas coisas. Porém, a Medusa também foi um projeto "guerrilheiro", igual a antologia. Nós publicávamos sempre aquilo que acreditávamos ser de qualidade, esse era o critério-mor. Mas procurávamos também pautas que provocassem o status-quo. Um exemplo: o dossiê do Sebastião Nunes. Lembro que delirei ao saber que ele havia reproduzido um caderno "Mais!" inteiro sobre o próprio trabalho. Supostos críticos escrevendo sobre seu trabalho e supostos jornalistas o entrevistando. Isso foi genial. Quer dizer, enquanto se travava a maior disputa para publicar um poema na "Folha de S. Paulo", a Medusa apareceu com um cara que esculhambou com esse "espaço de poder". Nessas horas é um prazer ser editor de revista. Já a Oroboro iniciou em outro ambiente cultural, com mais revistas, internet, pequenas editoras, etc., além de os grandes jornais estarem mais abertos, um pouco mais, então, a revista acaba apostando mais na rebeldia puramente artística.

WS - Como pratica também ensaios, o que pensa sobre o silêncio da imprensa e da academia frente a muitos autores que produzem uma poesia de invenção?

RC - Não posso dizer que escrevo ensaios. Escrevi alguns aqui e acolá e mantive num jornal daqui de Curitiba, por uns tempos, uma coluna dedicada à poesia contemporânea, na qual escrevi sobre alguns livros de poesia publicados de 2000 pra cá. Mas não dei conta. Acho que o Manoel Ricardo de Lima e também o Manuel da Costa Pinto estão fazendo melhor. E são dois críticos com visões diferentes e sempre escrevem sobre poesia contemporânea. Acho que o tempo mostrará um belo apanhado crítico dessas duas figuras.

WS - Fosse a um bosque curitibano paradisíaco, com que livros viajaria para ler durante as vindimas?

RC - E olha que tenho ido a parques e bosques curitibanos.... Tenho levado comigo livros de Arturo Carrera, poeta argentino, que traduzo com Joca Wolff há uns dois anos. Lembro de ter levado um livro dele chamado El vespertillo de las parcas.

WS - Hoje o poeta vive um exercício em dobras, em todos os sentidos a poesia é algo vivo entre as pessoas, mas o livro ainda é um objeto inacessível ao cotidiano, além de representar a ordem capital das elites —, que paralelos você pode fazer entre cultura e educação?

RC - Os livros deveriam ser mais baratos para se tornarem mais acessíveis. Recentemente, estive em Buenos Aires e uma das coisas que me encantou foi a variedade de formatos que o livro argentino tem. Eles pensam o livro como objeto de consumo, ou seja, o formato de uma publicação é pensado para atender também as diferenças de poder aquisitivo da sociedade, assim como acontece com qualquer produto. Além de medidas assim, que são práticas, por outro lado, e principalmente, deveriam existir mais ações governamentais, políticas de incentivo à leitura, de distribuição de livros, mas seria preciso investir maciçamente nisso, e em educação de modo geral, em formação de leitores, em práticas de envolvimento de todas as faixas etárias com o livro. O livro é um veículo de pensamento e de cultura que nunca será extinto. O homem poderá inventar maneiras telepáticas de se comunicar, mas o livro estará presente, tenho certeza disso. Então, o melhor é inseri-lo no coração das pessoas, como forma de nos elevarmos, crescermos.

WS - Ao contrário do que muitos dizem, eu penso que a poesia é uma arte que nasce da experiência de viver em forma de linguagem e penso que a poesia deveria ser um utensílio doméstico como a panela, por exemplo. O que pensa sobre a importância da poesia no cotidiano das pessoas?

RC - Há uma disposição de se dizer que poesia é inútil. E, de fato, ela parece ser. Mas se pensarmos novamente, desdobrarmos isso, talvez essa pretensa inutilidade venha justamente de uma íntima certeza de sua necessidade. Como se buscássemos preservá-la como última instância de nossa humanidade.

WS - Como vive hoje Ricardo Corona, sabendo que a miséria política porque passamos é uma política que oferece comida para comprar a miséria humana do dia seguinte?

RC - O problema é que isto se transforma num ciclo sem fim, em que a miséria humana comprada ontem pela política miserável fatalmente subtrairá violentamente nossas vidas amanhã.

WS - Falando por políticas de geografia, para reabitar um só exemplo fora do Brasil: Gary Snyder, consegue ver as diferenças de vida e linguagem entre os poetas que atuam hoje em nosso Brasil?

RC - Gary Snyder foi viver a poesia dele em corpo e alma. Existem bem poucos poetas que radicalizaram dessa forma. No Brasil de agora, não vejo ninguém. Acho que o Roberto Piva é um poeta desse naipe. Mas não se pode menosprezar a poesia pelo modo de vida do poeta. Veja o exemplo de Glauco Mattoso, que foi bancário a vida toda...

WS - Se a performance é um poema vivo, a realização de desejos na arte em si, o corpo do artista com o tempo do corpo no espaço, que diferenças realmente acontecem quando Ricardo Corona escreve um poema e quando esse mesmo poema se torna um poema vivo em sinergia com o criador?

RC - É possível criar um poema e se manter distanciado dele. Fernando Pessoa dizia que o poeta é um fingidor, no sentido que, mesmo vivendo aquela dor, é possível fingi-la. Mas a incorporação do poema no corpo do poeta é uma das maneiras de vivê-lo. E o mais perto possível.

WS - Afinal, Ricardo Corona, "Tá viva a letra"?

RC - Nunca se leu tanta poesia em voz alta e em público. Acho que estamos saindo das "amarras" de um pensamento pseudo-livresco e pouco livre para a criação de diferentes poéticas. Estamos nos livrando de fronteiras desnecessárias. A poesia está no ar e continua não estando na moda, o que é muito saudável.

WS - Como será a sua apresentação no projeto Terças Poéticas?

RC - Mesclarei poemas do Ladrão de fogo com outros que estarão no meu novo disco que se chamará justamente TÁVIVAALETRA. Dos poemas novos, um que apresentarei pela primeira vez, que se chama "Recall", que é meio esquisito, mas excelente para ser desbocado. Do Ladrão de fogo, farei poemas como "Pessoa ruim", que faz referência ao "Poema em linha reta", de Fernando Pessoa, mas ao vivo, tenho feito juntamente com outro chamado "Manifesto II", de autoria de Celso Borges. Juntos criam um "clima", próximo da performance, em que tiro um sarro dos poetas carreiristas. Farei uma homenagem a Jardelina da Silva, minha musa da oralidade. Entre outras coisas...

Fonte:
Entrevista realizada por Wilmar Silva, em Germina Revista de Literatura e Arte – janeiro de 2007. http://www.germinaliteratura.com.br/pcruzadas_triptico_rc_jan07.htm

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Humberto de Campos (As Barbas de D. Francisco)


Era costume de D. Francisco de Almeida, depois conde das Galveas e íntimo de D. João VI, comparecer ao Paço com a barba por fazer. Um dia, o monarca observou-lhe:

- Pois nem hoje, dia dos meus anos, D. Francisco, fizeste a barba?

- Por que não fez Vossa Majestade anos ontem, que foi dia em que me barbeei? - retrucou o fidalgo, na sua bonomia.

Fonte:
AZEVEDO, Moreira de. Mosaico Brasileiro. in CAMPOS, Humberto de. Brasil Anedótico.

Baú de Trovas II



Aqui jaz minha mulher
que partiu para o Além.
Agora descansa em paz
e eu também.
(VÃO GOGO – MILLÔR FERNANDES)

Basta-me um gesto, um aceno,
uma só prova, - e verás
minha alma, presa em teus lábios,
como de amor se desfaz
GONÇALVES DIAS)

Cabeça, triste é dizê-lo!
Cabeça, que desconsolo!
por fora não tem cabelo,
por dentro não tem miolo!
(LAURINDO RIBEIRO)

De muita gente que existe
e que julgamos ditosa,
toda ventura consiste
em parecer venturosa.
ANÔNIMA

Estes meus versos que a esmo
jogo aos espaços sem fim
são pedaços de mim mesmo,
que eu mesmo arranco de mim.
(FERREIRA GULLAR)

Há de, com toda certeza,
casar-se a minha alma à tua,
nessa capelinha acesa
na alva capela da lua.
(GILKA MACHADO)

Inda agora é que cheguei,
inda não saudei ninguém:
Boa noite pras senhoras
e pros senhores também.
(MINAS GERAIS)

Junto co’a minha viola
eu ando de arretirada:
ela se queixa de sol,
eu de queda e de topada.
(CEARÁ)

Mui decentes eu não acho
teus vestidos minha prima:
são altos demais em baixo,
são baixos demais em cima!
(BELMIRO BRAGA)

No meu livro de lembranças
hoje só resta a saudade:
Saudade das esperanças
perdidas na mocidade...
(ZÉ TRINDADE)

Passa na estrada um camelo
e um corcunda palpitante
de alegria, disse ao vê-lo:
- “Mas que animal elegante!”
(ANTÔNIO SALES)

Que cada um cumpra a sorte
das mãos de Deus recebida:
Pois só pode dar a Morte
aquele que dá a Vida!
(OLAVO BILAC)

Saudade – perfume triste
de uma flor que não se vê.
Culto que ainda persiste
num crente que já não crê...
(MENOTTI DEL PICCHIA)

Teus olhos são negros, negros
como as noites sem luar...
São ardentes, são profundos
como o negrume do mar.
(CASTRO ALVES)

Vi teus braços... que ventura!
teu colo... as pernas... que gosto!
Agora, tira a pintura,
que eu quero ver o teu rosto.
(BELMIRO BRAGA)
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Miguel Sanches Neto (Poetas do Paraná)



CAÇADOR E VÍTIMA

Escrever é caçar caranguejos
à maneira do guaximim.
Enfiando o rabo no buraco
onde se aloja o crustáceo,
ele espera que este o morda
como suas impiedosas tesouras
para sacar logo em seguida
a presa cravada em sua cauda.
O próximo passo é saboreá-la
— a memória da dor em carne viva.

Enquanto espera, o guaximim chora,
sofrendo de antemão a investida.
Caçador e vítima, é sua própria isca.
Contorcendo-se nesta emboscada,
o sabor e a cicatriz ele preliba
— a água na boca é a mesma das lágrimas.

––––-
INVENTÁRIO

Ouço os sons da chuva
e de um carro que passa na rua.
Tudo me dá de ombros,
a mim e a meus escombros.

Sofro como se existisse de fato
tal esta casa e este sapato
em que, por descuido, habito
com meu vazio sem vínculos.

A noite me sonega o ser.
Pela manhã serei o homem que sai,
funcionário cumpridor de regras,
aquele que tem fome e sede

e por isso vai ao mercado
e se entusiasma com queijos,
vinho pão fresco cerveja,
fugindo de toda incerteza.

Não. Não é este o tipo
de alimento que me sustenta
e sim a sombra que me inquieta
e que, com sua mão, me inventa.

Gerado na dor e na dúvida
no duro exercício da descrença,
sou vento enchendo roupas no varal
num inventário da própria ausência.
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Fontes:
– BUENO, Alexei. Uma História da Poesia Brasileira. Rio de Janeiro: G. Ermakoff Casa Editorial, 2007. ISBN 978-85-98815-06-0, p. 404
– Venho de um país obscuro”, Editora Bertrand-Brasil - Rio de Janeiro, 2005
http://www.antoniomiranda.com.br