quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Júlia Lopes de Almeida (Folhas de uma Velha Carteira)


Disse-me um dia um velho amigo:

— Há certos livros de educação e de higiene que acho indispensáveis numa biblioteca de senhoras. As mulheres salvarão pelo amor o que os homens estragam por desídia.

Ponho nelas toda a minha esperança. Aos espíritos banais essas leituras parecerão fastidiosas; mas de vemos crer que as mães, empenhadas pela saúde e bem estar dos filhos, achem grande interesse em folhear páginas sérias deeducadores modernos. É um erro pensar que, hoje, o ensino deve ser ministrado como há cinqüenta anos e entregar os nossos rapazes aos nossos colégios atrofiadores. Há tempos enviei um livro a minha filha : L'Education nouvelle, de Edmond Demoulins. Pois os meus netos já lucraram alguma coisa com a leitura da mãe. O livro é uma exposição claríssima da Escola moderna, prática, que trata de aperfeiçoar ao mesmo tempo o corpo e o espírito dos rapazes. "L'École doit developper à la fois chez l'enfant la largeur de l'intelligence et la largeur de la poitrine."

Minha filha leu esse livro com muito carinho, e, na impossibilidade de executar em casa todo o programa do colégio, iniciou alguns dos seus exercícios com proveito, graças à instrução que recebeu... Os meus netos vivem no campo, onde têm bom teatro para os seus estudos de história natural. Um deles frequenta uma oficina de carpintaria, o outro uma de ferreiro... A mãe preside às suas leituras, livros escolhidos, na boa língua portuguesa, e ensina-lhes desenho e música. O pai dá-lhes uma hora de matemáticas e geografia e contrataram um professor francês para a língua francesa e um inglês para a língua inglesa, obedecendo à ordem da Escola moderna de que nunca uma língua deve ser ensinada senão pelos da sua nacionalidade. Os pequenos nadam como peixes e correm como gamos. Não têm as mãos acetinadas, está claro... Imagine um ferreiro! Um marceneiro! Por enquanto não barafustaram pelos labirintos da gramática, mas escrevem cartas muito limpas e já movem a lima e o malho com algum desembaraço...

Intercalando os estudos clássicos com trabalhos materiais e ocupações artísticas, eles vão-se tornando homens completos, tanto à vontade num salão como em uma oficina... Em uma das suas cartas diz-me a mãe:

"João e Luiz têm o andar firme e olham para toda a gente de rosto, com a cabeça alta, já demonstrando consciência de homens!"

E em outra carta:

"João está hoje trabalhando no jardim e Luiz na horta, a meu mandado. As quintas e sábados vem um homem guiá-los nesse serviço, depois da hora das oficinas. Cada qual me faz mais lindas promessas; se dias se realizarem, ninguém terá nem tão lindas rosas nem tão magníficos repolhos."

Ainda noutra carta:

"João tocou hoje a sua primeira sonatina para alguns amigos ouvirem, e Luiz ofereceu ao mestre de inglês um desenho razoável. Embora eu disfarce o meu entusiasmo, eles percebem que estou contente."

Esta mãe que assim cultiva nos filhos todas as boas qualidades de corpo e de inteligência, a que deve essa satisfação? Ao seu amor? Não só ao seu amor, pelo qual os filhos nada lhe devem, porque todos os animais amam os filhos; mas a ter estudado como um homem ciências naturais e línguas vivas. Ela sabe logo dia pode transmitir, e os seus filhos são assim duplamente — suas criaturas.

Os russos, quando querem ser bons e simples, dizem coisas enternecedoras. Aqui estão palavras de um romance russo:

"Repara no cavalo, esse grande animal, e no boi, o robusto trabalhador que te alimenta: vê que fisionomias sonhadoras! Que submissão, que fina timidez! que devotamento por quem tantas vezes os castiga sem dó! É enternecedor o pensarmos que tais entes são sem pecado, porque tudo é perfeito, tudo é sem pecado, menos o homem."

Menos o homem; e para que este seja também puro quantas lágrimas de arrependimento e de contrição terá que verter! Mas para se ser perfeito não basta amar a humanidade; é preciso que o nosso olhar abranja toda a natureza e confunda na sua harmonia, com igual carinho, todos os seres que sofrem e que se submetem.

No meu bairro, às vezes tenho de encostar-me a um paredão da estrada para deixar passar uma carroçada de pedras puxada por uma ou duas juntas de bois. Eles vão cobertos de suor sob o peso da canga num esforço valente e com ar humilde, e ainda o bruto do carroceiro os espicaça com o seu pampilho! Na cara do homem não se lê senão a fúria bestial da impaciência, enquanto que os robustos trabalhadores, vergados e submissos, olham para a estrada adiante, com uma expressão de bondade sonhadora...

Caminho então para casa, pensando que realmente nós tratamos muito mal os animais. Só os vemos embaixo do trabalho pesado.

Nessas lindas tardes de setembro, em que vagavam no ar pipilos de aves e penugens brancas de paineiras, porque não passaria pelas lindas estradas de Santa Tereza uma ou outra amazona em cavalo bem tratado?

Passado o instante do elétrico os folhudos galhos das árvores que se debruçam sobre as estradas nuas, só vem passar cavalos magros, lanhados de chicote, ou os fortes bois submissos e sonhadores...

Há na comédia Blanchette, de Brieux, uma frase que sintetiza, com delicadeza e exatidão, o amor ufano com que as mulheres servem a sua casa. São palavras simples, sem literatura, sempre as mais sinceras, que nascem da alma e definem com clareza uma idéia ou um sentimento.

Lembram-se? Blanchette, deslocada em casa pela educação recebida no colégio, abandonara o lar em uma rebentina, ouvindo as maldições do pai a apontar-lhe a porta da rua com a mão nodosa de vendeiro avaro. Blanchette, que se recusara a atar à cintura os atilhos do avental, para servir os fregueses do pai, volta pela segunda vez ao ninho paterno, mas agora como um cão batido, magro, morta de fome, coberta de humilhações.

Tivera de servir de criada para viver. O mundo ensinara-a.

Vendo-a, a mãe acolhe-a, aquecendo-a de encontro à sua carne martirizada e submissa... O pai, teimoso, lá chega ao seu momento de ceder e ela, enfim restituída à sua casa e à sua família, exclama radiante:

— "Como é bom pôr a gente um avental em sua casa!"

E com que alegria os seus dedos ágeis amarram então na cintura os atilhos do avental! É que os aventais que as patroas lá fora lhe haviam atirado à cara tinham bem diversa significação. A independência do nosso canto, a felicidade do sacrifício feito pelo nosso lar e por os que amamos, estão bem dentro dessas palavras que direis escritas por uma mulher, tão impregnadas estão de sentimento feminino!

E aí está como um pedaço de pano incolor pode ter tão alta significação moral...

O lenço desempenha na vida um papel bem variado!

Mesmo os lenços de luxo que com renda e tudo não medem mais que uns vinte e cinco centímetros, mera futilidade incapaz de descer às necessidades prosaicas, até esses têm o destino clemente de enxugar lágrimas e disfarçar ironias.

Quando pertença a uma senhora, — que o do homem é obrigado a um exercício ativo — o lenço branco, de meio metro quadrado, paternalmente carinhoso nos defluxos e nas bronquites, não sai do recato da gaveta, bem guardadinho para as urgências de ocasião, dobrado em quatro entre sachets ou raízes de capim cheiroso.

No fundo da sua consciência (suponhamos que os lenços também têm disso), eles sentirão a satisfação do dever cumprido, tão apregoado pelos que o não cumprem, e esperarão que os chamem ao serviço interino de um nariz precisado do seu socorro e da sua abnegação.

Mesmo os lenços de chita, tão caricatos e nojosos, salvam-se quando, bem lavadinhos, são postos em cruz sobre o peito farto de uma camponesa bonita. Então não cheiram a tabaco; cheiram a trevo e alecrim; não têm nódoas de rapé, têm a sombra da cruz redentora ou dos bentinhos que a dona traz pendurados no pescoço; não representam a torpeza de um vício que desmoraliza o nariz, mas sim o recato que poetisa o seio.

De mais, são alegres com as suas cores turbulentas e ramagens vistosas, que despertam a idéia de campos de papoulas, onde bata o sol.

Não sei precisar se são só de minha cabeça, ou sugestão de alguma leitura fugitiva, estes reparos que por escrúpulo vão entre aspas:

"É no lenço que nós impregnamos com mais intensidade o nosso perfume favorito, a essência que faz parte da nossa individualidade e nos denuncia ao olfatodos amigos. É o lenço que seca as nossas lágrimas, que se mistura aos nossos sorrisos, que ajuda a mímica, abafa os gemidos, dissimula a careta e guarda amarguras do coração: triste pranto secreto e que ninguém adivinha. Recurso de aflições, ele, impassível e mudo, deixa que o crispemos, que o mordamos, que o estraçalhemos, nos movimentos de ódio e de despeito, quando não possamos com a palavra repelir a má intenção de um olhar ou de um gesto que ofenda! Vítima das nossas agonias, ele é então o salvador da nossa dignidade.

É ainda o lenço que, comparticipando da expressão do nosso sentimento, se agita no ar numa saudação de aplauso ou na saudade de uma despedida.

Quem não viu, ao menos uma vez na vida, esse aceno branco, repetindo em silêncio a palavra que já não pode ser ouvida? Onde a voz já não chega, chega ainda o adeus do lenço, batendo-se no ar como uma asa na agonia.

Imagine se a amada do poeta teria lido nunca estes versos:

Este teu lenço que eu possuo e aperto
De encontro ao peito quando durmo, creio
Que hei de um dia mandar-to, pois roubei-o
E foi meu crime em breve descoberto"
(Versos de um simples — Guimarães Passos)

Se ela o não usasse e o não tivesse deixado roubar, já naturalmente com o propósito, muito humano, de o reaver, quando "Pando, enfunado, côncavo de beijos!"

Esse trapinho, que se embebe de lágrimas que secam, de beijos que se não vêm, que fala nos apartamentos e nas aclamações, que designa para o amor de um rei a mulher preferida, que abafa os soluços, guia as pesquisas das cartomantes e das feiticeiras, dá sinais aos namorados, protege os espirros e recende aos aromas mais capitosos: que é muitas vezes cúmplice em intrigas, fingindo secar olhos enxutos e escondendo caretas que desejem parecer sorrisos, tem ainda uma missão misericordiosa: a de encobrir a face feia e fria dos cadáveres. E na hora extrema do cadafalso, vendam-se com o lenço os olhos dos supliciados, para não verem a morte!

Have you not sometimes seen a handkerchief
Spoted with strawberries in your wife's hand?

Quantas vezes o notara Otelo; se era dádiva sua!

Pois foi com esse lencinho salpicado de morangos que o honesto Iago assanhou no seu senhor o monstro de olhos verdes, o negrejado ciúme, que fez morrer a pálida Desdemona.

Na ação como na intriga os lenços representam muitas vezes no teatro extraordinárias ficções!

São almas que se dilaceram entre os dedos apaixonados de Margarida, ou os dentinhos terríveis de Frou-frou; são como pedacinhos de pele amada de encontro aos lábios de Romeu e quando não exaltem paixões nem enxuguem o suor da agonia, é ainda um magnífico pretexto para que a mão desocupada vá e venha, cortando a monotonia da inércia.

Quem inventou o lenço bordado e circundado de rendas foi a imperatriz Josefina, que por ter maus dentes escondia com ele continuamente a boca. Graças o essa cárie irreverente o lencinho fino tornou-se objeto de luxo e entrou na atividade dos passeios, das procissões, dos minuetos, onde ele era o sucedâneo do leque, dobrado em ponta entre os dedos carregadinhos de anéis, de benjoim e de verbena. Era talvez a parte mais expressiva da toilette, o seu complemento precioso, com o nome da dona sublinhado a rendas caras. Rendas...

Há no Brasil, em terras do norte, umas rendeiras cujos dedos conhecem segredos de fadas. Rendas de lenços, fazem-nas tão bonitas e tão finas que se nos afigura impossíveis terem sido tecidas por gente inculta, sem noção de desenho.

Quando se lê o apreço que em certos países dão, e agora mais que nunca, às rendas feitas à mão, e como neles cultivam essa prenda delicada, agremiando camponesas, dando-lhes mestres, fomentando uma indústria que é ao mesmo tempo uma arte, receia a gente que as rendeiras do Norte, já velhinhas, deixem cair os bilros dos dedos engelhados, sem que outras mãos, mais lépidas, os apanhem para continuar a tarefa interrompida...

Íamos pela rua do Senador Furtado. O dia estava lindo, cheirava a murta. Subitamente começamos a ouvir gemidos, arrancados de uma grande aflição. Mais alguns metros, e vimos agachada numa soleira de portão, com o busto caído sobre os joelhos pontudos, uma negra cadavérica, que a tosse sacudia como o vento sacode um trapo. Sentindo gente, ela levantou a cabeça, revirando os olhos pálidos para o céu iluminado. A aragem brincava-lhe com um farrapo de xale, que dia franzia no peito com as mãos magríssimas e amareladas. Paramos, e a voz dela explicou entre uivos: — Foi o cock... foi carvão de cock que me matou!

As palavras, interrompidas pelas guinadas da tosse, repetiram a queixa no mesmo estribilho recriminativo: — Foi o carvão de cock que me matou!

Veio gente de dentro. Levaram-na em braços.

Ouviram bem? O cock é um assassino de mulheres. Mata pelo excesso de calor que desprende. Nunca me esquecerei daquela triste queixa irremediável...

Não é raro esbarrarmos na rua com uma menina, nessa idade indecisa, como diz o mestre:

Que não é dia claro e é já alvorecer
Entre-aberto botão, entre-fechada rosa,
Um pouco de menina e um pouco de mulher .
(Falenas — Machado de Assis)

E a impressão que se sente é sempre agradável, se essa criatura tem a condizer com o resto de meninice, que vai desaparecendo, e o começo da mocidade, que vem apontando, uma graça ingênua e um modo desartificioso de andar e de vestir-se.

Ah, mas quando, ela passa empapada de essências raras, de passo estudado e muito espartilhada, com meneios grosseiros e rosto empoado, vem a quem a olha um desejo absurdo de sacudir pelos ombros a mamãe inconsciente; e de lhe gritar aos ouvidos que a doce criatura que o céu lhe confiou, e cujos passos ela segue como má pastora, vai carregadinha de ridículo...

O artifício do pó de arroz é o véu benévolo para os postos de quarenta anos. A pele moça não precisa disso. A beleza das donzelas está na sua candura, na sua alegria natural, e sobretudo na sua simplicidade...

Vi em uma revista francesa o retrato de uma velhinha que aprendeu a ler depois dos setenta anos. Olhando-lhe para a cabecinha e para o rostinho todo sulcado de rugas, tive vontade de beijá-la.

A história dela: Todas as manhãs costurava a septuagenária junto à janela da sua choupana, à sombra de um castanheiro que lhe dava perfumes na primavera, sombras no verão, frutos no outono e ouriços para o foguinho do inverno.

Que mais seria preciso para a vida? O alfabeto não foi feito por Deus; e para amá-lo e servi-lo bastaria adorar a natureza. Entretanto eis que depois de longos anos lhe cortam a frente da casa por um caminho novo, atalho para a vila, por onde o rapazio de uma aldeia próxima passava para a escola. A doce velhinha, ouvindo todos os dias a tagarelice das crianças levantou os olhos da costura e voltou-os para o horizonte infinito. Saber ler seria tão útil, que os pobres pais, cavadores sem vintém, se abalançassem a mandar os filhos todos os dias à escola, com prejuízo do seu trabalho? Alguns desses pequenos já sabiam lidar nos campos, e tinham força para mover a enxada ou guiar os bois... Com que duros sacrifícios a mãe lhes compraria os sapatos e as roupas de ir ao mestre!

Esse exemplo fê-la pensar que vivera toda a sua longa vida de setenta anos, como um animal inferior, em que o pensamento mal animava a matéria. A vida teria outros intuitos mais elevados que os de servir a carne com o alimento e o agasalho?

Dos seus dedos encarquilhados e trêmulos a costura caiu, e no dia seguinte ela se incorporou ao bando das crianças, a caminho da escola.

Foi uma alegria. Os pequenos não riram. Emprestou-lhe, um, uma cartilha; outro ofereceu-lhe uma tabuada; e todos se sentiram muito honrados com aquela condiscípula de rosto franzido e cabelo nevado.

No fim de três meses de uma aplicação teimosa, a velha aldeã, escrevia asua primeira carta à neta mais velha, que vivia numa colônia francesa da África. Nas suas garatujas aconselhava ela a moça a ir à escola, para aprender a mandar-lhe notícias com a sua própria letra.

As cartas escritas pelos outros não são inteiramente nossas; nas letras como nas palavras vai alguma coisa do ente amado e ausente...

De vez em quando noticiam os jornais: "... Perdeu-se uma criança... Achou-se uma criança..."

E são sustos, lágrimas, aflições!Para prevenir essas confusões bastaria atar ao pescoço dos anjinhos na medalha com seus nomes e moradas. Tal e qual como aos cãezinhos. Sim, porque as pobres crianças com as suas línguas de trapos, tão musicais e incompreensíveis, esforça-se em vão, muitas vezes por explicar a um desconhecido, que as encontra chorosas na calçada, de onde vêm ou para onde vão. Há só uma palavra nítida no meio daquele embaralhado fuso de sílabas entrecortadas de soluços: — mamãe! Querem a mamãe, cuja mão deixaram sem saber como, nem onde, nem quando, olhando tontas para a direita ou para a esquerda, sem noção do sítio, aflitas, trêmulas, sondando com olhar ávido todas as portas, erguendo os queixinhos rosados para todas as janelas.

Estas cenas, aliás freqüentes, sempre enternecem, e a cada pergunta que um transeunte comovido faz, no sentido de auxiliar e bem conduzir a pobre criaturinha, ouve sempre a mesma resposta — mamãe!...

— Em que rua mora? — Mamãe!
— Para onde ia? — Mamãe!...
— Como se chama ela, a sua mãe? Mamãe, mamãe, mamãe!

Por seu lado, a mãe volve à loja de onde saiu, julgando encontrar o filhinho embasbacado diante da mesma boneca; já não o encontra, sai trêmula, — que o não pise um carro! — e, enquanto alucinada sobe para a direita, interrogando toda a gente, olhando como louca para todas as lojas e todas as esquinas, ele desce para a esquerda, engrolando termos, segurando-se a todas as saias, contemplando com avidez e susto todas as mulheres.

E nós, que nada vimos, comovemo-nos no dia seguinte ao ler nas gazetas:
"... Perdeu-se uma criança..."

Um dia encontrei em uma esquina o velho Dr. Serra, que, apesar dos seus setenta anos, gosta de observar as moças que passam. Disse-me ele:

Estou convencido de que o simples movimento de levantar o vestido exige uma graça muito particular. Há senhoras que erguem a saia de um lado e vão com ela a rastos do outro, descrevendo uma linha diagonal, como se caminhassem de esguelha. Outras, não levantam coisa nenhuma, varrem as ruas com desassombro; outras, levantam demais o vestido, mostrando as saias de baixo, que só devem ter o mérito de se deixar adivinhar: outras, arrepanham as duas saias ao mesmo tempo, para mostrarem a toda gente os tacões das botinas; e é raro ver-se uma que, reunindo as pregas da saia à mesma distância da cintura, colha a fazenda sem distrações nem indiscrições, deixando apenas entrever o que se deve não mostrar. Eu já atinei com a arte. A mão que segura o vestido não deve estar nem muito alta, nem muito baixa, nem muito para diante, nem muito para trás; de maneira que o braço caia naturalmente e não desenhe esses feios ângulos agudos, que nos obrigam também a andar fazendo curvas. Realmente, as senhoras do meu tempo...

Pedi ao meu amigo que olhasse para outro lado e aproveitei a ocasião para fugir-lhe, não sem a preocupação de que ele se voltasse e me visse os tacões, ou a saia de esguelha...

Os homens são terríveis!

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Cruz e Souza (O Livro Derradeiro) Parte III


IDÉIA-MÃE

Laborare
Dignus est operarius mercede sua.
(Af. Lat.)

Ergueis ousadamente o templo das idéias
Assim como uns heróis, por sobre os vossos ombros
E ides através de um negro mar d’escombros,
Traçando pelo ar as loiras epopéias.

A luz tem para vós os filtros magnéticos
Que andam pela flor e brincam pela estrela.
E vós amais a luz, gostais sempre de vê-la
Em amplo cintilar -- nuns êxtases patéticos.

É esse o aspirar do séc'lo que deslumbra,
Que rasga da ciência a tétrica penumbra
E gera Vítor Hugo, Haeckel e Littré.

É esse o grande -- Fiat -- que rola no infinito!...
É esse o palpitar, homérico e bendito,
De todo o ser que vive, estuda, pensa e lê!!...

O SEU BONÉ

À atriz Adelina Castro

É um boné ideal, de feltros e de plumas,
Que ela usa agora, assim como um turbante
Turco, aveludado, doce como algumas
Nuvens matinais que rolam no levante.

Lembro quando ao vê-lo a rubra marselhesa,
Lembro sensações e cousas de prodígio
E penso que ele tem a máscula grandeza
Desse sedutor, vital barrete frígio!...

Às vezes meu olhar medindo-lhe o contorno
E a flácida plumagem que serve-lhe d’adorno,
-- satânico, voraz, esplêndido de fé!

Exclama num idílio cândido e singelo,
Por entre as convulsões artísticas do Belo; --
Oh! tem coração e alma, esse boné!...
(Corte, out. 1883)

SONETO

A Moreira de Vasconcelos

Na luta dos impossíveis,
do espirito e da matéria,
tu és a águia sidérea
dos pensamentos terríveis!
(Do Autor)

É um pensar flamejador, dardânico
Uma explosão de rápidas idéias,
Que como um mar de estranhas odisséias
Saem-lhe do crânio escultural, titânico!...

Parece haver um cataclismo enorme
Lá dentro, em ânsia, a rebentar, fremente!...
Parece haver a convulsão potente,
Dos rubros astros num fragor disforme!...

Hão de ruir na transfusão dos mundos
Os monumentos colossais profundos,
As cousas vãs da brasileira história!

Mas o seu vulto, sobre a luz alçado,
Oh! há de erguer-se de arrebóis c’roado,
Como Atalaia nos umbrais da glória!!...
(Desterro, 13 jan. 1883)

OISEAUX DE PASSAGE

Les rêves, les grands rêves que moi toujours adore,
Les rêves couleur rose, les rêves éclatants;
Ainsi que les colombes un autre ciel cherchants
J’ai vu les ailes ouvertes, si belles que l’aurore.

Autour de la nature, autour de la profonde
Et merveilleuse mère des fleurs, des harmonies,
Les rêves éblouissants, remplis d’amour et vie,
Trouvaient de l’espoir le plus doré des mondes.

Hélas!... -- mais maintenant, par des chagrins, secrets,
L’amour, les étoiles et tout ce qu’il nous est
Chéri -- le beau soleil, la lune et les nuages;

Tout fut plongé d'abord’ plongé dans le mystère,
Avec de mon coeur la douce lumière,
Les rêves de mon âme -- uns* oiseaux de passage!...
* sic.

COLAR DE PÉROLAS

Ao feliz consórcio dos estimáveis colegas, D. Jesuína Leal e Francisco de Castro.

A F’licidade é um colar de pérolas,
Pérolas caras, de valor pujante,
Belas estrofes de Petrarca e Dante
Mais cintilantes que as manhãs mais cérulas.

Para que enfim esse colar bendito,
Perdure sempre, inteiramente egrégio,
Como uma tela do pintor Correggio,
Sem resvalar no lodaçal maldito:

Faz-se preciso umas paixões bem retas,
Cheias de uns tons de muito sol -- completas...
Faz-se preciso que do amor na febre,

Nos grandes lances de vigor preclaro,
Desse colar esplendoroso e raro,
Nem uma pérola, uma só se quebre!...

SATANISMO

Não me olhes assim, branca Arethusa,
Peregrina inspiração dos meus cantares;
Não me deixes a razão vagar confusa
Ao relâmpago ideal de teus olhares.

Não me olhes, oh! não, porquanto eu penso
Envolvido no luar das minhas cismas,
Que o olhar que me dardejas -- doido, imenso
Tem a rápida explosão dos aneurismas.

Não me olhes. Oh! não, que o próprio inferno
Problemático, fatal, cálido, eterno,
Nos teus olhos, mulher, se foi cravar!...

Não me olhes, oh! não, que m'entolece
Tanta luz, tanto sol -- e até parece
Que tens músicas cruéis dentro do olhar!...

METAMORFOSE

A Carlos Ferreira

O sol em fogo pelo ocaso explode
Nesse estertor, que os crânios assoberba.
Vivo, o clarão, nuns frocos exacerba
Dos ideais a original nevrose.

Da natureza os anafis mouriscos
Ante o cariz da atmosfera muda,
Soam queixosos, numa nota aguda,
Da luz que esvai-se aos derradeiros discos.

O pensamento que flameja e luta
Nos ares rasga aprofundado sulco...
A sombra desce nos lisins da gruta;

E a lua nova -- a peregrina Onfale,
Como em um plaustro luminoso, hiulco,
Surge através dos pinheirais do vale.

AURÉOLA EQUATORIAL

A Teodoreto Souto

Fundi em bronze a estrofe augusta dos prodígios,
Poetas do Equador, artísticos Barnaves;
Que o facho -- Abolição -- rasgando as nuvens graves
De raios e bulcões -- triunfa nos litígios!

-- O rei Mamoud, o Sol, vibrou p'raquelas bandas
do Norte -- a grande luz -- elétrico, explodindo,
Assim como quem vai, intrépido, subindo
À luz da idade nova -- em claras propagandas.

-- Os pássaros titãs nos seus conciliábulos,
-- Chilreiam, vão cantando em místicos vocábulos,
Alargam-se os pulmões nevrálgicos das zonas;

Abri alas, abri! -- Que em túnica de assombros,
Irá passar por vós, com a Liberdade aos ombros,
Como um colosso enorme o impávido Amazonas!

[ANDA-ME A ALMA]

Anda-me a alma inteira de tal sorte,
Meus gozos, meu pesar, nos dela unidos
Que os dela são também os meus sentidos,
Que o meu é também dela o mesmo norte.

Unidos corpo a corpo -- um elo forte
Nos prende eternamente -- e nos ouvidos
Sentimos sons iguais. Vemos floridos
Os sons do porvir, em azul coorte...

O mesmo diapasão musicaliza
Os seres de nos dois -- um sol irisa
Os nossos corações -- dá luz, constela...

Anda esta vida, espiritualizada
Por este amor -- anda-me assim -- ligada
A minha sombra com a sombra dela.

[QUANDO EU PARTIR]

Quando eu partir, que eterna e que infinita
Há de crescer-me a dor de tu ficares;
Quanto pesar e mesmo que pesares,
Que comoção dentro desta alma aflita.

Por nossa vida toda sol, bonita,
Que sentimento, grande como os mares,
Que sombra e luto pelos teus olhares
Onde o carinho mais feliz palpita...

Nesse teu rosto da maior bondade
Quanta saudade mais, que atroz saudade...
Quanta tristeza por nós ambos, quanta,

Quando eu tiver já de uma vez partido,
Ó meu amor, ó meu muito querido
Amor, meu bem, meu tudo, ó minha santa!

Fonte:
Cruz e Sousa, Poesia Completa, org. de Zahidé Muzart, Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.

Monteiro Lobato (O Presidente Negro) XXV, final– O Beijo de Barrymore


CAPITULO XXV
O Beijo de Barrymore

O desfecho do drama racial da América comoveu-me profundamente.

Não ter futuro, acabar... Que torturante a sensação dessa massa de cem milhões de criaturas assim amputadas do seu porvir!

Por outro lado, que maravilhoso surto não ia ter na América o homem branco, a expandir-se libérrimo na sua Canaã prodigiosa!

Se somos, se existimos, se apesar de todos os males da vida tanto a ela nos apegamos, é que no intimo do nosso ser a voz da persistência da espécie nos ampara. A meio da vida de cada criatura já é a prole o que lhe dá coragem de a viver até o fim. O celibatário, ser que vale por triste ponto final, sente-se um corpo estranho no tumulto biológico — quasi um amaldiçoado. Que dizer de um povo inteiro assim amputado da sua descendência? A ver-se envelhecer sem um choro de criança que o faça pensar no amanhã? Dia final. Dia já em crepúsculo rápido para uma noite eterna...

Fosse eu um filosofo e teria ali matéria para esmoer o cérebro no imaginar e re-imaginar a infinita maravilha do formidável quadro. Mas não era filosofo. Quem ama não filosofa, apenas suspira — e eu suspirava de comover penedos.

— Jane, Jane, Jane!... como se repetia em minha boca febrenta essa palavra e com que êxtase meus ouvidos a ouviam!

Lembrei-me do romance. Senti que era talvez o caminho mais curto para alcançar o coração da filha do professor Benson. Lancei-me a ele. Comprei uma resma de papel e com furiosa sofreguidão fiz e refiz o primeiro capitulo, entusiasmado com os períodos redondos e cantantes que me saiam da pena. Burilei-o qual um soneto, aprimorei-o de todos os arrebiques da forma, orientado por modelos que me pareceram os melhores. E nunca me hei de esquecer da ânsia com que corri ao castelo com a minha obra em punho! Ia pelo caminho prevendo a surpresa de miss Jane ante aquela forte revelação dum gênio literário que morreria latente se esse meu anjo bom lhe não provocasse o surto.

Encontrei-a na varanda, radiosa na formosura avivada pelo ar fino da manhã. Sem sauda-la, fui logo gritando de longe, com infantil alegria:

— Já fiz o primeiro, miss Jane! O primeiro capitulo! E estou ansioso por ouvir a sua opinião...

– Bravos! exclamou ela. Não esperei que tão rapidamente pusesse mãos á obra.

Abri o meu pacote de tiras em belo cursivo e entreguei-lhas com quem á sua dama entrega a mais preciosa das gemas. Impossível que após sua leitura miss Jane não me desse o seu amor.

Vendo a minha sofreguidão, ali mesmo a jovem as leu, enquanto meus olhos ávidos acompanhavam em seu rosto o efeito da narrativa.

Mas, ai de mim, tudo saiu bem ao contrario do esperado... Miss Jane atenuou quanto pôde a sua critica, delicada e gentil que era; mas não logrou impedir que de volta á cidade eu rasgasse em mil pedaços a minha obra prima e pela janelinha do vagão, melancolicamente, os lançasse ao vento. Azedei a semana inteira e no proximo domingo reapareci no castelo de mãos vazias.

– Não refez então o capitulo? indagou ela logo que entrei.

– Oh, não, miss Jane. Suas palavras abriram-me os olhos. Convenci-me de que não possuo qualidades literárias e não quero insistir, retruquei com ar ressentido.

– Pois tem que insistir, foi a sua resposta. Em nome da nossa amizade o exijo, e pelas qualidades que vi em germe no seu primeiro escrito tenho a certeza de que fará a obra como é mister.

– Confesso, miss Jane, que a sua apreciação do ultimo domingo me desalentou, e ainda permaneço sob essa impressão...

– Que vaidosos os moços! Lembre-se de meu pai. Quantas vezes fazia e refazia a mesma experiência, com uma paciência de beneditino! Por isso venceu. Lembre-se do esforço incessante de Flaubert para atingir a luminosa clareza que só a sábia simplicidade dá. A ênfase, o empolado, o enfeite, o contorcido, o rebuscamento de expressões, tudo isso nada tem com a arte de escrever, porque é artifício e o artifício é a escuta da arte. Puros maneirismos que em nada contribuem para o fim supremo: a clara e facil expressão da ideia.

– Sim, miss Jane, mas sem isso fico sem estilo...

Que finura de sorriso temperado de meiguice aflorou nos lábios da minha amiga!

– Estilo o senhor Ayrton só o terá quando perder em absoluto a preocupação de ter estilo. Que é estilo, afinal?

– Estilo é... ia eu responder de pronto, mas logo engasguei, e assim ficaria se ela muito naturalmente não mo definisse de gentil maneira.

— ... é o modo de ser de cada um. Estilo é como o rosto: cada qual possui o que Deus lhe deu. Procurar ter um certo estilo vale tanto como procurar ter uma certa cara. Sai mascara fatalmente — essa horrível coisa que é a mascara...

— Mas o meu modo natural de ser não tem encantos, miss Jane, é bruto, grosseiro, inábil, ingênuo. Quer então que escreva desta maneira?

— Pois certamente! Seja como é, e tudo quanto lhe parece defeito surgirá como qualidades, visto que será reflexo da coisa única que tem valor num artista — a personalidade.

Refleti comigo uns instantes e disse por fim:

— Está bem, miss Jane. Vou tentar mais uma vez. Vou escrever como sair, sem preocupação de espécie nenhuma — nem de gramática, e verá que horror...

— Isso! exclamou ela encantada. Acertou. Isso é que é escrever bem. Refaça o primeiro capitulo com esse critério e traga-mo no proximo domingo. Serei franca como o fui na tentativa anterior, e se me parecer que de fato não tem as qualidades precisas, di-lo-ei francamente e não pensaremos mais nisso.

De regresso ao meu quartinho humilde, nessa mesma noite dei começo á obra. O meu amuo, consequente á vaidade literária ofendida, ainda não passara de todo, e resolvi escrever mal, de um jato, com a intenção deliberada de desapontar miss Jane. Ela me condenaria a segunda tentativa, punhamos um ponto final na literatura e passaríamos a cuidar de outra coisa. Escrevi até madrugada, sem rasuras, sem escolha de palavras, como se estivesse a correr no meu saudoso Ford ao acaso das estradas sem fim. Ao soarem três horas atirei com a caneta e fui dormir o sono mais pesado da minha vida. No dia seguinte fui ve-la.

— Aqui está, miss Jane, o horror que me saiu da pena. Escrevi de acordo com a sua receita e nem coragem tive de reler. Condene-me de uma vez e passemos a cuidar de outra coisa.

Miss Jane tomou as tiras e logo ao fim da primeira abriu a expressão que na tentativa anterior eu tanto ansiava por ver. E nesse estado de êxtase sôfrego permaneceu até o fim.

— Ótimo! exclamou. O senhor Ayrton acaba de revelar-se um verdadeiro escritor — impetuoso, irregular, incorreto, ingênuo, mas expressivo, original e forte. Há aqui verdadeiros achados de expressão. Faça o livro inteiro neste tom que eu lhe garanto a vitoria.

Olhei para a minha amiga quasi com rancor, tão certo estava eu da ironia de suas palavras.

— Tem coragem de ser assim impiedosa com o pobre Ayrton? murmurei em tom magoado.

Ela olhou-me nos olhos fixamente, sem dizer palavra, e nos seus lindos olhos azuis vi refletida com tamanha nitidez a pureza de sua alma que logo me envergonhei do meu ímpeto, filho exclusivo da ignorância.

— Não, meu amigo! disse-me por fim. Sou incapaz de ironia. O que acabo de dizer é a fiel expressão do meu pensamento. Estas páginas estão cheias de defeitos, mas dos defeitos naturais ao primeiro jato de toda obra sincera e espontânea. São as rebarbas que com a lima o fundidor suprime. Mas se noto defeitos que a lima tira, não noto nenhum vicio literário, e por isso considero ótimo o começo do seu romance. Faça-o todo nesse tom e fará a obra que imagino. O trabalho de rebarba deixe-o comigo. Sou mulher e paciente. Deixe-me o menos e faça o mais. Seja o fundidor apenas, o obreiro que cria o grande bloco e não perde tempo com detalhes subalternos.

Calaram fundo no meu coração aquelas palavras. Vi nelas um interesse mais de amorosa do que de simples amiga — de amorosa que o é sem o saber. Imergida que sempre vivera em suas visões do futuro, e sempre presa da mais intensa atividade cerebral, miss Jane ignorava-se.

Olhei-a com o coração nos olhos. O "puro espírito" viu em mim a taça cheia em excesso, cuja espuma se derrama — e perturbou-se. Seus olhos baixaram-se. Seu peito ofegou.

Era o céu. Atirei-me como quem se atira á vida, e esmaguei-lhe nos lábios o beijo sem fim de John Barrymore. E qual o raio que acende em chamas o tronco impassível, meu beijo arrancou da gelada filha do professor Benson a ardente mulher que eu sonhara.

— Minha, afinal!...
FIM

Fonte:
Monteiro Lobato. O Presidente Negro. Editora Brasiliense, 1979.

Câmara Brasileira do Livro (Curso “A Lei Rouanet e a busca de patrocínios para livros”)


O curso “A Lei Rouanet e a busca de patrocínios para livros”, oferecido pela Escola do Livro, da CBL, acontece no dia 27 de outubro, das 9h às 18h.

O curso tem como propósito mostrar como os editores podem se utilizar da Lei Rouanet para publicação de livros.

O programa vai discorrer sobre o melhor uso das leis, dicas práticas para aprovação dos projetos, além de panorama de captação de recursos no Brasil, sustentabilidade de projetos culturais, incentivos fiscais - patrocínios e doações, quem pode se beneficiar. Técnicas de negociação com empresas também serão abordados.

As aulas serão ministradas por Michel Freller e Marcelo Estraviz.

Michel Freller é empreendedor social, administrador público formado pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, mestrando em Administração pela PUC-SP, com aperfeiçoamento em gestão, formatação de projetos e captação de recursos, tanto no Brasil, quanto no exterior.

Marcelo Estraviz é Empreendedor social, palestrante e escritor. É presidente da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) e da associação de ex-alunos do Colégio Miguel de Cervantes, Conselheiro do Greenpeace, Embaixador da iniciativa The Hub, Co-autor do livro "Captação de diferentes recursos para organizações da sociedade civil". Recentemente lançou mais um livro sobre mobilização de recursos: "Um dia de captador”.

Mais informações do curso podem ser obtidas pelo e-mail: escoladolivro@cbl.org.br ou pelo telefone (11) 3069-1300.

Fonte:
Câmara Brasileira do Livro

V Bienal do Livro de Alagoas (encerra-se dia 30 de outubro, domingo)


A V Bienal do Livro de Alagoas começou na última sexta – feira (21/10) e acontece até 30 de outubro. A Bienal é uma realização da Universidade Federal de Alagoas, através da EDUFAL – Editora da Universidade Federal de Alagoas, com o apoio da ABEU (Associação Brasileira dos Editores Universitários), da CBL (Câmara Brasileira do Livro), da Prefeitura de Maceió, do Governo do Estado de Alagoas e demais parceiros de instituições públicas e privadas.

O patrono dessa edição é o jornalista alagoano Audálio Dantas. Na abertura, o evento também contou com a presença do Sr. Vitor Tavares, Vice-Presidente da CBL. O país homenageado é a Itália, fazendo parte das comemorações oficiais do Momento Itália – Brasil (MIB) 2011/2012, contando com grandes nomes da literatura italiana.

O evento é bem localizado, no Centro Cultural e de Exposições Ruth Cardoso, em Jaraguá, com facilidade de acesso de estacionamento, dotado de segurança pública e particular, em uma área total de 6.137m², divididos em 4.727m² de área de Exposição, com 147 estandes, 405m² de foyer e recepção. Possui 1600 m² de mezanino, 5 salas para oficinas literárias e de criação, auditório com 500 lugares, sala para palestras, debates com autores regionais, locais e internacionais para 120 lugares e um café literário para lançamentos e bate-papo com os autores, além da praça de autógrafos, que possibilitará a interação entre autores independentes e o público visitante.

Com a proposta de continuidade da IV Bienal, a V edição da Bienal do Livro tem o propósito de marcar a presença das editoras de várias partes do país e do exterior junto ao público alagoano, através de seus últimos lançamentos, proporcionando aos estudantes de vários níveis, aos acadêmicos, professores, comunidade em geral a possibilidade de contato com material literário de várias áreas do conhecimento.

A Bienal deve reunir representação de mais de 500 editoras universitárias e comerciais de todo o país, com aproximadamente 22 mil títulos, e receber a visita estimada de 180 a 200 mil pessoas. Para esta edição, estão programadas 102 palestras, 57 oficinas, 315 lançamentos, 04 seminários, 01 simpósio, 22 mesas-redondas, 01 fórum, além de performances, espetáculos e contações de histórias.

A rede de ensino pública e particular será mobilizada e as visitas pré-agendadas e monitoradas devem atender mais de 70 mil alunos. A visitação escolar dá a dimensão do papel do evento no contexto educacional. Significa para os estudantes um aprendizado especial e diferente da rotina das aulas. Para as escolas, é um momento único de estimular e conscientizar suas turmas sobre a importância do livro e da leitura e a amplitude do universo literário.

Seguindo os princípios de Leitura para Todos, a V Bienal terá em sua agenda cultural 14 oficinas de literatura inclusiva nas mais diversas modalidades: Braille, libras e oficinas voltadas para portadores de deficiências intelectuais e múltiplas.

Pela segunda vez, acontecerá em uma Bienal o Encontro do PROLER – Programa Nacional de Incentivo à Leitura –, vinculado à Fundação Biblioteca Nacional, órgão do Ministério da Cultura, e à Secretaria de Estado da Cultura. Além de fortalecer ações de estímulo à leitura, possibilitará aos gestores de bibliotecas públicas, comunitárias e rurais conhecer e visitar a Bienal.

A V Bienal Internacional do Livro de Alagoas conta com a participação dos países já confirmados: Itália, México, Peru, Portugal, França e Colômbia, além de uma Exposição das Editoras Universitárias da América Latina e Caribe. O país homenageado é a Itália, fazendo parte das comemorações oficiais do Momento Itália – Brasil (MIB) 2011/2012 contando com grandes nomes da literatura italiana.

Em parceria com o SESC e o Instituto Pró-Livro, acontecerá uma Bienal de crianças no mezanino, onde será montada uma estrutura para o túnel de livros, com atores contando os capítulos da história, uma "oficina do escritor" com visita orientada aos processos de funcionamento de uma biblioteca até a descoberta da escrita. Haverá ainda o palco “Livro Aberto” com mostrinhas de contações de histórias e atrações durante todo o período da Bienal.

Contando também com uma parceria entre o SENAC, SEBRAE e ABRASEL, haverá um Espaço Gourmet, apresentando chefes de cozinha, fazendo ligação com a literatura grastronômica.

Todas as oficinas têm um número limitado de vagas e fornecem certificado (nas oficinas com dois módulos, será obrigatória a presença em ambos para obter o certificado);

PROGRAMAÇÃO DO DIA 27 AO DIA 30

DIA 27 DE OUTUBRO (QUINTA-FEIRA)

AUDITÓRIO

10h às 13h – PROLER Encerramento - Painel: “Lei nº 12.244 – Universalização das bibliotecas escolares no Brasil” - Francisca Rosaline L. Mota e Cícero Péricles

14h às 17h – Palestra “Nossa Língua Portuguesa – Uma Conversa Com o Prof. Pasquale” - Prof. Pasquale Cipro Neto
Auditório A:

19h às 21h – Palestra: “Ações culturais com jovens em comunidade de risco” - Licurgo Spinola
Auditório B:

19h às 22h – Painel Literário SESC- A nova literatura é uma literatura nova? - Marcelino Freire, autores do Prêmio SESC de Literatura e convidados Mediação de Joelma Rodrigues e Maria José Duarte

SALA AUDÁLIO DANTAS

10h – Palestra: “O Pré-Sal e seus desafios” - Marcos Gonçalves (Petrobras – AL)

14h às 15h30 – Palestra: “A Utilização das Mídias Sociais no Ambiente Educacional” - Dalgoberto Miquilino Pinho Jr.

16h – Palestra: “O Pré-Sal e seus desafios” - Marcos Gonçalves (Petrobras - AL)

19h – Mesa Redonda: “Literatura, memória e globalização” - Presenças Internacionais: Simonetta Agnello, Giancarlo De Cataldo, Giorgio De Marchis

SALA LUITGARDE BARROS

10h às 13h – Oficina: “Conte uma História: O Lúdico na Literatura Infantil” - Marize Sarmento e Maria Isabel Barbosa Fernandes (35 vagas)

16h às 18h – Mesa Redonda: “Sertão, República e Nação: Uma Chave de Leitura para a Ação ‘Civilizadora’ de Delmiro Gouveia na Vila da Pedra” - Elcio Verçosa, Elcio Verçosa Filho e Edivaldo F. do Nascimento (50 pessoas)

SALA JOSÉ MARQUES DE MELO

Oficina de Inclusão: (para pessoas com deficiência mental e múltiplas)

9h30 às 10h30 - “A baratinha” (60 vagas)

11h às 12h30 - “A cigarra e a formiguinha” (60 vagas) Oficina de Inclusão (para pessoas com deficiência mental e múltiplas)

14h às 15h30 – “A baratinha” (60 vagas)

16h às 18h – “A cigarra e a formiguinha” (60 vagas)

SALA MANOEL CORREIA DE ANDRADE

Oficina: “Música e Dança na Educação Infantil” - Cleriston Izidro dos Anjos e Gicelma de Oliveira Cavalcante

10h às 12h - Módulo I

14h às 18h - Módulo II (40 vagas)

SALA LÊDO IVO

10h às 13h – Oficina: “Entre a Lei e a Prática: subsídios para trabalhar a questão racial no espaço da escola” - Nanci Helena Rebouças Franco (30 vagas)

16h às 17h – Palestra: “A ironia na ficção de Graciliano Ramos.” - Neide Medeiros Santos

17h às 18h – Palestra: “A história literária e cultural de Palmeira dos Índios” - Isvânia Marques

SALA NISE DA SILVEIRA

10h às 12h30 - Bate-papo com autores

14h às 18h30 - Bate-papo com autores

PALCO “LIVRO ABERTO”

10h às 11h, das 14h às 15h e das 15h30 às 16h30 – Leitura com Letras Sonoras

17h às 18h30 – Lançamentos de livros

OFICINA DO ESCRITOR

10 às 22h – De pesquisa em pesquisa descubro o mundo - Visita orientada aos processos de funcionamento de uma biblioteca até a descoberta da escrita

CAFÉ LITERÁRIO

19h – Lançamento coletivo de autores da Edufal

DIA 28 DE OUTUBRO (SEXTA-FEIRA)

AUDITÓRIO

Ìgbà Ábídí – VI Seminário Afro-Internacional - Ìkàwe ! Ìmó (Leitura e saber) - Países Presentes: Cabo Verde, Moçambique, Angola e Guiné Bissau
10h às 12h ; 14h às 17h

Auditório A:

19h às 22h – Painel Literário SESC – A nova literatura é uma literatura nova? - Lorival Holanda, autores do Prêmio SESC Mediação de Joelma Rodrigues e Maria José Duarte

Auditório B:

19h – Palestra: “Educando com as Ferramentas da Simplicidade” - Hamilton Werneck
SALA AUDÁLIO DANTAS

10h às 12h – Mesa redonda : Poesia em movimento - José Inácio Vieira de Melo, Lêdo Ivo, Ricardo Cabús e Gal Monteiro

16h às 18h – Mesa Redonda: “João Craveiro Costa – revisitando o pensador da História, da Pedagogia e da didática em Alagoas” - Elcio de Gusmão Verçosa, Elione Maria Nogueira Diógenes e Ivanildo Gomes dos Santos

19h – Palestra: “Jornalismo Literário” - Fernando Morais e Teresa Ribeiro

SALA LUITGARDE BARROS

10h às 13h – Oficina: “Novas Tecnologias para Preservação do Acervo” - Gláucia Gomes (40 vagas)

16h às 18h – Lançamento: “VII Tópica – Revista de Psicanálise “ e do site do Grupo Psicanalítico de Alagoas – GPAL- (80 vagas)

SALA JOSÉ MARQUES DE MELO

10h às 13h - Palestra: “Comunicação Visual” - Paulo Araújo (70 vagas)
Apresentação: “Leitura e Cultura na 3ª Idade”- Grupo Novo Despertar

14h às 16h (60 vagas) ; 16h às 18h (60 vagas)

SALA MANOEL CORREIA DE ANDRADE

Oficina: “Publicações Periódicas Científicas Impressas” - Anamaria da Costa Cruz

10h às 13h – Módulo I

14h às 18h – Módulo II (30 vagas)

SALA LÊDO IVO

10h às 12h – Palestra: “Biblioteca como espaço de memória” - Adriana Guimarães e Ana Cláudia Magalhães (70 vagas)

16h às 17h – Palestra: “A importância da leitura para crianças e jovens alagoanos” - Carlindo de Lira Pereira

17h às 18h – Palestra: “Pontos de lazer e difusão da cultura de Arapiraca” - Franciane Santos Azevedo

SALA NISE DA SILVEIRA

10h às 12h30 - Bate-papo com autores

14h às 18h30 - Bate-papo com autores

PALCO “LIVRO ABERTO”

10h às 11h, das 14h às 15h e das 15h30 às 16h30 – Leitura com Letras Sonoras

17h às 18h30 – Lançamentos de livros

OFICINA DO ESCRITOR

10 às 22h – De pesquisa em pesquisa descubro o mundo - Visita orientada aos processos de funcionamento de uma biblioteca até a descoberta da escrita

CAFÉ LITERÁRIO

19h – Lançamento coletivo de autores da Edufal

DIA 29 DE OUTUBRO (SÁBADO)

AUDITÓRIO

10h às 12h – Projeto: “Mães Leitoras e Arapiraquinhas” - Prefeitura de Arapiraca

15h às 19h – SESC Mostra Gogó da Ema de Contadores de História

19h às 22h – SESC Mostra Gogó da Ema de Contadores de História

SALA AUDÁLIO DANTAS

15h – Mesa Redonda: “Jornalismo Literário” - Ricardo Kotscho, Audálio Dantas e Fernando Morais

18h – Conferência: “Relação cultural Itália e Brasil em especial MIB 2011/2012” - Francesco Piccione (Consul da Itália)

20h – Palestra: “Metrópole Comunicacional e Fetichismos Visuais” - Massimo Canevacci (Itália)
SALA LUITGARDE BARROS

Oficina SESC: “Estudos e formação para Contadores de Histórias”

10h às 12h - Módulo I

13h às 15h - Módulo II (30 vagas)

SALA JOSÉ MARQUES DE MELO

Oficina: “Oficina de Criatividade” - Luciana Bezerra

10h às 13h - Módulo I

14h às 18h - Módulo II (40 vagas)

SALA MANOEL CORREIA DE ANDRADE

10h às 12h – Mesa Redonda: “Índios de Alagoas – Economia e Cotidiano” - Luiz Sávio de Almeida e Amaro Leite da Silva (70 vagas)

14h às 15h – Palestra: “Bullying, to fora! Como identificar seus personagens” - Nara Virgínia Rocha Simões Anadão (90 vagas)

16h às 18h – Mesa-Redonda: “As esquerdas e a Democracia”, seguido de lançamento dos autores Michel Zaidan, Marco Mondaini

SALA LÊDO IVO

Oficina SESC: “Estudos e formação para Contadores de Histórias” - (30 vagas)

16h às 18h – Palestra: “Uma breve viagem pela tradição literária de Penedo” - Francisco Araujo Filho (70 vagas)

SALA NISE DA SILVEIRA

10h às 12h30 - Bate-papo com autores

14h às 18h30 - Bate-papo com autores

PALCO “LIVRO ABERTO”

10h às 11h , das 14h às 15h e das 15h30 às 16h30 – Mostrinha Gogó da Ema de Contadores de Histórias

17h às 18h30 – Lançamentos de livros

OFICINA DO ESCRITOR

10 às 22h – De pesquisa em pesquisa descubro o mundo - Visita orientada aos processos de funcionamento de uma biblioteca até a descoberta da escrita

CAFÉ LITERÁRIO

19h – Lançamento coletivo de autores da Edufal

DIA 30 DE OUTUBRO (DOMINGO)

AUDITÓRIO

10h às 12h – Palestra Show –“Colcha de leituras”- ensaios para unir amores e alinhavar leitores - Jonas Ribeiro

13h às 19h – SESC Mostra Gogó da Ema de Contadores de História

20h – SESC Palestra: “A contação de estórias no processo leitor” - Rubem Alves

SALA AUDÁLIO DANTAS

10h às 12h – Mesa Redonda: “A importância da sociedade civil para a construção de políticas públicas do livro, da literatura e da leitura” - Maria das Dores Andrade de Barros, Vereador Proponente da Lei do livro de Olinda, Leocádia da Hora e Amanda Lima

15h às 16h30 – Lançamento: “Revista Política Democrática”

16h30 às 18h – Lançamento do Livro: “Grande Sertão”, do Dirceu Lindoso

18 às 19h30 – Palestra: “Astrojildo Pereira: a crença num Brasil gigante.” - J. R. Guedes de Oliveira

20:00h – Palestra: “Dario Fo: a dramaturgia a partir da cena” - Neyde Veneziano

SALA LUITGARDE BARROS

Oficina SESC: “Formação para Contadores de Histórias”

10h às 12h - Módulo I

13h às 15h - Módulo II (30 vagas)

SALA JOSÉ MARQUES DE MELO

Oficina de Braille: Noções Básicas

10h às 12h - Módulo I

14h às 18h - Módulo II (20 vagas)

SALA MANOEL CORREIA DE ANDRADE

Oficina de Libras: Noções Básicas - Suely Sampaio R. Jimenez, Jerlan Pereira Batista e Jaqueline Soares dos Santos

10h às 13h - Módulo I

15h às 18h - Módulo II (35 vagas)

SALA LÊDO IVO

10h às 12h – Oficina: “Felicidade Clandestina: Uma Experiência de Leitura Literária na Educação Básica” - Jairo José Campos da Costa (50 vagas)

16h às 18h – Palestra: “Justiça à poesia” Pedro Onofre de Araújo

SALA NISE DA SILVEIRA

10h às 12h30 - Bate-papo com autores

14h às 18h30 - Bate-papo com autores

PALCO “LIVRO ABERTO”

10h às 11h, das 14h às 15h e das 15h30 às 16h30 - Mostrinha Gogó da Ema de Contadores de Histórias

17h às 18h30 – Lançamentos de livros

OFICINA DO ESCRITOR

10 às 22h – De pesquisa em pesquisa descubro o mundo - Visita orientada aos processos de funcionamento de uma biblioteca até a descoberta da escrita
CAFÉ LITERÁRIO

19h – Lançamento coletivo de autores da Edufal

Fontes:
- Câmara Brasileira do Livro
- http://www.edufal.com.br/bienal2011/index.php/

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Wagner Marques Lopes (Trova Ecológica 34)

Júlia Lopes de Almeida (Quiromancia)


Uma bela tarde, a minha amiga Rafaela entrou arrebatadamente na minha saleta de trabalho e deixou-se cair num tamborete, a meus pés.

— Que tens? Perguntei-lhe assustada, percebendo-lhe o terror no rosto, ordinariamente repousado.

Por única resposta ela estendeu-me a mão espaldada e nua, e arregalou para mim os seus olhos claros, cor de violeta.

— Não percebo o teu gesto... Roubaram-te o anel que ele te deu?... Não abranges a oitava no piano e desistes de o estudar? Terás reumatismo nos dedos? Bem; se não queres responder, vai-te embora, mas arranja primeiro o chapéu, que está torto, e modifica esse ar de quem foge de alguém que o persegue na rua...

— Ninguém me seguiu na rua... O anel que ele me deu está na outra mão...

E, como orvalho em violetas, borbulharam lágrimas nos olhos da pobre Rafaela.

— Se pudesses explicar-te...

— Escuta venho da casa da Noêmia Saldanha; havia lá gente de fora, uns homens de quem já não me lembro do nome e um certo rapaz que lia nas mãos das senhoras a buena dicha, ou que melhor nome tenha. Quando eu entrei, a Saldanha disse alto, com o seus guinchinhos de macaca: "Olhem quem vem aí!" e puxou-me com violência para a roda, que se abriu muito amável para me receber. O tal rapaz continuou nos seus prognósticos, que faziam rir a todos. Lia na mão da Sinhá Mendes coisas muito bonitas: que ela se haveria de casar com um moço que a adora... Que há de ir à Europa, que há de ter três filhos gordos mansos, fortes e bonitos; que herdará uma grande fortuna de um parente afastado de quem não terá saudades; que terá lindos vestidos, bons carros, assinaturas no lírico e que morrerá de velha, sem sentir, de uma síncope...

Todos riam; a Sinhá estava radiante! Com aquele exemplo, eu fui insensivelmente desabotoando a luva e estendendo também a minha mão.

O rapaz tornou-se sombrio, à proporção que a observava. Como eu instasse para que dissesse a verdade, fosse ela qual fosse, ele, muito constrangido, declarou tudo.

Disse que não me casarei, que terei bexigas, apesar vacinada duas vezes, e que ficarei marcada como um crivo; disse que a minha família me abandonará e que morrerei ainda moça, de um ataque, na rua! Vida tão feia não merece melhor desfecho!

— Um ataque na rua! Que ignomínia! Vê tu!

— E depois?

— Depois... Que sou muito nervosa — e isto é verdade! — que tenho uma grande paixão... Também é certo... Que tenho excelentes qualidades de coração, o que não me impedirá de morrer como um cão sem dono, na calçada...

— Que mais?

— Ainda querias mais?!

— Que respondeste?

— Fingi heroicidade, que é sempre o nosso costume, mas sabe Deus o que se passava cá dentro! Quando pude fugir, fugi. Os guinchos da Noêmia perseguiam-me; a alegria da Sinhá irritava-me. A felicidade dos outros agrava o nosso infortúnio.

Só hoje compreendi isto. Por mais que eu olhe para a mão, para estes caminhos que parecem traçados na palma pela ponta finíssima de um alfinete e por onde marcham os nossos instintos, os nossos segredos e até o nosso futuro se esclarece, por mais que eu observe toda esta rede complicadíssima, não consigo descobrir nada! Se ele se tivesse enganado?! Mas não; vi que falou com toda a convicção, disse a verdade.

Eu agora já sei; abandono-me, aceito o meu destino, o meu feio destino de ser medonha, não ser amada e morrer numa calçada, à vista de quem passar na ocasião!

— Não vês, minha tontinha, que te meteram num enredo? Vou apostar eu como o tal rapaz entende tanto de quiromancia como eu.

— Ah, a quiromancia é uma arte!

— E nas salas uma armadilha maliciosa à ingenuidade de certas moças...

Quando tiveres algum segredo que não queiras ver profanado, nem pela mais leve suspeita, abotoa bem as tuas luvas ao entrar em certas salas. Entretanto, fica certa de que não será nas linhas da mão que ele se mostre todo, mas no rubor das tuas faces ou no pestanejar dos teus olhos, que serão consultados à proporção que se faça a leitura fatídica. Quanto ao resto, o rapaz, se não foi absolutamente delicado, não deixou de ter uma pontinha de espírito. Sinhá é feia, tu és bonita; ela roça pelos trinta anos, tu ainda não tens vinte, ele quis igualar-vos momentaneamente, vestindo-te de desapontamento e iluminando a outra de alegria. Na tua idade os segredos são leves e fáceis de adivinhar; em todo caso guarda-os contigo, ou só para a confidencia amiga. O recato do sentimento, fortifica-o e enobrece-o. E o coração de uma donzela não se deve devassar a todas as curiosidades... Ele é, como disse o poeta Vigny: un vase sacré tout rempli de secrets.
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Nota:
un vase sacré tout rempli de secrets. = um vaso sagrado completamente cheio de segredos

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Instituto Memória Publica seu Livro Gratuitamente


PUBLICAMOS SEU LIVRO
G R A T U I T A M E N T E

você tem um bom original, de qualquer área ou segmento, por que não publicar e sair do obscurantismo.

Ter um carro bom ou uma TV boa é bom, mais o luxo de hoje é o lixo de amanhã. Livro é para sempre! Sem falar na generosidade em compartilhar... Afinal, o que não se compartilha se perde! Saia da multidão e ocupe seu lugar de direito na sociedade.

Mas, se você é do time da pedra, críticos de plantão, nada vai fazer você virar vidraça e aparecer por virtude e merecimento. É realmente mais fácil e cômodo encontrar culpados do que assumir as rédeas do se futuro e expor-se às críticas dos invejosos, que nada fazem além de encontrar erros e defeitos na obra alheia.

Mas cuidado com os picaretas!

Oportunistas travestidos de combatente cultural, de editor.

Conheça a história de quem você pretende associar o seu nome, a sua obra. Escolha uma editora séria onde o editor é mais do que um comerciante... Acredita e tem paixão pelo livro. É 'viciado' no cheiro de livro novo. Tem várias editoras sérias. Cuidado com o canto da seria, com a conversa macia de alguns 'editores'.

LEMBRE-SE: Todo picareta é manso e simpático... Envolvente.

No Instituto Memória seu original é submetido a um Conselho Editorial (vide site) e um Conselho Comercial. O autor responderá a um questionário de perfil. Se aprovado pelo Conselho Editorial e mediante ao parecer do Conselho Comercial, publicaremos a obra e faremos o seu lançamento. Atuamos em todo o Brasil e já lançamos mais de 300 títulos de livros, várias revistas, programas culturais, jornais... Afinal são 8 anos de tradição e luta pela cultura nacional, dando-lhe Vez e Voz!

Porém, não prestamos serviços gráficos para terceiros.

Nossa gráfica só atende aos nossos projetos. Não somos gráfica, somos uma editora. Temos parceria com várias Academias de Letras e Institutos Históricos do pais, além de diversas Universidades. Todo autor, quer pessoalmente, quer por telefone, é entrevistado pelo nosso editor. Tem que ter empatia e simpatia recíproca. Às vezes a obra é boa, tem um bom perfil comercial, mas as expectativas do autor e da editora não 'casam'. Aí será um problema conviver, então não lançamos. Livro é liberdade e alegria, nunca problema! Já é difícil ganhar dinheiro com cultura de qualidade, ainda ter que se chatear?

Lembre-se que publicar uma obra por um selo editorial de qualidade é meritocracia. É uma conquista. Chegam, em média, 100 originais por mês. Só aproveitamos em torno de 10%. Pois é: O caminho que leva ao paraíso não é fácil, mas vale a pena para os poucos merecedores!
Forte abraço,

Anthony Leahy - Editor Presidente
Conselheiro da Academia Brasileira de Arte, Cultura e História - SP. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná e da Academia de Cultura de Curitiba. Doutor Honoris Causa pela Câmara Brasileira de Cultura. Medalha de Mérito Cultural da Câmara Municipal de Curitiba. Monção de Mérito da Assembeia Legislativa do Paraná. Comenda da Ordem dos Nobres Cavaleiros de São Paulo. Autor de mais de 10 livros sobre a formção da Identidade Paranaense...

Fonte:
Anthony Leahy

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Poesias em Quatro Estações I)


Amilton Maciel Monteiro
São José dos Campos/SP

AS QUATRO ESTAÇÕES DO ANO

Foi plena Primavera a minha infância,
Passada toda em casa de meus pais,
Sentindo o gosto doce e a fragrância
Do despertar da vida dos mortais.

Na juventude eu tive aquela ânsia
De tudo ver, bem rápido demais;
Assim foi meu Verão, em dissonância
E num fervor que arrebatou meus ais!

Já meu Outono foi, de certa forma,
De uma pacata vida cidadã,
De esposo e pai... Um seguidor da norma.

Agora, neste Inverno em que convivo
Com minha esposa e bela anciã,
Rezar... Tem sido o nosso lenitivo!

Teca Miranda
Juiz de Fora/MG
EVOLUÇÃO

Na minha primavera de criança mimada,
passei por um verão de jovem voluntariosa.
Nesse outono da fase adulta estou transformada;
com a mesma paixão pela vida,
porém menos ansiosa.
No caleidoscópio dessa minha existência,
a imagem refletida das múltiplas combinações
permite-me ver com antecedência.
que o meu inverno será de poucas alterações.
A determinação eu tenho para manter,
apesar da minha evolução,
e o destino irá me conceder,
as quatro estações dentro do meu coração.

Lígia Antunes Leivas
Pelotas/RS

PRIMAVERA NA NATUREZA

..a sensibilidade aflora mais fortemente ao coração !

Madrugada! Cedo ainda... nada despertou.
O mundo por aqui ainda dorme.
Discreto e de mansinho
o dia vai acordando... se espreguiça...

Raios de sol espiam...
Recém abrem os olhos.
Brindam o céu-infinito
com tons de muitos sabores !

Império do astro-rei ! Já tudo se agita !
Campos ao vento se juntam às cores
nascidas de todas as flores!
...Mil sensações! Tantos amores!...

O tempo é outro!
Adeus, inverno!...
É PRIMAVERA ! ! !
Natureza em festa!
Magia, descontração!

Em meu peito a palpitar
vibra por ti (escondida!...)
essa paixão desmedida
que não me deixa sossegar!

Marcial Salaverry
Santos/ SP
AS QUATRO ESTAÇÕES DO AMOR

Em cada uma das quatro Estações,
o amor nos provoca novas sensações...
No verão, o exercício do amor,
traz para o corpo muito calor...
Então, que tal numa bela banheira,
nossos corpos nus enroscados,
perdidos em carinhos apaixonados...
A água quase fria, traz uma sensação excitante,
tornando o amor mais delirante...
Na primavera, um campo florido,
nosso amor fica mais colorido...
Nossos corpos nus misturados à folhagem,
levando-nos em inesquecível viagem...
Os odores de nossos amores,
misturados ao perfume das flores,
despertam mais nossos instintos amorosos,
levando-nos a prazeres deliciosos...
No outono, colhemos os frutos do pecado,
trocando um beijo apaixonado,
amamo-nos, saboreando das frutas a delícia,
e do amor, desfrutamos toda nossa malícia...
É da vida, a estação mais saborosa,
onde a vida fica mais gostosa...
Sabemos o sabor da fruta degustar,
conhecendo tudo sobre como bem amar...
No inverno, sob as cobertas... nos esquentamos
quando nossas pernas entrelaçamos,
e nos perdemos nos movimentos do amor,
livrando-nos rapidamente do cobertor,
tendo apenas de nossos corpos o calor...
Depois do amor consumado,
continuamos enroscados
trocando carinhos apaixonados,
e dormimos nus em gostoso abraço,
curtindo do amor o cansaço...

Agostinho Rodrigues
Rio de Janeiro/RJ
PRIMAVERA

Surge o amanhecer,
com o sol despontando,
as flores se abrindo,
anunciando a chegada da primavera,
gorjeando de alegria:
o beija-flor sobrevoando as flores,
Estação do Ano, que se inicia.

Ao chegar o entardecer:
o sol começa a se esconder,
as flores alegres murcham,
novo paraíso divino, começa a aparecer.

Ouve-se a Ave Maria, são seis horas:
o sol já na sua total despedida,
o sereno a umedecer as plantas,
que balançam agradecidas.

Ah! diante da silenciosa noite:
os gorjeios se cessam,
chega a hora de todos dormirem,
envoltos em uma voz unânime:
Seja bem vinda, feliz Primavera!

Dária Farion
Pinhais/PR
PRIMAVERA

Prima pela beleza da natureza
Vera no canto de acalanto.
Natureza em festa, bailado cósmico
No céu o "V" das aves regrassando.

Cúmplices do equinócio, as cigarras cantam,
Vanessas beijam jacintos, amores perfeitos.
Aleluias em voo nupcial as lilases aleluias.
Sopranos e tenores cantam Hendel...Aleluia.

Agrias adejam, abelhas borboleteam,
Os louva-a-deus a Deus louvam.
No centro você, da Criação obra prima
De Deus expressão vera .

Celicolas sob ceruleo manto,
Extasiados vivemos nesta catedral.
Há primavera em nossas vidas,
Há equinocios em nossas almas

Há Deus nos corações

Elaine Assenheimer
SC
ESTAÇÕES

Tem cheiro de flor no ar, ouço os pássaros cantar.
Sopra a doce brisa da primavera.
Campos e jardins floridos, árvores dão frutos.
Caminho suave ao encontro do meu amor.

O sol aquece o coração, aquece todos os momentos,
não só os propícios, todos os dias é uma oportunidade.
No sabor do verão os rios seguem o seu rumo.
E no despertar de cada manhã sinto o calor do nosso amor.

Conservo a alegria e me mantenho feliz.
No outono as folhas caem,
penso no que foi bom e agradeço a Deus.
Em qualquer estação tu estás no meu coração e eu no teu.

Recordo as lembranças das doces estações.
No inverno não ouço o canto dos pássaros,
mas sinto o aconchego do amor tranquilo,
e o fogo que acende a nossa paixão.

Fonte:
Alma de Poeta.

José de Alencar (Iracema: análise da obra)


Análise realizada por Frederico Barbosa e Sylmara Beletti

INTRODUÇÃO

Um dos mais belos romances da nossa literatura romântica, Iracema é considerado por muitos “um poema em prosa”. A trágica história da bela índia apaixonada pelo guerreiro branco é contada por José de Alencar com o ritmo e a força de imagens próprios da poesia.
Em Iracema, José de Alencar construiu uma alegoria perfeita do processo de colonização do Brasil e de toda a América pelos invasores portugueses e europeus em geral. O nome Iracema é uma anagrama da palavra América. O nome de seu amado Martim remete ao deus greco-romano Marte, o deus da guerra e da destruição.

O autor demonstra, já a partir do título, um evidente trabalho de construção de uma linguagem e de um estilo que possam melhor representar, para o leitor, “a singeleza primitiva da língua bárbara”, com “termos e frases que pareçam naturais na boca do selvagem”.

O livro foi publicado em 1865 e, em pouco tempo, agradou tanto aos leitores quanto aos críticos literários, a começar pelo jovem Machado de Assis, então com 27 anos, que escreveu sobre Iracema no Diário do Rio de Janeiro, em 1866:
“Tal é o livro do Sr. José de Alencar, fruto do estudo e da meditação, escrito com sentimento e consciência… Há de viver este livro, tem em si as forças que resistem ao tempo, e dão plena fiança do futuro…Espera-se dele outros poemas em prosa. Poema lhe chamamos a este, sem curar de saber se é antes uma lenda, se um romance: o futuro chamar-lhe-á obra-prima.”

A LENDA E A HISTÓRIA

O livro, subtitulado Lenda do Ceará, conta a triste história de amor entre a índia tabajara Iracema, a virgem dos lábios de mel e Martim, primeiro colonizador português do Ceará. Além disso, como resume Machado de Assis, o assunto do livro é também a história da fundação do Ceará e o ódio de duas nações inimigas (tabajaras e pitiguaras). Os pitiguaras habitavam o litoral cearense e eram amigos dos portugueses. Os tabajaras viviam no interior e eram aliados dos franceses.

José de Alencar recorreu a circunstâncias históricas, como a rixa entre os índios tabajaras e pitiguaras e utilizou personagens reais, como Martim Soares Moreno e o índio Poti, que depois viria a adotar o nome cristão de Antônio Felipe Camarão. Mas cercou-os de uma fértil imaginação e de um lirismo próprios da poesia romântica.

A heroína idealizada

Iracema é filha de Araquém, pajé da tribo tabajara, e deve manter-se virgem porque “guarda o segredo da jurema e o mistério do sonho. Sua mão fabrica para o Pajé a bebida de Tupã”. Um dia, Iracema encontra, na floresta, Martim, que se perdera de Poti, amigo e guerreiro pitiguara com quem havia saído para caçar e agora andava errante pelo território dos inimigos tabajaras. Iracema leva Martim para a cabana de Araquém, que abriga o estrangeiro: para os indígenas, o hóspede é sagrado.

O momento em que Martim encontra Iracema revela a idealização romântica em seu grau mais elevado:

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho; o aljôfar d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste
A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá , as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.”

Note-se que o narrador seguidas vezes compara Iracema à natureza exuberante do Brasil. E a virgem leva sempre vantagem. Seus cabelos são mais negros e mais longos, seu sorriso mais doce, seu hálito mais perfumado, seus pés mais rápidos.

Iracema é apresentada por um narrador que, embora se apresente na terceira pessoa, é claramente emotivo e apaixonado. Retrata-a, portanto, como a síntese perfeita das maravilhas da natureza cearense, brasileira e americana. Iracema é muito mais do que uma mulher. Não anda, flutua. Toda a natureza rende-lhe homenagem: da acácia silvestre aos pássaros, como o sabiá e a ará. A heroína é o próprio espírito harmonioso da floresta virgem.

A harmonia rompida

O narrador deixa clara a ruptura nesse harmoniosa relação de Iracema com o seu meio ao apresentar o surgimento de Martim: "Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta". A vista de Iracema perturba-se, impossibilitada de decodificar essa estranha aparição de uma etnia que lhe é desconhecida.

José de Alencar retrata, assim, o processo de estranhamento e fascínio mútuo que dominou o encontro dos dois povos. Começavam a se conhecer, sem sequer suspeitar as trágicas conseqüências do encontro para os indígenas.

A sedução

Enquanto esperam a volta de Caubi, o irmão de Iracema que reconduziria o guerreiro branco às terras pitiguaras, Iracema se apaixona por Martim, mas não pode se entregar a ele, porque, como afirma o Pajé, “se a virgem abandonou ao guerreiro branco a flor de seu corpo, ela morrerá…” Uma noite, Martim pede à Iracema o vinho de Tupã, já que não está conseguindo resistir aos encantos da virgem. O vinho, que provoca alucinações, permitiria que ele, em sua imaginação, possuísse a jovem índia como se fosse realidade. Iracema lhe dá a bebida e, enquanto ele imagina estar sonhando, Iracema “torna-se sua esposa”.

É muito importante notar o valor alegórico dessa passagem. Ao “possuir” Iracema, Martim está inconsciente, completamente seduzido e inebriado. Esse gesto há de provocar a destruição da virgem, assim como a invasão do Brasil pelos portugueses há de provocar a destruição da floresta virgem americana. No entanto, assim como Martim não tinha qualquer intenção de provocar a morte de sua amada – o faz por paixão – os destruidores da natureza brasileira o fizeram de forma inconsciente e inconseqüente. A consciência ecológica de Alencar vai muito além da ingênua defesa das nossas matas: percebe com clareza o seu processo de destruição.

O conflito

Martim é ameaçado pelo enciumado chefe guerreiro Irapuã, que quer invadir a cabana de Araquém e matá-lo. Apesar da advertência de Araquém de que Tupã puniria quem machucasse seu hóspede, os guerreiros de Irapuã cercam a cabana, que é protegida por Caubi.

Iracema encontra Poti, que está próximo à aldeia dos tabajaras e deseja salvar o amigo. Planejam, então, a fuga de Martim. Durante a preparação dos guerreiros tabajaras para a guerra com os pitiguaras, Iracema lhes serve o vinho da jurema e, enquanto os guerreiros deliram, ela leva Martim e Poti para longe da aldeia. Quando já estão em terras pitiguaras, Iracema revela a Martim que ela agora é sua esposa e deve acompanhá-lo. Entretanto, os tabajaras descobrem que Iracema traíra “o segredo da jurema” e perseguem os fugitivos. Os pitiguaras, avisados da invasão dos tabajaras, juntam-se aos fugitivos e é travado um sangrento combate. Iracema luta ao lado de Martim contra a sua tribo.Os pitiguaras ganham a luta e Iracema se entristece pela morte dos seus irmãos tabajaras.

O exílio

Iracema acompanha Martim e Poti e passa a morar com eles no litoral. Durante algum tempo, eles são muito felizes, e a alegria se completa com a gravidez de Iracema. Porém, Martim acaba por “saturar-se de felicidade” e seu interesse pela esposa e pela vida ao seu lado começa a esfriar. Iracema se ressente da frieza do marido e sofre. Martim se ausenta com freqüência em caçadas e batalhas contra os inimigos dos pitiguaras. Enquanto guerreia, nasce seu filho, que Iracema chama de Moacir, que significa “nascido do meu sofrimento, da minha dor”.

Iracema dá ao filho o nome indígena correspondente ao nome hebraico Benoni, que também significa “filho de minha dor”. Este é o nome dado por Raquel, mulher do patriarca bíblico Jacó, ao seu último filho. Raquel morre depois de dar à luz. Mas Jacó muda o nome do menino para Benjamim. Os filhos de Jacó dão origem às tribos que formarão a nação Israel, assim como o filho de Iracema representa o início de uma nação.

Solitária e saudosa, Iracema tem dificuldade para amamentar o filho e quase não come. Desfalece de tristeza. Martim fica longe de Iracema durante oito luas (oito meses) e, quando volta, encontra Iracema à beira da morte. Ela entrega o filho a Martim, deita-se na rede e morre, consumida pela dor. Poti e Martim enterram-na ao pé do coqueiro, à beira do rio. Segundo Poti: “quando o vento do mar soprar nas folhas, Iracema pensará que é tua voz que fala entre seus cabelos.”

O lugar onde viveram e o rio em que nascera o coqueiro vieram a ser chamados, um dia, pelo nome de Ceará.

Martim partiu das praias do Ceará levando o filho. Alencar comenta: “O primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra da pátria. Havia aí a predestinação de uma raça?

O guerreiro branco volta alguns anos depois, acompanhado de outros brancos, inclusive um sacerdote “para plantar a cruz na terra selvagem”. Começa a colonização e a narrativa termina: “Tudo passa sobre a terra.”

O NARRADOR

O romance é narrado na terceira pessoa, mas o narrador está longe de se manter neutro e mero observador. Abundam os adjetivos reveladores de admiração, principalmente em referência à natureza brasileira e à Iracema. Em alguns momentos o narrador arrebatado chega a revelar-se na primeira pessoa: “O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu.”

Tais arroubos justificam-se pela colocação, no início da obra, de que essa é "uma história que me contaram nas lindas vargem onde nasci". Assim, Alencar justifica a intromissão da voz na primeira pessoa em uma obra narrada na terceira.

O INDIANISMO

O índio começou a ser adotado como tema literário no Brasil pelos árcades, principalmente Basílio da Gama – que via o índio como “homem natural”, e Santa Rita Durão – para quem o índio era apenas o “comedor de carne humana, que só o Cristianismo salvaria”.

A busca de uma “poesia americana”

Já no Romantismo, o culto do passado e o nacionalismo literário permitiram aos escritores cultivarem a chamada “poesia americana”, que se valia da natureza, da História, de cenas e de costumes nacionais, fórmula em que o Indianismo se adequava perfeitamente.

Os escritores mais expressivos do Indianismo, nesse período, foram, na poesia, Gonçalves Dias, com poemas como I-Juca Pirama, Marabá e Leito de Folhas Verdes e, na prosa, José de Alencar, com romances como O Guarani, Iracema e Ubirajara.

A corrente indianista foi muito prestigiada e vários poetas tentaram escrever o “poema americano” por excelência, como Gonçalves de Magalhães com o seu poema longo A Confederação dos Tamoios, que originou uma célebre polêmica, em que até o Imperador participou.

A polêmica

Alencar foi o protagonista, em 1856, dessa polêmica acalorada sobre o papel do índio na literatura brasileira. O introdutor do romantismo entre nós, o poeta Gonçalves de Magalhães, acabara de publicar um poema épico com temática indianista. Amigo do imperador Dom Pedro II, Magalhães era, de certa forma, o “poeta oficial” do Brasil naquele momento.

Em uma série de cartas assinadas com o pseudônimo de Ig., Alencar critica o artificialismo do tratamento do índio dado por Gonçalves de Magalhães que, segundo ele, “não está à altura do assunto”.

Saem, em defesa do poeta, vários amigos seus, entre eles o próprio imperador Dom Pedro II. A polêmica se desdobra do início de junho ao final de outubro de 1856.

Podemos mesmo perceber, em alguns pontos das cartas, que Alencar já pensava em abordar a temática nos seus futuros escritos, associando-a ao elogio da terra brasileira:

“Digo-o por mim: se algum dia fosse poeta, e quisesse cantar a minha terra e suas belezas, se quisesse compor um poema nacional, pediria a Deus que me fizesse esquecer por um momento as minhas idéias de homem civilizado. Filho da natureza, embrenhar-me-ia por essas matas seculares; contemplaria as maravilhas de Deus, veria o sol erguer-se no seu mar de ouro, a lua deslizar-se no azul do céu; ouviria o murmúrio das ondas e o eco profundo e solene das florestas.”

Mas não seria através da poesia que Alencar haveria de “cantar a minha terra e suas belezas”. Ainda na polêmica sobre A Confederação dos Tamoios, ele critica o uso de gêneros poéticos clássicos para descrever o índio brasileiro:

“Escreveríamos um poema, mas não um poema épico; um verdadeiro poema nacional, onde tudo fosse novo, desde o pensamento até a forma, desde a imagem até o verso. A forma com que Homero cantou os gregos não serve para cantar os índios; o verso que disse as desgraças de Tróia e os combates mitológicos não pode exprimir as tristes endeixas do Guanabara, e as tradições selvagens da América. Por ventura não haverá no caos incriado do pensamento humano uma nova forma de poesia, um novo metro de verso?”

Desde as primeiras páginas de Iracema, fica claro que o seu autor procura colocar essas idéias em prática. Alencar adota o gênero do romance, mas o faz com um cuidado na construção das imagens e com a musicalidade da linguagem que levaram críticos como Machado de Assis a considerá-lo mais um “poema em prosa” do que propriamente um romance. E levaram Haroldo de Campos a afirmar que: “O maior poeta indianista (o único plenamente legível hoje…) foi um prosador: José de Alencar.” Seguindo a trilha aberta por Augusto Meyer, que já havia observado: “Bastaria Iracema para consagrá-lo o maior criador da prosa romântica, na língua portuguesa, e o maior poeta indianista.”

Desdobramentos

No parnasianismo, o índio aparece raramente – um exemplo é o poema A Morte de Tapir, de Olavo Bilac – e simplesmente desaparece na poesia simbolista.

O Modernismo volta ao tema e o utiliza às vezes como ponto de referência para diretrizes estéticas, como no caso da Poesia “Pau-Brasil” e da Antropofagia de Oswald de Andrade, com a questão “tupi or not tupi”. Algumas obras aproveitaram o tema do índio e suas lendas, como Macunaíma, de Mário de Andrade, Cobra Norato de Raul Bopp ou Martim Cererê, de Cassiano Ricardo.

Iracema e Macunaíma

O crítico Cavalcanti Proença demonstrou no Roteiro de Macunaíma as diversas relações de semelhança entre Macunaíma (1928), de Mário de Andrade, e Iracema. Entre essas destacam-se as semelhanças entre as personagens de Iracema e de Ci, a mãe do mato:

"Ci aromava tanto que Macunaíma tinha tonteiras de moleza" (M.A.) -- "Todas as noites a esposa perfumava seu corpo e a alva rede, para que o amor do guerreiro se deleitasse nela (J. A.). É a rede de cabelos que torna a Mãe do Mato inesquecível, e é uma rede que Iracema oferece ao guerreiro branco: -- "Guerreiro que levas o sono de meus olhos, leva a minha rede também. Quando nela dormires, falem em tua alma os sonhos de Iracema" (J.A.)

Ambas …não têm leite. O de Ci foi a cobra preta que sugou; em Iracema o leite não chegava ao seio, diluído nas lágrimas de saudade. "A jovem mãe suspendeu o filho à teta; mas a boca infantil não emudeceu. O leite escasso não apojava o peito" (J. A.). Em Macunaíma, o filho do herói "chupou o peito da mãe no outro dia, chupou mais, deu um suspiro envenenado e morreu".

Fonte:
http://fredb.sites.uol.com.br/iracema.html

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 375)


Uma Trova Nacional

Teu ciúme, cortando os laços
do nosso amor, me magoa...
Mas meu amor abre os braços
e, por amor, te perdoa!
–JOÃO FREIRE FILHO/RJ–

Uma Trova Potiguar

Desponta sereno o dia,
e o meu sonho, sem demora,
enche o mundo de poesia
ao romper da linda aurora!
–EVA YANNI GARCIA/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Curitiba/PR
Tema: MADRUGADA - M/H

A madrugada é o instante
em que o sol, com ousadia,
induz a noite – gestante –
a dar à luz... novo dia!
JAIME PINA DA SILVEIRA/SP–

Uma Trova de Ademar

Partiu deixando uma dor,
e eu talvez não me acostume
a viver sem seu amor,
Seu carinho, seu perfume!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Se meu sonho, na lembrança,
foi ponte que se desfez,
estendo o braço à esperança
e faço a ponte outra vez!...
–ADELIR MACHADO/RJ–

Simplesmente Poesia

Céu Interior
–BRASIGÓIS FELÍCIO/GO–

Eu não hesitaria
em jogar
todos os sonhos fora
se para realizá-lo no futuro
tivesse que perder o agora!

Estrofe do Dia

Gosto de falar de mato,
picada de muriçoca,
preá escondido em loca
galinha, guiné e pato;
briga de cachorro e gato,
cadeira de balançar,
a rede pra se deitar
na latada ou no oitão;
quanto mais canto o sertão
mais tem sertão pra cantar!
–JÚNIOR ADELINO/PB–

Soneto do Dia

Hoje
–CARMO VASCONCELOS/PRT–

Por hoje decidi ficar comigo,
A mente nua, isenta de sensores,
Tal um amplo celeiro, ausente o trigo,
Ou coração liberto, sem temores.

Por hoje só pretendo a liberdade,
Dispersa a luz total do pensamento,
Ao ponto de expulsar qualquer saudade
E sombra de paixão ou desalento.

Por hoje vou dar rédea solta à estúrdia,
Unir-me à multidão alucinada,
Misturar minha voz co’as da balbúrdia!

Beber, amar, cegando a culpa e o juiz.
Da fascinante noite, irmã, e aluada,
Ser astro sem memória… Ser feliz!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Adolfo Coelho (Bela-Menina)

Desenho a carvão por JB Xavier
Era uma vez um homem; vivia numa cidade e trazia navegações no mar, e depois foi ele e deu em decadência por se lhe perderem as navegações. Ele teve o seu pesar e não podia viver com aquela decência com que vivia no povoado e tinha umas terrinhas na aldeia e disse para a mulher e para as filhas: «Não temos remédio senão irmos para as nossas terrinhas; se vivemos com menos decência que até aqui, somos pregoados dos nossos inimigos.»

A mulher e uma filha aceitaram, mas as outras duas filhas começaram a chorar muito. E depois foram. A que tinha ido de sua vontade era a mais nova e chamava-se Bela-Menina; cantava muito e era a que cozinhava e ia buscar erva para o gado, de pés descalços; as outras metiam-se no quarto e não faziam senão chorar. Quando o pai ia para alguma parte, as mais velhas sempre pediam que lhes trouxesse alguma coisa e a mais nova não lhe pedia nada. Vai nisto, veio-lhe uma carta de um amigo dizendo que as navegações que vinham aí, que tiveram notícia e que fosse vê-las.

O homem caminhou mais um criado saber das tais navegações; quando saiu, disseram as suas filhas mais velhas que, se as navegações fossem as dele, lhes levasse algumas coisas que lhe declararam. E ele disse à mais nova: «Ora todas me pedem que lhes traga alguma coisa. Só tu não me pedes nada?» «Vou pedir-lhe também uma coisa; onde o meu pai vir o mais belo jardim, traga-me a mais bela flor que lá houver.» O pai foi e chegou a uma cidade e reconheceu que as navegações não eram dele e foi-se embora com a bolsa vazia. Chegou a um monte e anoiteceu-lhe; ele viu uma luz e dirigiu-se para ela a ver se encontrava quem o acolhesse. Chegou lá e viu uma casa grande e estropeou à porta; não lhe falaram; tornou a estropear; não lhe falaram. E disse ao moço: «Vai aí pelo portal de baixo ver se vês alguém.» O moço foi e voltou: «Veio lá muitas luzes dentro e cavalos a comer e penso para lhe botar; mas não veio ninguém.»

Então o homem mandou meter o cavalo na cavalariça e entraram na cozinha. Acharam lá que comer e, como a fome não era pequena, foram comendo muito. E nisto aí vem por essa casa adiante uma coisa fazendo um grande ruído, assim como umas cadeias que vinham a rastos pela casa adiante e depois chegou ao pé deles um bicho de rastos e disse-lhes: «Boas-noites.» Eles puseram-se a pé com medo e disseram-lhe: «Nós viemos aqui por não acharmos abrigo nem que comer noutra parte; mas não vimos fazer mal a ninguém.» «Deixai-vos estar e comei.» Demorou-se um pouco o bicho e disse-lhes: «Ora ide-vos deitar que eu também vou para o meu curral.» E começou-se a arrastar pela cozinha e foi. Ao outro dia o homem foi ao jardim, que era o mais belo que tinha visto, e disse: «Já que não posso levar nada para as minhas filhas mais velhas, quero ao menos levar a flor para a Bela-Menina...» Estava a cortar a flor e nisto o bicho salta-lhe: «Ah, ladrão! Depois de eu te acolher em minha casa, tu vens-me colher o meu sustento, que eu não me sustento senão em rosas.» E ele disse: «Eu fiz mal, fiz; mas eu tenho lá uma filha que me pediu que lhe levasse a mais bela flor que eu visse na viagem, e não podendo levar nada às outras filhas, queria ao menos levar a flor; mas se a quereis ela aí fica.» «Não, levai-a e se me trouxerdes cá essa filha, ficais ricos.» O homem caminhou e chegou a casa muito apaixonado por não trazer nada às outras filhas e não achar as navegações e pegou na flor e deu-a à Bela-Menina.

A filha, assim que viu a flor, disse: «Oh, que bela flor! Onde a achou, meu pai?» O pai contou-lhe o que vira e a filha disse: «Ó meu pai, eu quero ir ver.» «Olha que o bicho fala e disse também que te queria ver.» «Pois vamos.» E foram. A filha, assim que viu o tal bicho, disse: «Ó pai, eu quero cá ficar com este bicho, que ele é muito bonito.» O pai teve a sua pena, mas deixou-a. Passado algum tempo, ela disse: «Ó meu bichinho, tu não me deixas ir ver os meus pais?» E ele disse-lhe: «Não, tu não vais lá por ora; teu pai vem cá.» O pai veio e disse ao bicho: «Eu queria levar a rapariga.» «Não me leves daqui a rapariga, senão eu morro e tu vai ali àquela porta e abre-a e leva dali a riqueza que tu quiseres e casa as tuas filhas.» O homem que mais quis?

Um dia o bicho disse à Bela-Menina: «A tua irmã mais velha lá vem de se receber; tu queres vê-la?» «Quero.» «Vai ali e abre aquela porta.» Ela foi e viu a irmã com o noivo e os pais. «Agora deixa-me ir ver o meu cunhado.» «Eu deixava, deixava; mas tu não tornas.» «Torno; dá-me só três dias que eu em um dia e meio chego lá e torno cá noutro dia e meio.» «Se não vieres nestes três dias, quando voltares achas-me morto.» Ela foi; no fim dos três dias ela veio, mas tardou mais um pouquito que os três dias; ela foi ao jardim e viu-o deitado como morto. Chegou ao pé dele, «Ai meu bichinho!» E começou a chorar. Ele caiu e ela disse: «Coitadinho, está morto; vou dar-lhe um beijinho.» E deu-lhe um beijo, mas o bicho fez-se um belo rapaz. Era um príncipe encantado que ali estava e que casou com ela.

Fonte:
Projeto Vercial
Link

Roza de Oliveira (Paraná Poético)


CRIATIVIDADE NA TERCEIRA IDADE

Ser criativo na terceira idade
é sublimar os próprios desenganos!
Sócrates – a lira, aos setenta anos ,
aprendeu e tocou....na intimidade!

O filósofo, em criatividade,
uniu-se aos demais gênios – mais que ufanos:
Michelângelo – Goethe – soberanos
astros e gênios na melhor idade!

Em nossos tempos Cora Coralina
nos seus setenta, jovem se insinua
nas poesias tão puras, que ao escrevê-las

revela, em sua arte cristalina,
que lançando sua rede ao mar da lua
busca as estrelas ... tão somente estrelas!!!

DIA DO MÉDICO

Do nascimento à morte...está presente
nessa missão de Pai e Protetor.
Vive sua vida diligentemente
além do seu papel de Professor.

Nunca ele dorme em paz – tranquilamente
seu celular dispõe ao sofredor.
De seu dever jamais se faz ausente
é seu martírio - do paciente a dor.

Para, assim, nosso médico exaltar,
componho este soneto que é de amor,
para, nesta emoção reafirmar

o quanto agradecemos ao Criador
sua existência nobre e dedicada
que faz de cada dor sua jornada...

REPLAY

Há, na vida, um momento especial
em que todas as forças, de repente,
unem-se de uma forma sem igual
para, da altura , iluminar a gente.

Nesse mágico instante em espiral,
tudo, no mundo, passa a ser somente
esse estado de graça virginal
que une num laço o coração e a mente.

Na sequência dos bons e maus momentos
da continuidade do existir,
seja veloz ou mesmo a passos lentos

quero, outra vez , o prêmio singular
de poder novamente usufruir
da glória de espelhar-me em teu olhar!

RELÂMPAGOS DIVINOS

Relâmpagos luzindo em noite escura
em seus corcéis de luz aurifulgente,
anunciais de forma rica e pura
um mágico saber - clarividente!

Telegramas de luz cuja linguagem
computador nenhum pode gravar
e, presciente dessa luz-imagem,
só o poeta a sabe decifrar.

Bendito seja tal conhecimento
que em seus raios de luz, força e verdade
emerge dos arcanos de uma alma.

E, assim sendo, relâmpagos divinos
trazeis da criação a tempestade
que me compensará com paz e calma.

PROPOSTA POÉTICA

No dia do Poeta e da Poesia
sugiro uma sã pirataria:
um “Michelângelo” poético proponho
brincador, sonhador, feliz, risonho...

Que na telinha dos sofridos corações
o vírus da Poesia se propague.
Que a beleza das sadias emoções
seja luz que nas almas não se apague.

Um saber com sabor para as crianças
será, com certeza, um belo meio
de resgatar as suas esperanças.

Sabendo que a Poesia vai jorrar
paralela à Ciência ... o devaneio
o reino da alegria há de instaurar!

Fonte:
Efigênia Coutinho. 1000 Sonetos . Academia Virtual Sala de Poetas e Escritores (AVSPE). 2009.

Ialmar Pio Schneider (Soneto a Humberto de Campos)


– In Memoriam – Nascimento do escritor em 25.10.1886 –

Ao ler suas Memórias comoventes,
e as crônicas, sonetos, cujos temas
demonstram como ele enfrentou problemas,
e o fez em páginas inteligentes,...

fico a pensar também quantos poemas
nascem das almas boas, penitentes,
nos momentos aflitos em que os crentes
se debruçam perante seus dilemas...

Mas, o Senhor que reina nas Alturas,
o Pai Supremo de todas criaturas,
olha por nós, Seus filhos prediletos,...

pra que sejamos ternamente irmãos
e os nossos sonhos nunca sejam vãos
num mundo justo e fraternal de afetos...

Porto Alegre – RS, 25.10.2011

Fonte:
Soneto enviado pelo autor

Humberto de Campos (A Obra Prima)

Pintura a óleo de Cristina Rabelo
O almirante Ribas acabava de referir às senhoras, à mesa de jantar, a origem da mulata nacional, tal como eu a contei, aqui, há poucos dias, quando o desembargador Pessegueiro, recompondo as guias do bigode grisalho e cuidado, atalhou, com orgulho:

- Há engano nessa tradição, Sr. almirante: há engano. A mulata não teve origem no céu, como se diz; a sua origem, para gloria nossa, é toda terrena.

E recostando-se na cadeira, apoiando-se na mesa com ambas as mãos, começou, pausado, a sua narrativa:

- O preto, o branco e o amarelo, que habitam a África, a Europa, a Ásia e a Oceania, foram, realmente, modelados por Jeová, que os reconheceu, de fato, como seus filhos. Atirando-os, aos milhares, ao mundo, ele os conhecia todos, regulando-lhes a vida e a morte. E tanto assim, que, quando aparecia, no céu, de volta da terra, um branco, um preto ou um indivíduo de raça asiática, ele tomava, paternal, pela mão, reconduzindo-o ao convívio dos bem-aventurados.

Feita uma pequena pausa, o desembargador continuou:

- Certo dia, porém, bateram à porta de ouro do céu. Solícito, como sempre, S. Pedro correu a abri-la, e recuou, deslumbrado: era a primeira mulata que, requebrada, cheirosa, encantadora, incomparável, penetrava, triunfante, no Paraíso!

As senhoras sorriram, admirando o entusiasmo do velho magistrado, e ele, sorrindo com elas, retomou o fio à narrativa:

- A presença daquela criatura estranha, rica de encantos, de graças, de seduções, agitou, de pronto, a morada celeste. Anjos e serafins rodeavam-na, fascinados, tontos, embriagados de beleza. Estrelas que viviam isoladas no azul, achegavam-se, cochichando, formando constelações. E uma grande música religiosa ressoou pelas alturas, celebrando, num enlevo, o maravilhoso acontecimento.

Nesse ponto, com os braços e os lábios abertos, o desembargador quedou-se, como num êxtase. Passado um minuto, continuou:

- Avisado da novidade, Jeová quis, ele próprio, ver o prodígio; e, descendo do seu trono de pedrarias, encaminhou-se, com o cortejo de arcanjos, no rumo da porta, de se achava a mulata, rodeada de santos e querubins. Chegando aí, ao vê-la, ele próprio recuou, tapando os olhos com as mãos; diante dele, a cabeça pendida para um lado, os lábios entreabertos num sorriso, e os olhos entrefechados num delíquio, a recém-chegada esperava-o, doce, linda, maravilhosa! Passado o primeiro momento de pasmo, o Supremo Arquiteto levantou o rosto venerável, e, com a barba soberba derramada pelo peito largo, bradou, deslumbrado:

"- Eu fiz a raça preta, que povoou a Líbia ardente, suportando, impassível, o fogo dos desertos. A raça amarela, cujas mulheres, pequeninas e tímidas, enchem a Ásia, é obra minha. A mulher branca, delicada, mimosa, de olhos azuis e cabelos de ouro, saiu das minhas oficinas. Que artífice terá, porém, imaginado e realizado esta jóia, esta obra-prima da natureza, esta flor incomparável da criação?"

Nesse momento, os bem-aventurados abriram alas, deixando ver uma figura curiosa: barba feita, bigode retorcido, correntão de ouro atravessado sobre o colete, que lhe dava maior vulto à obesidade, apareceu, sorridente, o Manél da Venda, exclamando, com orgulho:

- Eu, Senhor!

Ante essa confissão, Jeová não resistiu: encaminhou-se para o Manél, que o olhava desafiadoramente, e, sem se conter, bradou, com os olhos úmidos:

"- Mestre!..."

E apertou-lhe a mão, comovido.

Fonte:
Biblioteca Virtual de Literatura