Nestor Roqueplan, o espirituoso escritor que tão exatamente descreveu o tipo do larmoyeur, esqueceu-se de classificar uma das espécies mais interessantes deste gênero de bípede implume: o larmoyeur jornalista.
É verdade que esta importante descoberta estava reservada para nossos dias. Conheciam-se diversas classes de larmoyeurs, como políticos, os parlamentares, os pretendentes, os conquistadores; mas o larmoyeur jornalista só apareceu pela primeira vez no sábado da aleluia, no dia de Judas.
Apareceu declarando que estava triste, muito triste, e queixando-se, e pedindo que o consolassem! Que pena! Que pena!...
Lastimava-se por causa do dia? Não creio; é mais natural que se ressentisse de alguma injustiça grave, que estivesse possuído de algum despeito violento.
Que pena! Consolai-o, leitores, porque do contrário ficareis privados do vosso divertimento das quintas, da graça e do espírito de tão belos artigos. Napoleão quer abdicar; César recusa o império; Talma retira-se do teatro! Oh! desgraça!
Acho escusado dizer-vos a folha a que devemos essa tão curiosa invenção do larmoyeur, assim como o nome do seu abençoado autor.
Qual o jornal desta corte que se distingue pela brilhante iniciativa que tem tomado nos melhoramentos da imprensa?
O Jornal do Comércio.
O que é que exprimem as lágrimas com a sua eloqüência sublime, com a sua expressão irresistível? Tudo e nada.
Só vos peço, por bem de todos, que não deixeis de consolar o nosso larmoyeur, pelas razões que já vos disse. Escrevi algumas correspondências elogiando o seu estilo, o chiste dos seus artigos, e sobretudo que não vos esqueçam os lindos pós-escritos, dignos de rivalizar com as cenas de uma comédia espanhola!
É preciso também chamá-lo algumas vezes, a propósito, de sábio. De gênio, de portento. Gato ruivo do que usa, disso cuida, diz um provérbio nosso.
Demais, o homem é amigo de todo o mundo. Conselheiros de Estado, marqueses, viscondes, ministros, pertencem ao círculo dos íntimos. “Meu amigo Bellegarde, meu amigo Pedreira, meus amigos marqueses”, são frases que lhe v~em a todo o momento ao bico da pena.
E não cuidem que é por vangloriar-se; não, é simples força de amizade, é o poder da simpatia. O nosso escritor é o Pollux de todos os Castores, é o fidus Achates da humanidade ministerial.
Ora, um homem que se acha nesta posição, e que não é justamente apreciado, tem direito a ficar triste, a mostrar-se despeitado e a esmagar os outros com a sua ironia tranchante, chamando-os de sábios e de gênios; isto é: atirando-se em corpo e alma, em palavras e obras, sobre a cabeça daqueles que ainda o não reconheceram como tal!
E, a falar a verdade, o público tem sido injusto e o Jornal do Comércio ingrato. Já lá vão não sei quantos artigos, e nem sequer ainda fizeram sair a mais pequena publicação a pedido elogiando o luzeiro da imprensa, que tudo sabe e nada ignora, o amigo de todo o mundo.
Voltando, porém, ao meu autor, a aparição do Larmoyeur jornalista faz-me lembrar uma página sua que li há tempos, e que recomendo aos meus leitores.
Na opinião do espirituoso escritor, a arte de chorar a propósito é a primeira das artes, assim como as lágrimas são a única língua universal que existe na terra, e que provavelmente foi falada antes da Torre de Babel.
Quereis a prova?
Abri a boca e chorai... todo o mundo entenderá que tendes fome.
Chorai e bebei as lágrimas; e logo se conhecerá que estais morrendo de sede.
Levai a mão ao coração e chorai olhando uma mulher; e ela compreenderá que a amais.
Erguei ao céu os olhos rasos de prantos, juntai as mãos; e ninguém deixará de entender a prece muda de uma alma infeliz.
Voltai as algibeiras e deixai correr algumas lágrimas; e logo se verá que não tendes dinheiro nem crédito.
Uma lágrima isolada, que pende da pálpebra, e corre lentamente por um rosto pálido e triste, exprime uma dor silenciosa e concentrada; é como uma gota de fel que verte o coração.
Duas lágrimas límpidas que empanam às vezes o brilho dos olhos, e se desfilam docemente pelas faces, dizem uma saudade, uma suave recordação.
O pranto e os soluços são a expressão do desespero, assim como uns olhos rasos de lágrimas e um sorriso revelam o momento da suprema felicidade deste mundo.
E entretanto, apesar do poder irresistível desta linguagem universal, todo o mundo trata de rir, e ninguém sabe chorar. As lágrimas vão caindo em desuso; e apenas nas despedidas e nos enterros ainda se usa, bem que raras vezes, deste meio persuasivo.
O Sr. Ministro do Império na sua reforma da instrução pública esqueceu-se de criar uma aula especial desta arte, ou desta língua, como quiserem. Num tempo em que o ensino se multiplica, em que há escolas para tudo, é imperdoável que não exista uma escola onde se aprenda a chorar a propósito.
O choro, segundo o nosso autor, é um flux à deux robinets; é um jorro que inunda num instante, penetra pelos poros da vossa sensibilidade, e vos faz transbordas o coração.
É preciso, portanto, que cada homem tenha à sua disposição uma fonte lacrimal abundante, e sempre pronta a soltar o repuxo. É preciso também que saiba usar dela conforme as regras darte.
Assim, às vezes é mais conveniente uma dessas lágrimas silenciosas de que já vos falei; outras, é preferível uma chuvinha, uma garoa; e alguns casos haverá que seja necessário uma inundação, um verdadeiro dilúvio lacrimal, do qual nem o mesmo Noé escaparia.
Só os mestres podem ensinar esses segredos darte, e adestrar os seus discípulos nestes rasgos, neste tropos, nestas figuras da eloqüência lacrimal; por conseguinte: uma escola do choro é indispensável.
Aberta a aula, os primeiros que se matriculam são os namorados de ambos os sexos; em segundo lugar os pretendentes, os candidatos à eleição; depois os oradores, os ministros e os jornalistas que aspiram à popularidade.
Finalmente se formará uma sociedade importante, uma ordem notável, uma corporação distinta, cujos membros terão o título de – chevaliers de la larme à l’oeil.
Não esqueçam, porém, uma coisa, e é que não sou eu que digo essas coisas; se não lhes agradam, queixem-se de Nestor Roqueplan, que foi quem as inventou. Eu o que fiz, apenas como bom tradutor, foi presumir alguns pensamentos que decerto lhe escaparam, e que ele naturalmente teria, se escrevesse nesta cidade, e não em Paris.
Isto posto, estou às vossas disposições; podemos conversar sobre o que nos parecer, sobre o D. Pascoal no Teatro Lírico, sobre as notícias do Paraguai, sobre o frio e sobre os divertimentos da semana.
Fostes sexta-feira à noite a Botafogo?
Vistes como estava brilhante a linda praia, com a sua bela iluminação, com as suas alegres serenatas, e com os bandos de passeadores que circulavam em frente do palácio?
Havia uma expansão de contentamento e de júbilo em todas estas demonstrações com que era acolhida e festejada a vida de Sua Majestade. O arrabalde aristocrático se desvanecia por ser durante algum tempo a residência da corte.
Uma banda de música desfilava ao longo da praia, soltando às brisas da noite e aos ecos harmoniosos daquela baía alguns temas favoritos do Trovador. Os grupos de mocinhas travessas e risonhas se encontravam e se confundiam um momento numa nuvem de beijos e abraços.
Aquelas areias felizes eram pisadas por muito pezinho mimoso, habituado a roçar com o seu sapatinho de cetim os macios tapetes e o lustroso soalho dos ricos salões; e por isso, se observásseis bem, havíeis de ver entre os passeadores perdidos na multidão muito Romeu, muito Ossian, muito Goethe improvisado.
As auras da noite, que agitavam aqueles cabelos aveludados, que roçavam por aqueles lábios maliciosos, que passavam carregados de ruído, de músicas, de perfumes, trouxeram-me no meio dos rumores da festa ao lugar onde estavam uma palavras soltas que pareciam a continuação de uma conversa interrompida.
A primeira voz que me chegou ao ouvido era doce e melodiosa, era de moça, e pelo timbre devia ser de uma boquinha bonita.
- Está tudo muito lindo, dizia a voz; mas acho que falta uma coisa.
- O quê? perguntou o cavalheiro, que naturalmente dava o braço, não à voz, mas à dona da voz.
- Devia haver um fogo de artifício.
- E o há com efeito.
- Mas onde? Não vejo.
- Nem o pode ver, porque está nos seus olhos.
- Engraçado!...
A brisa escasseou neste momento, e não me trouxe o fim da conversa; mas eu fiquei compreendendo a razão por que hoje não se usam como antigamente em todas as festas, as girândolas, as rodas de fogo, etc. foram substituídas por outra espécie de fogo de artifício.
O que se usava outrora tinha o inconveniente de queimar a gente; mas esta queimadura curava-se aí com qualquer remédio de boitica. O que está em moda presentemente é pior, porque em vez de queimar, abrasa, e dizem que por muito tempo.
O que eu sei é que é esta uma arte capaz de fazer concorrência do larmoyeur, e digna de sério estudo, não só para se poder bem usar dela, como para se evitarem os enganos e as ciladas em que pode cair quem não tiver perfeito conhecimento desses segredos da coquetterie.
Os homens que falam de tudo e nada dizem, têm aí um belo tema para dissertarem; podem mostrar a influência útil que deve ter aquele estudo sobre desenvolvimento da nossa arte dramática, tão desprezada e tão desmerecida entre nós.
E isto vem a propósito, agora que a nova empresa do Ginásio Dramático se organizou, e promete fazer alguma coisa a bem do nosso teatro.
Assistimos, quinta-feira à primeira representação da nova companhia no Teatro de São Francisco: foi à cena um pequeno drama de Scribe, e a comédia do Dr. Macedo.
Embora fosse um primeiro ensaio, contudo deu-nos as melhores esperanças; a representação correu bem em geral, e em algumas ocasiões excelentes.
O que resta, pois, é que os esforços do Sr. Emílio Doux sejam animados, que a sua empresa alcance a proteção do que carece para poder prestar no futuro alguns serviços.
Cumpre que as pessoas que se acham em uma posição elevada dêem o exemplo de uma proteção generosa à nossa arte dramática. Se elas a encorajarem com a sua presença, se a guiarem com os seus conselhos, estou certo que em pouco tempo a pequena empresa que hoje estréia se tornará um teatro interessante, no qual se poderão ouvir alguns dramas originais e passar-se uma noite bem agradável.
Que vale entre tantas despesas de luxo a mesquinha assinatura de um pequeno teatro? Que importa que se sacrifique uma ou duas noites para dar um impulso à nossa arte dramática, e ganhar para o futuro um passatempo útil e agradável?
No momento em que se soubesse que algumas das nossas notabilidades, citadas pelo seu gosto e pelo seu amor à arte,eram assinantes do Ginásio, que as senhoras distintas prontas a aplaudir um belo lance dramático, não haveria mais pena que julgasse se desmerecia escrevendo para o teatro.
Assim, pois a essas pessoas compete dar o exemplo; quanto aos autores, estes estão prontos, e um dos mais distintos já tomou a iniciativa dando uma composição sua para a abertura do teatro.
Não é este o lugar próprio para uma crítica literária, e por isso nos abstemos de falar da espirituosa comédia do Dr. Macedo, a qual foi muito bem acolhida.
Tivemos esta semana boas notícias do Paraguai. A perspectiva de guerra desapareceu; e assim era de esperar, visto que aquela República não era de força para lutar conosco. Tem, é verdade, as suas Três-bocas, mas cada um dos nossos vapores tem muito maior número de bocas; e não são bocas d’água, ou de rio, são bocas de fogo.
Nas altas regiões da política trata-se da vaga de senador pela província da Bahia.
Não faltam candidatos; mas há um que é recomendado pelo seu merecimento e pelos seus serviços, lembrado pelos homens mais ilustrados, e que será muito bem aceito pela província; falamos do Sr. Wanderley.
Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.