domingo, 6 de abril de 2008

Folclore do Brasil (A Grande Mãe Brasileira)

O Brasil é o país que concentra o maior número de pessoas a cultuarem uma das manifestações da Grande Mãe, como Iemanjá, a deusa ancestral das águas, Senhora do Mar. Só perde para a Índia, onde inúmeras deusas são cultuadas até hoje.

Anualmente, às vésperas do Ano Novo e no dia dois de fevereiro, milhões de pessoas levam suas oferendas e orações para as praias brasileiras, ou saem em procissões marítimas ou fluviais, similares às antigas cerimônias egípcias e romanas – Navigium Isidi – dedicadas a Isis, Deusa Mãe protetora dos viajantes e das embarcações.

Apesar da devoção brasileira a Iemanjá, seu culto não é nativo - ele foi trazido ao Brasil no século XIII pelos escravos da nação ioruba. Yemojá ou YèYé Omo Ejá, a “Mãe cujos filhos são peixes” era o orixá dos Egbá, a nação ioruba estabelecida outrora perto do rio Yemojá, no antigo reino de Benin. Devido a guerras os Egbá migraram, e se instalaram às margens do rio Ogun, de onde o culto a Iemanjá foi trazido pelos escravos para o Brasil, Cuba e Haiti.

Nestes países, Iemanjá passou a ser venerada como a “Rainha do Mar”, orixá das águas salgadas, apesar de sua origem ter sido “o rio que corre para o mar”, sua saudação sendo Odo-Yiá, que significa “Mãe do Rio”.

Analisando os nomes Ya / man / Ya e Ye / Omo / Ejá conforme a “Lei de Pemba” – a grafia sagrada dos orixás -, postulada pela Umbanda Esotérica, encontram-se os mesmos vocábulos sagrados, que significam “Mãe das águas, Mãe dos filhos da água (peixes) e Mãe Natureza”.

Iemanjá é considerada pela Umbanda Esotérica como uma das sete Vibrações Originais, o princípio gerador receptivo, a matriz dos poderes da água, a representação do eterno e Sagrado Feminino. Portanto, Iemanjá personifica os atributos lunares e aquáticos da Grande Mãe, como padroeira da fecundidade e da gestação, inspiradora dos sonhos e das visões, protetora e nutridora, mãe primeva que sustenta, acalenta e mitiga o sofrimento dos seus filhos de fé.

No entanto, por mais que Iemanjá seja reconhecida e venerada no Brasil, ela não representa a Mãe Ancestral nativa, que tenha sido cultuada pelas tribos indígenas antes da colonização e da chegada dos escravos.

Infelizmente, muito pouco se sabe a respeito das divindades e dos mitos tupi-guarani. A cristianização forçada e a proibição pelos jesuítas de qualquer manifestação pagã, destruiu ou deturpou os vestígios de Tuyabaé-cuáa, a antiga tradição indígena, a sabedoria dos velhos payés.

Segundo o escritor umbandista W.W. da Matta e Silva e seus discípulos Rivas Neto e Itaoman, a raça vermelha original tinha alcançado, em uma determinada época distante, um altíssimo patamar evolutivo, expresso em um elaborado sistema religioso e filosófico, preservado na língua-raiz chamada Abanheengá , da qual surgiu Nheengatu, a “lingua boa”, origem dos vocábulos sagrados dos dialetos indígenas,

Com o passar do tempo a raça vermelha entrou em decadência, e após várias cisões, seus remanescentes se dispersaram em diversas direções. Deles se originaram os tupi-nambá e os tupi-guarani, que se estabeleceram em vários locais na América do Sul.

As concepções do tronco tupi eram monoteístas, postulando a existência de uma divindade suprema, um divino poder criador (às vezes chamado de Tupã) que se manifestava através de Guaracy (o Sol) e Yacy (a Lua), que, juntos, geraram Rudá (o amor), e por extensão, a humanidade. O culto a Guaracy era reservado aos homens, que usavam os tembetá, amuletos labiais em forma de T, enquanto as mulheres veneravam Yacy e Muyrakitã, uma deusa das águas, e usavam os amuletos em forma de batráquios e felinos, pendurados no pescoço ou nas orelhas.

Guaracy era a manifestação visível e física do poder criador representado pelo Sol. Apesar deste astro ser considerado o princípio masculino na visão dualista atual, a análise dos vocábulos nheengatu do seu nome revela sentido diferente. Guará significa “vivente”, e cy é “mãe”, o que formaria a “Mãe dos seres viventes”, a força vital que anima todas as criaturas da natureza, a luz que cria a vida animal e vegetal. Também em outras tradições e culturas (japonesa, nórdica, eslava, báltica, australiana e nativa americana), o Sol era considerado uma Deusa, o que nos faz deduzir que para os tupi a vida e a luz solar provinham de uma Mãe (CY) que só mais tarde foi transformada em Pai.

Yacy era a própria Mãe Natureza, seu nome sendo composto de Ya (senhora) e Cy (mãe), a senhora Mãe, fonte de tudo, manifestada nos atributos da Lua, da água, da natureza , das mulheres e das fêmeas.

Cy ou Ci representa, portanto, a origem de todas as criaturas, animadas ou não, pois tudo o que existe foi gerado por uma mãe que cuida da sua preservação, do nascimento até a morte. Sem Cy (mãe), não há nem perdura a vida, pois ela é a Mãe Natureza, o principio gerador e nutridor da vida.

Na língua tupi existem vários nomes que especificam as qualidades maternas – Yacy = a Mãe Lua, Amanacy = a Mãe da chuva, Aracy = a Mãe do dia, a origem dos pássaros, Iracy = a Mãe do mel, Yara = a Mãe da água, Yacyara = a Mãe do luar, Yaucacy = a Mãe do céu, Acima Ci = a Mãe dos peixes, Ceiuci = a Mãe das estrelas, Amanayara = a senhora da chuva, Itaycy = Mãe do rio da pedra, e tantas outras Mães – do frio e do calor, do fogo e do ouro, do mato, do mangue e da praia, das canções e do silêncio.

As tribos indígenas conheciam e honravam todas as mães e acreditavam que elas geravam seus filhos sozinhas, sem a necessidade do elemento masculino, atribuindo-lhes a virgindade, o que também em outras culturas simbolizava sua independência e auto-suficiência. Em alguns mitos e lendas as virgens eram fecundadas por energias numinosas em forma de animais (serpente, pássaros, boto), forças da natureza (chuva, vento, raios), seres ancestrais ou divindades.

A explicação da omissão, na mitologia indígena, do elemento masculino na criação, era o desconhecimento do papel do homem na geração da criança, além do profundo respeito e reverência pelo sangue menstrual, que, ao cessar “milagrosamente” se transformava em um filho. Somente pela interferência dos colonizadores europeus e pela maciça catequese jesuíta que, na criação do homem, o Pai assumiu um papel preponderante, o Filho tornou-se o segundo na hierarquia, salvador da humanidade, como Jurupary, e à Mãe coube apenas a condição de virgem (como Chiucy).

Porém, apesar do zelo dos missionários para erradicar os vestígios dos cultos nativos da cultura indígena e dos escravos, muitas das suas tradições sobrevivem nas lendas, nos costumes folclóricos, nas práticas da pajelança e encantaria que estão ressurgindo, cada vez mais atuantes, saindo do seu ostracismo secular.

Um outro arquétipo da Mãe Ancestral é descrito no mito amazônico da Boiúna, a Cobra Grande, dona das águas dos rios e dos mistérios da noite. Apresentada como um monstro terrível que vive escondido nas águas escuras do fundo do rio e ataca as embarcações e pescadores, a Boiúna ou Cobra Maria é, na verdade, a Face Escura da Deusa, a Mãe Terrível, a Ceifadora, que tanto gera a vida no lodo como traz a morte, no eterno ciclo da criação, destruição, decomposição e transformação.

Outro aspecto da Mãe Escura é Caamanha, a “Mãe do Mato”, que protege as florestas e os animais silvestres, e pune, portanto, os desmatamentos, as queimadas, e as violências contra a Natureza. Pouco conhecida ela foi transformada em dois personagens lendários: Curupira e Caapora. Descritos como seres fantasmagóricos, peludos, com os pés voltados para trás, às vezes com um aspecto feminino, são os guardiões das florestas, que levavam os caçadores e invasores do seu habitat a se perderem nas matas, punindo-os com chicotadas, pesadelos ou até mesmo a morte.

Nas lendas guarani relata-se a aparição da “Mãe do Ouro”, que surge como uma bola de fogo ou manifesta-se nos trovões, raios e ventos, mostrando a direção da mudança do tempo. Na sua representação antropomórfica ela torna-se uma linda mulher que reside em uma gruta no rio, rodeada pelos peixes e de onde se estende nos ares como raios luminosos, ou então surge na forma de uma serpente de fogo, punindo os destruidores das pradarias. Na sua versão original ela era considerada a guardiã das minas de ouro, que seduzia os homens com seu brilho luminoso, afastando-os das jazidas. Seu mito confunde-se com o do Boitatá, uma serpente de contornos fluídicos, plasmada em luz com dois imensos olhos, guardando tesouros escondidos, reminiscência dos aspectos punitivos da Mãe Natureza, defendendo e protegendo suas riquezas. A deturpação cristã do mito punitivo pode ser vista na figura da “Mula sem Cabeça”, metamorfose da concubina de padre, que assombra os viajantes nas noites de sexta-feira (dia dedicado, nas culturas pagãs, às deusas do amor, como Astarte, Afrodite, Vênus, Freyia) e do Teiniágua, lagarto encantado que se transforma em uma linda moça para seduzir os homens, desviando-os dos seus objetivos.

Quanto ao significado esotérico de Muyrakitã, devemos decompor seu nome em vocábulos, para compreender sua simbologia feminina: Mura = mar, água, Yara – senhora, deusa, Kitã = flor. Podemos então interpretá-lo como “A deusa que floriu das águas” ou “A Senhora que nasceu do mar”. Esta divindade aquática, considerada a filha de Yacy era reverenciada pelas mulheres que usavam uns amuletos mágicos chamados ita-obymbaé, confeccionados com argila verde, colhida nas noites de Lua Cheia no fundo do lago sagrado Yacy-Uaruá (“Espelho da Lua”), morada de Muyrakitã. Estes preciosos amuletos só podiam ser preparados pelas ikanyabas ou cunhãtay, moças virgens escolhidas desde a infância como sacerdotisas do culto de Muyrakitã, vetado, portanto, aos homens. Nas noites de Lua Cheia as cunhãtay devidamente preparadas esperavam que Yacy espalhasse sua luz sobre a superfície do lago e então mergulhavam à procura da argila verde. A preparação das virgens incluía jejum, cânticos e sons especiais (para invocar os poderes magnéticos da Lua), além da mastigação de folhas de jurema, uma árvore sagrada que contém um tipo de narcótico que facilitava as visões. Enquanto as cunhãs mergulhavam, as outras mulheres ficavam nas margens do lago entoando cânticos rítmicos ao som dos maracás (chocalhos).
Depois de “recebida” a argila das mãos da própria Muyrakitã, ela era modelada em discos com formato de animais, deixando um pequeno orifício no centro. Então todas as mulheres realizavam encantamentos mágicos, invocando as bênçãos de Muyrakitã e Yacy sobre os amuletos, até que Guaracy, o Sol, nascia, solidificando a argila com seus raios.

Estes amuletos, que ficaram conhecidos com o nome de muiraquitã, tinham cor verde, azul, ou cor de azeitona, e eram usados como pendentes no pescoço ou na orelha esquerda das mulheres. Acreditava-se que eles conferiam proteção material e espiritual, e que podiam ser utilizados para prever o futuro, em certas noites de Lua Cheia, depois de submersos na água do mesmo lago e colocados na testa das cunhãs, invocando-se as bênçãos de Yacy e Muyrakitã.

No nível esotérico, profano, o muiraquitã é conhecido como um talismã zoomorfo, geralmente em forma de sapo, peixe, serpente, tartaruga ou felinos, talhado em pedra (nefrita, esteatita, jadeíta ou quartzito), bem polido, ao qual se atribuíam poderes mágicos e curativos. Foram encontrados vários deles na área do baixo Amazonas, entre as bacias dos rios Trombetas e Tapajós, e foram chamados de “pedras verdes das Amazonas”.
Poderia ser uma confirmação do mito das Amazonas ou Ycamiabas, as “mulheres sem homens”, como foram chamadas pelo padre Carvajal, da expedição de Francisco de Orellana, em 1542. Os relatos míticos as descrevem como mulheres altas, belas, fortes e destemidas, longos cabelos negros, trançados, tez clara, que andavam despidas e utilizavam com maestria o arco e flecha para guerrear e caçar. Diz a lenda que elas escolhiam anualmente homens para serem futuros pais de seus filhos, e os presenteavam com muiraquitãs. Outras fontes afirmam que elas usavam ornamentos de pedras verdes esculpidos em forma de animais que serviam como objetos de troca com os visitantes e as tribos vizinhas.

Os missionários atribuíam aos índios tapajós a origem dos muiraquitãs, mas eles eram apenas seus portadores, e não os fabricantes, exibindo-os como símbolos de poder ou riqueza, ou ainda usados como compensação na realização de ritos fúnebres, nas cerimônias de casamento ou para selar alianças e acordos de paz entre as tribos.

Ocultos em mitos, lendas e crenças, existem ainda muitos resquícios das antigas tradições e cultos indígenas. Descartando as sobreposições e distorções cristãs e literárias, poderemos resgatar a riqueza original das diversas e variadas apresentações da Criadora ancestral brasileira, Mãe da Natureza e de tudo o que existe, que existiu e existirá. Cabe aos estudiosos e pesquisadores atuais desvendar os tesouros históricos do passado indígena brasileiro, com isenção de ânimo e sem distorções, em uma sincera dedicação e lealdade à verdade original, para oferecer às nossas mentes as provas daquilo que os nossos corações femininos sempre souberam:

“que a Terra é a nossa Mãe, que nos tempos antigos os seres humanos veneravam e oravam para uma Criadora, que abria os portais da vida e da morte, cujos templos eram a própria Natureza, que somos todos irmãos por sermos seus filhos, interligados por fazermos parte da teia cósmica e telúrica da Sua Criação”.


Fontes:
Mirella Faur, in http://www.xamanismo.com/lendas.asp?c=34
http://www.nforo.com/ (figura)

Edgar Allan Poe (O Retrato Oval)

O castelo em que o meu criado se tinha empenhado em entrar pela força, de preferência a deixar-me passar a noite ao relento, gravemente ferido como estava, era um desses edi­fícios com um misto de soturnidade e de grandeza que durante tanto tempo se ergueram nos Apeninos, não menos na realidade do que na imaginação da senhora Radcliffe. Tudo dava a enten­der que tinha sido abandonado recentemente. Instalamo-nos num dos compartimentos mais pequenos e menos sumptuosamente mobilados, situado num remoto torreão do edifício. A decoração era rica, porém estragada e vetusta. Das paredes pendiam col­gaduras e diversos e multiformes trofeus heráldicos, misturados com um desusado número de pinturas modernas, muito alegres, em molduras de ricos arabescos dourados. Por esses quadros que pendiam das paredes - não só nas suas superfícies principais como nos muitos recessos que a arquitetura bizarra tornara necessários - , por esses quadros, digo, senti despertar grande interesse, possivelmente por virtude do meu delírio incipiente; de modo que ordenei a Pedro que fechasse os maciços postigos do quarto, pois que já era noite; que acendesse os bicos de um alto candelabro que estava à cabeceira da minha cama e que corresse de par em par as cortinas franjadas de veludo preto que envolviam o leito. Quis que se fizesse tudo isto de modo a que me fosse possível, se não adormecesse, ter a alternativa de contemplar esses quadros e ler um pequeno volume que acháramos sobre a almofada e que os descrevia e criticava.

Por muito, muito tempo estive a ler, e solene e devotamente os contemplei. Rápidas e magníficas, as horas voavam, e a meia-noite chegou. A posição do candelabro desagradava-me, e estendendo a mão com dificuldade para não perturbar o meu criado que dormia, coloquei-o de modo a que a luz incidisse mais em cheio sobre o livro.

Mas o movimento produziu um efeito completamente ines­perado. A luz das numerosas velas (pois eram muitas) incidia agora num recanto do quarto que até então estivera mergulhado em profunda obscuridade por uma das colunas da cama. E assim foi que pude ver, vivamente iluminado, um retrato que passava despercebido. Era o retrato de uma jovem que começava a ser mulher. Olhei precipitadamente para a pintura e ato con­tínuo fechei os olhos. A principio, eu próprio ignorava por que o fizera. Mas enquanto as minhas pálpebras assim permane­ceram fechadas, revi em espírito a razão por que as fechara. Foi um movimento impulsivo para ganhar tempo para pen­sar - para me certificar que a vista não me enganava -, para acalmar e dominar a minha fantasia e conseguir uma observação mais calma e objetiva. Em poucos momentos voltei a contem­plar fixamente a pintura.

Que agora via certo, não podia nem queria duvidar, pois que a primeira incidência da luz das velas sobre a tela parecera dissipar a sonolenta letargia que se apoderara dos meus sentidos, colocando-me de novo na vida desperta.

O retrato, disse-o já, era de uma jovem. Apenas se repre­sentavam a cabeça e os ombros, pintados à maneira daquilo que tecnicamente se designa por vinheta - muito no estilo das cabe­ças favoritas de Sully. Os braços, o peito, e inclusivamente as pontas dos cabelos radiosos, diluíam-se imperceptivelmente na vaga mas profunda sombra que constituía o fundo. A moldura era oval, ricamente dourada e filigranada em arabescos. Como obra de arte, nada podia ser mais admirável que o retrato em si. Mas não pode ter sido nem a execução da obra nem a beleza imortal do rosto o que tão subitamente e com tal veemência me comoveu. Tampouco é possível que a minha fantasia, sacudida da sua meia sonolência, tenha tomado aquela cabeça pela de uma pessoa viva. Compreendi imediatamente que as particularidades do desenho, do vinhetado e da moldura devem ter dissipado por completo uma tal idéia - devem ter evitado inclusivamente qualquer distração momentânea. Meditando profundamente nes­tes pontos, permaneci, talvez uma hora, meio deitado, meio reclinado, de olhar fito no retrato. Por fim, satisfeito por ter encontrado o verdadeiro segredo do seu efeito, deitei-me de costas na cama. Tinha encontrado o feitiço do quadro na sua expressão de absoluta semelhança com a vida, a qual, a princípio, me espantou e finalmente me subverteu e intimi­dou. Com profundo e reverente temor, voltei a colocar o candelabro na sua posição anterior. Posta assim fora da vista a causa da minha profunda agitação, esquadrinhei ansiosamente o livro que tratava daqueles quadros e das suas respectivas histórias. Procurando o número que designava o retrato oval, pude ler as vagas e singulares palavras que se seguem:


«Era uma donzela de raríssima beleza e tão adorável quanto alegre. E maldita foi a hora em que viu, amou e casou com o pintor. Ele, apaixonado, estudioso, austero, tendo já na Arte a sua esposa. Ela, uma donzela de raríssima beleza e tão adorável quanto alegre, toda luz e sorrisos, e vivaz como uma jovem corça; amando e acarinhando a todas as coisas; apenas odiando a Arte que era a sua rival; temendo apenas a paleta e os pincéis e outros enfadonhos instrumentos que a pri­vavam da presença do seu amado. Era pois coisa terrível para aquela senhora ouvir o pintor falar do seu desejo de retra­tar a sua jovem esposa. Mas ela era humilde e obediente e posou docilmente durante muitas semanas na sombria e alta câmara da torre, onde a luz apenas do alto incidia sobre a pálida tela. E o pintor apegou-se à sua obra que progredia hora após hora, dia após dia. E era um homem apaixo­nado, veemente e caprichoso, que se perdia em divagações, de modo que não via que a luz que tão sinistramente se derramava naquela torre solitária emurchecia a saúde e o ânimo da sua esposa, que se consumia aos olhos de todos menos aos dele. E ela continuava a sorrir, sorria sempre, sem um queixume, porque via que o pintor (que gozava de grande nomeada) tirava do seu trabalho um fervoroso e ardente prazer e se empenhava dia e noite em pintá-la, a ela que tanto o amava e que dia a dia mais desalentada e mais fraca ia ficando. E, verdade seja dita, aqueles que contemplaram o retrato falaram da sua seme­lhança com palavras ardentes, como de um poderosa maravilha, - prova não só do talento do pintor como do seu profundo amor por aquela que tão maravilhosamente pintara. Mas por fim, à medida que o trabalho se aproximava da sua conclusão, ninguém mais foi autorizado na torre, porque o pintor enlou­quecera com o ardor do seu trabalho e raramente desviava os olhos da tela, mesmo para contemplar o rosto da esposa. E não via que as tintas que espalhava na tela eram tiradas das faces daquela que posava junto a ele. E quando haviam passado muitas semanas e pouco já restava por fazer, salvo uma pince­lada na boca e um retoque nos olhos, o espírito da senhora vacilou como a chama de uma lanterna. Assente a pincelada e feito o retoque, por um momento o pintor ficou extasiado perante a obra que completara; mas de seguida, enquanto ainda a estava contemplando, começou a tremer e pôs-se muito pálido, e apavorado, gritando em voz alta 'Isto é na verdade a pró­pria vida!', voltou-se de repente para contemplar a sua amada: - estava morta!»

Fonte: http://homepage.oninet.pt/670mzj/lit28.htm


sábado, 5 de abril de 2008

Maria Clara Machado (1921 – 2001)

Maria Clara Jacob Machado (Rio de Janeiro RJ 1921 - idem 2001). Autora, diretora e professora. Dramaturga que renova a literatura teatral voltada para o público infantil, Maria Clara Machado dirige O Tablado, escola de formação e de produção de espetáculos, por onde passam várias gerações de teatro.

Forma-se em Paris, no curso Education par Les Jeux Dramatiques, em 1951, e no ano seguinte faz especialização em mímica com Etienne Decroux. Nos primeiros anos da década de 50, mantém simultaneamente as atividades de atriz e de diretora. Seu primeiro trabalho para crianças, O Boi e o Burro a Caminho de Belém, é encenado por ela própria, em 1953, contando a história do nascimento de Cristo de um ponto de vista inusitado. Sua terceira história, Pluft, o Fantasminha, lançada em 1955, lhe vale os prêmios Saci e Associação de Críticos de São Paulo e torna-se um dos maiores sucessos de sua carreira. O texto se serve de uma pequena intriga policialesca para contar, com um humor lírico e muita magia, a amizade que surge entre uma menina e um fantasma. Mas o tema que se constrói durante a narrativa é a possibilidade de vencer o medo: no início da peça, depois de perguntar "mamãe, gente existe?", ele confidencia "eu tenho tanto medo de gente!"; no final, ao unir humanos e fantasmas na luta contra o vilão, ele descobre: "Está me nascendo uma coragem..."

Sua versão de O Chapeuzinho Vermelho, 1956, traz um lobo ao mesmo tempo perverso e medroso, que termina reconduzido ao zoológico; uma avó saltitante; árvores que comentam, bisbilhotam, mudam de lugar, fazem ciranda em torno de Chapeuzinho.

Depois de A Bruxinha Que Era Boa, de 1958, que fala às crianças sobre a vontade de ser livre, nasce, em 1960, um novo sucesso - O Cavalinho Azul, história de um menino que sai pelo mundo em busca do amigo de seus sonhos, um cavalo todo azul. Durante toda a década de 50, Maria Clara também dirige e atua em espetáculos adultos como A Sapateira Prodigiosa, de Federico García Lorca, também dirigido por ela, 1953; e Nossa Cidade, de Thornton Wilder, com direção de João Bethencourt, 1954.

No início dos anos 60, O Tablado começa a criar em torno de si um público cativo, formado por adultos e crianças que esperam ansiosos pelo próximo lançamento da autora e que será sempre renovado a cada geração. Em 1961, o teatro da escola encena Maroquinhas Fru-Fru e, no ano seguinte, A Gata Borralheira. Em 1963, A Menina e O Vento fala da fúria pela liberdade. Seguem-se O Diamante do Grão-Mogol, 1965, Maria Minhoca, 1968, e Camaleão na Lua, 1969. Recebe os prêmios Golfinho de Ouro e Molière por Aprendiz de Feiticeiro e Maria Minhoca, 1968.

Como atriz, protagoniza D. Rosita, a Solteira, de Federico García Lorca, com direção de Sérgio Viotti, 1960; e O Mal-Entendido, de Albert Camus, dirigido por Yan Michalski, 1961. Encena, seguindo a coerência das dramaturgias clássicas de forte teatralidade, Molière, Carlo Goldoni, William Shakespeare, Michel de Ghelderode e uma farsa medieval.

Nos anos 70, a autora cria e dirige, sempre com a equipe de seu teatro, Tribobó City, 1971 - musical bem-humorado e dinâmico inspirado na estética do faroeste americano -, Um Tango Argentino, 1972, O Patinho Feio, 1976, e Quem Matou o Leão?, 1978. Em 1974, recebe o prêmio Personalidade da editora Global. Seus textos são traduzidos em diversas línguas e encenados da Alemanha aos Estados Unidos.

No teatro para adultos, opta pelos formadores do realismo e encena Máximo Gorki e Anton Tchekhov.

Na década de 80, apresenta João e Maria, 1980, As Cigarras e as Formigas e O Dragão Verde, 1984, e O Gato de Botas, 1987. Esses dois últimos lhe valem, em seus respectivos anos, o Prêmio Mambembe de melhor autor. Em 1983, O Tablado recebe o Prêmio Molière de incentivo ao teatro infantil. Em Aprendiz de Feiticeiro, encenado em 1986, Maria Clara lança mão de efeitos cênicos e técnicas aproveitadas de outros universos, como a luz negra, para criar a ilusão de uma casa de mágico onde os objetos tornam-se animados. A partir dessa década, a autora recebe diversos prêmios de personalidade, de contribuição ao teatro infantil, de hors-concours. É convidada a atuar em Ensina-me a Viver, 1981, de Colin Higgins, substituindo Henriette Morineau, na direção de Domingos Oliveira. Atua também em Este Mundo é um Hospício, de Joseph Kesselring, 1985.

No anos 90, Maria Clara passa a entregar a direção de seus textos a Cacá Mourthé: Passo a Passo no Paço Imperial, 1992, A Coruja Sofia e Tudo por um Fio, 1994, Bela Adormecida, 1996, Jonas e a Baleia, 2000.

Carlos Drummond de Andrade define a linguagem da escritora e diretora: "(...) em Maria Clara a escritora e a diretora coincidem com uma riquíssima organização humana, onde o fantástico janta na mesa do real, e se comunicam naturalmente. No que ela faz, o fantástico fica plausível, é um dado cotidiano, até corriqueiro. E o real surge desligado de seu peso tantas vezes incômodo, desvendando-nos uma graça intrínseca, que nele estávamos longe de pressentir".

O jornalista e especialista em produção cultural para crianças, Ricardo Voltolini, avalia a contribuição de Maria Clara Machado para o teatro infantil: "Maria Clara não inventou o teatro infantil, mas é como se tivesse inventado. Pelo menos no Brasil, o gênero lhe deve a posição de pioneirismo no respeito à inteligência, à sensibilidade e à capacidade de deslumbramento do pequeno espectador. (...) No Rio, como de resto em todo o país, a regra eram espetáculos infantis grosseiros e mal produzidos, que limitavam-se a incentivar a gritaria, a invasão do palco e a troca da atenção por balinhas de aniz. Maria Clara sempre preferiu educar suas platéias para a importância da história. Como se a história fosse um ritual para os pequenos iniciados".

Obras
O rapto das Cebolinhas
A Bruxinha Que Era Boa
O Aprendiz de Feiticeiro
A Menina e o Vento
O Boi e o Burro No Caminho de Belém
Maroquinhas Fru-Fru
Pluft, o Fantasminha
O Cavalinho Azul
Os Cigarras e os Formigas
O Dragão Verde
Quem Matou o Leão
O Embarque de Nóe
Um Tango Argentino
Tribobó City
Os Embrulhos
Camaleão na Lua
Maria Minhoca
O Diamante do Grão Mongol
As Interferências
A Volta de Camaleão Alface
Meloso e Maroquinhas
O chapeuzinho vermelho
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Veja fragmento da peça A Menina e o Vento, no canto esquerdo do Blog

Redação (Como escrever Datas e Horas)

Existem três possibilidades para abreviar a grafia de datas:
com traço: 28-12-1945 com barra: 12/11/2002 com ponto: 21.10.2004

Observações:

Os números cardinais devem ser escritos sem ponto ou espaço entre o milhar e a centena: 1999 (e não 1.999); 2002 (e não 2.002).

O ano pode ser registrado com os dois últimos dígitos: 12/11/02. - O primeiro dia do mês deve ser escrito assim: 1º (e não 1). Exemplo: 1º/5/02 ou 1º/05/02.

O emprego de zero antes do dia ou do mês formado de um só algarismo não é de rigor: 02/02/99 ou 2/2/99.

Atualmente, no entanto, a anteposição de um zero é prática corrente, pois atende a objetivos estéticos. E é sempre aconselhável, quando se quer evitar fraude.

Horas

Hora redonda: 8 horas; 9 horas; etc. Ou 8h; 9h; etc. (sem "s" e sem ponto depois de "h").

Hora quebrada: 8h30min; 9h43min, etc. (sem dar espaços entre os elementos e sem usar ponto depois de "h" e "min").

Saiba Mais

1. A grafia com dois pontos, como em
08:00 09:00 10:05 13:20 é usada em áreas específicas, como em anotações de programação com horários em seqüência, de passagens, competições, agendas, horários anunciados pela televisão, etc.
2. Dias, horas, crase e paralelismo
Escreva assim:
De segunda a sexta-feira De terça a quinta-feira
ou
Da segunda à sexta-feira Da terça à quinta-feira
Não escreva assim:
De segunda à sexta-feira De terça à quinta-feira
Escreva assim:
De 9h a 11h De 8h30min a 11h30min
ou
Das 9h às 11h Das 8h30min às 11h30min
Não escreva assim::
De 9h à 11h De 8h30min à 11h30min 9h às 11h 8h30min às 11h30min

Fonte:
www.colegiosaofrancisco.com.br

Redação (Como Elaborar Resumos)

O resumo tem por objetivo apresentar com fidelidade idéias ou fatos essenciais contidos num texto. Sua elaboração é bastante complexa, já que envolve habilidades como leitura competente, análise detalhada das idéias do autor, discriminação e hierarquização dessas idéias e redação clara e objetiva do texto final. Em contrapartida, dominar a técnica de fazer resumos é de grande utilidade para qualquer atividade intelectual que envolva seleção e apresentação de fatos, processos, idéias, etc.

O resumo pode se apresentar de várias formas, conforme o objetivo a que se destina. No sentido estrito, padrão, deve reproduzir as opiniões do autor do texto original, a ordem como essas são apresentadas e as articulações lógicas do texto, sem emitir comentários ou juízos de valor. Dito de outro modo, trata-se de reduzir o texto a uma fração da extensão original, mantendo sua estrutura e seus pontos essenciais.

Quando não há a exigência de um resumo formal, o texto pode igualmente ser sintetizado de forma mais livre, com variantes na estrutura. Uma maneira é iniciar com uma frase do tipo: "No texto ....., de ......, publicado em......., o autor apresenta/ discute/ analisa/ critica/ questiona ....... tal tema, posicionando-se .....". Esta forma tem a vantagem de dar ao leitor uma visão prévia e geral, orientando, assim, a compreensão de que segue. Este tipo de síntese pode, se for pertinente, vir acompanhada de comentários e julgamentos sobre a posição do autor do texto e até sobre o tema desenvolvido.1

Em qualquer tipo de resumo, entretanto, dois cuidados são indispensáveis: buscar a essência do texto e manter-se fiel às idéias do autor. Copiar partes do texto e fazer uma "colagem", sob a alegação de buscar fidelidade às idéias do autor não é permitido, pois o resumo deve ser o resultado de um processo de "filtragem", uma (re)elaboração de quem resume. Se for conveniente utilizar excertos do original (para reforçar algum ponto de vista, por exemplo), esses devem ser breves e estar identificados (autor e página).

Uma seqüência de passos eficiente para fazer um bom resumo é a seguinte

A - ler atentamente o texto a ser resumido, assinalando nele as idéias que forem parecendo significativas à primeira leitura;

B - identificar o gênero a que pertence o texto (uma narrativa, um texto opinativo, uma receita, um discurso político, um relato cômico, um diálogo, etc.

C - identificar a idéia principal (às vezes, essa identificação demanda seleções sucessivas, como nos concursos de beleza...);

D - identificar a organização - articulações e movimento - do texto (o modo como as idéias secundárias se ligam logicamente à principal);

E - identificar as idéias secundárias e agrupá-las em subconjuntos (por exemplo: segundo sua ligação com a principal, quando houver diferentes níveis de importância; segundo pontos em comum, quando se perceberem subtemas);

F - identificar os principais recursos utilizados (exemplos, comparações e outras vozes que ajudam a entender o texto, mas que não devem constar no resumo formal, apenas no livre, quando necessário);

G - esquematizar o resultado desse processamento;

H - redigir o texto.

Evidentemente, alguns resumos são mais fáceis de fazer do que outros, dependendo especialmente da organização e da extensão do texto original. Assim, um texto não muito longo e cuja estrutura seja perceptível à primeira leitura, apresentará poucas dificuldades a quem resume. De todo modo, quem domina a técnica - e esse domínio só se adquire na prática - não encontrará obstáculos na tarefa de resumir, qualquer que seja o tipo de texto.

Resumos
São, igualmente, ferramentas úteis ao estudo e à memorização de textos escritos. Além disso, textos falados também são passíveis de resumir. Anotações de idéias significativas ouvidas no decorrer de uma palestra, por exemplo, podem vir a constituir uma versão resumida de um texto oral.

Fonte:
www.pucrs.br

Redação (Desenvolvendo um Tema)

Os passos
1) interrogar o tema;
2) responder, com a opinião
3) apresentar argumento básico
4) apresentar argumentos auxiliares
5) apresentar fato- exemplo
6) concluir

Como fazer nossas dissertações? Como expor com clareza nosso ponto de vista? Como argumentar coerentemente e validamente? Como organizar a estrutura lógica de nosso texto, com introdução, desenvolvimento e conclusão?

Vamos supor que o tema proposta seja Nenhum homem é uma ilha.

Primeiro, precisamos entender o tema. Ilha, naturalmente, está em sentido figurado, significando solidão, isolamento.

Vamos sugerir alguns passos para a elaboração do rascunho de sua redação.

1. Transforme o tema em uma pergunta:
Nenhum homem é uma ilha?

2. Procure responder essa pergunta, de um modo simples e claro, concordando ou discordando (ou, ainda, concordando em parte e discordando em parte): essa resposta é o seu ponto de vista.

3. Pergunte a você mesmo, o porquê de sua resposta, uma causa, um motivo, uma razão para justificar sua posição: aí estará o seu argumento principal.

4. Agora, procure descobrir outros motivos que ajudem a defender o seu ponto de vista, a fundamentar sua posição. Estes serão argumentos auxiliares.

5. Em seguida, procure algum fato que sirva de exemplo para reforçar a sua posição. Este fato-exemplo pode vir de sua memória visual, das coisas que você ouviu, do que você leu. Pode ser um fato da vida política, econômica, social. Pode ser um fato histórico. Ele precisa ser bastante expressivo e coerente com o seu ponto de vista. O fato-exemplo, geralmente, dá força e clareza à nossa argumentação. Esclarece a nossa opinião, fortalece os nossos argumentos. Além disso, pessoaliza o nosso texto, diferencia o nosso texto: como ele nasce da experiência de vida, ele dá uma marca pessoal à dissertação.

6. A partir desses elementos, procure juntá-los num texto, que é o rascunho de sua redação. Por enquanto, você pode agrupá-los na seqüência que foi sugerida.

Proposta de redação
A TV brasileira completa 50 anos. No início, houve quem considerasse o televisor mais um eletrodoméstico na casa. Hoje, sabe-se que ele não é só isso, a televisão é um modo de vida.
Redija um texto dissertativo, em prosa, com 30 linhas, analisando se a TV brasileira FORMA, INFORMA ou DEFORMA. Use o esquema acima.

Você pode também, caso queira, desenvolver outro tema.

Fonte
http://www.colegiosaofrancisco.com.br/

Aníbal Machado (1884 – 1964)

Aníbal Monteiro Machado (Sabará, 9 de dezembro de 1884 — Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1964) foi um escritor, futebolista, professor e homem de teatro brasileiro.

Biografia
Aníbal Monteiro Machado fez os estudos secundários em Belo Horizonte, no Colégio D. Viçoso, e no Externato do Ginásio Mineiro, hoje Colégio Estadual. Iniciou o curso superior na Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro, transferindo-se depois para a de Belo Horizonte, onde se formou em dezembro de 1917. Tronou-se então professor de História Universal num colégio estadual de Minas Gerais e crítico de artes plásticas no Diário de Minas, onde trabalhou com os poetas Carlos Drummond de Andrade e João Alphonsus de Guimaraens. Depois foi promotor público, primeiro em Minas Gerais, e em seguida no Rio de Janeiro, na época capital do país (1924).

Por não se sentir com vocação para a carreira jurídica, deixou a promotoria para ser professor de literatura do Colégio Pedro II. Exercia o magistério paralelamente a um cargo burocrática no Ministério da Justiça, do qual se demitiu diante da movimentação política que resultou na Revolução de 1930.
Começou na literatura quando estudante e, no Rio, ligou-se aos modernistas, com assídua colaboração nos periódicos Revista de Antropofagia, Estética, Revista Acadêmica e Boletim de Ariel.

Eleito presidente da Associação Brasileira de Escritores organizou, com Sérgio Milliet, o 1º Congresso Brasileiro de Escritores, em 1945. Este congresso, ao defender a liberdade democrática, precipitou o fim da ditadura de Getúlio Vargas.

Apesar de sua atuação no meio literário, o primeiro livro, um ensaio sobre cinema, surgiu apenas em 1941, quando já tinha 46 anos. Na ficção, sua estréia em livro foi Vida Feliz, em 1944, seguindo-se Histórias reunidas, em 1955, Cadernos de João, em 1957 e, postumamente, João Ternura, em 1965. Marcou sua presença de destaque no panorama do conto brasileiro com textos antológicos, como Viagem aos Seios de Duília, Tati, a Garota e A Morte da Porta-Estandarte.

Ligado ao teatro, ajudou a fundar vários grupos teatrais, tais como Os Comediantes, o Teatro Experimental do Negro, o Tablado e o Teatro Popular Brasileiro.

Traduziu peças de Anton Checov e Franz Kafka e escreveu a peça O Piano, adaptada da novela de mesmo nome. Por esta peça, recebeu o Prêmio Cláudio de Sousa, da Academia Brasileira de Letras. Também foi condecorado com a Legião de Honra.

Na década de 1960, seus contos A morte da porta estandarte, Tati, a garota e Viagem aos seis de Duília ganharam versões para o cinema, com colaboração do próprio Aníbal nos roteiros. Manoel Carlos adaptou vários contos de sua obra na telenovela Felicidade, exibida pela Rede Globo em 1991.

Teve seis filhas, entre elas a famosa escritora e teatróloga Maria Clara Machado, uma grande cultuadora e guardiã de sua obra.

Aníbal Machado foi também jogador de futebol, e participou do primeiro time titular do Clube Atlético Mineiro, em 1909, entrando para a história do clube por ter marcado o primeiro gol da história do Atlético Mineiro. Jogou por três anos, até se formar em Direito, participando também da diretoria do clube.

Importância de sua obra

Tendo publicado apenas 13 contos, Aníbal produziu, pelo menos, uma obra-prima, Viagem aos seios de Duília, além de uns cinco ou seis contos notáveis, como O iniciado do vento , O Piano, Tati, a garota e O telegrama de Ataxerxes (este com um forte acento kafkiano, embora revestido de um certo humor).

Viagem aos seios de Duília, na opinião dos críticos, não é apenas um dos maiores contos brasileiros, mas merece figurar entre os maiores do conto universal.

Este conto narra as desventuras de José Maria, um funcionário público, que sublimou na dedicação ao trabalho a sua solidão, a falta de convívio com as mulheres, a incomunicabilidade. José Maria jamais se libertou da visão de um seio de Duília, quando ambos eram adolescentes. Ao se ver aposentado, depois de estéreis tentativas de, enfim, "viver a vida", o velho funcionário, mais do que nunca, se volta para aquela visão do passado e decide ir à procura da mocinha que lhe proporcionou, talvez, a única coisa boa da sua vida
É um texto magistral sobre a coragem do ser e do vir a ser, sobre a busca de novos desafios e a recusa a considerar aposentadoria como sinônimo de morte, embora esta busca e esta recusa possam ser inúteis.

Coletânea de 2005

Por não ser muito extensa, a obra de Aníbal Machado costuma aparecer reunida em coletâneas. A mais recente, de 2005, é a A arte de viver e outras artes.

Cinco dos oito títulos que compõem a bibliografia de Aníbal Machado, da forma que ele a reconheceu em vida, aparecem reunidos neste livro - O Cinema e sua Influência na Vida Moderna, ensaio que marca, em 1941, a sua estréia em livro, aos 46 anos de idade; Goeldi, outro ensaio, de 1955, sobre a obra do gravador; e Cadernos de João, que acrescenta novos textos aos contidos em ABC das Catástrofes - Topografia da Insônia, de 1951, e em Poemas em Prosa, de 1955. O livro traz uma compilação de sua obra crítica dispersa em periódicos, entre as décadas de 30 e 60, abrangendo estudos sobre literatura, artes plásticas, cinema e teatro, em que se incluem análises sobre Machado de Assis, Walt Whitman, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Oswald de Andrade, Lasar Segall, Candido Portinari, Di Cavalcanti, Charles Chaplin e Bertolt Brecht.

Teses e dissertações

FONSECA, Maria Augusta Bernardes. Vento, gesto e movimento - a poética de Aníbal Machado. 1984. 189 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo.

TEIXEIRA, Marcos Vinícius. João Ternura: romance de uma vida. 2005. 107 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

WEG, Rosana Morais. Aníbal Machado em seu tempo. 2002. 202 f. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo.

WEG, Rosana Morais. Caos e catástrofe na obra de Aníbal Machado. 1997. 164 f. Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo.

Fonte:

Anibal Machado (O defunto inaugural: Relato de um fantasma)

a Rodrigo M. F. de Andrade

Vamos subindo devagar. Quando alcançarmos o espigão, poderei saber para onde... Saber, não: desconfiar. Mas os homens não falam; apenas exalam um ou outro gemido nas rampas mais fortes. Eu não sou tão pesado assim. Pelo contrário: tantos dias exposto ao ar livre, o sol reduziu-me bastante, curtindo-me as carnes.

Conheço estes caminhos. Muitas vezes, bêbado ou vencido pelo cansaço, deixei-me ficar encostado à cangalha, sobre o pedregulho do leito, enquanto o meu cachorro farejava os bichos e a mula aproveitava o capinzinho das margens.

Só acordava quando trovejava lá em cima e me vinha o medo de ser arrastado pelas enxurradas; ou então quando se aproximavam esses caminhões enormes que começam a invadir a serra depois que se abriu a estrada que vira para a encosta de lá.

A garoa afastou-se do vale. Não sei por que os galos ainda cantam. Chegamos ao alto onde o pé de coqueiro joga uma sombra curta para o lado das jazidas.

Deve ser pouco mais de meio-dia. Tomara que o nosso rumo seja no sentido contrário ao dessa sombra. Conquanto para a minha pele seja indiferente solou chuva, prefiro a vertente de cá, onde deve ter ficado o molde irregular das patas da alimária.

Os homens param. Depois se decidem: será mesmo pela estrada nova! Tal corno eu queria. O dia clareou bonito. Nunca o vira assim. Estou feliz. Circulo nele agora participo-lhe da atmosfera.

Vem subindo Josefina com a criança ao colo. Eu queria dar-lhe bom-dia, mas não posso. Se ela soubesse quem vai aqui!... Passou sem desconfiar...

Na ponte provisória um dos homens falseia o pé, e meu corpo rola. Vão pescá-lo mais adiante. Tive receio de que o deixassem seguir com as águas. Já começo a ser menos indiferente ao destino de minha carcaça.

Ao longe — mancha de sangue na vegetação — uma bomba de gasolina. A primeira instalada nestes ermos de montanha. Depois, a estalagem. O dono grita, ao dar com os meus despojos:

— Que há lá em cima que estão mandando defuntos cá para baixo? Já é o segundo!...

Os homens não respondem. Desanimaram não sei por quê. Quererão largar-me ali mesmo, nalguma grota, tal como me encontraram. Se fosse antes, não me importaria. Mas já agora nasce em mim um capricho: chegar primeiro, ganhar a corrida. Eles prosseguem mais soturnos.

A que distância andaria o outro? Foi um tropeiro que informou mais adiante: — Cruzei com ele há coisa de duas léguas da Igrejinha; levantei o lenço. Imagine quem era? O Antão, caçador de parasitas. Catingando já, coitado...

E reconhecendo a qualidade da mercadoria que ia na rede: - Se vosmecês querem chegar na dianteira, carece andar ligeiro. A festança vai ser de arromba. Só estão esperando o material. Parece que pagam bem. Comprar defunto pra cemitério, foi coisa que nunca vi! concluiu o tropeiro soltando uma gargalhada. E depois de relancear o meu corpo embrulhado no lençol:

— Óiá! o pé dele tá aparecendo!...

Agora sim, compreendo por que, e sei para onde me estão carregando: fizeram cemitério nalgum lugar, mas faltou defunto para inaugurá-lo. Daí o pedido às redondezas. Que cemitério será?

O dia vinha escurecendo. Os homens tinham agora pela frente uma planície animada de sapos e pirilampos.

— Engulam a cachaça, disse eu, já impaciente. E toquem depressa!

Minha voz não ressoa, mas produz efeito. Tanto assim que os homens empunham logo o pau da rede e me erguem aos ombros.

E eu vou seguindo, o rosto voltado para a primeira estrela.

Um era careca, o outro tinha bigode. Atravessaram o pântano. Se não conhecessem tão bem o caminho, ficaríamos os três atolados na lama. Quase não se falavam.

— Espanta a varejeira da testa, gritei para o careca... Isto é, quis gritar. O homem sacudiu a cabeça.

— Por menos de quatrocentas pratas, nós voltamos com ele, disse o de bigode.

— Até trezentos, a gente fecha o negócio, responde o careca.

— Vosmecê vê que ele nem tá cheirando!...

Era a minha vantagem sobre o concorrente. Pelo que percebi da conversa deles, e pela marcha batida em que vínhamos, o outro devia ser alcançado na curva do Bananal, antes de o sol raiar. A esse pensamento, trocaram-me de ombro e apressaram a marcha.

Surgiram na cerração as primeiras mulheres que se encaminhavam para o eito. Ao darem comigo, caíram de joelhos, persignando-se. A mais moça fez uma pergunta; a que só de longe o careca respondeu:

— Foi tiro, não; morte de Deus.

— Toca depressa, toca! gritava eu sem poder gritar.

Receavam os homens que outros cadáveres, além do que seguia à frente, estivessem afluindo ao mesmo tempo para o Arraial Novo.

Morrer, sempre se morre por estas terras abandonadas. Mas com a friagem dos últimos dias e o advento dos caminhões, contando-se bem, é fácil encontrar defunto apodrecendo pelos caminhos, ou dentro da mata.

O interesse dos que me carregavam era chegar primeiro e negociar depressa os despojos: o meu, era ganhar a corrida com o colega que ia na frente.

— O outro já deve estar perto, diz o de bigode. Tá largando catinga...

Surge ao longe um bananal oscilando suas folhas tostadas de vento frio. Experimento certo bem-estar, como nunca na vida. Não propriamente um bem-estar comum, mas o sentimento, quase apagado em mim, quando me apanharam na grota, de que ainda vagueio e vaguearei algum tempo pelas imediações de meu corpo.

Mais de quarenta anos tem esta carcaça. À frente dela vou seguindo, como a projeção de uma luz distanciada mas não excluída de sua lanterna.

Que bom este passeio! Tudo tão fluido que posso perceber o que se faz e acontece na área mais próxima de meu corpo.

E lá vai o tropeiro Fagundes — eu me chamava Fagundes (Fagundes?) — descendo de rede para o cemitério do Arraial Novo!...

Por que, nesse arraial, tanta pressa em inaugurá-lo? Por que não esperar pelos defuntos da localidade? A vida lá é boa, eu sei. Tem aguadas, milharais, moinhos; terras férteis e homens fortes. Ninguém há de querer morrer ali, só para estrear cemitério!...

— Eh, Bigode!... Eh, Careca! Depressa!...

No Ribeirão das Mulatas alcançamos os outros. Vão perder a partida. Além do mais, a mercadoria que oferecem apodrece tão depressa que será capaz de ser recusada, mesmo que chegue em primeiro lugar; ao passo que meu corpo, magro e curtido, parece intacto.

E os meus homens passaram silenciosos. Os do outro defunto olharam com raiva. Meus fluidos atravessaram depressa aquela área, como que fugindo ao mau cheiro...

Ao avistarem o arraial que sorria ao longe, no meio do arvoredo, os dois homens suspiraram.

Fui recebido por um bando de crianças em meio do latido geral dos cães. Colocaram-me num estrado que me esperava no centro da igrejinha. Correram a avisar a professora rural, enquanto os meus carregadores, à porta, discutiam o preço.

Os curiosos foram chegando. Descobriram-me a cara. Era a primeira vez que viam defunto. Ante o meu dente único plantado na gengiva esbranquiçada, puseram-se a rir. A maioria eram rapazes.

— Agora o cemitério vai ser cemitério mesmo, dizia um.

— Lá se vai o nosso campo de futebol! suspirava outro.

— Acho que não se devia recorrer a defunto de fora, opinava um terceiro.

— Uma vergonha para nossa terra!

Entrou um cachorro. Dentro da pequena nave ecoavam-lhe os latidos. Entrou em seguida uma velha que se ajoelhou junto de mim, impondo silêncio aos rapazes e ao cachorro. Ao se retirarem de lenço ao nariz, os moços tropeçaram na escadaria com um fardo que cheirava mal, envolto em jornais e folhas de bananeira. Era o outro. Com bastante atraso, numa carrocinha, vinha chegando o terceiro concorrente. Três defuntos ao todo.

Os rapazes indignaram-se. Era a invasão do Arraial por gente podre. Revoltante, aquilo. Foram queixar-se ao Fundador: na pressa de inaugurar o cemitério as mulheres inundam o povoado de cadáveres! Um, ainda passava. Mas tantos assim!... Não acha um perigo, Fundador?

Assim chamava todo mundo a esse velho robusto, três vezes casado, figura principal e dono de quase todo o povoado, que enchera de filhos e netos.

— Vocês se entendam com as mulheres. Elas que inventaram esse negócio de cemitério. Eu, por mim, quando chegar a minha hora, vou morrer sozinho lá em cima, no mato, já disse.

Um dos jovens entristeceu subitamente.

— Não se amofine, rapaz, disse o Fundador batendo-lhe no ombro. Mandarei fazer outro campo para vocês.

— Não estou pensando no campo. Me refiro aos defuntos.

— Ele está fingindo, Fundador! interveio o companheiro. Está com o sentido é no campo mesmo. Não pensa noutra coisa. Eu também. Nosso clube foi desafiado, o senhor sabe. Estávamos treinando todos os dias. Agora, depois desse enterro, como é que vai ser? E com certa astúcia: — O senhor não acha que um só defunto é pouco para dar àquilo um ar de cemitério? Ainda mais um sujeito que ninguém conhece... que nem é cidadão do Arraial.

— Isso mesmo, isso mesmo! ciciava eu aos ouvidos do rapaz.

Mas ele não me ouvia, não me podia ouvir...

— São vocês os culpados, disse o Fundador. Eu mandei abrir um cemitério, vocês fizeram um campo de futebol.

— Saiu sem querer, Fundador, saiu sem querer...

— Até as medidas são iguais, me disseram!

Calou-se o primeiro rapaz, a fisionomia transtornada. E num impulso de paixão que lhe venceu a timidez, dirigiu-se ao velho:

— Fundador, nós nunca tivemos disso aqui! Ninguém falava em morte. Todo mundo só pensava em trabalhar e viver. O senhor bem que podia salvar o nosso time. O jogo está marcado para o fim do mês. Virá gente da redondeza. Nosso clube é novo, mas a vitória é certa. Vai ser uma honra para o Arraial. Se o senhor deixar, nós damos um jeito no cadáver, adia-se a inauguração e em três semanas fazemos outro cemitério. Talvez até melhor do que este...

— Agora é tarde, respondeu o Fundador.

Realmente, era tarde. As velhas já me tinham lavado e agora me vestiam. Nunca me vi tão bem trajado. Larguei os trapos; enfiaram-me um casaco impreciso e negro, entre jaquetão e fraque. Fiquei um defunto bem passável. Pelo menos, limpo.

A professora assumiu um ar doloroso. Vestida também de preto, a face chorosa, embora sem lágrima - era a dona do enterro. Cercavam-na outras mulheres. Conduzia-se como se fora a minha viúva.

Notaram os rapazes nos modos reticentes do Fundador certa indiferença pelos preparativos do enterro. Combinaram não comparecer. Faziam mesmo trabalho surdo contra a cerimônia da inauguração. Serviam-se de dois argumentos: um, que eu não era do lugar; outro que, enchendo-se o povoado de cadáveres, uma epidemia era iminente ali. Se alguém duvidasse, fosse perguntar aos doutores da cidade vizinha.

O Fundador invalidou o último argumento mandando fechar as estradas e enterrar logo os defuntos restantes. À outra razão responderam as mulheres que ninguém sabe quando o nosso dia chegará. Que destino se daria então à nossa carne?

Os rapazes ouviram desconcertados. Jamais cuidaram de tal coisa.

— Sim, é porque vocês são moços, não pensam nisso, insistiam as mulheres. Saibam que não é só de velhice que se morre neste mundo. Vamos pensar um pouco no futuro. Lembrem-se de que a morte anda pegada à nossa pele.

E como os sinos começassem a repicar forte anunciando o meu enterro para o dia seguinte, os rapazes se retiraram desanimados. Desceram até a pracinha. Um sentimento novo amargava-lhes o coração.

— Tudo perdido. Temos que mandar avisar que o jogo foi adiado. Que azar!

Na conversa junto ao chafariz, circulavam uns termos até então desconhecidos no Arraial: "esquife", "féretro", "funeral" e outros, lançados pela professora.

As moças não pareciam tristes. Iam perder o futebol, é verdade; em compensação, o enterro valeria a pena como festa. A primeira cerimônia pública desse gênero que se ia realizar no Arraial. Muitas ficaram em casa, preparando os vestidos.

Vendo-me de preto entre círios e mulheres que rezavam ou fingiam rezar — os rapazes se impressionaram.

Ecoava neles a advertência fúnebre da velha, reforçada agora pelo sino que não parava de tocar. Desistiram da campanha contra o enterro. A cancha ia mesmo virar cemitério...

Eu estava de fato um defunto convincente. As crianças trepavam para espiar, e recuavam de pavor, repelidas sempre pela ponta de lança de meu dente único.

No dia seguinte, o povoado acordou cedo. Fora uma noite diferente, noite em que cada um se deitara com a convicção de que eu estava presente a seu lado. Os cães ganiam a cada minuto. Ninguém punha o rosto à janela.

Para todos, eu era um defunto imenso e difuso, presidindo à noite do Arraial.

Na verdade, não passei um minuto sequer junto a meu corpo. Quem se incumbira disso fora a professora e uma velha.

Flutuei por cima dos telhados, penetrei de mansinho nos lares. Quedei-me junto de várias criaturas, acompanhei-lhes os movimentos íntimos. Como toda essa gente é. simples, a portas fechadas!

De alguns que dormitavam toquei-lhes de leve a nuca. Apenas toquei. O suficiente para apreciar-lhes o estremecimento de pavor. Ninguém me viu. Senti não poder apresentar meu vulto em forma de vapor, como no tempo em que se acreditava em fantasmas. Nem mesmo consegui apagar as lamparinas acesas por minha causa. Talvez porque meus fluidos estivessem enfraquecendo, talvez porque não tardasse a desintegração de meu corpo.

Estou reduzido ao mínimo, pensei. Mas posso perfeitamente dar uma chegadinha até o cemitério, onde vão instalar-me hoje à tarde.

O portão foi colocado, os muros caiados de novo. A cova está aberta. Retiraram as traves do gol. Foi pena. Aquilo tinha mesmo formato de cancha de futebol, mais que de campo-santo. Não sei como vão se arranjar agora os rapazes.

O sino começa a badalar. Os cachorros põem-se a latir. Está chegando a hora. Eu me recolho aonde se acha meu cadáver para assistir ao saimento. Lá está a mesma mulher. (— Mas a senhora não me larga, professora!)

Ah, se eu pudesse articular as palavras. Que olheiras as dela, que maneira suspeita de olhar para um corpo morto.

Já vou sendo levado. O ambiente é festivo. Todo mundo me acompanha exceto o Fundador. Alegou que precisava cortar uns toros lá em cima, deixou Dona Maria doente e grávida na cama, sumiu-se. Não quer saber de nada com a morte; diz que não gosta de cemitério.

Eu também não gosto. Principalmente nas condições em que estou sendo enterrado, com esse péssimo sino que mais parece batucada confusa e sem ritmo. Nunca ouvi tocar tão mal a finados. A população me acompanha com relativa decência. Pelo menos, faz o possível. Os rapazes compareceram, afinal. Friamente.

Sob a aparência fúnebre, as senhoras escondem certo entusiasmo. Algumas quase sorrindo. Estou perto, e estou vendo. De vez em quando se lembram e simulam consternação. Consternação verdadeira, porém, reina atrás, perto da bandinha de música, onde os rapazes deploram ainda a perda do campo. Como compensação, namoram as moças.

— Aqui não, diz uma. Olha o morto.

— Deixa, deixa que ele te aperte, moça — insuflo aos ouvidos dela. Não te preocupes com o que vai lá na frente; aquilo é apenas um corpo abandonado, arranjo de velhas que só pensam na morte.

Parece que a moça me atendeu...

O préstito atravessa o portão de ferro. Meu caixão é colocado perto de seu lugar definitivo. Começo a achar aborrecido o papel a que me obrigaram. Despertar tantas idéias tristes numa aldeia tão despreocupada!... Não reclamo nenhum respeito pelo meu corpo. Será que já está descendo à sepultura? Um momento. Deixem-me voar até lá...

O padre terminava as palavras em latim. Referiu-se depois ao significado da cerimônia: entregava aos futuros mortos do Arraial Novo a sua verdadeira morada; e exortava o povo "a que pensasse sempre na morte!" Quando terminou, todos olhavam para o chão e simulavam tristeza.

Ouviu-se em seguida a voz bonita do vereador distrital. Disse que ali se enterrava um dos últimos tropeiros do nosso amado sertão, "raça que se extingue -ante a avançada progressista dos caminhões"; que me conhecera (onde? como? se nunca me viu, se nunca votei!) e tinha importante declaração a fazer: "Eu não era um defunto estranho ao local, nascera ali mesmo!..." Baixa demagogia... Pois se o Arraial não tinha trinta anos! Os rapazes sorriram. E resolveram, baixinho, expulsar do clube o sujeito amarelento que se prestara ao papel de coveiro.

A professora avança e dá instruções. As moças me cercam e eu me surpreendo numa onda de alegria indefinida. Aura de juventude emanando delas! Que fazer de tanta primavera desaproveitada? Meus fluidos roçam-lhes o colo. Somente os fluidos. A invisível carícia arrepia-lhes a pele, enquanto a musiquinha toca uma coisa triste debaixo das árvores.

Que se passou com elas que enrubesceram de repente? Algumas cruzam os braços ou tapam com o xale o busto arrepiado; outras se escondem, perturbadas, no meio do povo.

Está na hora de eu ir para o fundo. Quem é que me aparece à boca do buraco? A mula com a cangalha! Ó mulinha, ainda bem que não esqueceste o antigo dono. Coitada! Meio desmanchada, como um brinquedo abandonado...

Logo atrás, sorrindo com os dentes brancos, a metade do corpo comida pela sombra, quem vejo? Isabela!

— Tu te lembras, pretinha, daquele banho no ribeirão? o único momento bom de minha vida. Ah! agora não posso, mulinha!... Agora não posso, Isabela! Pois vocês não vêem que estou muito ocupado, inaugurando?!

Os rojões explodem, rejubilam-se as velhas. Só não conseguem chorar. E com frenesi atiram sobre o meu corpo uma chuva de pétalas. Em seguida, torrões de terra, como se me apedrejassem. Abraçam-se e despedem-se felizes.

Tinham arranjado sede para os seus despojos.

O portão foi fechado. E eu fiquei lá dentro, como ovo de indez. A espera dos mortos que hão de vir...


Fiquei, é modo de dizer; saía sempre. A idéia de corpo sepultado sossegou a princípio os meus fluidos. Durante dias perdi a memória; alguma interrupção, talvez mergulho mais demorado no vazio. O fato é que reapareci depois. E ainda há pouco dei um giro até à pracinha.

Há lá um arbusto onde gosto de ficar. Uma moça que passava perto parou de repente, assustada, olhando para mim, sem me ver. Tratei de voltar logo ao cemitério. E foi bom, pois um vira-lata, o mesmo da chegada, o que mais latiu na igreja e rosnou todo tempo no enterro, o cachorro de sempre, esgravatava com fúria o meu túmulo em direção aos ossos! E eu, pensando em seus dentes, experimentava a sensação de mal-estar análoga à que em vida se chama pavor.

Afinal de contas, é mesmo ao meu corpo que pertenço; dele não devo afastar-me muito, sem risco de me dissolver para sempre.

Francamente, o que não me agrada é ser o usufrutuário único deste local. Se uma só andorinha não faz verão - disseram os rapazes -, uma única sepultura não devia fazer cemitério. Deram para chegar atrasados e abatidos ao eito. Põem-se a sorrir quando encontram as velhas. Elas não compreendem, sentem-se satisfeitas com o seu cemitério.

O Fundador desconfia, mas finge que não sabe. E para ter a certeza, usa um estratagema:

— Para apanhar?

— Que jeito! Não temos onde treinar...

— Então? Ficou de pé o desafio?

— Nós jogaremos assim mesmo.

— Por que não falam com a professora? Ela tem a chave do portão.

— Mas só abre quando vai rezar lá dentro.

— Para um morto que não conhecem... acrescentou o outro.

— É isso mesmo, exclama o Fundador. Inventaram a morte no Arraial Novo!

As velhas, de fato, não largam o cemitério. Entram ao cair da tarde e se ajoelham. Não rezam por mim, rezam pelo futuro defunto, rezam para a morte. Há pouco, entrou a professora. Debruçada sobre a sepultura não fez senão murmurar:

— José, meu José...

Ora, eu não me chamo José... Esqueci meu nome, é verdade; mas sei que não era José...

Razão tem o Fundador. O espírito da morte apoderou-se do Arraial. Ainda ontem senti isso quando estive pousado nos arbustos da pracinha. Todo mundo silencioso e triste, aguardando a abertura da igreja. Só não vi os rapazes. É o cemitério, pensei; é a minha presença!

De alguns dias para cá, se uma parte da população se entrega aos trabalhos de rotina, a outra se ocupa em interrogar a alma.

As velhas dizem que se alguma dúvida houver, é só passar a noite pelas imediações. Ouvem-se barulhos estranhos, estrupidos de correria. E se não fosse o rumor dos moinhos, todo o arraial poderia escutar. Ao saber disso, tomou-se a população de certo orgulho: já havia fantasmas no cemitério do Arraial Novo!

Um defunto extranumerário, um simples tropeiro tivera a força de transformar em campo-santo uma área terraplenada, logradouro inexpressivo antes.

Que todos respeitassem agora o cemitério com as almas que nele transitam!...

Essas almas eram quase sempre vinte e duas, fora as que permaneciam a certa distância, olhando apenas. Escalavam o muro e, uma vez lá dentro, vestiam depressa os calções.

As lavadeiras que passavam perto mal ouviam o barulho, saíam correndo. Se tivessem coragem de verificar, poderiam reconhecer vultos familiares sob o projetor da lua cheia.

Eu adorava ficar ali. Acompanhava o movimento do jogo. Torcia. Metia-me no meio dos jogadores. Só faltava gritar. Não sei como ninguém dava pela minha presença. A bola saltava às vezes o muro e ia aninhar-se no capinzal de fora. Um dos jogadores cobria-se de uma capa escura e saía a buscá-la. O jogo então recomeçava forte. De repente, fora de propósito, parava.

— Que houve? quem apitou?

Ninguém apitara. Era eu que soprara no apito do juiz. Muitas e muitas vezes intervinha sem que ninguém soubesse, só para animar, só para mostrar que me achava ali, vendo, participando. Substituído o juiz, as marcações continuavam desencontradas. Ninguém desconfiava. Antes de raiar a madrugada, esvaziava-se o campo. Os "fantasmas" seguiam para o eito e eu ficava... Ficava...

Era bem triste, à hora quente dos comentários, continuar sozinho ali.

Deliciava-me só de pensar em novas noites de jogo. Às vezes os rapazes demoravam, e eu me tornava impaciente. Primeiro, atiravam a bola. Sabia então que estavam perto, preparando-se para a escalada. A bola corria até para junto de minha sepultura. Despertado do sono, eu subia depressa no muro e, sem garganta, sem voz, punha-me a chamá-los. Iniciava-se então mais uma partida animada.

Evitei repetir a proeza do apito, não só porque podia afugentar os jogadores, privando-me do espetáculo, como pelo receio de submeter a uma prova infeliz a força cada vez menor de meus fluidos.

As velhas já desconfiavam. Não todas. E, por certo, nenhuma, se a professora não deparasse com a minha cruz de madeira caída ao chão. Culpa dos rapazes que se esqueceram de recolocá-la quando, da última vez, fugiram do sol que raiara depressa.

— Fantasma não faz isso, disse a professora, suspeitosa. Quem teria sido?

As mulheres foram de novo queixar-se ao Fundador:

— Isso não é comigo. Falem com D. Maria, mas depois que nascer a criança, pois a minha velha já está em dores.

— Mas jogaram uma bola na cruz! É uma profanação! exclamava a professora.

— Deve ter sido algum fantasma, explicava um dos rapazes.

— Ou então chutaram de fora, disse outro.

— O muro não deixa, insistiu uma das mulheres.

— Só se foi um tiro de parábola e aqui ninguém sabe chutar assim...

— O Zequinha, lembrou o coveiro, chuta suspendendo a bola.

Ora, todo mundo sabe que Zequinha fugiu com a mulher do vereador. Jogava tão bem, que ela fugiu com ele...

Os rapazes só contavam agora com a mediação de Dona Maria que não estava bem, depois que lhe nascera a criança.

Daí por diante, nunca mais se bateu bola no cemitério. Reforçada a vigilância, meus fantasmas não apareciam.

Fiquei mais triste. Agora, nem para voar até o arraial tenho força. Para nada, aliás, tenho mais forças.

Já não percebo bem o que se passa atrás dos muros. A paisagem se dissolve ao meu olhar que está se apagando.

Parece que ainda resta para os ouvidos um canto de lavadeira batendo roupa. Tão longe...

Mas está acontecendo qualquer coisa lá na entrada. O portão se abriu todo! O povo chegando!...

Ah, é a senhora?! Pois entre, a casa é sua... Eu, sozinho, já não podia responder por todo este cemitério. Estou sumindo... O espaço endureceu. Meu prazo terminou.

Só vejo figuras opacas imobilizadas no gesto de chutar a bola. E essa coisa fixa, mancha final de luz remota que deve ser o Sol.


Entre, Dona Maria. Sirva-se de seu cemitério...

Fonte:
O texto acima foi extraído do livro "Os 100 melhores contos de humor da literatura universal", Ediouro - Rio de Janeiro, 2001, pág. 429, seleção de Flávio Moreira da Costa.
http://www.releituras.com/anibalm_menu.asp

Eoín Colfer (Artemis Fowl)

Artemis Fowl é uma série de livros escrita por Eoin Colfer, mais um livro complemento chamado "Arquivo Artemis Fowl" irlandês, que foi best-seller no Brasil por várias semanas.

Artemis Fowl é um misto de policial, ação e fantasia. Uma das caracerísticas da série é o desenrolar da história com diálogos rápidos e acontecimentos emocionantes a todo momento, o que prende a atenção do leitor.

Sinopse

A história conta a vida de Artemis Fowl, um garoto de 12 anos, único herdeiro da família Fowl, que tem o maior Q.I. da Europa e uma frieza perceptível. Ele usa essa inteligência fora do comum para fins muito pouco nobres.

Os dados começam a rolar quando Artemis descobre um mundo totalmente novo, o mundo das fadas. Por meios escusos, consegue roubar o Livro das Fadas, uma espécie de "Bíblia" entre o Povo, carregada por cada um de seus habitantes, e assim desvenda a sua linguagem peculiar, traduzindo o alfabeto das Fadas (chamado Gnomês). Assim, monta um plano para conseguiu roubar o ouro das fadas, uma fortuna realmente muito grande e muito bem guardada. Ele seqüestra a fada Holly Short e pede o resgate. A Capitã Holly Short faz parte da LEP (Liga de Elite da Polícia), mais especificamente da tropa de reconhecimento, a LEPrecon. A partir dai surgem diversos acontecimentos, inesperados ou não e o final dá margem a uma continuação.

Depois disso, no segundo livro, Artemis ajuda as fadas na Revolta dos Goblins, que estão usando artefatos humanos para dominar o mundo subterrâneo. Ao ajudá-los, enfrenta uma grande inimiga, Opala Koboi, uma duende diabrete muito inteligênte. Artemis também precisa da ajuda do povo para salvar seu pai, que há dois anos atrás fora seqüestrado pela Máfia Russa.

No terceiro livro ele cria um supercomputador cinqüenta anos mais avançado que o melhor computador do mundo, usando tecnologia roubada do Povo das Fadas. Mas tudo dá errado quando ele perde seu melhor amigo(e guarda-costas), Butler e um empresário de sucesso com ligações à Máfia rouba o computador, o Cubo V. Então novamente ele pede ajuda às fadas para poder resgatar seu computador e evitar que em mãos erradas ele possa destruir o Povo das Fadas. Isso trás grandes conseqüencias para Artemis, Butler e Juliet.

O quarto livro, desacreditado por um possível evento "cauterizante" da saga, continua no final do terceiro, contando como a inimiga pública número um do Mundo das Fadas, Opala Koboi, que havia liderado a Revolta dos Goblins descrita no segundo livro, consegue se libertar, estando presa a um estado de coma semi-vegetativo em uma clínica com máxima segurança a mais de um ano, e iniciar seu genial plano de vingança contra os que estragaram seu plano um ano atrás.

No quinto livro Artemis e o Povo das Fadas devem cooperar para juntos impedir que a raça mágica dos Demômios voltem à Terra, depois de anos presos no Limbo, um lugar entre o espaço e o tempo, e que agora ameaçam voltar para exterminar todos os humanos. A mais nova adição à série é a puberdade de Artemis e seu interesse por meninas, principalmente a nova personagem Minerva Paradizo, outra menina-gênio de 12 anos de idade, e rival de Artemis Fowl.

Personagens Principais
Artemis Fowl: Jovem gênio do crime. Dono do maior QI da Europa aos 12 anos, ele se meteu em negócios obscuros envolvendo o Povo das Fadas. Mas, a cada novo plano, mais pessoas saem feridas. Ele começa a aprender com seus erros e vai moldando seu caráter. Todo esse progresso é destruído quando ele tem sua mente apagada em O Código Eterno, mas acaba recuperando-a depois em A Vingança de Opala.Seu aniversário é em primeiro de Setembro.
Artemis é um garoto, no mínimo, incomum. Nos primeiros livros é frio e calculista, uma pessoa que não mede custos para conseguir o que quer. No entanto, ao longo da série, sua personalidade vem mudando, sua consciência sobre os seus atos desperta, e ele desenvolve mais o seu lado sentimental.
Domovoi Butler: Guarda-costas de Artemis, tem aproximadamente 40 anos. Alto e forte, pode matar uma pessoa sem usar armas de 15 modos diferentes, isso estando longe. Eurasiano, fez um treinamento que todos seus antepassados fizeram de Segurança Pessoal com uma sensei chamada Madame Ko. Possui um diamante tatuado no braço, que conseguiu na academia, o qual, no círculo dos guarda-costas, é o melhor nível alcançado, dispensando qualquer curriculum, não se esquecendo de mencionar que ele ainda foi a pessoa mais nova a conseguir esse diamante.
Juliet Butler: Irmã de Butler, treinada no mesmo local que seu irmão, embora não tenha sido aprovada. Possui assim como Butler muitas habilidades, embora não tantas quanto o irmão. Porém, quando surge a necessidade ela sabe utilizar muito bem essas suas habilidades.
LEPrecon, e deveria dar o exemplo. Deveria. Holly vive se metendo em confusão pois tem um talento nato pra desrespeitar regras. Foi seqüestrada por Artemis, depois ajudou-o a salvar seu pai e recuperar o Cubo V. Salvou o povo duas vezes da maligna diabrete Opala Koboi. Foi acusada de assassinato e passou por inúmeros inquéritos e investigações (embora nada tenha sido provado). Conseguiu aos poucos ir melhorando o caráter de Artemis e até criando vínculos de amizade com ele.
Potrus, mas tem um carinho especial por Holly, e, exatamente por isso a trata de forma mais rigorosa do que todos. Um pouco machista. Morreu de forma trágica em A Vingança de Opala, como parte de seu plano de vingança.
Potrus: Um dos membros mais inteligentes do Povo é este centauro. Se não fosse por Potrus, a tecnologia do povo seria quase alcançada pela dos humanos. Totalmente paranóico, tem profunda amizade por Holly e muito respeito pelo comandante Raíz, embora estivesse sempre brigando com este.
Minerva Paradizo:Garota gênio, 12 anos, possível interesse amoroso e rival de Artemis Fowl, quer usar N° 1, um demonio feiticeiro, para conseguir ganhar o prêmio Nobel. Assim como Artemis há uma mudança no seu carater durante a história.

Criminosos
Palha Escavator:Um anão hilário, peludo, cleptomaníaco e flatulento, que é o maior ladrão de todos os tempos do povo. Tem Julius Raiz sempre ao seu encalço, e acaba sempre tirando Holly e Artemis de encrencas.
Opala Koboi: Uma duende diabrete com um cérebro tão grande quanto sua maldade. Tentou tomar a cidade do Porto, maior cidade do subsolo, para si. Tendo seus planos frustados, travou uma maneira de destruir o Povo, aliando-se a humanos. Atualmente está presa, mas até quando? Duda Dia: duende diabrete que ja tinha sido preso na Trincheira de Atlantida. tinha no maximo 60cm de altura e era um exímio motorista. Era contrabandeador de peixes. E le quase mata Holly em "A colonia Perdida", mas acaba ajudando-a a entrar no Castelo Paradizo, se passando por Bobo, irmão de Minerva.Depois junto com Palha eles continuam com a firma de investigação policial enquanto Holly estava no túnel do tempo.

Códigos
Nos livros há códigos na parte de baixo das páginas. No primeiro, no quarto e quinto livros o código usado foi o Gnomês. No segundo é usado o Centauriano. No terceiro livro é usado um código com barras que variam de tamanho para cima e para baixo. Estes códigos fazem parte do criptograma de Artemis Fowl.

Livros
O Codigo Eterno
A vingança de Opala
Arquivo Artemis Fowl Confidencial
A Colônia Perdida
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Sobre o Autor:

Eoin Colfer
Nascimento 14 de maio de 1965, Wexford, Irlanda
Eoin Colfer (pronuncia-se "Ouen Cólfer") é um professor e autor de livros infantis, que mora com o filho e a mulher na Irlanda.Nasceu e foi criado em Wexford, sudeste da Irlanda. Autor da série "Artemis Fowl"("Artemis Fowl - O menino prodígio do crime" , "Artemis Fowl - Uma aventura no Ártico", "Artemis Fowl - O Código Eterno" , "Artemis Fowl e a vingança de Opala","Artemis Fowl e a Colonia perdida" e "Arquivo Artemis Fowl" ) que foi indicada e por ela, Colfer recebeu vários prêmios da literatura infantil na Inglaterra.Também escreveu os livros "Colin Cosmo e os Supernaturalistas" , "A Lista dos Desejos","Pânico no Navio" e "Pânico na biblioteca".

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Passo Fundo (RS): Capital Nacional da Literatura


Espaço comemora o título que Passo Fundo recebeu em 2006 - Capital Nacional da Literatura. Inauguração aconteceu dia 28 de março de 2008, sexta-feira, às 11h.

Espaço é dedicado aos livros e à literatura

Uma praça dedicada aos livros e à literatura. Esta é a proposta do Marco da Capital Nacional da Literatura, o monumento Árvore das Letras, que foi inaugurada sexta-feira, 28 de março, às 11h, em Passo Fundo/RS. Situado na praça Armando Sbeghen, junto à ponte sobre o rio Passo Fundo, o espaço abriga também o Monumento aos Tropeiros, numa alusão à origem do nome de Passo Fundo. Além de homenagear a cidade pelo título de Capital Nacional da Literatura, obtido pela lei federal nº 11.264, de janeiro de 2006, o marco objetiva, também, transformar o espaço livre de uma praça em atividades interativas culturais e educacionais, promovendo a ampliação do número de leitores. Nessa mesma direção, outras praças contarão com os túneis e com letras indicativas do tipo de literatura que estará sendo veiculada quinzenalmente nesses novos espaços culturais.

O Marco da Capital Nacional da Literatura abrange um quiosque multimidial com livros, revistas e jornais, acesso à internet, todos à disposição dos usuários do espaço. A Árvore das Letras, principal atração, foi criada pelo designer Jéferson Cunha Lorentz e pelo arquiteto Luís Hofmann, profissionais que atuam na Universidade de Passo Fundo (UPF), e executada pelo artista plástico uruguaio Gustavo Nackle. A Árvore das Letras possui 13,30m de altura e 9,50m de diâmetro total e pesa duas toneladas. Foi construída em estrutura metálica, e sua copa, repleta de frutos-letras, é revestida em resina pigmentada. Possui um peso de dois mil quilos. Já o Monumento aos Tropeiros, que se relaciona à passagem dos tropeiros com o gado em direção a São Paulo, pelo lugar mais fundo do rio, diz respeito à origem do nome da cidade. Tem 2,5m de altura, 4,5m de largura e foi construído em estrutura metálica, com revestimento em porcelanato, textos e imagens em bronze. Seu peso é de uma tonelada.

Foram construídos, ainda, dois túneis em metal revestidos com placas de policarbonato, onde serão adesivados textos literários, trocados a cada 15 dias, para leitura e fruição dos visitantes. A construção da praça contou com incentivos do governo federal, através do Ministério do Turismo, contrapartida municipal e apoio da iniciativa privada.

O mérito do título de Capital Nacional da Literatura foi concedido a Passo Fundo em função de a cidade ser sede do maior debate literário e cultural da América Latina, a Jornada Nacional de Literatura. A movimentação literária bianual é promovida pela Universidade de Passo Fundo e Prefeitura Municipal de Passo Fundo há 27 anos ininterruptos, com desdobramentos singulares ao longo dessa trajetória, já reproduzidos em outras cidades. Todas as ações se dirigem à formação de leitores em múltiplas linguagens.

Fontes:
http://www.upf.br/assessoria/noticias/noticia.php?codNoticia=9884
http://www.jornalnc.com.br (foto)

John Maxwell Coetzee (1940 - )

Nascido na Cidade do Cabo a 9 de Fevereiro de 1940, Prêmio Nobel da Literatura (2003) por retratar em sua obra, sob inumeráveis maneiras, o envolvimento surpreendente do estranho. O mais velho das duas crianças de uma professora de escola primária e de um advogado, e recebeu a educação primária em Cape Town e na cidade próxima de Worcester. Concluiu sua educação secundária no Marist Brothers, uma escola católica de Cape Town (1956). Entrou na Universidade de Cape Town (1957), e formou-se sucessivamente em inglês (1960) e matemática (1961).

Coetzee estudou na sua cidade natal até completar dois bacharelatos, um em língua inglesa e outro em matemática. Os anos 1962 – 65 foram passados na Inglaterra, trabalhando como programador de computadores, ao mesmo tempo que preparava uma tese sobre o novelista inglês Ford Madox Ford.

Em 1968 Coetzee completou o seu doutoramento em linguística das línguas germânicas na Universidade do Texas, em Austin, com uma tese sobre os primeiros trabalhos de Samuel Beckett. Entre 1968 e 1971, Coetzee foi professor de inglês na Universidade do Estado de Nova Iorque em Buffalo mas, depois de lhe ser negado o direito de residência permanente nos EUA, regressou à África do Sul onde ensinou na Universidade da Cidade do Cabo, até 2000. Em 2002, ele emigrou para a Austrália e ensina na universidade de Adelaide.

Quando pesquisava para uma tese sobre a novelista inglesa Ford Madox Ford, casou-se (1963) com Philippa Jubber (1939-1991) e com quem teria um filho, Nicolas (1966-1989), e uma filha, Gisela (1968-). Entrou como diplomado na University of Texas, em Austin (1965), onde obteve um Ph.D. em inglês, lingüística, e idiomas germânicos (1968). Nos três anos (1968-1871) foi professor assistente de inglês na State University of New York, em Búfalo, quando também começou a escrever ficção. Depois que seu visto de residência permanente nos United States, foi negado, voltou à África do Sul e exerceu uma séries de funções na University of Cape Town (1972-2000), o último deles como Distinguished Professor of Literature.

Durante este período e no subseqüente, ensinou também freqüentemente nos United States, especialmente nas universidades State of New York, Johns Hopkins, de Harvard, Stanford e de Chicago, onde durante seis anos ele foi membro do Committee on Social Thought. Seu primeiro livro, Dusklands, foi publicado na África do Sul (1974). Depois veio Heart of the Country (1977) com o qual ganhou o CNA Prize, então o principal prêmio literário da África do Sul, e que também foi publicado na Inglaterra e nos EEUU Mas foi com Waiting for the Barbarians (1980) que ganhou reputação internacional. Com Life & Times de Michael K (1983) ganhou o Booker Prize, na Inglaterra.

Outras importantes publicações de sua autoria foram Foe (1986), Age of Iron (1990), The Master of Petersburg (1994) e Disgrace (1999), que lhe deu um novo Booker Prize. No campo dos não ficcionais foram destaque Doubling the Point (1992), Boyhood (1997), Stranger Shores (2001), Youth (2002), Elizabeth Costello (2003). Também foi ativo como tradutor de holandês e literatura de holandês sul-africano e emigrou para a Austrália (2002) onde passou a viver com a família em Adelaide, e onde ocupa um cargo honorário na University of Adelaide.

Seu mais recente romance, intitulado Diary of a Bad Year, ainda não foi traduzido para o português.

John Maxwell Coetzee (O Mestre de Petersburgo)

Gênero: Romance

Dostoievski é um dos maiores escritores da literatura universal, percursor de um novo estilo de escrita no escalpe psicológico dos personagens dos seus romances, sem limites nem tabus na prescrutação dos meandros mais obscuros e tantas vezes não aceites pela maioria das pessoas, que tanto ajudou na aceitação da plenitude do ser, e não apenas dos códigos educacionais e morais da sociedade em que cada indivíduo viveu ou vive. Inspirador de muitos escritores, como Kafka e Camus, de filósofos como Nietzsche, do pai da psicologia, Freud, e de toda uma corrente de filosofia existencialista, com expoentes em Heidegger e Sartre, Dostoievski continua a inspirar, sucessivamente, novos escritores, como foi o caso de Coetzee neste romance.

Dostoievski teve uma vida extremamente conturbada, numa luta interior intensa na procura da explicação da existência, deixando muitos espaços em branco na ampla diversidade dos seus escritos e ações. Tendo estado próximo dos circuitos revolucionários da Rússia do século XIX, que lhe valeram 10 anos de reclusão na Sibéria, após o que escreveu os seus maiores romances, constantemente fustigado pela dureza da sua vida e pelas contradições dos seus comportamentos e paixões, consegue exprimir nos seus romances facetas completamente divergentes de atitudes perante a vida, culminando com as 3 facetas da sua personalidade nos Irmãos Karamazov (o boêmio, o agnóstico racional e o religioso).

A partir de um personagem de características tão complexas como as de Dostoievski, Coetzee atreve-se, num trabalho extremamente audaz e que facilmente estaria condenado ao fracasso, a colocar-se dentro da mente de Dostoievski e seguir as malhas do seu próprio pensamento.

Em «O Mestre de Petersburgo», Dostoievski, na altura a residir na Alemanha, tem que voltar a Petersburgo em virtude da morte súbita e estranha do seu jovem enteado, Pavel. Hospedado no mesmo quarto onde Pavel residia, tentando encontrar explicações para a morte do seu filho (que era como o considerava), envolve-se com a mulher que lhe alugou o quarto, Ana, por via do seu desespero pela morte de Pavel, sentindo que em Ana encontrará a explicação que tanto procura, e o conciliar dos universos divergentes dele próprio e de Pavel, como o sentir de toda uma Rússia em toda a sua alma e mistério.

Em sucessivas tentativas e deambulações espirituais no desespero de chegar a Pavel, envolve-se num complexo enredo em que descobre o envolvimento de Pavel com um grande anarquista, Nechaiev. Os encontros com a polícia e com o próprio Nechaiev tornam-se inevitáveis, o que vai culminar em grandes momentos de discussão ideológica e espiritual, sintomático do estado de espírito em que Dostoievski deveria estar mergulhado quando escreveu «Os Possessos».

O desespero e angústia de Dostoievski é matriz de todo o romance, devido à morte de Pavel que lhe reabre vários compartimentos da sua alma que já estavam fechados, mais por comodismo ou conformismo da idade (Dostoievski já tinha mais de cinqüenta anos) do que por estarem completamente bem definidos, o que o leva a ter que se arriscar e com isso descobrir novos caminhos, não só dentro de si próprio, como de compreensão do pensamento e espírito dos outros personagens que interagem com ele e complementam os seus próprios pensamentos de forma progressiva, até uma plenitude que o confunde e o assusta, mas, acima de tudo, o eleva a um conhecimento da vida que o próprio tem dificuldade em aceitar, pelo horror da realidade que ele pensava já ter descortinado o suficiente nos seus escritos passados.

No entanto, «O Mestre de Petersburgo» está longe de ser apenas o hipotético mas ainda assim magistral debate de idéias e escalpe psicológico do mestre percursor do monólogo psicológico, mas o encontro do escritor (de qualquer bom escritor) consigo próprio, através da catarse da sua escrita, encontrando-se por fim nu perante si próprio, sozinho e sem alma perante o esvaziamento que se deu ao longo da sua carreira e vida de escritor, pagando o elevado preço que é o uso e esbanjamento da sua própria vida e alma na procura da explicação da existência da humanidade, por mais ínfimos traços de luz que encontre nos meandros da escuridão do ser.

Coetzee revela uma escrita extremamente madura e superior, quer a nível de estrutura da narrativa em si, quer na perfeição dos diálogos, dos tempos de ação, na caracterização das personagens, além de ter passado com distinção o rigoroso teste de entrar dentro da psicologia de um dos maiores escritores de todos os tempos, tornando-o como exemplo soberbo de ilustração do estado de alma de qualquer grande escritor, elevando-se, de certa forma, a esse estatuto só ao alcance de alguns.

Um livro de leitura obrigatória, mesmo para leigos em Dostoievski, pois a inteligente escrita de Coetzee relembra de forma concisa e pontual, e nos devidos tempos, aquilo que é necessário saber da vida do escritor por forma a se compreender melhor o romance.

No último capítulo do romance, dá-se a catarse final de Dostoievski na sua busca espiritual de Pavel, e o descobrimento ou revelação, do fantástico desfecho do cumprimento do destino solitário, simultaneamente divino e macabro, do grande escritor que Dostoievski foi, e aquilo que espera todo o grande escritor ou aquele que aspira a sê-lo. Coetzee, por o ter escrito, da forma que o fez, e ousando de forma temerária no exemplo que usou, arrisca-se a fazer jus a esse epíteto em relação a si próprio.

Fonte:
Paulo Neves da Silva Oeiras . In
http://www.citador.pt/

John Maxwell Coetzee (Elizabeth Costello)

Gênero: Romance

Uma escritora em fim de vida encontra-se numa catarse de debate de idéias e conceitos através da sua participação numa série de palestras onde com alguma dificuldade e cansaço expõe e defende posições éticas e morais controversas, presa da amplitude de horizontes que o caráter subjetivo da profissão literária lhe impõe, enfrentando ainda confrontos com familiares e pessoas que lhe são próximas, até culminar num surreal juízo final às portas do céu que põe à prova as bases da sua identidade e das suas convicções, num limbo onde todas as certezas desabam uma a uma para encontrar aquela que afinal nunca deixou de a ser.

Nas várias situações por que passa, Elizabeth faz uma palestra sobre o realismo, onde utiliza a alegoria de Kafka em que um macaco disserta perante uma academia, colocando a questão da percepção do real; participa numa discussão sobre o âmago do romance e como este deve alcançar o seu público através do exemplo mal sucedido do romance africano; disserta em outra palestra, muito controversa, sobre os direitos dos animais e a equiparação daquilo que se faz a estes com o que sucedeu no Holocausto, evocando ainda através da poesia o ser intangível que existe em cada animal; participa noutra palestra onde a sua irmã, missionária em África, ao receber o doutouramento honoris causa em Humanidades coloca em causa o papel das Humanidades hoje em dia, vendo esvaziado o seu sentido face à morte da procura do divino e à industrialização da interpretação racionalista dos textos; finalmente, como conseqüência da sua palestra sobre os animais, Elizabeth é convidada para uma palestra sobre o Mal, onde se vai deparar num beco sem saída ao criticar outro escritor por expor o Mal de forma tão cruel (e realista) num romance que publicou, pondo em causa o papel da escrita na sua missão.

O homem e a sua relação com o divino, os deuses da mitologia grega e as questões existenciais que se lhes deparavam e que motivavam as suas relações com os humanos, a tênue fronteira entre o expoente humano e a eternidade, a beleza do ideal grego versus o trilho religioso que deu origem ao nascimento da disciplina das Humanidades, são temas que Elizabeth explora como conseqüência dos debates e confrontos em que participou, levando-a a uma cada vez mais complexa, conquanto lúcida, plataforma de contemplação do ideal da existência do ser humano ao longo de toda a História.

De insegurança em insegurança, apesar da sua entrega real e sincera ao debate de todas as questões com uma mente muito aberta e humilde, absorvendo rapidamente e de forma construtiva todos os pontos de vista divergentes, Elizabeth sofre a glória solitária e a angústia do pensamento do escritor que tudo relativiza, excelente perceptor do real mas transmissor muitas vezes incompreendido até por si próprio, num enigma com desfecho revelador na carta que encerra o livro.

Num romance onde a filosofia, nos seus aspectos mais práticos, se encontra bastante presente, a versatilidade e vivacidade do debate de idéias contagia o leitor, que, apesar da densidade de algumas páginas que o obrigam a parar periodicamente para reflexão, faz com que a curiosidade sobre o destino de Elizabeth o prenda até à última página, sendo presenteado no final com uma autêntica tese acerca do significado e amplitude da existência humana, e em particular sobre o fatalismo e armadilha em que cai todo o escritor digno desse nome.
Extrato :

- O futuro do romance não é um assunto que me interesse sobremaneira - começa ela, tentando surpreender quem a ouvia. - Aliás, o futuro em geral não me interessa sobremaneira. Afinal, o que é o futuro senão uma estrutura de esperanças e expectativas? Reside na mente; não é real.

«É claro que podem dizer que o passado também é uma ficção. O passado é história, e o que é a história senão uma história feita de ar que contamos a nós próprios? Contudo, há algo de milagroso no passado que o futuro não tem. O que há de milagroso no passado é que conseguimos... sabe Deus como... fazer milhares e milhões de ficções individuais, ficções criadas por seres humanos individuais, suficientemente articuladas para nos dar o que parece ser um passado comum, uma história partilhada.»

«O futuro é diferente. Não possuímos uma história partilhada do futuro. A criação do passado parece ter esgotado as nossas energias criativas, coletivas. Comparada com a nossa ficção do passado, a nossa ficção do futuro é algo de esquemático, exangue, como costumam ser as visões do céu. Do céu e até do inferno.»

«O romance, o romance tradicional» continua ela a dizer, «é uma tentativa de se compreender o destino humano caso a caso, compreender como é que uma pessoa, tendo começado no ponto A e tido as experiências B, C, D chega ao ponto Z. Tal como a história, o romance é, portanto, um exercício para se tornar o passado coerente. Tal como a história, explora as várias contribuições do caráter e circunstâncias para a formação do presente. Ao fazê-lo, o romance sugere como podemos explorar a capacidade do presente para produzir o futuro. É por isso que temos esta coisa, esta instituição, este meio chamado romance.»

Fonte:
Paulo Neves da Silva Oeiras. In http://www.citador.pt/