quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 496)

Monte do Galo - Carnauba dos Dantas/RN

Uma Trova de Ademar

Sem ter interlocutores,
aos Trovadores, diria:
quem faz trovas, são doutores,
com mestrados em poesia!!!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


“Mãe-Natureza!” – eis o nome
de quem, em nome do amor,
gera o fruto e estanca a fome
do seu próprio predador!
–JOSÉ OUVERNEY/SP–

Uma Trova Potiguar


Certo vaqueiro, tristonho,
já vencido pela idade,
afaga, como num sonho,
seu alazão – a saudade...
–REVOREDO NETTO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Tão calmo e frio eu te vejo,
que tristemente recordo:
acordava com o teu beijo
e hoje nem vês quando acordo...
–NYDIA IAGGI MARTINS/RJ–

Uma Trova Premiada


2009 - Cantagalo/RJ
Tema: SERTÃO - 6º Lugar

Sou sertanejo e não nego
crestei meus pés neste chão.
Nestas marcas que carrego ,
carrego o próprio sertão!
–PROF. GARCIA/RN–

Simplesmente Poesia

Não Sei
–ROLDÃO AIRES/SP–


Não sei se são os teus olhos,
ou se o teu jeito inocente,
faz com que eu sinta, pelo
meu corpo inteiro, algo que
não sentia, alguma coisa
diferente.
Me pego às vezes, pelos cantos
a falar, palavras que há muito
não dizia.
Sinto que renovo-me,
que procuro uma maneira,
de poder vir a possuir um novo
sonho para ser vivido,
um novo amor, que dentro tenho,
e não pode ser contido.

Estrofe do Dia

Sinto falta da voz de Gonzagão
decantando a canção "TRISTE PARTIDA"
que retrata a família e sua vida
apos retirar-se do Sertão.
Já não ouço Luiz Rei do Baião
cantando "DEPOIS DA DERRADEIRA"
Dominguinhos, sanfona de primeira
Genival e o "ROCK DO JUMENTO";
Precisamos fazer um movimento
Em defesa da música Brasileira.
–RODRIGUES LIMA/SP–

Soneto do Dia

Tempo de Amar
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–


Se a gente olhar a vida com carinho,
inda que more embaixo de uma ponte,
verá flores à margem do caminho
e sorrisos de estrelas no horizonte.

Quem sabe ouvir o borbulhar da fonte
e o sereno trinar de um passarinho
já não se entrega à dor, mesmo defronte
de ingratidões, de pedras e de espinho.

Nem a velhice pesa, quando a gente
se faz jovem no espírito e na mente,
cultivando a alegria de viver,

e, na existência pecadora e santa,
escuta a voz de um coração que canta
o amor que o tempo não logrou vencer.

Teatro da Terra (O Ciclista, de Karl Valentin) 1 a 11 de Março


Maria João Luís encena e encarna Karl Valentin, autor maior da dramaturgia alemã.

Valentin, artista dos sete ofícios cria, fotografa, representa, filma, escreve, enquanto a sua Alemanha atravessa duas guerras mundiais, sempre atento ás dificuldades que um pais em guerra impõe, sem se conformar com a tendência que a propaganda nazi alinhava com a superioridade da raça ariana, foi por isso censurado e esquecido. Só a partir dos anos 70, com traduções francesas, é redescoberto e reconhecido como um dos maiores autores cômicos de sempre.

O Teatro da Terra leva à cena o seu humor corrosivo e irreverente para que não caia outra vez no esquecimento, este talento gigante, muitas vezes apelidado como o Charles Chaplin dos dadaístas de Munique.

de 1 a 11 de Março

4ª a Sábado às 21h30 | Domingos às 16h00


Teatro Cinema de Ponte de Sor

Info e reservas
967 710 598 | 242 292 073
teatrodaterra@gmail.com

bilhetes preço único: 7€

texto Karl Valentin
tradução Maria Adélia Silva Melo e Jorge Silva Melo
encenação Maria João Luís
com Inês Pereira, Maria João Luís, Pedro Mendes, Joaquim Rocha, João Fernandes
cenografia Maria João Luís
figurinos Maria João Castelo
dir. produção e luz Pedro Domingos


Com os melhores cumprimentos
Pedro Domingos
(Direcção de Produção)


TEATRO DA TERRA
CENTRO DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA DE PONTE DE SOR, CRL
Herdade do Colmeal, Ribeira das Vinhas
7400-070 Galveias
+351 967 710 598
teatrodaterra@gmail.com | https://teatrodaterra.wordpress.com

Escritório de Produção
Av. da Liberdade, 64
7400-218 Ponte de Sor
+351 242 292 073

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Uma Casa na Lembrança)


Com a mecanização avassalante da vida moderna, muitas vezes me pergunto qual será a imagem do lar do futuro?

A dona-de-casa trabalha fora, absorvida por mil e uma preocupações estranhas ao seu tradicional mundo doméstico; desaparecem as empregadas; os apartamentos se resumem a cubículos, com peças únicas, escamoteáveis, armários embutidos, sofás e poltronas-camas, quitinetes; aparelhos elétricos capazes de improvisar papas liquidificadas à guisa de refeições. Os filhos amontoam-se em camas-beliches, em espaços exíguos de camarotes de navio.

Amanhã, numa sociedade-síntese, em que se unirão as conquistas do conforto capitalista ao sistema de vida socialista, como sobreviverão o homem, a mulher e os filhos?

Francamente, não sei se serão agradáveis as casas dos nossos tetranetos. E quando digo casa, na me refiro apenas ao espaço onde nos recolhemos depois da luta de cada dia, mais justamente aos elementos humanos que a compõem e que, somados, transforma a casa em lar.

Confesso que não gosto de imaginar essa casa solitária, despojada de tantos valores tradicionais, espécie de robô habitado, onde as coisas acontecem sumariamente, a simples toques mágicos, sem a presença necessária e o calor da convivência humana.

Lembro-me de como me senti, certa vez, num pós-operatório, imobilizado num leito de hospital, ligado por tubos que me alimentavam e satisfaziam necessidades, numa cama que se mexia por mim.

Temo que a casa do futuro desumanize o homem. Tire-lhe uns restos de paisagem que ainda resistem como decoração. A intromissão da máquina em nossa vida particular vai reduzindo ao mínimo as perspectivas desse poético mundo prosaico que é o mundo de nossas casas, tão rico de belezas singelas em seu aconchego e em sua tranqüilidade.

A casa do futuro talvez acabe tornando o homem mais solitário que o faroleiro, montado numa penha perdida, em mar alto.

E como será esse homem que prescinde de seus semelhantes, que vive cercado de instrumentos, alimentando-se de pastilhas, procriando por inseminação artificial, em companhia de seres que estarão mais longe de seu espírito que os planetas de seu universo?

Não acredito que a dona-de-casa feliz seja a dona-de-casa sem casa, sem empregadas, para quem os afazeres naturais que constituem a sua vida e a sua alegria se transformem em gestos mecânicos, em atos frios e automáticos.

Eu, por mim, gosto das casas grandes, antigas, impregnadas de histórias, de tradições. Numa delas deixei minha infância, minha adolescência. E quando falo de casas antigas, lembro-me da casa de meu avô, o casarão dos Tinoco, na Rua da Piedade, em Bota-fogo. Está num poema:

“Me lembro da minha rua
velha rua da Piedade
Mudou pra Clarice Índio
Clarisse Índio do Brasil;
o nome de alguma dama
muito importante, quem sabe?
Muito importante, quem viu?”

(A Outra Face).

Bem que o guardo na memória, abrindo suas janelas altas, com grades de ferro, para a rua; o jardim lateral, a grande amendoeira, as acácias; e ao fundo, como uma vaga reminiscência das senzalas, as casas das empregadas. E me ocorrem visões de nossa velha aristocracia patriarcal.

Os romances de Manuel de Macedo e de Alencar fixaram para sempre os aspectos e a paisagem dessa sociedade de fins do século passado. Casas com telhados coloniais; janelas com gelosias românticas; amplas varandas com cadeiras de balanço, com redes preguiçosas, arrastando franjados no assoalho; quintais com uma infinita variedade de árvores, cada vez mais raras: abieiros, caramboleiras, sapotizeiros; salas-de-visitas com lustres e candelabros como jóias cintilantes, espelhos bisotês, estofados rococós; uma quantidade de quadros, salas, corredores, onde os filhos dos senhores brancos andavam de cambulhada com toda uma gama de mulatinhos vivos, filhos das escravas, das mucamas, às vezes com o senhor branco, cuja elástica moral era a do “faça o que eu digo e não o que eu faço...”

O casarão do meu avô Tinoco era, evidentemente, mais recente, mas recendia a sociedade patriarcal, quase ao tempo dos “sinhôs” e das “sinhás”, quando os maridos tratavam respeitosamente as esposas por Vossa Mercê... Lá estava, junto ao quarto de dormir, o oratório dedicado a Nossa Senhora da Conceição, com a candeia de azeite sempre acesa, as jarras com flores, a palha benta.

E a copa e a cozinha, enormes, fervilhantes de empregadas e tias (nesse tempo eu tinha 16!) nos dias de festas, onde pontificava a Maria Cozinheira e seus quitutes! Minha infância está presa à memória pelo paladar. Falar nela é ficar com água na boca, e lembrar-me da hora do lanche, quando a grande mesa da sala-de-jantar (nosso reino encantado!) ficava rodeada por minha avó, tias, primos, primas e suas amigas. Lá estavam os biscoitos de polvilho, os rocamboles, os pãezinhos de minuto, de bolos, as tortas, por entre bules fumegantes de chocolate, café, chá, leite. E nos aniversários e festas vinham os quindins, canudinhos de coco, baba-de-moça, as ameixas recheadas, bolos de nozes, que sei eu?

Sim, ficou-me no coração a nostalgia das casas-grandes, povoadas pelo bulício e a algazarra de tantos parentes e amigos, numa época em que as próprias empregadas como que faziam parte da família também. Até hoje com a carapinha algodoada, ainda vive a Maria Cozinheira, mãe-preta de nossa infância, que recorda com os olhos marejados de lágrimas aquele tempo. E não me esqueci também da Juventina, da Conceição, da Adriana, e até das babás, moças e roliças, que me ajudaram em algumas primeiras “lições de coisas...” Não sei como serão as casas do futuro, cada vez mais apartamentos, ou “apertamentos”. Mas não trocaria, por nada deste mundo, algumas das casas da minha infância, intactas, de pé, nas ruas da memória e do coração.

As casas são como seres que nos envolvem, com suas paredes, nos abrigam e protegem; nos falam; partilham de tantos dos nossos momentos; nos amam e passam, e às vezes morrem, como entes queridos.

Assim ficou o velho casarão de meu avô Tinoco: não como uma casa comum, mas como a lembrança de um primeiro amor, ideal que nunca se esquece e que não morre nunca!

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 495)


Uma Trova de Ademar

A minha fé não se abala
e sinto uma força estranha
toda vez que alguém me fala
sobre o sermão da montanha!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional

A mentira mais fingida
que aprendi desde criança,
foi ouvir, que pela vida,
quem espera sempre alcança!
–EDUARDO A. O. TOLEDO/MG–

Uma Trova Potiguar

Gotinhas d'água na aurora
sobre a mata destruída,
traduzem pranto que chora
a Natureza agredida.
–CLARINDO BATISTA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Pelo tamanho não deves
medir valor de ninguém.
Sendo quatro versos breves
como a trova nos faz bem.
–LUIZ OTÁVIO/RJ–

Uma Trova Premiada

2009 - Cantagalo/RJ
Tema: SERTÃO - 13º Lugar


Este silêncio enlutando
de cinzas o pobre chão...
é a voz do sertão chorando
a morte da plantação.
–VANDA FAGUNDES QUEIROZ/PR–

Simplesmente Poesia

Quem
–ISABEL CÂMARA/MG–


Quem diante do amor
ousa falar do Inferno?
Quem diante do Inferno
ousa falar do Amor?
Ninguém me ama
ninguém me quer
ninguém me chama de Baudelaire.

Estrofe do Dia

Como a onda que bate e deixa espuma
teu encanto chegou de sobressalto
invadindo meu mundo de assalto
como o vento que passa e deia a bruma;
teu sorriso me acalma e me perfuma
transformando meu mundo mais perfeito,
se te amar demais é meu defeito
mas a alma se sente aliviada;
teu olhar é trovejo de invernada
que inunda a vazante do meu peito.
–HÉLIO CRISANTO/RN–

Soneto do Dia

Mocidade Efêmera
–DIAMANTINO FERREIRA/RJ–


Reparaste, algum dia – na fumaça
que de um cigarro evola – em espirais?...
não poderás em breve vê-la mais,
de célere e fugaz que ela esvoaça...

Mas, nesse breve instante, à mente lassa,
quanta saudade e sonhos divinais
que tu não podes esquecer, jamais,
não vêm, enquanto aquele fumo passa!...

E assim, tão breve quanto o fumo, a vida
passa tão rápida e despercebida
que o nascimento e a morte são rivais;

tudo se esvai, tudo sucumbe e passa;
e parte, junto aos rolos de fumaça,
a mocidade – que não volta mais!...

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Alerta Sobre as Postagens

Esta semana, em virtude de que estarei mudando de residência, as postagens poderão ser irregulares. Procurarei ao menos manter uma certa regularidade, dentro do possível das Mensagens Poéticas do Ademar Macedo, para que não fiquem muito desatualizadas.

Espero a compreensão dos leitores do blog, caso ocorra algum dia sem postagem.

Estando instalado na nova residência, volto às postagens normais.

Aproveito este para solicitar aos irmãos trovadores de Minas Gerais que me enviem suas trovas ou dos trovadores mineiros falecidos ou não, para o lançamento do Minas Gerais Trovadoresco.

Obrigado
José Feldman

J. G. de Araújo Jorge (Um "Quadro " de Rimbaud)

Escrevi uma vez: um poema, um quadro, uma estátua, uma partitura, existem, têm vida própria, como um organismo, independente do artista que os criou.    Na realidade,  um poema tem sangue, nervos, coração, voz, alma, fala, comove, tal como ser, tal como o próprio homem. Daí um poeta chileno, Vicente Huidobro ter afirmado:

    “Um poema és um poema, tal como uma naranja és uma naranja y no uma manzana.”

A arte é o reverso da grande criação. Deus morre nos homens todos os dias. O artista se eterniza todos dias, em sua obra. O eterno criou o efêmero; o efêmero cria o eterno. Na realidade tudo é eterno e efêmero:  o artista, mortal, cria “seres” eternos; Deus eterno, cria seres  mortais.

Ocorreram-me estas idéias no dia em que me dispus a realizar as primeiras traduções. Preparava os originais da antologia que publicaria com o título de “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”.    

Lançaria o primeiro volume, só de sonetos brasileiros,  mas  queria  completar a obra,  com  um  volume de sonetos  estrangeiros.

Nossos leitores têm muito poucas oportunidades de conhecer a poesia de outros povos. Raros podem ler o francês, o inglês, ou mesmo o espanhol. Pedi, pois, a escritores, poetas, meus amigos, que me ajudassem. O que vinha encontrando, já realizado no passado,  pelos poetas românticos  e parnasianos,  era pouco, ou de difícil aceitação.  As traduções encontram-se  eivadas  de preciosismos, palavras mortas, expressões em completo desuso.                                                                  

Desde o momento, entretanto, em que comecei a receber a colaboração de meus amigos, senti-me na obrigação de participar também do livro, não apenas como seu idealizador, mas com alguns trabalhos. Tratava-se de uma experiência inteiramente  nova  para  mim,  mas,  que não se dissesse depois, que eu estava apenas explorando a produção alheia. E pus mãos a obra.                                     

Convenci-me, então, que traduzir é uma tarefa apaixonante. Não se trata de um simples  jogo  de  palavras.Em  sua  realização,  opera-se  uma  verdadeira “reencarnação” literária. Não trocamos apenas o corpo do poema  -suas palavras-,  de  um   idioma  para  outro,  mas  sopramos-lhes  um  novo   espírito,  o nosso, ao tentarmos captar a inspiração do original. E cada poema que sentimos, que se comunica conosco, que de alguma forma se identifica com a nossa sensibilidade, transforma-se num desafio, naquele justo momento em que nos dispomos a trocá- lo por um material diferente, para reconstruí-lo num idioma diverso.                     

Há no trabalho de recriação, todas as alegrias da verdadeira criação.                    

Surpreende-nos a emoção de suas revelações, quando  as vamos  descobrindo, assim como um arqueólogo em suas escavações, saboreando os detalhes do seu achado, um a um, a proporção que o vai vislumbrando.                                          

Foi  o  que  se deu, por   exemplo,  quando  me  dispus  a  escalar  as   alturas rimbausianas, atendendo a um concurso promovido pela página literária de um de nossos matutinos. Tratava-se de traduzir um soneto de Rimbaud; “Lê dormeur du Val”. E a escolha recaira intencionalmente, sobre uma das peças mais difíceis do grande  simbolista,  não  apenas  pela  sua   peculiar semântica poética, mas pela própria complexidade sintática de sua escola literária.                                          

Aceitei o desafio. Estava justamente com a “ mão na massa ”. Mandei a tradução, com um pseudônimo, e afinal para a minha surpresa, “entre mais de mil trabalhos lidos e selecionados”, como acentuou a Comissão julgadora, acabei saindo vencedor.

Eu trabalhava com cuidado. Para me manter, tanto quanto possível, fiel, não apenas à idéia central do soneto, mas à beleza das imagens, e a certos detalhes, indispensáveis à visão do conjunto e ao efeito final. E porque tentei reproduzir o ritmo dos versos, tive que sacrificar alguns elementos clássicos: adotei versos brancos (sem rimas, portanto), e não respeitei a cesura interna dos alexandrinos. No que diz respeito, aliás, a tonicidade, Rimbaud adotou liberdades que eram comuns entre os simbolistas.

Mas o soneto é uma pequena obra-prima. E Rimbaud, nele, não é apenas o poeta, mas  se desdobra  no  músico  e   no  pintor,  pela  sonoridade  de   alguns vocábulos, suas relações dentro dos versos, e pelo colorido do quadro esboçado.

Sim, trata-se de um pequeno quadro, descrito por um passeante, que avista a cena à distância, vai se aproximando encantado, e... o imprevisto final. O leitor o acompanha  despreocupado,  e  participa  da  emoção   do poeta  ante o desfecho surpreendente. Eis o “encontro” com                                                                       
LE DORMEUR DU VAL

C’est un trou de verdure, où chante une rivière
accrochant follement aux herbes des haillons
I’argent, oú le soleil, de la montangne fière
luit. C’est un petit val qui mousse de rayons.

Un soldat jeune, bouche ouverte, tête nue
et la nuque baignant dans le frais cresson bleu,
dort; il est étendu dans l’herbe, sous la nue,
pâle dans son lit vert où la lumière pleut.

Les pieds dans les glaïeuls, il dort. Souriant comme
sourirait un enfant malade, il fait un somme.
Nature, berce-le chaudement: il a froid!

Les parfuns ne font pas frissonner sa narine;
Il dort dans le soleil, la main sur sa poitrine,
tranquile. Il a deux trous rouges au côté droit.
    E a tradução:
O ADORMECIDO DO VALE

É uma clareira verde, onde canta um riacho
prendendo alegremente às ervas seus farrapos
prateados; onde o sol da orgulhosa montanha
brilha. É um verdadeiro a espumar claridades.

Um jovem soldado, a boca aberta, e a cabeça
descoberta a molhar-se na erva fresca, azul,
dorme; está estirado ao chão, a céu aberto,
pálido no seu leito verde, à luz que chora.

Os pés nos lírios roxos, dorme. E sorri como
sorriria uma criança enferma, em sono leve.
Natureza. - aconchega-o bem: êle tem frio!

Os perfumes não mais lhe excitam as narinas;
Dorme ao sol; tem a mão abandonada ao peito.
Dois rubros orifícios sangram-lhe à direita.

Repito: uma tradução é uma estranha e singular “reencarnação” em palavras.

Ninguém discutirá, está claro, que o original é o original, a cópia a cópia, a tradução a tradução. Mas, na medida do possível, quando as figuras de linguagem, as  imagens,  são  reconhecíveis;  quando  as   palavras  comunicam,  e t êm correspondentes nos dicionários; quando suas combinações fixam símbolos e realidades subjetivas universais, sem projeções esotéricas ou hermetismos pessoais,  uma  tradução pode  ser   tentada, de poeta para poeta, com bons resultados. Mas, só entre poetas. Como no caso de uma “transfusão” de sangue, só possível com sangues do mesmo tipo.                                                                 

Então vale a pena tentar.

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Gladis Deble/RS (Livro de Poemas)

BIOGRAFIA

Se o espelho conservasse as imagens
Eu desfilaria sem roupas
por extensas paisagens
mas o espelho não tem memória.
Não retém o formato dos corpos,
tão pouco devolve o feedback
das histórias vividas.
Da aparência de ontem
nem a sombra,
Na dispersão dos ventos
nenhum oi.
No pequeno infinito
do espelho do meu quarto
cruzo as asas...
Ao descer a cortina
pinto a boca distraída,
Não sei porque fui esquecer
a senha desse acesso.
Só os trevos cultivados
em torno da retina
continuam a gravar
minha biografia.

LÁPIS

Emcaixado confortável
bailando entre meus dedos
grava marcas no papel
este objeto delgado.

Fino lenho preparado
com recheio de grafite
traz a história preservada
torna a arte permanente.

A terna função de escriba
que assumo intuitiva,
não mais me torna cativa
dos sonhos que construí.

Seguindo o velho roteiro
dos sonhos que encoragei
Surgiu o esboço vivo,
no poema me libertei.

Esta pequena varinha
que carrego como fada
vai desenhando o caminho
risca o lápis minha estrada.

A POESIA

A poesia salta da idéia
e cria vida própria.
Sonda lugares fantásticos,
descreve outras paisagens

Percorre distantes países
pensa novas matrizes
dança e reluz
como grão de poeira
projetado na luz.

Descreve trajetória errante
esmiuça sentimentos alheios,
redescobre lugares
que nunca esteve,inventa matizes.
Abraça todos os povos,
faz acordos com o insólito.

A poesia saltitante itinerante
navega na rede,traduz signos gravados
para o mundo ela escapa...
depois de cansado seu corpo de letras,
enroscada na folha como bicho inocente
adormece no livro protegida na capa.

PASTORIL

Apascentei rebanhos nas encostas
conduzi os animais a boa aguada
trouxe ramos de alecrim e flor do campo.
Compuz versos singelos na caverna
junto as cabras espiando o chuvisqueiro
e a neblina pondo a capa na campina.

A luzir a lanterna nos caminhos
rodopiei audaz,desviando o precipício
onde rolam pedras sózinhas no desfiladeiro.

A voz do bosque atraente me chamando
para um encontro mágico na fonte
com água transparente e oração
margeiam musgos, fungos na vertente
santuário verde onde em versos pastoris
esparramei minha canção.

GARATUJAS

Da grafite silenciosa
surgem figuras reais,
rabisco na santa paz
imagens do inconsciente.

O desenho em fragmentos
surge livre no papel
faz deliciosos os momentos
pensando num tal rapaz.

O fundo dessa gravura
de tal forma é texturado
que parece usar recursos
da velha xilogravura.

Rabiscos que crio hoje
tentando fazer desenhos
fugiram pela tangente.
E a imagem que eu queria
desmanchou-se em garatujas
virou pequena poesia.

DAS NAVEGAÇÕES...

Se teu olhar oblíquo descobrisse
a viagem que acontece a revelia
eu nem me atreveria a explicar.

Esfarelo versos na ponta dos dedos
adormeço salpicada de vontades
no afã de te encontrar ...

Acarinho certas verdades
escovo a cabeleira revolta
querendo ancorar conforto.

Desdobrada e solitária
sigo a jornada, embora
navegues em mim

Nunca nós dois atracaremos
nossos barcos para dormir
juntos no mesmo porto.
Fonte:
http://gladisdeblepoesia.blogspot.com/

Gladis Deble

Gladis Cleonice Veloso Deble reside em Bagé, RS. Professora de artes e ativista cultural.

Formada em Educação Artística e Artes Plásticas com Pós-graduação em Arte-educação pela Urcamp-Universidade da Região da Campanha.

Foi presidente da AGA Associação Gaúcha de Arte-educação de 1987 até 1990.

Participou da oficina de Arte dramática do CENARTE da Urcamp.

Realizou projetos para a Secretaria Municipal de Cultura Desporto e Lazer como o 'Passeio Poético por Bagé' destacando os locais históricos da cidade e sua rica arquitetura.

Promoveu atividades culturais com jovens na comunidade da Colônia Nova.

Cultura alemã e gaúcha e características do povo da fronteira,[Uruguai e Brasil] no município de Aceguá.

Peça de teatro 'Nós Aceguá e o Meio Ambiente'.

Publicou seus poemas na Antologia da Poemas a Flor da Pele, lançada em Bento Gonçalves no XVII Congresso Brasileiro de Poesia.

É conselheira do CPERS Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul.

Tem uma página no site;Poemas a flor da pele.ning, e os blogs;www.danacd.blogspot.com www.gladisdeblepoesia.blogspot.com

Nilto Maciel (A Salvação da Alma)

Constantino acordou sobressaltado. Mais um minuto de sono e chegaria atrasado à igreja. O padre estaria nervoso e seria capaz de o mandar embora.

— Você não se emenda, traste — brigava a mulher.

Aquilo acontecia quase todo dia. Saía da igreja e entrava nas bodegas. E bebia feito uma raposa. Insaciado, antes de ir para casa, Constantino pedia uma garrafa cheia e mandava o bodegueiro anotar a despesa. No fim do mês, quando o padre pagasse o ordenado, saldaria a dívida.

E assim era há muitos anos.

— Cala a boca, mulher — gritava.

E se preparava para sair. Mais um dia de muita labuta naquela igreja imensa e sempre cheia de poeira.

Como todo dia, pôs-se a espanar o altar e seus arredores. Nenhum cisco poderia ficar sobre nada. O padre exigia limpeza total. Padre exigente!

Passou aos bancos onde os fiéis se sentavam e oravam. Sempre havia sujeira. E objetos esquecidos: terços, missais, véus, dinheiro, bilhetes.

Imensa igreja para um homem só zelar. Aquele padre era também mesquinho. Podia arranjar mais um zelador. E pagar ordenado maior.

Ninguém, no entanto, falava mal do padre na cidade. Nem mesmo nas bodegas. Todos preferiam falar de si mesmos, dos vizinhos, dos cachorros de rua...

— Como vai a igreja, Constantino?

Além do altar e dos bancos dos fiéis, havia outros lugares e móveis a limpar. Como os confessionários.

E o cansado zelador abriu a portinhola de um dos confessionários. Olhou para o assento de palha. Nenhuma sujeira aparente. Nenhum cheiro de mofo ou peido. Nada a limpar. No entanto, que bom lugar para descansar! E Constantino sentou-se, puxou a porta, abraçou o espanador. Num minuto, virava padre. Do lado de fora do confessionário uma fiel contava pecados. Nem muito graves nem pouco leves.

— A senhora está perdoada.

— Nenhuma penitência, padre Constantino?

— Sim, a senhora vai limpar a igreja todo dia, até o fim de sua vida.

— E tem pagamento?

— Tem: a salvação de sua alma.

Mal ditou a penitência da pecadora, um berro o acordou:

— Constantino, saia já daí, seu preguiçoso!

Dos olhos do padre saltavam chispas de ódio.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Pescoço de Girafa na Poeira, contos. Brasília: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 494)

Uma Trova de Ademar

Luiz Otávio deu provas
ser bom em verso e poesia;
meu desejo é fazer trovas
como as que Luiz fazia!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Nesses teus olhos risonhos,
Senti que o amor chegaria...
foram-se os dias tristonhos,
chegaram, os de alegria!
–VICENTE ALENCAR/CE–

Uma Trova Potiguar

As portas do nosso lar
são largas e sempre abertas
para quem necessitar
de ajuda em horas incertas.
–HILTON DA CRUZ GOUVEIA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


O que ele foi não importa...
Foi alguém que não me quis.
Folha branca, folha morta
de um poema que eu não fiz.
–CARMEM OTTAIANO/SP–

Uma Trova Premiada


2006 - Pindamonhangaba/SP
Tema: RESGATE - M/E


Amor de perdas e danos,
triste contabilidade:
resgate dos desenganos;
sobras de caixa-saudade!
–SELMA PATTI SPINELLI/SP–

Simplesmente Poesia

Mares e Shoppings
               –CARLOS LÚCIO GONTIJO/MG–


Por não saber nadar
O mar eu mal conheço
Nem shopping-center sou de frequentar
Pois na profundidade das águas
Ou na claridade das vitrinas
A chama do espírito humano
Vive o drama de afogar-se.

Estrofe do Dia

Eu já passei tanta coisa
Que na vida nem pensava,
Pra minha felicidade
A mulher que eu procurava,
Deus teve pena de mim
Mostrou aonde ela estava.
–JOÃO LOURENÇO/PB–

Soneto do Dia

Azul
                         –OSCAR MACEDO/RN–


Azul, cor que em meus versos divinizo
e que meu estro definir procura,
azul, cor da inocência e da candura ,
cor da graça infantil, cor do sorriso!

Azul, cor da pureza e da doçura,
cor dos salões, sem fim, do paraíso,
azul, cor que ao fitá-la me eletrizo
por ser das cores, de todas, a mais pura.

Azul é a cor que eu definir quisera,
cor que circunda e que emoldura a esfera,
cor dos céus, cor do mar, cor do berilo!

Azul, cor da safira e da turquesa,
nenhuma outra cor te excede na beleza
cor dos olhos da Virgem de Murilo!

Nelson Rodrigues (A Mulher Sem Pecado)

A Mulher Sem Pecado, de 1941, é a primeira peça de Nelson Rodrigues. Seu contexto apresentava uma vinculação entre teatro e crônica jornalística. Logo no início da obra, as marcas de sua infância e adolescência, aliadas ao seu inovador estilo, fizeram com que a história se transformasse num terrível drama. A peça estreou no ano seguinte.

Nelson Rodrigues enfrentando dificuldades financeiras, teve a idéia de escrever uma chanchada para ganhar dinheiro. A iniciativa resultou nesta obra que não era uma chanchada e tampouco trouxe dinheiro a seu autor. Este texto já trazia os valores dramáticos, temáticos e poéticos que consagrariam o autor como o grande renovador do teatro brasileiro.

A Mulher Sem Pecados narra as aflições de Olegário, casado com Lídia, é um paralítico que convive com os fantasmas e medos de sua imaginação doentia. Morre de ciúmes de sua mulher e desconfia de que está sendo traído.

Com a ajuda de Umberto, o chofer, e de Inézia, a criada, tenta controlar a esposa. Suspeita de todos, inclusive de Maurício, irmão de criação de Lídia.

Tomando por um ciúme compulsivo e perseguido pela idéia de traição, um homem maltrata a mulher. Por sua vez, a mulher, inocente, arquiteta um plano de fuga para escapar da insana perseguição. Esta fica atordoada com as perguntas e cobranças diárias do marido e resolve tomar uma decisão drástica. Quando o marido reconhece seu erro, a esposa já havia partido.

A peça faz uma análise de uma situação transcorrida no plano real, e embora construída sobre eixo frágil, o autor administra bem o espetáculo que é feito em três atos de contínua e crescente criação de atmosfera.

Fonte:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/a/a_mulher_sem_pecado

Franz Kreüther Pereira (Painel de Lendas & Mitos da Amazônia) Parte 8

Trabalho premiado (1º lugar) no Concurso "Folclore Amazônico 1993" da Academia Paraense de Letras

IARA
Uiara, Oiara, Eiara, Igpupiara, Hipupiara


Mito baseado no modelo das sereias dos contos homéricos, a Iara é a Vênus amazônica; é uma ninfa loira de corpo deslumbrante e de beleza irresistível. Sua voz é melodiosa e seu canto, tal como no original grego, é capaz de enfeitiçar a todos que o ouvem, arrastando-os em sua direção, até o fundo do rio, lagos, igarapés, etc., onde vivem esses seres fabulosos. Na Amazônia o tapuio que escuta o cantar da Iara fica "mundiado" e é atraído por ele; o mesmo se dá com as crianças que desaparecem misteriosamente. Crêem os ribeirinhos que essas crianças estão "encantadas" no reino da "gente do fundo". Lá o menino é instruído no preparo de todos os tipos de puçangas e remédios. Ao fim de sete anos, durante os quais foi iniciado nas artes mágicas, na manipulação de plantas e ervas, etc.; o jovem pode retornar para junto dos seus, onde, geralmente, se torna um grande xamã, um medicine-man.

Se as sereias e seu consorte, o Tritão, existem realmente, ninguém sabe, mas um caso acontecido com o senhor Cícero, velho pescador e antigo delegado da cidade de Soure, na Ilha do Marajó, quase nos deixa com um testemunho da existência dessas criaturas. O caso nos é contado pelo neto do protagonista, o pesquisador e estudioso de magia nativa, Antonio Jorge (Brito da Silva) Thor[6].

Corria o ano de 1925, e como sempre faziam, seu Cícero e seus amigos prepararam-se para mais uma pescaria no seu pesqueiro favorito, de onde nunca saíam sem que estivessem carregados dos mais diversos peixes. Este lugar era secreto, conhecido apenas por eles, mas naquela noite enluarada, uma estranha calmaria, uma quietude desconhecida no mar,  prenunciava surpresas.

As horas passavam e, estranhamente, nenhum peixe beliscava as imóveis iscas e anzóis. De repente o senhor Cícero sentiu um forte puxão na linha, indicativo evidente de que fisgara um dos grandes; o que foi confirmado pelo esforço que fazia para puxar a presa, tanto que teve de pedir ajuda aos companheiros. Deixemos que Thor continue:

"Em dado instante a parte que parecia estar bem iscada, cedeu!... Naquele momento, oportunamente, o pensamento foi um só: - Perdemos o peixe! Entretanto, ao chegar com o anzol a flor d'água [...]estava lá, bem enrolado no anzol de bom tamanho, algo que os faria interrogativos para o resto de suas vidas: - um monte de cabelos loiros, os quais mediam entre 1,5 metro a 2,5 metros."

O pavor que tomou conta dos surpresos pescadores foi tanto que fugiram do local abandonando anzóis, linhas e, provavelmente, a única prova palpável, insofismável, de que as sereias, as Iaras, existem.

Na nossa cultura o mito da deidade fluvial Iara, mesclou-se com seus congêneres europeus (sereias) e africanos (Iemanjá) causando alguma confusão. Confusão esta provocada pelo que Victor Jabouille chama de "espírito de evangelização", que todo colonizador se acha possuído, a ponto de "destruir as velhas tradições e os velhos mitos pela imposição das  realidades alheias. "Por força dessa circunstância, outro de nossos mitos autóctones que incorporou elementos europeus e africanos foi o do SACI PERERÊ que é muito confundido com o CURUPIRA e com o CAAPORA.

CAAPORA

Na bibliografia que compulsamos, a maioria dos pesquisadores não apresenta um consenso quanto às características e particularidades deste que vêm a ser um dos mais férteis nume caboclo. Encontramos os seguintes nomes e grafias: cayapóra, cayapora, kaápora, caipora, jurupari, anhangá, koropyra, curupira, currupira, tatacy, çacy, saci, saci-pererê, sacy-cererê, maty, matinta, matinta pereira, mati-taperê ou simplesmente sererê.

O que queremos mostrar é a dificuldade para se dar a esse mito um contorno definido e esclarecer as funções da divindade. E é exatamente aí o fulcro da confusão que coloca o  Caapora, o Curupira e o Saci, como uma só entidade. Embora exista uma diferença estrutural evidente entre Caapora e Çacy*, ambos são membros da mesma família. O vocábulo Caá-pora, ligado à imagem de protetor, função exercida pelo Curupira e pelo Saci, na nossa opinião, é o verdadeiro foco da confusão. Veremos mais adiante, com um pouco mais de detalhes, alguns dos elementos que compõem a família dos demônios protetores das selvas amazônicas. Mas, voltemos ao Caapora, que Gonçalves Dias[7] registrou em "O Brasil e a Oceania" com as seguintes palavras:

"O Caapora veste as feições de um índio anão de estatura, com armas proporcionais ao seu tamanho; habita o tronco das árvores carcomidas onde atrai os meninos que encontra desgarrados na floresta, outras vezes divaga sobre um tapir ou governa uma vara de infinitos caitetus, cavalgando o maior deles. Os vaga-lumes são seus batedores, é tão forte seu condão que o índio que por desgraça o avistasse era mal sucedido em todos os seus passos. Daqui vem chamar-se Caipora ao homem a que tudo se dá ao contrário."

O Caapora apresenta-se como um moleque pretinho, que cavalga porcos selvagens; mas também pode ser descrito como uma caboclinha de longos cabelos, duros feito espinhos, e que, em troca de tabaco, é capaz de dar ao caçador tanto a caça que ele deseja quanto o próprio sexo.

Os índios e caboclos acreditam que prendendo um Caapora, ele é obrigado a conceder um "poderzinho" ou atender a um desejo, em troca da liberdade. A armadilha para capturá-lo e a isca utilizada consistem apenas numa cuia e aguardente. Derrama-se a cachaça na cuia, que deve ser colocada num lugar onde ele já tenha aparecido, ou no local para onde tenha sido chamado previamente. Depois de ter bebido a cachaça, torna-se presa fácil para qualquer um, porém até hoje ninguém conseguiu realizar tal façanha.

Apesar de, em alguns casos, essa entidade aparecer como má e vingativa, a versão geral é de que ele é um duende protetor da floresta e da caça. Daí alguns autores o identificarem com o Curupira, como já vimos, mas ele guarda, também, certa semelhança com outro habitante das matas, outro gênio florestal, o MAPINGUARI.
 
MAPINGUARI

Esta criatura é descrita como um macaco de tamanho descomunal -5 a 6 metros - peludo como porco espinho, "só que os pêlos são de aço"[8]. Dentro dessa descrição - um grande macaco, "uma espécie de orangotango, coberto de longo e denso pelágio", etc. - encontramos, como veremos, o Curupira, mas as semelhanças não terminam aí; numa versão o Mapinguari tem um só olho, enorme, no meio da testa, e uma bocarra vertical que desce até o umbigo; Hurley descreve o Curupira de maneira parecida.

Cada passo do Mapinguari mede três metros e seu alimento favorito é a cabeça das vítimas, geralmente pessoas que ele caça durante o dia, deixando para dormir à noite. Há aqueles que afirmam ser impossível matá-lo: é invulnerável. Noutra versão ele é apresentado como um ser dos mais fantásticos, com dois olhos, mas "três bocas", sendo uma debaixo de cada braço e outra sobre o coração. Essa última é considerada seu "calcanhar de Aquiles", pois quando ele abre a boca pode-se acertar seu coração, única maneira de matá-lo.

    Em  reportagens para a revista ISTOÉ nos 1266 e 1294 (05/01/1994 e 20/07/1994, p.35-36 e p. 44-47, respectivamente), o norte-americano David C. Oren, doutor em zoologia e especialista em biodiversidade amazônica do Museu Paraense Emílio Goeldi, derruba a lenda que o Mapinguari é um grande símio. Ele afirma a existência de um gigantesco bicho-preguiça terrestre de 200 a 300 quilos e 2 metros de altura, ainda vivo nas selvas amazônicas, que ele diz ser o Mapinguari. O Dr. Oren baseia suas teorias, afirmações e pesquisas em restos fossilizados e relatos de índios e garimpeiros: “Conheci pelo menos 30 pessoas que viram o Mapinguari e mais de 100 que acharam seus rastros”.   E  sentencia:

 “Da mesma forma que a Cobra Grande é baseada na cobra sucuriju, e o boto encantado que vira homem para engravidar as mulheres se origina no boto da bacia amazônica, a inspiração do Mapinguari é o preguiça terrestre.”.   
–––––-
Notas
*    Além dos caracteres físicos, diferem também nos etimológicos: Caá significa mato e Cy, mãe, portanto "Çacy" é  Mãe do Mato; enquanto “Caá-pora” significa, morador da mata.
6 THOR (ou THOT, como é chamado atualmente), Antonio Jorge. Introdução à teoria dos elementais. Edição do autor. Não tem ficha catalográfica, mas nos garantiu ele que foi publicado no ano de 1985, em Belém.
7  DIAS, A. Gonçalves. O Brasil e a Oceania. Paris: H. Garnier. s. d.
8   OLIVEIRA, Adélia Engracia de. O mundo encantado e maravilhoso dos índios Mura. Belém: Falangola,
        1984, p. 35.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Edigles Guedes (Livro de Sonetos)


NAUFRAGO-ME NA SUPERFÍCIE

Páginas e mais páginas, folheadas
A inconsútil dedo, vagam por horas
A fio, na escrivaninha tão recheada
De livros imaginários… agora!…

Eis uma escrivaninha inexistente
Povoando a memória indelével de mim!…
Quem me dera! se eu pudesse navegar
Por entre as escumas, co’ odor de jasmim

A perseguir minhas ilusões!… Vagar,
Quiçá, por livros, que férteis são terras
De ideias mirabolantes, minha mente!…

E o vento sopra no meu rosto… Serra
Vai, monte vem… Montanha vai, planície
Vem… E eu naufrago-me na superfície…

DESCRIÇÃO MARÍTIMA

Ribombou o velho mar!… Tuas tênues ondas
Tecem fios de fiandeira na escuma atroz!…
Voa ligeiro e mais que veloz o albatroz,
Qual o sorriso de tua “La Gioconda”!…

Ostras perambulam por entre rochas
Anônimas!… Sociedades de corais
Pintam de Picasso os azuis anormais!…
Anêmonas acendem tortas tochas

De neurotoxinas… Peixes naufragam
Nos frios d’águas… Caranguejos afagam
A textura insondável do rochedo!…

É noite e o mar baloiça as velas, toscas
E trêmulas, voejam… Foscas moscas
Brincam com a lixeira do penedo…

TUA MÃO

Teu corpo de pérola em meu corpo
Deitado e vagamundo… Psiu tosco
De mão que mão se namora… Rede
Sem peixe para pescar: só mágoa…

Teia de aranha que arranha essa pele
De tigre… Peçonha que me chora
De dor inconcebível… Insídia
De cavaleiro medieval… Mídia

Sem suporte técnico… Parede
Sem porta ou caminho nu sem saída…
Sentimentos que me enredam… Pepe

Legal (cabuloso) sem Babalu,
Seu escudeiro; assim, ando por tabu
E teimosia… Acho tua mão lânguida!…

LUA DE OCEANO AQUÉM

Lua: bacia de prata, em que me banho de seus raios
Argênteos, na Noite fria e calma co’ essa chuva
Renitente… Descontente com as estrelas
Cadentes que nenhum dos meus desejos realizam…

Eis que Lua bamba, pendurada no trampolim
Da vaidade, sofre porque sofre com desmaios
De gravidade ausente!… Andorinha viúva
Procura marido em páginas amarelas…

Entretanto, essas estrelas parabenizam
A caçadora intrépida e seu vulgar gaiolim,
Que me prenderam aos grilhões: de Amor cárcere!…

Coruja corveja, abre asas, corre célere,
Zomba de minha insensatez, por amar a quem
Não me ama, qual Lua solitária, do oceano aquém.

ROSA CEGA

Corre e abraça-me com abraços longos
E apertados... Olha-me olhos oblongos,
Perquirindo o Tempo pretérito na
Minha face rústica... Bela Dona

Que balança seus quadris de ondas do mar...
No azo, torno-me domador a domar
Minha dor tão madura!... Cai, qual fruto
Proibido de ósculos, no plano astuto

Da Serpente devoradora de olhos
Humanos. Eis que não vejo a luz tênue
No final do túnel!… Sim, cata-piolho

Brigou com fura-bolo na bacia, aiuê!
De algodão-doce… Ah! Porquanto Amor caolho
Esconde a rosa cega de seu buquê!…

ABRAÇOS AMARGOS

Instantâneo segundo, que passo sem olhar
Fundo nos olhos de minha Dama, uma náusea
Bruta brota no meu peito de árvore pérsea!…
Mas, o outono chega: eis pungente esse desfolhar

De olhos castanhos, tão castos quanto suaves são;
Que seduzem e encantam límpido coração
Aventureiro, qual Xerazade com lábias
Mil na boca enganadora… Loucas e sábias

Palavras misturam-se em grão caldo de cana…
A Noite dadivosa vem pé de mansinho,
Com seu odor de blandícia, carícia e carinho…

Sem pedir licença, entra perfume de alfana
Nas minhas narinas; ouço os passos mui largos
De minha Flor: eis nossos abraços amargos!…

PROCURA-SE UM TROPEÇO

Procurei um sentido no sem sentido que sente
A alma gemente da gente, que anda descontente
Com o Fado: artista arlequim, guizos de Lua algente,
Malcriada e fatal mulher de olho concupiscente.

De tanto procurar esqueci-me de achar o que
Procurava; como tenra criança com bilboquê,
A qual se esquece do tempo com terno brinquedo
Na mão cândida e venturosa. Sim, corro e quedo.

Almejo alcançar o infinito do pensamento,
Desbravar a aventura néscia do sentimento,
Destronar do meu coração trágico lamento.

Ó alma tremente! se logrei meu intento, conheço
O fim do fio da meada que procuro; o começo,
Mas é duro; por isso, quero lembrar… tropeço!

AMOR MADURO EM CAIXA DE CHUMBO

Tu inoculas teu veneno de serpe
Aleivosa, que me engana como Eva
Embrulhou Adão no Jardim do Éden. Treva
Logrou ambos com sua língua, trapuz, de erpe!

Mas, é doce a peçonha que me adoça
O Fado ingente. Louca, consomes chá
De meus passos, após receber crachá:
“Ando a servir ao próximo por troça!”

Tu és serpente tremente de ódio por mal
Que nunca fiz a ti, antes salvaguardei
Nosso Amor maduro em caixa de chumbo.

Se Amor adoeceu em profundeza abismal,
Certamente a ele jamais eu reservei
Maléficos intentos, sons de zumbo!

CORAÇÕES ENGRINALDADOS

Lembro-me do retrato na parede do nosso
Quarto de dormir. Nossos olhos enamorados clamam
Um pelo outro, em suspiros de desejos; declamam
Poemas eróticos às quatro paredes!… Que osso

É a vida!… Foi ontem que subimos, jungidos beijos,
A ladeira do tálamo. Tu estavas formosa;
Esplendias com todas as primaveras!… Oh! rosa
Do meu jardim de Amor e delícias… Onde queijos

De Lua se esconde do paladar da minha boca,
Fremente de prazer e gozo?… Sim, eis quão louca
Paixão me consome o íntimo meu ser… Quiçá ninguém

Me escute o dessegredo… Ó coelhinha na toca
De amores! acolhida nos meus braços de mouca
Libido, que pena sou na alcova mais um alguém!…

Fonte:
http://www.sonetos.com.br/meulivro.php?a=110

Ialmar Pio Schneider/RS (Baú de Trovas XV)


A mágoa que em mim existe
é fruto de uma saudade
que me transforma num triste
no seio da sociedade.

Consegues viver sozinha,
enfrentando a solidão?!
Recorda que “uma andorinha
sozinha não faz verão...”

Das flores todas que planto
em meu modesto jardim,
aquela de mais encanto
vem ser você, meu Jasmim!

Eras bonita... Eu tão feio...
mas nos queríamos tanto,
que num mesmo devaneio
nos amamos por encanto…

És a força que eu preciso
para deixar de sofrer.
Oh! querida, toma juízo
e vem comigo viver !

Já faz tempo, era eu criança,
minha mãe me disse um dia:
- Nunca percas a esperança
pois ela nos alivia !

Lá na praia se encontraram
e viveram na ilusão,
pois apenas se tornaram
namorados de verão.

No jardim da minha vida,
quantas flores cultivei;
Mas em cada despedida
muitas delas arranquei...

O amor daquele que chora
por ter sido desprezado,
não tem jeito de ir embora,
fica no peito guardado.

Outrora fui solitário,
não tinha grande vaidade,
mas, hoje, sou perdulário
de tanto amor e saudade !

Quando estás à beira-mar,
caminhando sobre a areia,
eu me ponho a meditar
que sejas uma sereia.

Seja pobre ou seja rica
a rima é uma canção,
a saudade sempre fica
depois que os versos se vão.

Vivemos na contingência
de alimentar a crendice,
que o caminho da existência
vai nos levar à velhice.

Trova Ecológica 78 – Wagner Marques Lopes (MG)

J. G. de Araújo Jorge (Sonetos Imortais)

Todos os sonetos citados nesta crônica encontram-se em minha antologia “Os mais Belos Sonetos Que o Amor Inspirou”. Volume I - Poesia Brasileira.

Na história da literatura brasileira temos o fato curioso de três grandes poetas que se celebrizaram apenas com um livro: Augusto dos Anjos, com “Eu e Outras Poesias”, Raul de Leoni, com “Luz Mediterrânea”, e Moacir de Almeida, com “Gritos Bárbaros”. Eu acrescentaria um nome bem mais recente, cuja obra “Cânticos Bárbaros”, mereceu em 1934 o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras: trata-se de Mário cruz, que vive em Petrópolis, e é técnico do Museu Imperial.

Por acaso, são todos poetas de minha predileção, em que pese à diversidade de estilos e temperamentos, ou justamente por isso. Mas, do mesmo modo que há escritores de um único livro, ou que se consagraram por uma de suas obras, há, entre os poetas, os que se celebrizaram apenas por um poema, um soneto.

O exemplo clássico é o de Felix Arvers, autor de “Mês Heures Perdues”, e que teria mergulhado no mais completo anonimato não fora o seu famoso soneto inspirado por Marie Nodier. Só em língua portuguesa há cerca de 200 traduções conhecidas.

No Brasil há alguns casos mais ou menos semelhantes. Autores de sonetos célebres, ou que se celebrizaram por um soneto, mas com muitas outras produções de valor pelo menos idêntico ao do trabalho consagrado. São por demais citados Bilac com o seu “Ouvir Estrelas”; Raimundo Correia, com “As Pombas” e “Mal Secreto”, e Machado de Assis, com “Carolina”. Carlos Ribeiro, o mercador de livros, me referiu que, às vezes, entram porta adentro de sua livraria e lhe perguntam à queima-roupa:

– O senhor tem aí a “Carolina”, de Machado de Assis?
(hoje há outra “Carolina” concorrendo com a de Machado de Assis: a do Chico Buarque de Holanda, poeta moço, que ainda se dá ao luxo de música nos belos poemas que compõe).

Citemos outros: Raul de Leoni está nos álbuns, nos recitais, na memória do povo, cada vez mais, com aquele soneto que não incluiu em sua obra, e que é apresentado ora com o título de “Perfeição”, ora com o título de “Argila”. Eu prefiro “Perfeição”. Quem não será capaz de dize-lo?

Nascemos um para o outro, desta argila
de que são feitas as criaturas raras,
tens legendas pagãs nas carnes claras
e eu trago a alma dos faunos na pupila...”


Mário Pederneiras, poeta carioca, cantor de sua cidade, hoje quase esquecido, ficou com seu “Suave Caminho”, de um lirismo envolvente:

“Assim, ambos assim, no mesmo passo...”

E o final:

“Placidamente pela vida iremos
calçando mágoas, afastando espinhos,
como se a escarpa desta vida fosse
o mais suave de todos os caminhos...


Nilo Bruzzi, o biógrafo de Casimiro de Abreu e Júlio Salusse, romancista e poeta conquistou seu lugar com um único soneto: “Única”. Pelos primeiros versos vocês se lembrarão logo:

“No turbilhão da vida cotidiana
há sempre oculto um rosto de mulher...”


Há outro poeta que não deixou se quer livro publicado, cearense, falecido em 1941, cujas poesias ficaram esparsas por jornais e revistas de sua terra: o Padre Antônio Tomás. Seu soneto “Contraste” é uma página que traz a marca da perenidade. Canta o poeta: “Quando partimos, no vigor dos anos,/ da vida, pela estrada florescente,/ as esperanças vão conosco à frente/ e vão ficando atrás os desencantos...” Mais tarde, no entanto, conclui: “Nós enxergamos claramente/ quando a existência é rápida e fugaz,/ e vemos que sucede exatamente/ o contrário dos tempos de rapaz:/ os desenganos vão conosco à frente/ e as esperanças vão ficando atrás!”

Julio Salusse, “o último Petrarca brasileiro”, apaixonado pela sua Laura, filha do Conde de Nova Friburgo, criou a imagem do amor eterno com o soneto “Cisnes”. Ainda hoje figura em todos os cadernos de poesia:

“A vida, manso lago azul, algumas
vezes, algumas vezes mar fremente,
tem sido para nós, constantemente,
um lago azul sem ondas nem espumas...”


Alceu Wamosy, gaúcho, que morreu pelejando, com apenas 28 anos, imortalizou-se com os quatorze versos de “Duas Almas”. Quem não os sabe de cor?

“Ó tu que vens de longe! Ó tu que vens cansada
entra, e sob o meu teto encontrarás carinho:
eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
vives sozinha sempre, e nunca foste amada...”


Da mesma maneira, Da Costa e Silva, do outro extremo do Brasil, poeta piauiense, está na memória da gente, com o soneto “Saudade”, cujo terceto final ressoa como uma balada de sino:

“Saudade! O Paraíba, velho monge
as barbas brancas alongando... E ao longe
o mugido dos bois da minha terra...”


Quero encerrar, entretanto, esta crônica, com uma surpresa para vocês. Vou apresentar-lhes um soneto inteiramente desconhecido. Recebi-o de um amigo, num velho recorte sem data, já amarelecido, do “Correio da Manhã”, e certamente o incluirei na 3ª edição de minha antologia “Os Mais Belos Sonetos que o Amor inspirou”. O nome do poeta? Otávio Rocha. Não o conheço; nunca encontrei seu nome em qualquer citação. Mas arrisco-me a vaticinar-lhe a celebridade à proporção que se der a divulgação do soneto. Ei-lo na íntegra:

ROMANCE

“Venha me ver sem falta... Estou velhinha.
Iremos recordas nosso passado;
a sua mão quero apertar na minha
quero sonhar ternuras ao seu lado...”

Respondi, pressuroso, numa linha:
“? Perdoe-me não ir... ando ocupado.
Ameia-a tanto quanto foi mocinha
e de tal modo também fui amado.

Passou a mocidade num relance...
Hoje estou velho, velha está... Suponho
que perdeu da beleza os vivos traços.


Não quero ver morrer nosso romance...
- Prefiro tê-la, jovem no meu sonho,
do que, velha, apertá-la, nos meus braços!


Aí está, o mais velho e o mais belo dos temas, renovado sempre na poesia e no sonho de um poeta.

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Artur de Carvalho (Tá Com Essa Cara Por Quê?)


Cientistas ingleses afirmaram que já é possível fazer transplantes de rosto.

É isso mesmo. Eu li a notícia numa dessas revistas de ciências, no consultório do meu médico A ideia dos cientistas é retirar a pele do semblante de um doador e reimplantá-la em outra pessoa. Afinal, eles dizem, a pele é apenas mais um órgão humano e, se já é possível fazer transplantes seguros até do coração, que é muito mais complicado, por que não da pele?

Eu fiquei abismado. Primeiro que eu nem sabia que a pele era considerada um órgão.Segundo que essa operação oferece possibilidades que beiram a ficção científica.

É, porque, embora os tais cientistas ingleses afirmem que a intenção deles é apenas recuperar pessoas desfiguradas por queimaduras, eu duvido muito que a coisa vá ficar por aí.

Você agora pode mudar de cara, entende? Quem sabe se, daqui alguns anos, a gente não vai poder escolher novas feições numa clínica ou até mesmo num supermercado ou num shopping?

A maioria das pessoas com quem comentei a notícia ficou entusiasmada. Afinal, quase ninguém é muito feliz com a cara que tem. Um reclama do nariz mais protuberante. A outra, de suas orelhas de abano. Um terceiro que tem muitas espinhas. Todo mundo quer mudar de cara.

Apenas um dos meus amigos não gostou muito da ideia. E com uma certa dose de razão.

— Eu é que não troco a minha cara. Apesar de feia, com essa pelo menos eu já estou acostumado.E, mesmo se fosse para trocar, eu ia querer a cara de quem? É uma pergunta interessante. A cara de quem você gostaria de ter? Do Silvester Stallone? Não. Acho que eu prefiro alguma coisa um pouco mais intelectual, Talvez do Woody Alien. Não, também não. Eu nunca fiquei bem de óculos. Do Tom Cruise? Não. As fãs não iam me deixar em paz. Do BilI Gates? Bem, só se, junto com a cara, viesse também seu saldo bancário. A verdade é que é muito difícil escolher uma nova cara.

— E tem outra— continuou meu amigo—, já imaginou ter a cara de outro homem ali, o tempo todo, encostadinha em você? Cai fora, sô...

Mas é claro que, apesar das dificuldades, muitas pessoas iam acabar aderindo aos transplantes de rosto. Umas por vaidade. Outras só porque é moda. E muitas por razões que a gente menos imagina.

— Mãe? Mas que cara é essa???

— Eu troquei de cara, filho.

— Mas... é a senhora mesmo?

— É claro que sou eu, meu filho.

— Mas essa cara, mãe, essa é a cara da... da...

— Joana Prado, filho, eu sei.

— Mas logo da Feiticeira, mãe! Não tinha outra cara pra você colocar?

— Pois é, filho. É que eu quis fazer uma surpresa pro seu pai. Pro meu pai?!

— É. Ele sempre vivia falando dessa Feiticeira pra cá, Feiticeira pra lá. E eu quis fazer uma surpresa pra ele e coloquei a cara dela.

— Puxa vida, mãe... Mas... e o pai gostou?

— Gostou nada. Quem é que disse que era da cara da Feiticeira que seu pai gostava?

==========
Artur de Carvalho colabora com o "Diário de Votuporanga", interior de São Paulo, desde 1997. É autor dos livros "O Incrível Homem de Quatro Olhos", edição do autor — Votuporanga, 2000, e "Pah!", Vialettera Editora, 2003. Além de excelente escritor, Artur é um cartunista dos melhores, com um traço bem diferente, que você poderá ver em seu site, e lá comprar os livros.
www.arturdecarvalho.com.br


Fontes:
http://www.releituras.com.br/acarvalho_menu.asp
Imagem = http://www.todanoticia.com/15411/finaliza-exito-francia-primer-transplante/

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 493)


Uma Trova de Ademar

O Pantanal se engalana,
mas eu mesmo desconfio;
que até a própria chalana
sente ciúmes do rio.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional

Pela janela indiscreta,
ante uma cena de amor,
a lua, sem ser poeta,
tenta um poema compor!
–CAROLINA RAMOS/SP–

Uma Trova Potiguar


Para salvar inocentes
das garras dos marginais,
Deus põe traços diferentes
nas impressões digitais.
–WELLINGTON OLIVEIRA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Ao partir para a outra vida,
aquilo que mais receio,
é deixar nessa partida,
tanta coisa pelo meio ...
–LUIZ OTÁVIO/RJ–

Uma Trova Premiada

1983 - Nova Friburgo/RJ
Tema: QUASE - Venc.


Retratando o que hoje somos,
vejo agora que restou
do quase dois que nós fomos
o quase nada que eu sou.
–SARA M. KANTER/SP–

Simplesmente Poesia

O Que Tu És Para Mim
–WELTON MELO/PE–


Sou tão feliz por estar contigo,
és meu abrigo, meu porto seguro,
és meu descanso quando estou cansado
és meu passado, presente e futuro.

És na partida a dor da saudade,
és liberdade quando estou detido,
tu és o sopro que me deu a vida
és a saída quando estou perdido.

tu és precisa numa precisão
és a razão por que mudei tanto,
tu és o manto que cobriu Maria
és calmaria que acalmou meu pranto.

Tu és o tudo quando estou no nada
és alvorada pra o amanhecer,
tu és a barra do final da tarde
e Deus me livre de perder você!

Estrofe do Dia

Remexendo os cascalhos da lembrança
pra saber o que eu tinha na verdade,
vi que resta bem menos da metade
do que eu tinha no tempo de criança;
até mesmo um restinho de esperança
meu ingrato destino carregou;
a minha perna esquerda gangrenou
transformando um atleta em aleijado,
quando volto um minuto no passado
vejo tudo o que o tempo me tomou...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Maldição
–OLAVO BILAC/RJ–


Se por vinte anos nesta furna escura
deixei dormir a minha solidão
hoje velha e cansada de amargura
minha alma se abrirá como um vulcão.

E em correntes de cólera e loucura
sobre tua cabeça ferverão
vinte anos de silêncio e de tortura,
vinte anos de agonia e solidão.

Maldito sejas pelo ideal perdido
pelo mal que fizestes sem querer,
pelo amor que morreu sem ter nascido,

pelas hora vividas sem prazer;
pela tristeza do que eu tenho sido,
e pelo esplendor que deixei de ser.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor