quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Irmãos Grimm (Fundevogel)

Era uma vez um guarda florestal que foi à floresta para caçar, e assim que entrou na floresta ele ouviu o som de alguém gritando como se uma criança estivesse por ali. Ele seguiu os ecos do som, até que chegou perto de uma árvore muito alta, e no topo da árvore havia uma criança sentada, pois a mãe havia adormecido debaixo da árvore com a criança, e uma ave de rapina, tendo visto a criança em seus braços, desceu voando, e a levou embora, pousando no topo da árvore.

O guarda florestal subiu até o topo, desceu a criança, e pensou consigo mesmo:

“Você irá levar esta criança para casa, e vai educá-la junto com a sua pequena Lina.”

Ele a levou para casa, portanto, e as duas crianças cresceram juntas. E a pequenina, que ele encontrou em cima da árvore ele deu o nome de Fundevogel[*], porque um pássaro a havia levado embora.

Fundevogel e Lina amavam-se com tanto carinho que quando um não via o outro eles ficavam tristes.

E aconteceu que o guarda florestal tinha uma velha cozinheira, que uma noite pegou dois baldes e foi buscar água, e não foi buscar somente uma vez, mas várias vezes, foi até a fonte.

Lina viu isto e disse, “Ouça, minha velha Sanna, porque você está buscando tanta água?”

“Se você nunca contar isto para ninguém, eu lhe direi porque.”

Então, Lina disse, “não, eu jamais contaria isto para ninguém”,

E então, a cozinheira falou: – “Amanhã de manhã bem cedo, quando o guarda florestal tiver saído para caçar, eu vou aquecer bastante água, e quando ela estiver fervendo dentro da chaleira, eu vou jogá-la sobre Fundevogel, e vou cozinhá-la na água fervendo.”

Na manhã seguinte, bem cedinho, o guarda florestal se levantou e saiu para caçar, e quando ele tinha saído as crianças ainda estavam na cama.

Então, Lina disse para o Fundevogel: “Se você nunca me deixar, eu nunca te deixarei também.”

Fundevogel falou: “Nem agora, nem nunca eu te deixarei.”

Então, Lina disse: “Então, preciso lhe contar uma coisa. Na noite passada, a velha Sanna carregou tantos baldes de água para casa que eu perguntei a ela porque estava fazendo aquilo, e ela me pediu para que eu prometesse não contar nada para ninguém, e ela disse que no dia seguinte, bem cedo de manhã, quando o nosso pai tivesse saído para caçar, ela iria pegar um balde cheio de água, jogaria você dentro dele e cozinharia você; mas nós vamos nos levantar rapidamente, vamos nos vestir, e fugiremos juntos.”

Então, as duas crianças se levantaram, se vestiram rapidamente, e foram embora. Quando a água estava fervendo dentro da chaleira, a cozinheira entrou no quarto para buscar Fundevogel e jogá-lo dentro dela. Mas quando ela entrou no quarto, e foi até as camas, as duas crianças já não estavam mais lá. Então, ela ficou muito preocupada, e falou consigo mesma: – “O que é que eu vou dizer agora quando o guarda florestal chegar em casa e ver que as crianças sumiram? Preciso procurá-las imediatamente para trazê-las de volta para casa.”

Então, a cozinheira mandou que três criadas fossem atrás delas, as quais deviam se apressar e trazer as crianças. As crianças, contudo, ficaram sentadas fora da floresta, e quando elas viram de longe as três criadas correndo, Lina disse para Fundevogel: – “Jamais me abandone, e eu jamais te abandonarei.”

Fundevogel falou: – “Nem agora, nem nunca.”
Então, Lina disse: “– Você se transforma numa roseira, e eu serei a rosa da roseira.”

Quando as três criadas chegaram à floresta, não havia nada ali com exceção de uma roseira e de uma rosa em cima da roseira, mas as crianças não estavam em lugar algum.

Então, elas disseram: “Não temos mais nada a fazer aqui,” e elas voltaram para casa e disseram para a cozinheira que elas não tinham visto nada na floresta, apenas uma pequena roseira com uma rosa em cima dela.

Então, a velha cozinheira as repreendeu e disse: “Suas tolas, vocês deveriam ter cortado a roseira em duas partes, deviam ter arrancado a rosa e trazido ela para casa com vocês; vão, e façam isso imediatamente.”

Então, elas tiveram que sair e procurar pela segunda vez. As crianças, no entanto, viram quando elas estavam chegando à distância. Então, Lina falou: “Fundevogel, nunca me abandone, e eu nunca te abandonarei.” Fundevogel falou: “Nem agora, nem nunca.”

Disse Lina: – “Então, transforme-se numa igreja, e eu serei o candelabro da igreja.”

Então, quando as três criadas chegaram, não havia nada ali, além de uma igreja com um candelabro. Então, as criadas disseram uma para a outra: “Não há nada para fazer aqui, vamos voltar para casa.”

Quando elas chegaram em casa, a cozinheira perguntou se elas haviam encontrado as crianças; então, elas disseram que não, elas não tinham visto nada, apenas uma igreja, e havia um candelabro dentro da igreja.

A cozinheira então as repreendeu e disse: “Suas tolas! porque vocês não reduziram a igreja a destroços, e trouxeram o candelabro com vocês para casa?”

Então, a velha cozinheira saiu ela mesma, e foi com as três criadas a procura das crianças. As crianças, todavia, viram de longe que as três criadas estavam chegando, e a cozinheira vinha correndo atrás delas.

Então, disse Lina: “Fundevogel, nunca me abandone, e eu nunca te abandonarei.” Então, Fundevogel falou: “Nem agora e nem nunca.”

Disse Lina: “Transforme-se numa lagoa de peixes, e eu serei um patinho brincando ao redor da lagoa.”

A cozinheira, entretanto, chegou perto deles, e quando ela viu a lagoa, ela se curvou diante da lagoa, e ia beber um pouco de água. Mas o pato nadou rapidamente até ela, pegou a cabeça dela com o bico e a empurrou para dentro da água, e lá a velha bruxa morreu afogada.

Então, as crianças foram juntas para casa, e elas estavam muito felizes, porque elas não morreram, e ainda estavam vivas.
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Nota

[*] Fundevogel: em alemão, significa aquele ou aquela que foi encontrado(a) pela ave.

Fonte:
Contos de Grimm

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.° 45 – 4 de fevereiro de 1888.

Não, senhor, por mais que possa
Achar censura, confesso
Que não tenho medo à troça,
Referindo este sucesso.

Há muito que me pejava
Da botoeira que tenho,
Cava, inteiramente cava;
Sem qualquer sinal de engenho.

De serviço ou caridade,
Cousa que haja merecido
A particularidade
De me fazer distinguido.

Não é que imitar quisesse
O José Telha, que corre
Por fita que não merece,
E se lh'a não derem, morre.

Não quis hábito da Rosa,
Cristo nem Pedro Primeiro,
Avis ou mesmo a famosa
Fita do grave Cruzeiro.

São moedas da coroa,
E eu, democrata, não devo
Expor a minha pessoa
A ser contrária ao que escrevo.

Mas então, de que maneira
Preencheria o vazio
Desta minha botoeira
Sem diminuir o brio?

O que desde logo acode
É por uma flor bonita,
Ou Rosa ou cravo, que pode
Suprir muito bem a fita.

Porém, dês que a alma nossa
Tem casaca e bem talhada,
Preciso é fita que possa
Encher-lhe a casa sem nada.

Mas que fita? em que armarinho
Recente podia havê-la?
Encontrei logo o caminho:
Corri a Venezuela.

Venezuela tem uma
Ordem muito bem disposta,
Com que premiar costuma,
Costuma, procura e gosta.

Tem grã-cruzes, tem comenda,
Tem dignitárias e o resto.
Há para todas as prendas
Um sinal brilhante e honesto.

Ordem é mui bem fundada
Sobre a liberdade amiga,
Grave como a Anunciada,
Como o Banho, como a Liga.

Simão Bolívar se chama,
Grande nome e livre nome;
Coroou-o eterna fama
Do louro que se não some.

A venera é justamente
Como são outras veneras,
Usa-se ao colo pendente,
Ao peito, em forma de esferas.

A fita é de chamalote,
Como são as outras fitas,
Não é certo que desbote
E tem as cores bonitas.

Quanto ao efeito no rosto
Da multidão é perfeito;
Dá o mesmo grande gosto
E o mesmíssimo despeito.

Corri a Venezuela,
Venezuela escutou-me,
Pude logo convencê-la,
Ouviu-me, condecorou-me.

Não é só a monarquia
Que tem plantas reverendas;
Vento da democracia
Também faz brotar comendas.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

Teófilo Braga (A Filha do Lavrador)

Recolhido em Santa Maria, Famalicão

Era uma vez um príncipe; todas as vezes que vinha lavar-se à varanda do seu quarto, via defronte a filha de um lavrador, que era muito linda. Ora naquele tempo a verdadeira nobreza era a dos lavradores, e por isso o príncipe falava para ela, e dizia:

– Deus vos salve, filha de lavrador.

E ela respondia:

– E a vós, príncipe e real senhor.

Ele conversava para ela, e perguntou-lhe se não queria encontrar-se na grande feira do ano, que se fazia? Ela disse que não, mas pediu licença ao pai, foi adiante e meteu-se no quarto da estalagem onde havia de pernoitar o príncipe. Quando disseram ao príncipe que estava ali uma mulher, ele respondeu:

– É o mesmo.

Entrou para o quarto; viu uma moça muito linda, mas não a conheceu. Apagou a luz e ficaram toda a noite juntos. Pela manhã muito cedo ela arranjou-se para partir, e o príncipe perguntou-lhe o que é que ela queria em lembrança daquela noite; ela pediu-lhe a espada. O príncipe não teve remédio senão dar-lha. Passados dias, o príncipe fez os mesmos cumprimentos:

– Deus vos salve, filha de lavrador.

– E a vós também, real senhor.

– Então a menina não vai amanhã à romaria, para se encontrar lá comigo?

Ela disse que não, mas foi adiante e com tal jeito que ficou no lugar onde o príncipe tinha de dormir aquela noite. Ora já se tinha passado muito tempo, e a filha do lavrador tinha tido às escondidas um menino, que estava a criar e era o retrato do príncipe. Desta vez as coisas passaram-se como da outra, e quando foi pela manhã cedo, o príncipe disse-lhe que pedisse o que queria, e ela disse que só queria o cinto que ele usava.
   
Já se sabe, veio a ter outro menino. Foi ainda uma terceira vez convidada para um grande arraial, e ela lá se encontrou com o príncipe sem ele saber que era a filha do lavrador. Desta vez também lhe perguntou o que é que ela queria, e a moça pediu-lhe o relógio. Passado o tempo também teve uma menina, que pôs a criar com os outros dois filhos do príncipe.

Um dia disse ele:

– Filha de lavrador, vou-me casar. Não queres vir à minha boda?

Ela disse que não; mas no dia do casamento entrou pelo palácio dentro com os três meninos, um com a espada, outro com o cinto, e a menina com o relógio. Deixaram-na entrar, e ela foi para a mesa. O príncipe conheceu aquelas três prendas que dera, sem saber a quem, e viu que os meninos eram o seu retrato. No fim do jantar disse que cada um havia de contar a sua história, e que ele é que começaria. Disse então:

– Um dia um homem perdeu uma chave de ouro, e arranjou uma de prata para servir-se; mas aconteceu achar outra vez a chave que tinha perdido, e agora quero que os senhores me digam de qual delas se deve servir daqui em diante, da de ouro ou da de prata?

Disseram todos:

– Da chave de ouro! Da primeira.

O príncipe levantou-se, e foi buscar a filha do lavrador, que estava a um canto da mesa, e disse:

– A esta é que tomo por mulher; e estes infantes são os meus filhos, que eu tinha perdido.

A festa continuou muito alegre, e dali se foram a receber com grandes alegrias.

Fonte:
Contos Tradicionais do Povo Português

Airton Donizete (O certo, o эяяado e a língua portuguesa)

Quando eu morava no sítio, ainda menino, ia com minha mãe levar almoço ao meu pai e irmãos, que trabalhavam na roça. Eles derriçavam* café, plantavam arroz, feijão e milho, conforme a época. No sistema de porcentagem, a produção era divida com o patrão. A cada dia estavam num lugar da imensa roça. Minha mãe cortava caminho e chegava rápido ao eito de trabalho. Ela nunca fazia o trajeto normal. Sempre desviava das habituais trilhas.

Certa vez, perguntei como os encontrava. Minha mãe explicou que antes de sair de casa fazia um traçado mental do terreno. Ela calculava aonde eles haviam chegado de acordo com o trabalho do dia anterior. E seguia, desviando de possíveis obstáculos até chegar ao lugar desejado. Usei essa metáfora para dizer que quem escreve, antes de se atentar à gramática normativa, deve aprender a formar frases, imaginar um roteiro, saber aonde chegar e conhecer o que vai dissertar.

Os maiores erros em redações de vestibular, textos jornalísticos, entre outros escritos, é a falta de domínio do assunto. De pensamento claro e lógico para produzir um texto coerente.

Não faz muito tempo, houve aquela celeuma de parte da mídia em torno de um livro didático, lançado pelo governo federal, que mostrou variantes da língua portuguesa, mas foi confundido com o certo e o errado.

Na época, a consultora de língua portuguesa do Grupo Folha, Thaís Nicoleti de Camargo, escreveu: “A ideia (do livro) é mostrar que realizações sintáticas como ‘os livro’ ou ‘nós pega’ têm uma gramática, que, embora diversa da que sustenta a norma de prestígio social, constitui um sistema introjetado por um vasto grupo social – daí ser possível falar em variante linguística”.

Portanto, a respeito de dois embates que tive recentemente sobre gramática, que me levaram a escrever este artigo, digo que fizemos barulho por quase nada. Meus interlocutores estavam preocupados apenas com uma faceta da língua: a norma culta. Que não é mais nem menos importante. Ela faz parte da língua, como outra variante qualquer. O problema é que o senso comum confunde a norma culta com a língua.

Para andar pela roça não devemos apenas aprender o caminho convencional. Mas conhecer o café, o arroz, o feijão, o milho e os limites do sítio, como fazia minha mãe. Aí, vamos fugir da "educação bancária", como ensina Paulo Freire.

Por que tanto barulho se alguém diz a presidenta ou a presidente (pela norma culta, ambos estão certos). Ou se fulano escreve as placas do carro (Recomenda-se a placa). Não estou dizendo que não se ensine a norma culta, que é um código de mediação necessário. A questão é bem mais embaixo. Estamos diante da língua com suas muitas possibilidades.

Finalizo com o professor Marcos Bagno: “As regras das variedades populares são, muitas vezes, bem mais racionais do que as regras normatizadas. Criando-se assim um ambiente acolhedor e culturalmente sensível, o aprendizado da tão reverenciada ‘norma culta’ se torna menos traumático do que sempre foi”.
____________
* Derriçavam = debulhavam

AIRTON DONIZETE, jornalista, mestrando em Comunicação Visual pela UEL e especialista em linguística pela UEM

Fonte:
http://angelorigon.com.br/2014/01/23/o-certo-o-errado-e-a-lingua-portuguesa/

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Cora Coralina (O Casamento e a Cegonha)

Os pais da noiva tinham resolvido que o casamento da filha se faria ali mesmo, na chácara, à boa moda antiga, com mesada de doces, churrasco, muita empada, leitoa, frango assado, boas comidas e abundantes bebidas.

Armou-se o altar na sala da frente. Cobriu-se a mesa do civil com um lindo atoalhado de plástico. Vieram os convidados. Veio o vigário, veio o juiz e veio o escrivão. Testemunhas e a roda dos parentes. Fizeram o casamento. A moça sempre fora alta, grandalhona, fornida de carnes e de bons quartos. Naquele vestido branco, rodado, de babados subindo e descendo, de véu e grinalda, inda mais reforçada parecia.

Como a festança era mesmo de arromba, fogos pipocando, música chegando e  muita gente entrando e saindo, ninguém mais reparou nos noivos que depois de posarem para o retrato de praxe, na cabeceira da mesa e de cortarem juntos o bolo artístico, se misturaram com os convidados e cada qual se achou à vontade e sem constrangimento.
O juiz e o vigário deixaram-se ficar numa roda de amigos, conversando com advogados, escrivães, gente do foro.

O baile tinha começado. A moçada saracoteava alegre. Os que não eram de dança, rodeavam a mesa posta, com pratos, copos e garrafas. Espetos de churrasco e bandas de leitão se cruzavam por todos os lados.

Boas comidas, muita bebida e os donos da casa pondo o pessoal à vontade, incansáveis, não cabendo em si de contentes com o casamento daquela primeira filha. Nada alegra tanto o coração da criatura como mesa posta, carne assada, bebidas de graça e falta de cerimônia. Quem contestar esta verdade simples, não merece dois vinténs de crédito.

Bem por isso mesmo diz o caboclo: a alegria vem das tripas — barriga cheia, coração alegre. O que é pura verdade.

A orquestra assoprava valsas e boleros com furor. Os pares girando. Os namorados namorando. Os que não dançavam se encostavam pelas mesas e, quem já estava farto, fazia roda, bebia café, fumava cigarro e contava piadas.

Quando a festança ia mais animada, lá pelas tantas, ouviu-se um corre-corre pelos quartos e corredores.

Logo mais aparecia na sala o dono da casa, ansioso e afobado, se desculpando e pedindo ao juiz e ao vigário fazerem o favor de acabar com a festa porque a noiva estava com dor de parto e a assistente já tinha chegado...

“Isto é que se chama aproveitar o tempo”, comentou um convidado, “numa só festa, casa a filha e chega a cegonha...”

Fonte:
Cora Coralina. Estórias da Casa Velha da Ponte. SP: Global, 2001

Irmãos Grimm (O Bom Negócio)

Era uma vez um camponês que tinha levado a sua vaca para a feira, e a vendeu por sete táleres. No caminho de volta para casa ele tinha de passar por um lago, e já de longe ele ouvia os sapos gritando: “Iquá, quá, quá, quá!”

— “Bem,” disse ele para si mesmo, “eles não sabem o que estão dizendo, são sete táleres que eu recebi não quatro.”

Quando ele entrou na água, o camponês gritou para eles: — “Criaturas estúpidas que vocês são! Vocês não sabem de nada! São sete táleres e não quatro.”

Os sapos, no entanto, continuavam a mesma ladainha, “Iquá, quá, quá, quá!”

— “O quê, vocês não acreditam, eu posso mostrar na frente de vocês,” e ele tirou o dinheiro do bolso e contou os sete táleres, levando-se em conta que vinte e quatro grosches equivalem a um táler.

Os sapos, todavia, sem saber o que ele dizia, continuam dizendo “Iquá, quá, quá, quá!”

— “O quê, exclamou o camponês que já estava ficando zangado, — “já que vocês acham que sabem mais do que eu, contem vocês mesmos,” e jogou todo o dinheiro na água.

Ele ficou parado e ficou esperando até que tivessem terminado de contar e lhe devolvessem o dinheiro de novo, mas os sapos ficaram imóveis e gritavam sem parar: “Iquá, quá, quá, quá!” e além disso, não jogaram o dinheiro de volta para ele. Ele ainda esperou um bom tempo até que a noite chegou e ele foi obrigado a ir para casa.

Então, ele insultou os sapos dizendo: — “Escuta aqui, seus espirradores de água, seus cabeças gordas, seus olhos esbugalhados, vocês tem bocas grandes e podem berrar até estourarem os seus ouvidos, mas vocês não sabem contar sete táleres! Vocês acham que eu vou ficar esperando aqui até quando terminarem? E com isso ele foi embora, mas os sapos continuavam gritando “Iquá, quá, quá, quá!” depois que ele se foi, até que ele chegou em casa muito furioso.

Passado algum tempo ele comprou uma nova vaca, a qual ele matou, e fez as contas que se ele vendesse a carne por um preço bom, ele poderia ganhar o equivalente ao que duas vacas valeriam, e usaria ainda o couro dela na troca.

Quando então ele chegou na cidade com a carne, uma grande matilha de cães estava reunida na frente do portão, e eram chefiados por um cachorro galgo, que pulou na carne, meteu o focinho nela e latindo: “Uau, uau, uau.”

Como ele não parava de latir, o camponês disse para ele:

— “Sim, sim, eu sei muito bem o que você está dizendo “uau, uau, uau,” porque você quer um pedaço de carne, mas eu teria um prejuízo se eu desse um pedaço para você.”

O cachorro, todavia, não respondia nada, somente “uau, uau, uau.”

— “Você promete não devorar tudo, então, e você se responsabiliza pelos teus amigos?”

“Uau, uau, uau.”, dizia o cachorro.

— “Bem, se você insiste, eu vou te dar um pedaço, eu te conheço bem, e sei que você é quem manda, mas eu lhe digo, dentro de três dias eu preciso receber o dinheiro, caso contrário, você vai se ver comigo, e você deve entregar o dinheiro lá em casa.”

E assim ele descarregou a carne e virou as costas, e os cachorros pularam em cima dela e latiam alto: “uau, uau, uau.”

O camponês, ouvindo-os de longe, dizia consigo mesmo: — “Escute só, todos eles queriam um pedaço, mas o grandalhão é o principal responsável por tudo.”

Três dias haviam se passado, e o camponês pensou:

— “Hoje o dinheiro estará no meu bolso,” e ficou muito satisfeito. Mas ninguém aparecia para lhe dar o dinheiro.

— “Será que não dá para confiar em ninguém hoje em dia,” pensou ele, e finalmente ele perdeu a paciência, e foi até a cidade procurar o açougueiro e exigir o seu dinheiro. O açougueiro achou que era uma brincadeira, mas o camponês dizia:

— “Não estou brincando, eu quero o meu dinheiro! Por acaso, o cachorro grande não trouxe para você uma vaca inteirinha que eu matei há três dias atrás?”

Então o açougueiro ficou nervoso, pegou um cabo de vassoura e expulsou o camponês.

— “Espere um pouquinho,” pensou o camponês, “deve haver ainda justiça no mundo!” e foi para o palácio do rei e solicitou uma audiência. Ele foi levado diante do rei, o qual estava sentado ao lado da sua filha, e lhe perguntou que prejuízo ele havia sofrido.

— “O senhor não imagina,” disse ele, “os sapos e os cachorros tomaram de mim o que me pertence, e o açougueiro me retribuiu com vassouradas,” e relatou com todos os detalhes tudo o que havia acontecido.

Então, a filha do rei começou a achar tudo muito engraçado e o rei disse para ele:

— “Não posso te fazer justiça nesse caso, mas você receberá a minha filha como esposa, - em toda a sua vida ela nunca riu desse jeito como riu agora, e eu prometi que ela se casaria com aquele que conseguisse fazê-la sorrir. Você deve agradecer a Deus porque você é um cara de sorte!”

— “Oh,” respondeu o camponês, “não posso me casar com ela, eu já tenho uma esposa, e ela já é demais para mim, quando eu vou para casa, é tudo tão ruim que é como se eu tivesse uma esposa em cada canto da casa.”

Então, o rei se ofendeu, e disse: — “ Você é um imbecil.”

— “Ah, senhor rei,” respondeu o camponês, “o que você pode esperar de uma vaca, que não fosse um bife?”

— “Chega,” disse o rei, “vou te dar uma outra recompensa. Vai-te embora agora e volta dentro de três dias, e então, terás quinhentos bem contados.”

Quando o camponês saía pelo portão, o sentinela disse: — “Você conseguiu fazer a filha do rei sorrir, então, certamente você receberá alguma coisa boa.”

— “Sim, é o que eu também acho,” respondeu o camponês, “quinhentos bem contados me serão dados.”

— “Escuta,” disse o soldado, “me dê um pouco disso. O que você vai fazer com todo esse dinheiro?”

— “Como é para você,” disse o camponês, “você receberá duzentos, dentro do prazo de três dias, apresente-se diante do rei, e peça a ele que isso te seja entregue.”

Um judeu, que estava parado ali, e tinha ouvido a conversa, foi correndo atrás do camponês, o segurou pelo casaco, e disse: — “Oh, maravilha! que garoto de sorte que você é! Eu troco para você, eu troco para você com pequenas moedas, porque você precisa das notas graúdas dos táleres?”

— “Judeu,” disse o camponês, “você ainda pode receber trezentos, me dê esse valor agora mesmo em moedas, dentro de três dias a partir de hoje, você poderá receber esse valor pelas mãos do rei.”

O judeu dava pulos de alegria diante do lucro, e trouxe todo o valor em grosche muito usado, onde três dos ruins valeriam dois bons.

Três dias haviam decorridos, e de acordo com a ordem do rei, o camponês compareceu diante do rei.

— “Tire o casaco dele,” disse o rei, “e ele receberá os quinhentos.”

— “Ah,” disse o camponês, “eles não me pertencem mais, eu dei de presente duzentos deles para o sentinela, e trezentos o judeu trocou para mim, então, por direito, não tenho direito a mais nada.”

Nesse momento, o soldado e o judeu entraram e reclamaram o que eles tinham ganhado do camponês, e eles receberam as quinhentas chicotadas bem contadas.

O soldado suportou com paciência pois já tinha sofrido antes, mas o judeu falou arrependido: — “Oh não, seriam estes os táleres que eu deveria receber?”

O rei não conseguia parar de rir para o camponês, e toda a sua raiva foi embora, e ele disse:

— “Como você já recebeu a tua recompensa antecipadamente, eu te darei uma compensação em troca. Vá até a minha câmara de tesouro e pegue todo o dinheiro que quiser.”

Não precisou que o rei falasse duas vezes para o camponês, e ele encheu os seus bolsos enormes com tudo o que coube dentro. Depois ele foi até uma estalagem, e contou todo o dinheiro.

O judeu foi escondido atrás dele e ouvia que ele resmungava sozinho, — “O desgraçado do rei me trapaceou afinal, porque ele mesmo não poderia ter-me dado o dinheiro, e então, eu saberia o quanto tenho? Quem pode me dizer agora, se o que eu tive a sorte de colocar nos meus bolsos é suficiente ou não?

— “Meu Deus do céu!”, disse o judeu para si mesmo, “esse homem está falando de modo desrespeitoso do nosso senhor, o rei, eu vou correndo lá para informá-lo, e então, eu receberei uma recompensa, e ele será punido também.”

Quando o rei ouviu o que o camponês tinha dito, ele ficou furioso, e exigiu que o judeu fosse e trouxesse o blasfemador até ele.

O judeu correu até onde o camponês estava, — “Você precisa ir imediatamente até o rei, nosso senhor, com as roupas que você estiver usando.”

— “Sei de uma coisa melhor que essa,” respondeu o camponês, “preciso conseguir um casaco novo primeiro. Você acha que um homem com tanto dinheiro no bolso se apresenta diante do rei com um casaco velho e rasgado?”

O judeu, quando ele viu que o camponês não se mexia porque não tinha outro casaco, e como ele temia que a fúria do rei esfriasse, e ele próprio perderia a sua recompensa, e o camponês não seria punido, ele disse:

— “Eu mesmo, como prova da minha verdadeira amizade, te empresto um casaco por algum tempo. O que as pessoas não fazem por amor!”

O camponês deu-se por satisfeito, vestiu o casaco do judeu, e saiu em companhia dele.

O rei repreendeu o camponês porque ele havia falado mal de acordo com o que o judeu tinha informado.

— “Ah,” disse o camponês, “o que um judeu fala é sempre mentira -- jamais se ouviu que um judeu falasse a verdade! Esse ordinário é capaz de dizer que eu estou usando o casaco dele.”

— “O que você disse?” berrou o judeu. “Este casaco não é meu? Eu emprestei ele a você por pura amizade, para que você pudesse se apresentar diante do rei?”

Quando o rei ouviu isso, ele disse:

— “O judeu com certeza está me enganando ou a nós dois, ou a mim ou ao camponês,” e novamente mandou que lhe aplicassem novas e pesadas chibatadas.

O camponês, todavia, voltou com um casaco novo, com dinheiro no bolso, e dizia para si mesmo:

— “Desta vez eu acertei!”
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Táler = foi uma moeda de prata usada na Europa por quase quatrocentos anos.

Fonte:
Contos de Grimm

A Saudade em Versos Diversos VI


EUDES BATISTA DE PAULA
O tempo


Quando vem a saudade
O tempo volta atrás
O amor vem a realidade
Te esquecer jamais

Quando vem a saudade
Tudo faz lembrar
Todo o amor que eu te dei
E tudo volta num piscar

Toda a lágrima
Que por você eu chorei
Não foi em vão
Agora eu sei

Todo amor que eu senti
Por você, não foi em vão
Com você aprendi
A escutar meu coração

Quando vem a saudade
Agora sei, que nunca esquecerei
O quanto te amei de verdade
Um amor que sempre levarei
Para toda a eternidade.

OLAVO BILAC


Este que um Deus cruel arremessou à vida
Marcando com um sinal da sua maldição
Este que desabrochou com uma erva má
Nascida apenas para os pés ser calcada no chão.

De motejo em motejo arrasta a alma ferida
Sem constância no amor dentro do coração,
Sente, crespa crescer a selva retorcida
Dos pensamentos maus, filhos da solidão.

Longos dias sem sol. Noites de eterno luto.
Alma cega, perdida à-toa no caminho,
Roto casco de nau desprezado no mar

E árvore acabará sem nunca dar um fruto.
E homem há de morrer como viveu:
Sozinho, sem ar, sem luz, sem Deus Sem fé, sem pão, sem lar.

REGINA MERCIA SENE SOARES
Dor da Saudade


Eu sinto a dor da saudade
Eu sinto a dor quando
Você estava para chegar
A mais dolorida dor é
Do amor que foi embora.
A dor do beijo não mais dado.
A dor do cheiro não mais sentido.
A dor da pele não mais acariciada .
A dor da sua não presença.
A dor da sua ausência.
A dor do amor quando se acaba.
A dor dos longos dias
Que passamos juntos.
A dor do pensamento.
A dor do silêncio.
Mas a maior dor é
A da saudade...
Essa dor é muito dolorida.
A dor de saber que nunca
Mais vou te ver...
Não vou sentir mais
Seu cheiro, seus beijos
Seu calor, sua voz
Ver o seu rosto
Pegar em sua mão
Não vou mais te abraçar.
Eu me pergunto;
Por que tanta dor?

GILBERTO VAZ DE MELO
Saudade


 Uma triste janela
Entreaberta
Aguarda a presença
Da velhinha solitária
Que,
À meia luz
Sempre contempla ...incrédula,
Como foi possível
O tempo não lhe avisar
Que passaria-lhe tão depressa !!!

ALDA CORRÊA MENDES MOREIRA
Adeus, Saudade

 

Eu sinto no meu peito um coração ardente;
com toques mui sutis, busca sempre um amigo
que lhe sirva de pouso e seja confidente.
E nesta caminhada alegre assim prossigo...

Certas horas, porém, estou muito carente,
lembrando com tristeza aquele amor antigo
que com grande carinho era sempre presente,
tornando a minha vida um carinhoso abrigo.

Mas encontro, na minha estrada de ilusão,
uma figura meiga a segurar-me a mão,
trazendo para mim grande felicidade.

E eu tenho agora então momentos de esplendor
que me trazem de volta aquele doce amor,
fazendo-me esquecer momentos de saudade!

ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG
Saudade


A vida é sempre um esperar constante
e a cada instante a gente espera mais,
num sentimento vago e tão distante
a nos tirar constantemente a paz!

Como fugir dessa cruel verdade,
se a saudade nos bate sem dó,
e ao bater com tanta intensidade,
maior é a dor por se ficar tão só!

Mas bem pior é não sentir saudade,
não ter ninguém para poder sonhar,
viver somente de realidade!

Sonhar é bom, e faz bem a gente,
não dá vontade de mais acordar,
sentir saudade é sofrer contente!

Teófilo Braga (A Carpinteirazinha)

Recolhido no Algarve

Três irmãs viviam do seu trabalho. Estando elas um dia questionando qual era a mais habilidosa, diz a mais velha:

– Eu tenho habilidade de fazer uma camisa da pele de casca de ovo para o rei.

– E eu atrevia-me a fazer-lhe umas calças de uma casca de amêndoa verde.

Disse a terceira:

– E eu atrevia-me a ter três filhos do rei sem ele o saber.

Deu-se o caso do rei ter passado por ali na ocasião desta conversa, e logo pediu licença para entrar. Disse que tinha ouvido isto assim e assim, e que ordenava que elas lhe mostrassem as suas habilidades.

A mais nova respondeu-lhe que isso dependia de tempo enquanto à sua parte, e o rei partiu dizendo-lhe que não deixasse perder a ocasião.

As duas irmãs ficaram penalizadas com a aposta da mais nova, mas trataram de desempenhar-se da sua promessa.

Soube a mais nova que o rei saía da corte e ia estar um ano em Bule; pediu então dinheiro emprestado às irmãs, comprou ricos vestidos, e apresentou-se em Bule sem que o rei a conhecesse.

Ao fim de nove meses teve ela um menino. Ao fim de um ano o rei disse que ia até Toledo, e que quando voltasse casaria com ela, e deu-lhe muitas jóias e dinheiro à despedida.

Foi o rei para Toledo e quando lá chegou, já lá estava a rapariga com outros trajes, com outra fisionomia, e o rei tornou-se a apaixonar por ela, dizendo que ela era superior a tudo quanto tinha visto.

Ao fim de nove meses teve outra criança. Acabado o ano, foi o rei para Sevilha, e lá lhe tornou a aparecer a rapariga tão bem arranjada que lhe pareceu a melhor mulher que havia naquela terra.

Teve então um terceiro menino. Não quis o rei ao voltar para a corte passar por Bule, nem por Toledo, porque prometera casamento às outras duas; quando entrou na corte já lá estava a carpinteirazinha e as irmãs, pasmadas com as riquezas que trazia.

Ela fartou-se de esperar a visita do rei, que não se fiava na aposta; passado tempo o rei estava para casar com uma princesa, e no dia da boda a carpinteirazinha mandou à corte os seus três filhos vestidinhos com todas as jóias que o rei lhe tinha dado.

Disse-lhes que beijassem a mão do rei e ficassem calados, e só quando o rei lhes perguntasse o que queriam dissessem:

– Bule, Toledo, Sevilha, andai;
Vimos ver o casamento d'El-Rei meu pai.

Assim fizeram os meninos; o rei compreendeu logo tudo, lembrou-se da aposta e mandou vir a carpinteirazinha, com quem casou da melhor vontade.

Fonte:
Contos Tradicionais do Povo Português

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Outros Contistas

Também têm se dedicado ao conto
Adriano Espínola (poeta e ensaísta dos mais conceituados no Brasil, com livros editados por grandes editoras),
Alcides Matos (nascido em 1938, publicou o primeiro livro de contos em 2006),
Almir Gomes de Castro (volumes de contos e romances),
Angela Gutiérrez (romancista e poeta, com livros publicados),
Aíla Sampaio (poeta e ensaísta, com livros publicados),
Cândido Rolim (algumas coleções de poemas, sendo o primeiro de 1982),
Carlos Nóbrega (autor premiado, tem livros de poemas),
Cherlanyo Barros (um livro publicado e alguns inéditos),
Dimas Macedo (tem se dedicado à poesia e à crítica literária, com êxito),
Floriano Martins (poeta, ensaísta e contista desde os anos 1970, com extensa obra publicada),
Genuino Sales (piauiense há muitos anos no Ceará, um livro de contos editado),
Ivaldo Ribeiro Filho (piauiense, tendo morado em Fortaleza por dezesseis anos, com quatro livros de poemas editados),
João Soares Neto (autor de livros de crônicas e poemas),
Jorge Tufic (poeta acreano radicado no Ceará há muitos anos, com mais de quarenta livros editados),
Julio Lira (premiado diversas vezes, livros infantis publicados),
Léo Mackellene (estreou em 2006 com O livro das sombras ou O livro dos mais pequenos silêncios, de poemas),
Lucineide Souto (um volume de contos publicado e diversos inéditos),
Majela Colares (livros de poemas e contos),
Mendes Júnior (estreou nas letras impressas, em 2007, com o volume de contos O Engraxate e Outros Suicidas),
Pedro Henrique Saraiva Leão (poeta publicado desde 1960, com diversos volumes de poemas),
Raymundo Netto (autor do romance Um Conto no Passado: Cadeiras na Calçada),
R. Leontino Filho (poeta com alguns livros publicados, tendo estreado em 1982),
Sânzio de Azevedo (mais conhecido como ensaísta, historiador da Literatura Cearense e poeta),
Sérgio Rebouças (estreou em 2007 com o volume de contos A Canção do Silêncio),
Soares Feitosa (poeta, mas já deu a conhecer contos, que seriam capítulos de um romance em construção),
Tânia Lima (maranhense, com alguns anos em Fortaleza, estreou em 1996),
Tulio Monteiro (autor de biografias, ensaios, contos e crônicas),
Virna Teixeira (dois livros de poemas publicados),
Zorrillo de Almeida Sobrinho (um livro de contos publicado) e outros.

Dezenas de contistas são menos conhecidos, uns por não terem ainda livro publicado, outros por não se dedicarem à narrativa curta tanto quanto os mais citados ou comentados: Aetamira Lúcia Ribeiro, Ajuricaba Freitas Gaspar, Alan Santiago, Alda Maria Cordeiro de Santana, Aldir Brasil Jr., Alexandre Perazo Nunes de Carvalho, Álvaro Fernando de Araújo Filho, Amanay Parangaba (pseudônimo de Alexandre Gomes), Ana Cristina Souto, André Dias, Ângela Maria Bessa Linhares, Antonio Carlos Klein, Antonio Vanderley Moreira, Ary Albuquerque, Ary Salgueiro, Ayla Andrade, Augusto Azevedo, Augusto Nascimento, Áuria Rafael, Caio Marinho, Caio Montenegro, Camila Marcelo, Carla Amalia Lourenço, Carlos Alexandre Bastos Gonçalves, Carlos Costa, Carlos Eduardo Bezerra, Cecília Oliveira do Nascimento, Celina Côrte Pinheiro, Cellina Muniz, César Barros Leal, Chico Vieira, Cláudio Bentemuller, Cláudio Portella, Clodomiro Paulino Gomes Filho, Cris Nobre, Cristiano Gonçalves Ribeiro, Daniel Glaydson, Daniel Magérbio Almino de Lucena, David Cid, Diana Melo, Ecila Moreira de Meneses, Edilson Brasil Júnior, Eduardo Jorge, Eduardo Pragmácio Filho, El Escriba del Benfica, Eli Castro, Emerson Freitas Braga, Erick Leite Maia, Fabiano dos Santos, Fayga Silveira Bedê, Felipe Neto, Fernando Lima, Fernando Marcelo Probo, Fernando Siqueira, Francisco José Brasil, Francisco Octávio Marcondes Rudje, Francisco Paulo de Souza, Frederico Maltesta, Geraldo Gesuino da Costa, Germano Silveira, Gilberto Machado, Gislene Maia de Macedo, Guenthner Gadelha Wirtzbiki, Guilherme Linhares, Iclemar Nunes, Igor Leite Mendonça Mina, Irenísia Torres de Oliveira, Ivan Moreira de Castro Alves, Jean Garcia Lima, Jeovah Lucas da Silva, Jéssica Fontenele, Jesus Rocha, Joana d’Arc Araújo, João Dionísio Viana Neto, José Augusto do Nascimento Filho, José Augusto Nóbrega Lessa, José Carlos do Nascimento, José Célio Freire, José Cornélio Ribeiro Neto, José Flamarion Pelúcio Silva, José Mesquita Xavier Ferreira, José Murilo Martins (nascido em Caxias, Maranhão), Juliana Antunes de Menezes, Júnior Ratts, Lavignia Ocarro, Liana Aragão (radicada em Brasília), Lia Terceiro (1980-2007), Lígia Leal Heck, Lourival Mourão Veras, Lucelindo Dias Ferreira Júnior, Luciano Lira de Macedo, Lucíola Limaverde, Luiz Antonio Simonetti, Manoel Carlos, Marcela Magalhães de Paula, Marcela Rosseti Pacheco, Marcelo Bittencourt, Mardônio França, Maria Amélia Barros Leal, Maria Carolina Lobo, Maria Rosa Menezes, Marília Passos, Marta Adalgisa Nunes, Max Victor Freitas, Mendes Júnior, Napoleão Sousa Jr., Natércia Pontes, Nuno Gonçalves Pereira, Onias Lopes, Osmar Menezes dos Santos, Otoniel Arilo Landim, Paulo Avelino, Paulo César Benício Mariano, Paulo Henrique de Oliveira, Paulo de Tarso Vasconcelos, Pedro Fontenele (nascido em Manaus, Amazonas), Priscila Peres, Raffaella Maria Duarte, Raimundo Cavalcante dos Santos, Raimundo Rocha, Raul Silveira Bento, Révia Maria Herculano, Ricardo Guilherme Vieira dos Santos, Roberto Vasconcelos Lima, Robson Ramos, Rodrigo Marques, Rogério Santos Braga, Rogério da Silva e Souza, Rosel Ulisses Vasconcelos, Ruth Maria de Paula Gonçalves, Ruy Vasconcelos de Carvalho, Sabrina Kelma Tomaz, Sarah Diva Ipiranga, Sérgio Rebouças, Urik Paiva, Vânia Maria Ferreira Vasconcelos, Vanius Meton Gadelha Vieira, Vilmar Ferreira de Souza, Wesley Lyeverton, Ylo Barroso, Ythallo Rodrigues, Yuri Leonardo e Zélia Maria Sales Ribeiro.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.° 44 – 18 de janeiro de 1888

Para quem gosta de sangue...
Peço à leitora querida
Não desmaie nem se zangue;
Não venho arrancar-lhe a vida.

A gente pode, em conversa,
Dizer alguns nomes duros,
Não por índole perversa,
Nem maus costumes impuros.

Se achar algum dito horrendo,
Não desmaie nem se zangue...
Porém, como ia dizendo,
Para quem gosta de sangue,

Houve-o em Moura, S. Fidélis,
Grajaú, Piracicaba;
Esfriam muitas peles
Na própria grave Uberaba.

Ali, fogueira queimando,
Muito antes de Santo Antônio,
Cará de gosto execrando
Para a boca do demônio.

Mais longe, uma catequese;
Mais perto, uns tiros trocados...
Quem souber rezar que reze
Por alma de tais finados.

Eu, de todas essas cenas
Que acaso coincidiram,
E que outras melhores penas,
Em prosa, já referiram,

Confesso que a de Uberaba
Vale mais que outra nenhuma;
Tem luz que se não acaba,
Ensina e conforta, em suma.

Note-se que lá não houve
Sangue propriamente dito,
Omissão que é bom se louve
Em vista de outro conflito.

E por quê? Porque um Sampaio
Que, pelo nome não perca,
Para copiar o raio,
Que voa, mas não alterca,

Logo que viu a gente armada
Vociferando nas ruas,
Disposta, pronta, assentando
A ir a cenas mais cruas,

Bradar que ou lhe tiraria,
Sem compaixão a existência,
Ou ele a favorecia
Nada mais que com a ausência,

Ele, coronel e cabo
De partido, achou cabido
Não afrontar o diabo
Na gente do outro partido.

Saiu; logo a gente amiga
Para trazê-lo de novo,
Cuidou de uma vasta liga
E andou ajuntando povo.

De modo que, se lá volta,
Havia provavelmente
Nova e sangrenta revolta,
Em que morreria gente.

Poupou-se uma cena crua;
Sampaio ficou de fora.
Tem casa ali, casa sua;
Morava; já lá não mora.

Porém onde a luz do caso?
Que há aí que conforte e ensine?
Escute, ou vai tudo raso,
Depois de escutar, opine.

A luz é que tem Sampaio,
Com a maior segurança,
Nas mãos um futuro ensaio
De desforra e de vingança.

Ponha-se de lá à espreita
De ocasião valiosa,
E vá com a sua seita
Contra o Borges, contra a Rosa,

Contra o Marques e os capangas
Ponha-os fora da cidade,
E entre vivas e charangas
Fique em paz e em liberdade.

Virá dia em que eles troquem
As bolas contra Sampaio,
E a toque de caixa o toquem
Nas asas de novo raio.

Fuja então; de novo espreite,
E a murro e a tiro os disperse,
Tranquilamente se deite
E alegremente converse.

E assim, aumentando a soma
Das proscrições alternadas,
Uberaba será Roma,
Ambas imortalizadas.

Ora Mário, agora Sila,
Um de dentro, outro de fora,
Ante-fila ou serra-fila,
Ora Sila, Mário agora.

E não haverá na vida,
Na vida em que tudo acaba,
Cousa mais apetecida
Que ir viver para Uberaba.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

Tiago Lobão (Maringá Além da Imaginação)

Toda cidade tem suas histórias. Essa eu ouvi de um velho conhecido maringaense que, para manter a tranquilidade na vida, pediu para não ser identificado. Me disse que seu pai a ouviu da boca de um dos policiais envolvidos no caso. Transcrevo-a para que não se perca.

Foi em 1996. A rodoviária de Maringá ainda era na Joubert de Carvalho, prédio um tanto sombrio e velho, mas de arquitetura interessante. Tinha um visual pretenso futurista - comum na época em que fora construído -, mas imundo e com as paredes manchadas, indelevelmente, com a terra vermelha que lhes respingaram as chuvas em seus já 33 anos de uso. Uma garota chegara de viagem, cansadíssima, com uma mala que se arrependia de ter feito tão grande. Já eram quase duas da manhã. Pegou um táxi.

O taxista, de pouca conversa, mas com um bigode impossível de não se notar, guardou a bagagem da moça no porta-malas e ambos embarcaram no traslado. Saindo da rodoviária, entraram à direita na Avenida Herval e, depois de cruzarem a Avenida Brasil, uma viatura policial começou a seguí-los. O motorista ficou apreensivo e o pouco assunto se transformou em assunto nenhum. Continuaram.

Segundos depois, a polícia soou a sirene e sinalizou com os faróis para que encostassem o carro. O taxista estacionou prontamente na esquina da Herval com a Neo Alves Martins, e estranhamente parecia aliviado.

Bateram no vidro da passageira. Era um dos policiais perguntando o que ela fazia ali, no banco de passageiros daquele táxi, e onde é que estava o motorista. Imediatamente a garota olhou pro banco do motorista e não o viu lá. Assustada e auxiliada pelo policial, saiu do carro olhando pra todos os cantos, tentando encontrar o motorista recém desaparecido, enquanto o outro policial fazia o mesmo pelas redondezas.

Sem barulho e sem que os policiais ou a garota vissem, o taxista tinha simplesmente desaparecido. E pelo jeito não era a primeira vez. Veio, pelo rádio da viatura, a confirmação de que aquele carro era o mesmo que constava no B.O. de desaparecimento, registrado três dias antes.

Com a confirmação do B.O., começou a revista pente-fino no carro. Revistaram cada centímetro para encontrar algo que explicasse aquilo tudo. Abriram o porta-malas. Susto! Aquele bigode seria reconhecido em qualquer lugar do mundo. Era o taxista. Morto. E, enfim, em paz.

Fonte:
Contos Maringaenses

Erros Comuns em Redação IV

62.

Não "se o" diz.

É errado juntar o se com os pronomes o, a, os e as.

Assim, nunca use:
Fazendo-se-os, não se o diz (não se diz isso), vê-se-a, etc.

63.
Acordos "políticos-partidários".

Nos adjetivos compostos, só o último elemento varia:
acordos político-partidários.

Outros exemplos:
Bandeiras verde-amarelas, medidas econômico-financeiras, partidos
social-democratas.

64.
Andou por "todo" país.

Todo o (ou a) é que significa inteiro:

Andou por todo o país (pelo país inteiro).
Toda a tripulação (a tripulação inteira) foi demitida.

Sem o, todo quer dizer cada, qualquer:

Todo homem (cada homem) é mortal.
Toda nação (qualquer nação) tem inimigos.

65.
"Todos" amigos o elogiavam.

No plural, todos exige os:
Todos os amigos o elogiavam.
Era difícil apontar todas as contradições do texto.

66.
Favoreceu "ao" time da casa.

Favorecer, nesse sentido, rejeita a:

Favoreceu o time da casa.
A decisão favoreceu os jogadores.

67.
Ela "mesmo" arrumou a sala.

Mesmo, quanto equivale a próprio, é variável:

Ela mesma (própria) arrumou a sala.
As vítimas mesmas recorreram à polícia.

68.
Chamei-o e "o mesmo" não atendeu.

Não se pode empregar o mesmo no lugar de pronome ou substantivo:

Chamei-o e ele não atendeu.

Os funcionários públicos reuniram-se hoje: amanhã o país conhecerá a decisão dos servidores (e não "dos mesmos").

Fonte:
www.info-vest.com.br

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Cecília Meireles (O Fim do Mundo)

A primeira vez que ouvi falar no fim do mundo, o mundo para mim não tinha nenhum sentido, ainda; de modo que não me interessava nem o seu começo nem o seu fim. Lembro-me, porém, vagamente, de umas mulheres nervosas que choravam, meio desgrenhadas, e aludiam a um cometa que andava pelo céu, responsável pelo acontecimento que elas tanto temiam.

Nada disso se entendia comigo: o mundo era delas, o cometa era para elas: nós, crianças, existíamos apenas para brincar com as flores da goiabeira e as cores do tapete.

Mas, uma noite, levantaram-me da cama, enrolada num lençol, e, estremunhada, levaram-me à janela para me apresentarem à força ao temível cometa. Aquilo que até então não me interessava nada, que nem vencia a preguiça dos meus olhos pareceu-me, de repente, maravilhoso. Era um pavão branco, pousado no ar, por cima dos telhados? Era uma noiva, que caminhava pela noite, sozinha, ao encontro da sua festa? Gostei muito do cometa. Devia sempre haver um cometa no céu, como há lua, sol, estrelas. Por que as pessoas andavam tão apavoradas? A mim não me causava medo nenhum.

Ora, o cometa desapareceu, aqueles que choravam enxugaram os olhos, o mundo não se acabou, talvez eu tenha ficado um pouco triste - mas que importância tem a tristeza das crianças?

Passou-se muito tempo. Aprendi muitas coisas, entre as quais o suposto sentido do mundo. Não duvido de que o mundo tenha sentido. Deve ter mesmo muitos, inúmeros, pois em redor de mim as pessoas mais ilustres e sabedoras fazem cada coisa que bem se vê haver um sentido do mundo peculiar a cada um.

Dizem que o mundo termina em fevereiro próximo. Ninguém fala em cometa, e é pena, porque eu gostaria de tornar a ver um cometa, para verificar se a lembrança que conservo dessa imagem do céu é verdadeira ou inventada pelo sono dos meus olhos naquela noite já muito antiga.

O mundo vai acabar, e certamente saberemos qual era o seu verdadeiro sentido. Se valeu a pena que uns trabalhassem tanto e outros tão pouco. Por que fomos tão sinceros ou tão hipócritas, tão falsos e tão leais. Por que pensamos tanto em nós mesmos ou só nos outros. Por que fizemos voto de pobreza ou assaltamos os cofres públicos - além dos particulares. Por que mentimos tanto, com palavras tão judiciosas. Tudo isso saberemos e muito mais do que cabe enumerar numa crônica.

Se o fim do mundo for mesmo em fevereiro, convém pensarmos desde já se utilizamos este dom de viver da maneira mais digna.

Em muitos pontos da terra há pessoas, neste momento, pedindo a Deus - dono de todos os mundos - que trate com benignidade as criaturas que se preparam para encerrar a sua carreira mortal. Há mesmo alguns místicos - segundo leio - que, na Índia, lançam flores ao fogo, num rito de adoração.

Enquanto isso, os planetas assumem os lugares que lhes competem, na ordem do universo, neste universo de enigmas a que estamos ligados e no qual por vezes nos arrogamos posições que não temos - insignificantes que somos, na tremenda grandiosidade total.

Ainda há uns dias a reflexão e o arrependimento: por que não os utilizaremos? Se o fim do mundo não for em fevereiro, todos teremos fim, em qualquer mês...

Fonte:
Quatro Vozes. RJ: Record, 1998.

José Roberto Balestra (Vers’Encartados Pra Joãozito)

João Guimarães Rosa (Cordisburgo, 27.06.1908 - Rio, 19.11.1967)
.
João, meu caro Escritor-Mor,
Broto fino do divino das Gerais.
Hoje você apagaria 105 velinhas,
Porém, as anteviu 59, não mais.

E como seria bom, João,
Se o que houve não tivesse sido.
Você por aqui, de entrevinda,
Anotando os seus encantos
Que sobrevivem tão lindos
Por todos esses nossos cantos.

Depois dos teus, João,
Nossos livros novos andam sem graça,
Falam pouco do imo, do d’dentro,
D’ homens, d’campos e d’animais.
E d’inocências então, nem se falam mais.

Só se pensam em frias capas,
Coisa que sei, Zé Olympio abominava.
E agora, também sem seu amigo Poty,
Os traços d’ilustração perderam em magia,
Restando os atuais miolos das obras
Feito enchimentos, coisa de pouca serventia.

As histórias andam muito urbanas, João,
Como esquecidas vão as suas veredas,
Onde a vida ainda teima tocar por si
A eterna melodia nas folhas do buriti,
Só ouvida pelos bichos e os capins-sedas

Mas o manuelzinho-da-croa inda passeia
Às margens do Urucuia, sobre a areia.
E em suas águas, João, as ariranhas
Estrinçam os cascudos com toda manha.

O lobo-guará, João, inda grita penitência
Bem do jeito que você escreveu,
Só que em verdade ele está mais triste,
Antevendo o fim final de sua existência.

João, caro Poeta-Mor de Cordisburgo,
Redigo-lhe por fim: nossos livros estão sem graça.
Feito você, demiurgo que escreva o belo no comum,
Não apareceu outro. Joãozito, não vi mais nenhum!

Arre!...
=============
Errata: Conforme observação do escritor, no mini-conto havia colocado que Balestra é jornalista, o correto é advogado em Maringá.
Fonte:
Blog do Autor
http://zerobertoballestra.blogspot.com.br

Irmãos Grimm (Allerleirauh)

Era uma vez um Rei que tinha uma esposa com cabelos dourados, e ela era tão bela como não havia outra sobre a Terra. Aconteceu que ela adoeceu, e sentindo que logo morreria, chamou o rei e disse:

— Se tu desejares casar novamente depois da minha morte, não escolherá uma mulher menos bela do que eu, nem que tenha cabelos menos dourados do que o meus: isto vossa senhoria deve me prometer. E assim que o Rei lhe fez a promessa, ela cerrou os olhos e morreu.

Por longo tempo o Rei não quis pensar ou ouvir falar em tomar outra esposa. Finalmente seus conselheiros lhe disseram,

— Não há outro jeito, o Rei precisa se casar novamente, para que tenhamos uma Rainha. E os mensageiros foram enviados para todos os cantos, em busca de uma noiva que fosse tão bela quanto a falecida Rainha. Mas não havia nenhuma em todo o mundo, e mesmo que a tivessem encontrado, nenhuma tinha os mesmos cabelos dourados. Então os mensageiros voltaram para casa do mesmo jeito que foram.

Mas o Rei tinha uma filha, que era tão bela quanto à falecida mãe, e tinha os mesmos cabelos dourados. Quando estava crescida, o Rei viu um dia que era igual a sua mãe, e viu que era igual a sua esposa anterior em todos os aspectos, e de repente apaixonou-se por ela. Disse então a seus conselheiros,

— Irei casar com minha filha, porque ela é o retrato de minha falecida esposa, e como não encontro uma noiva, irei me casar com ela. Assim que ouviram isto, os conselheiros ficaram horrorizados e disseram:

— Deus proíbe que o pai se case com a filha, do pecado não pode vir nenhum bem, e o reino seria arrastado à ruína.

A filha ficou mais chocada ainda quando soube das intenções de seu pai, mas esperava que ele desistisse de seu objetivo. Então ela disse a ele,

— Antes de cumprir seu desejo, devo ter três vestidos, um dourado como o sol, um prateado como a lua e um brilhante como as estrelas; além disso, quero um manto de milhares de peles e couros unidos, cada animal de nosso reino precisa dar a ele um pedaço de sua pele. Mas ela pensou:

— Isto é completamente impossível, mas dessa forma desvio meu pai de seu mau desejo. O Rei, porém, não desanimou e as moças mais habilidosas do reino tiveram que fazer os três vestidos: um dourado como o sol, um prateado como a lua, e um brilhante como as estrelas. Seus caçadores tiveram que capturar todos os animais do reino e tirar um pedaço de sua pele; então foi feito um manto com milhares de peles. Quando tudo finalmente ficou pronto, o Rei mandou trazer o manto, mostrou-o ela e disse,

— O casamento será amanhã.

Quando então a filha do Rei viu que não havia mais qualquer esperança de mudar o coração de seu pai, decidiu empreender a fuga. À noite, quando todos dormiam, ela se levantou e pegou três objetos preciosos: um anel de ouro, uma pequena roca de ouro e um pequeno fuso de ouro. Colocou em uma casca de noz os três vestidos, de sol, de lua e de estrelas, vestiu o manto com todos os tipos de pele e cobriu o rosto e as mãos com fuligem negra. Pediu a proteção de Deus e saiu, e andou a noite toda até chegar a grande floresta. E ela estava cansada, entrou em uma casca de árvore e adormeceu.

O sol nasceu e ela dormia, e dormiu ainda mais, até o meio do dia. Aconteceu que o Rei, a quem esta floresta pertencia, foi caçar nela. Quando seus cães chegaram à árvore começaram a latir e a saltar em torno. O rei disse a seus caçadores,

— Vejam que animal se esconde lá. Os caçadores obedeceram e, ao voltar disseram,

— Na árvore oca tem um animal estranho, como nunca vimos antes: sua pele tem milhares de tipos de pelo. Ele está deitado dormindo. O Rei disse,
   

— Tentem capturá-lo vivo, prendam-no a minha carruagem e vamos levá-lo conosco. Quando os caçadores agarraram a moça, ela ficou aterrorizada e gritou para eles,

— Sou uma pobre criança, abandonada por pai e mãe, tenham compaixão de mim e levem-me com vocês. Eles disseram,

— Allerleirauh, tu serás útil na cozinha, venha conosco, você pode varrer as cinzas. Eles a puseram na carruagem e voltaram para o castelo real. Lá lhe deram para morar um espaço debaixo da escada, onde não entrava nenhuma luz do dia, e disseram,

— Ferinha peluda, você pode morar e dormir aqui. Então ela foi mandada para a cozinha, onde carregava lenha e água, acendia o fogo, depenava os frangos, limpava as verduras, varria as cinzas e fazia todo o trabalho sujo.

Lá viveu Allerleirauh por um longo tempo em completa miséria. Ah, bela princesa, o que ainda lhe acontecerá! Acontece que um dia, em que haveria uma festa no castelo, ela disse ao cozinheiro,

— Posso subir um pouco para dar uma olhada? Ficarei do lado de fora.

— Sim, respondeu o cozinheiro,

— vá, mas em meia hora você deve estar aqui e juntar as cinzas. Ela pegou seu lampião, entrou no desvão onde ficava, despiu seu manto de pele e lavou a fuligem de seu rosto e suas mãos, para que toda sua beleza viesse de novo à luz do dia. Então abriu a noz e tirou seu vestido que parecia com o sol, e quando estava pronta subiu para a festa, e todos abriram caminho para ela, pois ninguém a conhecia, e não pensaram outra coisa senão que era a filha de um Rei. O Rei então foi ao seu encontro, tomou-lhe a mão e dançou com ela, e pensou em seu coração,

— Meus olhos ainda não viram uma mulher tão bela. Quando a dança terminou, ela se inclinou, e quando o Rei olhou ao redor de si ela havia desaparecido, e ninguém sabia para onde. Os guardas que estavam na frente do castelo foram chamados e interrogados, mas ninguém a havia visto.

Entretanto, ela correu para o pequeno espaço onde morava, tirou rapidamente o vestido, pintou as faces e as mãos de preto novamente, colocou o manto novamente e outra vez era Allerleirauh. E quando foi para a cozinha e estava prestes a voltar ao trabalho e a varrer as cinzas, o cozinheiro disse,

— Deixe isto para amanhã e faça a sopa para o Rei; Também irei subir um pouco e dar uma olhada; mas não deixe nenhum cabelo cair na sopa, ou no futuro não terá nada para comer. Então o cozinheiro se foi e Allerleirauh fez a sopa para o Rei, e fez a sopa o melhor que podia, e quando estava pronta ela trouxe seu anel de ouro de dentro do pequeno lugar onde ficava e colocou na tigela na qual a sopa foi servida.

Quando a dança terminou, o Rei pegou a sua sopa e a comeu, e gostou tanto que parecia que nunca tinha experimentado nada melhor. Mas quando chegou ao fundo da tigela, ele viu o anel dourado nele, e não conseguiu entender como foi parar ali. Então ordenou que o cozinheiro aparecesse perante ele. O cozinheiro ficou aterrorizado quando ouviu a ordem e disse a Allerleirauh.

— Você certamente deixou um cabelo cair na sopa, e se deixou, deve pagar por isto. Quando estava diante do Rei, este lhe perguntou quem havia feito a sopa? O cozinheiro respondeu,

— Eu fiz. Mas o Rei disse,

— Isto não é verdade, porque está muito melhor que o usual, e cozida de modo diferente. Ele respondeu,

— Devo reconhecer que não a fiz, e que foi feita por um animal estranho. O Rei disse,

— Vá e faça o vir aqui.
   
Quando Allerleirauh veio, o Rei disse

— Quem tu és?

— Sou uma pobre garota que não tem pai nem mãe.

— O que fazes em meu palácio? Ela respondeu,

— Não sirvo para nada além de ter botas atiradas em minha cabeça. Ele continuou,

— Onde conseguis-te o anel que estava na sopa? Ela respondeu, Não sei nada sobre o anel. Então o Rei não conseguiu saber de nada, e a mandou embora novamente. Após um tempo houve outro festival e então, assim como antes, Allerleirauh implorou ao cozinheiro para sair e dar uma olhada. Ele respondeu,

— Sim, mas volte novamente em meia hora e faça a sopa do Rei que ele gosta tanto. Ela então correu para o desvão, lavou-se rapidamente e pegou o vestido da noz que era prateado como a lua e o colocou. Então ela subiu e estava como uma princesa, e o Rei andou em sua direção para encontrá-la, alegrando-se de vê-la novamente e como a dança estava para começar eles dançaram juntos.

Mas quando terminou, ela rapidamente desapareceu tão rapidamente que o Rei não pode observar onde ela tinha ido. Ela, todavia, foi para o seu desvão e uma vez mais se fez um animal peludo e foi para a cozinha preparar a sopa. Quando o cozinheiro tinha subido escadas acima, ela tirou a roca dourada e a colocou na tigela que a sopa cobriu.

Então a sopa foi levada para o Rei, que a comeu, e assim como da vez anterior, trouxe o cozinheiro que foi obrigado a confessar que Allerleirauh tinha preparado a sopa. Allerleirauh novamente veio na presença do Rei, mas respondeu que não servia para nada além de ter botas atiradas em sua cabeça e que não sabia nada sobre a pequena roca de ouro.

Quando, pela terceira fez, o Rei organizou um festival, tudo aconteceu da mesma forma que tinha sido antes. O cozinheiro disse,

— Fé pele-dura, tu és uma bruxa, e sempre coloca alguma coisa na sopa que a faz tão boa que o Rei gosta mais do que a que eu cozinho, mas como ela implorou muito, ele a deixou subir na hora marcada. E agora ela colocou o vestido que brilhava como as estrelas, e assim entrou no salão. Novamente o Rei dançou com a bela moça, e pensou que ela nunca tinha sido tão bela.

E enquanto estavam dançando, planejou sem ela perceber deslizar o anel de ouro no dedo dela, e deu ordens para que a dança durasse bastante tempo. Quando a música terminou, ele quis segurá-la rapidamente pelas mãos mas ela conseguiu se soltar e fugiu tão rápido através da multidão que sumiu de sua vista.

Ela correu tão rápido quanto podia para dentro do desvão sob as escadas, mas como havia ficado muito longe, e tinha ficado fora por mais de meia hora ela não pode tirar seu belo vestido, mas somente jogar seu manto de peles, e na sua pressa ela não se fez muito preta, permanecendo um dedo branco.

Então Allerleirauh correu para a cozinha, e cozinhou a sopa para o Rei, e como o cozinheiro estava fora, colocou o fuso de ouro na sopa. Quando o Rei encontrou o fuso no fundo desta, ele solicitou que Allerleirauh fosse chamada, e então ele observou o dedo branco à distância, e viu o anel que havia colocado no dedo durante a dança.

Então ele a agarrou pela mão e a segurou firme, e quando ela quis se soltar e correr novamente, seu manto de pele se abriu um pouco e o vestido estrelado brilhou forte. O Rei agarrou com força o manto e o tirou. Então o seu cabelo dourado mostrou o seu brilho e ela pôs se de pé com todo o seu esplendor e não podia mais se esconder. E quando ela lavou a ferrugem e cinzas de sua face, era mais bela do que qualquer uma que havia sido visto na terra. Mas o Rei disse,

— Você é minha querida noiva, e nós nunca mais vamos nos separar um do outro. Por causa disso o casamento foi realizado, e eles viveram felizes para sempre até o fim de suas vidas.

Fonte:
Contos de Grimm

A Saudade em Versos Diversos V


MARTHA MEDEIROS
Verdades

Você pode ir embora e nunca mais ser a mesma
Você pode voltar e nada ser como antes
Você pode até ficar pra que nada mude
Mas aí é você que não vai se conformar com isso

Você pode sofrer por perder alguém
Você pode até lembrar com carinho ou orgulho
De algum momento importante na sua vida
Formatura, casamento, aprovação no vestibular
Ou a festa mais linda que já tenha ido

Mas o que vai te fazer falta mesmo
O que vai doer bem fundo
É a saudade dos momentos simples

Da sua mãe te chamando pra acordar
Do seu pai te levando pela mão
Dos desenhos animados com seu irmão
Do caminho pra casa com os amigos e a diversão natural
Do cheiro que você sentia naquele abraço
Da hora certinha em que ele sempre aparecia pra te ver
E como ele te olhava com aquela cara de coitado pra te derreter

De qualquer forma, não esqueça das seguintes verdades
Não faça nada que não te deixe em paz consigo mesmo
Cuidado com o que anda desabafando
Conte até três (tá certo, se precisar, conte mais)
Antes só do que muito acompanhado
Esperar não significa inércia, muito menos desinteresse
Renunciar não quer dizer que não ame
Abrir mão não quer dizer que não queira
O tempo ensina, mas não cura.

CECÍLIA MEIRELES
Silenciosas Lembranças


De que são feitos os dias?
De pequenos desejos
Vagarosas saudades
Silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias
Momentâneos lampejos
Vagas felicidades
Inatuais esperanças.

De loucuras, de crimes
De pecados, de glórias
Do medo que encadeia
Todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos
Dentro deles choramos
Em duros desenlaces
E em sinistras alianças.

ADRIANA FALCÃO
Fugir da lembrança

 

Saudade é quando o momento
Tenta fugir da lembrança
Para acontecer de novo e não consegue.

FERNANDO ANITELLI
Belo e incerto


Metade de mim agora é assim
De um lado a poesia, o verbo, a saudade
Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim
E o fim é belo, incerto
Depende de como você vê.

TATI BERNARDI
Saudadezinha


Eu tenho saudade de mil coisas
E todas essas mil coisas sempre caem
Na mesma única coisa de que eu tenho tanta saudade.

Eu tenho saudade de tudo
Não é um sentimento egoísta e muito menos possessivo
É apenas uma saudadezinha
Gostosa, tranquila, bonita, saudável, de longe.

RENATO RUSSO
Acrilic on Canvas


É saudade então, e mais uma vez
De você fiz o desenho mais perfeito que se fez
Os traços copiei do que não aconteceu
As cores que escolhi
Entre as tintas que inventei
Misturei com a promessa que nós dois nunca fizemos
De um dia sermos três...
Trabalhei você em luz e sombras
E era sempre não foi por mal
Eu juro que nunca quis deixar você tão triste
Sempre as mesmas desculpas,
E desculpas nem sempre são sinceras, quase nunca são.
Preparei a minha tela
Com pedaços de lençóis que não chegamos a sujar.
A armação fiz com madeira das janelas do seu quarto
Do portão da sua casa fiz palheta e cavalete
E com as lágrimas que não ficaram com você destilei óleo de linhaça
Da sua cama arranquei pedaços que entalhei estiletes de tamanhos diferentes
E fiz, então, pincéis com seus cabelos
Com o batom que roubei de você
E com ele marquei dois pontos de fuga
E rabisquei meu horizonte
E era sempre não foi por mal
Eu juro que não queria machucar você
Prometo que isso nunca vai acontecer mais uma vez
E era sempre, sempre o mesmo novamente, a mesma traição
Às vezes é difícil esquecer
Sinto muito ela não mora mais aqui
Mas então porque eu finjo
Que acredito no que invento
Nada disso aconteceu assim
Não foi desse jeito.
Ninguém sofreu,
E é só você que provoca essa saudade parecia
Tentando pintar essas dores com o nome de amor perfeito

Teófilo Braga (Cabelos de Ouro)

Recolhido no Algarve

Um homem e a sua mulher tinham dois filhos, mas não tinham que lhes dar a comer; uma noite estando já deitados ouviu o pequeno estarem dizendo:

– É necessário matar um destes filhos, porque não podemos com tanta família.

O pequeno acordou com a irmãzinha, contou-lhe tudo e botaram a fugir de casa. Foram andando noite e dia, e já muito longe o rapazinho cansado deitou-se no chão e adormeceu com a cabeça no regaço da irmã. Passaram por ali três fadas, e vendo a criança, deram-lhe três dons:

Que fosse a cara mais linda do mundo;

Que quando se penteasse deitasse ouro dos cabelos;

Que tivesse as mais raras prendas de mãos.

Assim que o pequeno acordou, puseram-se outra vez a caminho, e foram dar a casa de uma velha muito feia, que os recolheu. Passaram-se anos, e um dia que o rapazinho quis dinheiro, a irmã penteou-se, e ele levou o ouro para vender na cidade. O ourives que lho comprou ficou desconfiado, perguntou ao rapaz como é que arranjava aquele ouro, mas não quis acreditar tudo quanto ele disse. Foi dar parte ao rei, que o mandou prender até vir a irmã à corte para se apurar a verdade.
   
A velha, que tinha ficado com a menina dos cabelos de ouro, resolveu matá-la à fome; já estava havia dois dias sem comer, e quando lhe pediu alguma coisinha a velha disse-lhe que só se ela lhe deixasse tirar um olho. Ela deixou para não morrer. Depois de outros dois dias, estava já a menina a cair com sede, e pediu à velha uma pinga d’água, e ela disse que só se lhe deixasse tirar o outro olho. Até que ficou ceguinha. Foi então que veio ordem do rei para que a levassem à corte; a velha pensou que era melhor deitar a menina ao mar, e levar uma filha que tinha em lugar dela. O rapaz que estava preso numa torre que tinha uma fresta para o mar, viu andarem boiando na água umas roupinhas, que a maré trouxe para terra; botou-lhe uns lençóis torcidos para que ela subisse.

A velha tinha chegado à corte com a filha, e se ela não botasse ouro dos cabelos, o rapaz iria a matar. Quando a menina soube isto disse ao irmão que lhe arranjasse do carcereiro um papel fino para fazer flores. O carcereiro trouxe o papel, e a menina assim mesmo cega fez um ramo muito lindo cheio de pérolas e ouro que lhe caíam dos cabelos. O irmão pediu ao carcereiro para lhe mandar vender aquele ramo, não por dinheiro, mas sim por um par de olhos. Apregoou-se o ramo, todos o queriam, mas ninguém se atrevia a dar os olhos da cara por ele; só a velha quando ouviu o pregão é que o comprou pelos olhos da menina, que tinha guardado. O carcereiro trouxe o par de olhos, e a menina tornou a pô-los outra vez na cara.

Veio o dia em que a velha teve de apresentar a filha diante do rei, mas não deitava ouro dos cabelos. O rapaz ia já a morrer, quando mandou pedir ao rei que se lhe dessem um fato de mulher; iria buscar sua irmã, que a velha tinha querido matar. Deram-lhe o fato, e trouxe então da torre a menina, que se penteou diante do rei, e todos ficaram pasmados daquele dom e da sua grande formosura. A menina contou tudo ao rei, que lhe perguntou o que queria que fizesse da velha.

– Quero que da pele se faça um tambor, e dos ossos uma cadeirinha para eu me assentar.

Fonte:
Contos Tradicionais do Povo Português

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.º 43 – 3 de janeiro de 1888

Deus lhes dê muitos bons dias,
Deus lhes dê muitos bons anos,
Lençóis para as noites frias,
Para as de calor, abanos.

Se é certo que os novos planos
Melhoram as loterias,
Convém evitar enganos,
Devaneios e utopias.

Exemplo: as áreas vazias
Estão dos tais soberanos
Com que se pagam folias,
Prazeres e desenganos.

Logo os ímpetos insanos
De curar academias
Com os tais calomelanos
Das modernas francesias,

São custosas fantasias
Para a arte e seus arcanos;
Mil vezes as ferrovias
E os carros americanos.

Façamos com que dois manos,
Saindo às ave-marias
De Ubá ou Curitibanos,
Vão almoçar a Caxias.

Mas gastar novas quantias,
Para ter alguns maganos
Que pintem quatro Marias
E as bodas de dois ciganos;

Ou meia dúzia de ulanos
Entre bélicas porfias,
Ou revoltas de oceanos...
Sou seu criado Mathias!

Lá para ver agonias
De um mártir, de dois tiranos,
Conheço melhores vias:
É ler casos mexicanos.

Se os Zeferinos ufanos
Podem ser seguros guias
Digam lá os paduanos;
Não sou dessas freguesias.

São talvez cerrancerias,
Chamam-me a flor dos marcianos,
Cá vou pelas simpatias
Cá dos meus paroquianos.

Neste tempo de pianos,
Lembra-me ainda as poesias
Em que falavam Albanos
Com as pastoras Armias.

Então quando as minhas tias,
Casadas com dois baianos,
Tinham as peles macias,
Inda sem rugas nem panos;

E nos meses marianos,
Cantavam as melodias,
Que os nossos peitos humanos
Enchem de melancolias;

Enquanto duras harpias
Com a guerra dos Cabanos,
Tiravam sangue às bacias,
Além de outros muitos danos;

E as velhas tinham bichanos,
Que eram as suas manias,
E os primos Salustianos
Iam às alcomanias;

Então as mesmas teorias
Tinha a arte e seus fulanos:
Tudo o que agora copias
Copiaram veteranos.

E os fulanos e sicranos,
Batizados noutras pias,
Podiam ser Ticianos,
Sem novas filosofias.

Concluo que as velharias,
Como os tabacos havanos,
Podem trazer alegrias
A nós, como aos turcomanos.

Que mais? Bahias? Tucanos?
São rimas de melodias...
Deus lhes dê muito bons anos,
Deus lhes dê muito bons dias.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Outros Contistas – Roberto Amaral

                Roberto Amaral (R. Átila A. Vieira) nasceu em Fortaleza, 1940. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1970. Graduou-se como bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, em 1964. No ano seguinte, formou-se em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Ceará. Autor de mais de duas dezenas de livros na área da ciência-política-comunicação-direito, publicou também Viagem e Outras Estórias (contos), São Paulo: Brasiliense, 1991; Não Há Noite Tão Longa (romance), Rio de Janeiro: Record, 1996, e Limites (contos), Rio de Janeiro: Record, 1999.

                Há muito se preconiza que a falta de tempo para leitura tem levado os escritores a escreverem poemas e contos curtos. E, em razão disso, o romance seria gênero do passado. Entretanto, publicam-se todo ano milhares de romances no mundo. E a maioria dos contistas não se deixou seduzir pela fórmula do chamado miniconto. Roberto Amaral é um deles. Algumas de suas narrativas chegam a mais de vinte páginas. Esse fôlego de atleta empurra o ficcionista para caminhos mais largos e longos, que aproximam suas composições de pequenas novelas. Assim, nele o tempo é sempre dilatado. Não se contenta com flashes, flagrantes, um só episódio. “Pessach” subdivide-se em três momentos. Essa “mudança de foco” ocorre em outras peças. Em “Amor” primeiro se vê Mariazinha num quarto de hotel. No meio da história surge “o velho Praxedes”, pai da moça citada, e Dr. Santana, futuro marido dela. Novo hiato, e Marizinha reaparece em retrospecto, ao encontro do novo amor, o jovem Janjão. E, ao final, a cena do hotel se completa. O desfecho é o flagrante do adultério: “quando se deparam (Mariazinha e Janjão) com os olhos esbugalhados do juiz”.

                Em “Conto das águas” diversos episódios se costuram cronologicamente e até iludem o leitor. Melquíades, o protagonista, se mostra em luta com as formigas que invadem a casa. O leitor não entende logo que as inimigas do homem sejam formigas: “elas permaneciam inatingíveis e invulneráveis”, o que acontece na terceira página: “Vêm desde cedo, irmãos siameses, o ódio e a repugnância às formigas.” Não compreende também que o narrador prepara sua atenção para uma longa chuva e que as formigas não terão mais nenhuma importância na obra. E a mudança de foco se dá de forma abrupta: “Foi nesse exato momento, numa dessas noites, que o céu iluminou a cozinha e depois despencou sobre sua cabeça”. Consciente de sua arte, Roberto Amaral não permite ao leitor se dizer enganado: as formigas simplesmente anunciaram a tempestade.

                O ficcionista não se limita ao espaço geográfico de uma cidade, imaginária ou real. Os episódios de suas composições transcorrem em pequenas cidades, em Fortaleza, no Rio de Janeiro, em Paris, etc. Em “Você vai morrer” a cidade pequena aparece logo no início da narrativa. O narrador a chama de vila, embora se refira a uma avenida, a um mercado, a uma rua e uma praça. Mais adiante se sabe onde se localiza a tal vila: no Nordeste brasileiro, pela referência a “anos de seca” e penitentes. Na sequência da narração, o leitor percebe com mais nitidez onde vivem os personagens: no Ceará, pela menção de alguns topônimos (Canindé, Quixadá, Joazeiro (sic) do Norte, Guaramiranga) e nomes históricos (padre Cícero, beata Maria de Araújo). “Pessach” tem como espaço geográfico o Rio de Janeiro. E não são meras citações de nomes de logradouros e bairros. O personagem percorre as ruas e o narrador descreve o espaço como se filmasse. Em “Amor” o escritor volta ao Ceará. Narrações/descrições do centro da cidade conduzem o leitor pela mão, em passeio saudosista, sem deixar de lado a citação de nomes de velhos logradouros e prédios históricos. O mesmo se vê em “Feliz Natal”, com as referências ao tradicional diário O Povo e à Livraria do Edésio. E em “Conto das águas”, quando diz que a “estreita Domingos Olímpio estava alagada”. Hoje a avenida é larga, mas ainda se alaga quando chove. O alagamento da cidade de Fortaleza é descrito com perfeição.

                Os longos períodos de seca têm inspirado ficcionistas nordestinos, desde o século XIX, a criar romances e contos de retirantes. Por outro lado, essa mesma escassez de água tem induzido escritores do Nordeste a “inventar” chuvas, aguaceiros, muitas águas – o que também sucede, é claro, mas nunca como em outras regiões do país. Assim, Caio Porfírio Carneiro escreveu a coleção Chuva, os dez cavaleiros, em que todas as histórias têm como pano de fundo a chuva. Roberto Amaral não escapou desse sonho de nordestino: algumas de suas histórias estão repletas de água. O próprio título de um deles – “Conto das águas” – bastaria para ilustrar este argumento. Uma frase – “quando se viu chover tanto assim no Ceará?” – mostra o “horror” vivido pela população cearense naquele ano de tanta chuva, quando todos os açudes do Estado estiveram cheios “e o Orós pegou sua lâmina mais alta, desde que a barragem foi construída”. Como se descrevesse o dilúvio, o narrador encerra a história assim: “As águas continuaram subindo.”

                Os personagens de Roberto Amaral são quase sempre trágicos ou lembram os heróis e as heroínas dos romances realistas europeus do século XIX, de Shakespeare, dos gregos. O clima de tragédia percorre todas as linhas de “Você vai morrer!”. Há mesmo um quê de helenismo nesta peça, como no nome de uma personagem, Helena, inconsolada, com a morte do marido, desde moça até a velhice. A epígrafe de “Sentença” – “A vida é uma triste armadilha”, Tchekhov – referenda este raciocínio.

                Outros personagens do escritor parecem menos trágicos, como os de “Pessach”, judeus brasileiros. Entretanto, o principal tema da obra é a solidão, a velhice, a proximidade da morte, tão presente em Abrão, apegado ao comércio, aos livros, aos sonhos, às preocupações. Chegado aos 60 anos, sentia que a vida era “uma pequena solidão que caminha para a solidão absoluta”. Mariazinha, de “Amor”, tem muito daquelas mulheres dos romances realistas franceses. No enigmático “Feliz Natal” também é explorado o tema da solidão e da morte. Estranhamente, o protagonista é chamado apenas de Advogado, como se este fosse seu nome. Melquíades, de “Conto das águas”, não chega a ser trágico. Talvez patético, primeiro em sua luta desesperada com as formigas, depois com a chuva que não pára. Sua impotência, sua fraqueza, ele que sempre fora tão correto, tão civilizado, tão cumpridor dos deveres.

                Construídas nos moldes das narrativas tradicionais, as composições ficcionais de Roberto Amaral têm certo ímã, ainda mais porque sua linguagem não se alimenta de modismos, malabarismos e outros “ismos”. Entretanto, o ensaísta (ele é autor de 16 livros de ensaios) ainda não se distanciou totalmente do contista. Alguns contos poderiam ser mais enxutos, menos informativos, menos recheados de sociologia. Mas, mesmo assim, os limites da prosa ficcional de Roberto Amaral são largos.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

Erros Comuns em Redação III

56.
Ficou contente "por causa que" ninguém se feriu.

Embora popular,a locução não existe.

Use porque: Ficou contente porque ninguém se feriu.

57.
O time empatou "em" 2 a 2.

A preposição é por:
O time empatou por 2 a 2.

Repare que ele ganha por e perde por. Da mesma forma: empate por.

58.
À medida "em" que a epidemia se espalhava...

O certo é:
À medida que a epidemia se espalhava...

Existe ainda na medida em que (tendo em vista que):
É preciso cumprir as leis, na medida em que elas existem.

59.
Não queria que "receiassem" a sua companhia.

O i não existe:
Não queria que receassem a sua companhia.

Da mesma forma:
passeemos, enfearam, ceaste, receeis

(só existe i quando o acento cai no e que precede a terminação ear: receiem, passeias, enfeiam).

60. Eles "tem" razão.

No plural, têm é assim, com acento.

Tem é a forma do singular.

O mesmo ocorre com vem e vêm e põe e põem: Ele tem, eles têm; ele vem, eles vêm; ele põe, eles põem.

61.

A moça estava ali "há" muito tempo.

Haver concorda com estava.

Portanto:
A moça estava ali havia (fazia) muito tempo.

Ele doara sangue ao filho havia (fazia) poucos meses.

Estava sem dormir havia (fazia) três meses.

(O havia se impõe quando o verbo está no imperfeito e no mais-que-perfeito do indicativo.)

Fonte:
www.info-vest.com.br