domingo, 21 de julho de 2019

Monteiro Lobato (Um Suplício Moderno)


Todas as crueldades de que foi useira a Inquisição para reduzir heréticos, as torturas requintadas da “questão” medieval, o empalamento otomano, o suplício chinês dos mil pedaços, o chumbo em fusão metido a funil gorgomilos adentro — toda a velha ciência de martirizar subsiste ainda hoje encapotada sob hábeis disfarces. A humanidade é sempre a mesma cruel chacinadora de si própria, numerem-se os séculos anterior ou posteriormente a Cristo. Mudam de forma as coisas; a essência nunca muda. Como prova denuncia-se aqui um avatar moderno das antigas torturas: o estafetamento.

Este suplício vale o torniquete, a fogueira, o garrote, a polé, o touro de bronze, a empalação, o bacalhau, o tronco, a roda hidráulica de surrar. A diferença é que estas engenharias matavam com certa rapidez, ao passo que o estafetamento prolonga por anos a agonia do paciente.

Estafeta-se um homem da seguinte maneira: o Governo, por malévola indicação dum chefe político, hodierno sucedâneo do “familiar” do Santo Ofício, nomeia um cidadão estafeta do correio entre duas cidades convizinhas não ligadas por via férrea.

O ingênuo vê no caso honraria e negócio. É honra penetrar na falange gorda dos carrapatos orçamentívoros que pacientemente devoram o país; é negócio lambiscar ao termo de cada mês um ordenado fixo, tendo arrumadinha, no futuro, a cama fofa da aposentadoria.

Note-se aqui a diferença entre os ominosos tempos medievos e os sobre-excelentes da democracia de hoje. O absolutismo agarrava às brutas a vítima e, sem ter-te nem hábeas corpus, trucidava-a; a democracia opera com manhas de Tartufo, arma arapucas, mete dentro rodelas de laranja e espera aleivosamente que, aponte sua, caia no laço o passarinho. Quer vítimas ao acaso, não escolhe. Chama-se a isto — arte pela arte...

Nomeado que é o homem, não percebe a princípio a sua desgraça. Só ao cabo de um mês ou dois é que entra a desconfiar; desconfiança que por graus se vai fazendo certeza, certeza horrível de que o empalaram no lombilho duro do pior matungo das redondezas, com, pela frente, cinco, seis, sete léguas de tortura a engolir por dia, de mala postal à garupa.

Eis as puas do aparelho de tormento, as tais léguas! Para o comum dos mortais, uma légua é uma légua; é a medida duma distância que principia aqui e acaba lá. Quem viaja, feito o percurso, chega e é feliz.

As léguas do estafeta, porém, mal acabam voltam “da capo”, como nas músicas. Vencidas as seis (suponhamos um caso em que sejam só seis) renascem na sua frente de volta. É fazê-las e desfazê-las. Teia de Penélope, rochedo de Sísifo, há de permeio entre o ir e o vir a má digestão do jantar requentado e a noite maldormida; e assim um mês, um ano, dois, três, cinco, enquanto lhes restarem, a ele nádegas e ao sendeiro lombo.

Quando cruza um viandante a jornadear, morde-o a inveja: aquele breve “chegará”, ao passo que para o estafeta tal verbo é uma irrisão. Mal apeia, derreado, com o coranchim em fogo, ao termo dos trinta e seis mil metros da caminheira, come lá o mau feijão, dorme lá a má soneca e a aurora do dia seguinte estira-lhe à frente, à guisa de “Bom dia!”, os mesmos trinta e seis mil metros da véspera, agora espichados ao contrário...

Breve o animal, pisado, dá de si, fraqueia. Já os topes o cavaleiro galga a pé. Não possui meios de adquirir outra montada. O ordenado vai-se-lhe em milho e “rapador” para a alimária, água de sal para os semicúpios e mais remédios às pisaduras de ambos, cavalgante e cavalgado. Não sobeja sequer para roupa.

Dá-lhe o Estado — o mesmo que custeia enxundiosas taturanas burocráticas

a contos por mês, e baitacas parlamentares a duzentos mil-réis por dia —, dá-lhe o generoso Estado... cem mil-réis mensais. Quer dizer, “um real” por nove braças de tormento. Com um vintém paga-lhe trezentos e trinta metros de suplício. Vem a sair a sessenta réis o quilômetro de martírio. Dor mais barata é impossível.

O estafeta entra a definhar de canseira e fome. Vão-se-lhe as carnes, as bochechas encovam, as pernas viram parênteses dentro dos quais mora a barriga do desventurado rocim.

Além das calamidades fisiológicas, econômicas e sociais, chovem-lhe em cima as meteorológicas. O tempo inclemente não lhe poupa judiarias.

No verão não se dói o sol de assá-lo como se assam pinhões nas cinzas. Se chove, de nenhuma gota se livra. Pelos fins de maio, à entrada do frio, é entanguido como um súdito de Nicolau exilado nas Sibérias que devora as léguas infernais. No dia de são Bartolomeu, agarrado de unhas à crina da escanzelada égua, é por milagre que não os despeja a ambos, perambeiras abaixo, o endemoninhado vento.

O patrão-Governo pressupõe que ele é de ferro e suas nádegas são de aço; que o tempo é um permanente céu com “brisas fagueiras” ocupadas em soprar sobre os caminhantes os olores da “balsamina em flor”.

Pressupõe ainda que os cem mil-réis do salário são uma paga real de lamber as unhas. E, nestas angelicais pressuposições, quando há crises financeiras e lhe lembram economias, corta seus cinco, seus dez mil-réis no pingue ordenado, para que haja sobras permitidoras de ir à Europa um genro em comissão de estudos sobre “a influência zigomática do periélio solar no regime zaratústrico das democracias latinas”.

E assim o exército dos estafetas, dia a dia mais encanifrado, encalacrado de dívidas, enchagado de pisaduras, ao sol de dezembro ou à garoa entanguente de junho, trota, trota sem cessar, morro acima, morro abaixo, por atoleiros e areões, caldeirões e escorregadouros, sacudido pela miseranda cavalgadura que de tanto padecer, coitada, já nem jeito de cavalo tem.

O lombo delas é todo uma chaga viva; as costelas, um ripado. Caricaturas contristadoras do nobre Equus, um dia rebentam de fome, exaustas, a meio de viagem.

O estafeta toma às costas os arreios, a mala, e conclui a caminheira a pé. Nesse dia chega fora de horas, e o agente do correio oficia ao centro sobre a “irregularidade”.

O centro move-se; faz correr um papelório através de várias salas onde, comodamente espapaçada em poltronas caras, a burocracia gorda palestra sobre espiões alemães. Depois de demorada viagem o papelório chega a um gabinete onde impa em secretária de imbuia, fumegando o seu charuto, um sujeito de boas carnes e ótimas cores. Este vence dois contos de réis por mês; é filho de algo; é cunhado, sogro ou genro de algo; entra às onze e sai às três, com folga de permeio para uma “batida” no frege da esquina.

O canastrão corre os olhos mortiços de lombeira por sobre o papel e grunhe:

— Estes estafetas, que malandros!

E assina a demissão daquele a bem do serviço público.

(E se isso não acontece, acontece pior. Certa vez o agente do correio duma cidadezinha paulista oficiou ao centro queixando-se do estafeta. O centro respondeu autorizando-o a “punir com severidade o faltoso”. O agente medita a sério sobre o caso; depois, mostrando o ofício ao estafeta, e com muita dor de coração, ferra-lhe em nome do Governo a maior sova de chicote de que há memória no lugar. Em seguida oficia ao centro dando conta do desempenho da missão e declarando que o serviço ficaria interrompido por uma quinzena, visto o paciente estar de cama, a curar-se com salmoura...)

O supliciado, posto no olho da rua, sem saúde, sem cavalo, sem nádegas, coberto de dívidas, com o fígado e mais vísceras fora do lugar em virtude do muito que “chacoalharam”, vê-se logo rodeado pela chusma de credores, ávidos como urubus de charqueada. Como está nu, mais nu que Jó, não pode pagar a nenhum — e ganha fama de caloteiro.

— Parecia um homem sério, e no entanto roubou-me cinco alqueires de milho — diz o da venda, calabrês gordo, enricado no passamento de notas falsas.

— Tomou-me emprestados 100 mil-réis para a compra de um cavalo, a jurinho de amigo (cinco por cento ao mês), já lá vão cinco anos, e por muito favor pagou-me o premiozinho e deu os arreios por conta. Que ladrão! — diz o onzeneiro, sócio do outro na nota falsa.

A loja de fazenda chora umas calças de algodão mineiro que lhe fiou em tempo. A farmácia, um quilo de sal-amargo falsificado. Abeberado de insultos, o mártir só vê pela frente uma saída: fincar o pé na estrada e fugir... fugir para uma terra qualquer onde o desconheçam e o deixem morrer em paz.

Destarte, o moderno suplício do estafetamento, além de charquear as carnes duma criatura humana limpa de crimes, dá-lhe ainda de lambuja uma bela mortezinha moral. Tudo isto a fim de que não falte aos soletradores de tais e tais bibocas do sertão o pábulo diário da graxa preta em fundo branco, por meio do qual se estampam em língua bunda as facadas que Pé Espalhado deu em Camisa Preta, o queijo que furtou Baianinho ao Manoel da Venda, o romance traduzido de Jorge Ohnet, o salvamento da pátria pela alta volataria nacional, o palavreado gordo das ligas disto e daquilo, a descoberta de espiões onde nada há que espiar, a policultura, o zebu, o analfabetismo, o aliadismo, o germanismo, as potocas da Havas e quanta papalvice grela por massapês e terras roxas deste país das arábias.

A política do coronel Evandro em Itaoca deu com o rabo na cerca desde que em tal pleito o competidor Fidêncio, também coronel, guindou a cotação dos votos de gravata a quinhentos mil-réis, e a dos votos de pé no chão a dois parelhos de roupa, mais um chapéu.

O primeiro ato do vencedor foi correr a vassoura do Olho da Rua em tudo quanto era olhodarruável em matéria de funcionalismo público. Entre os varridos estava a gente do correio, inclusive o estafeta, para cuja substituição inculcou-se ao Governo o Izé Biriba.

Era este Biriba um caranguejo humano, lerdo de maneiras e atolambado de ideias, com dois percalços tremendos na vida — a política e o topete.

O topete consistia num palmo de grenha teimosa em lhe cair sobre a testa, e tão insistente nisto que gastava ele metade do dia erguendo a mão esquerda à altura da fronte para, num movimento maquinal, botar pra arriba a crina rebelde. A política escusa dizer o que é.

Coligados ambos, topete e política comiam-lhe o tempo inteiro, de jeito a não lhe deixar folga nenhuma para o amanho do sítio, que, afinal, roído pelo cupim da hipoteca, lá foi parar nas unhas dum onzeneiro ladrão.

Montou em seguida botequim mas faliu. Enquanto Biriba arrumava o topete os fregueses surrupiavam-lhe os mata-bichos; e nas cavaqueiras políticas os correligionários, de passo que expeliam diatribes contra o governo, sorviam capilés refrescantes e mascavam bolinhos de peixe por conta da vitória futura.

Além do topete tinha Biriba o sestro do “sim senhor” alçado às funções de vírgula, ponto e vírgula, dois-pontos e ponto final de todas as parvoiçadas emitidas pelo parceiro; e às vezes, pelo hábito, quando o freguês parando de falar entrava a comer, continuava ele escandindo a “sim senhores” a mastigação do bolinho filado.

Ao tempo da queda do outro e subida de sua gente, andava Biriba reduzido à conspícua posição de “fósforo” eleitoral. No pleito trabalhara como nenhum. Deram-lhe as piores missões — acuar eleitores tabaréus embibocados nos socavões das serras, negociar-lhes a consciência, debater preço de votos, barganhá-los com éguas lazarentas e provar aos desconfiados, com argumentos de cochicho ao ouvido, que o Governo estava com eles.

Após a vitória sentiu pela primeira vez um gozo integral de coração, cabeça e estômago.

Vencer! Oh, néctar! Oh, ambrosia incomparável!

O nosso homem regalou as vísceras com o petisco dos deuses. Até que enfim os negrores da vida de misérias lhe alvorejavam em aurora. Comer à farta, serrar de cima... Delícias do triunfo!

Que lhe daria o chefe?

No antegozo da pepineira iminente, viveu a rebolar-se em cama de rosas até que rebentou sua nomeação para o cargo de estafeta.

Sem queda para aquilo, quis relutar, pedir mais; na conferência que teve com o chefe, entretanto, as objeções que lhe vinham à boca transmutavam-se no habitual “sim senhor”, de modo a convencer o coronel de que era aquilo o seu ideal.

— Veja, Biriba, quanto vale a felicidade! Pilha um empregão! Vai Regino para agente e você para estafeta.

O mais que ele pôde alegar foi que não tinha cavalgadura.

— Arranja-se — resolveu de pronto o coronel. — Tenho lá uma égua moura legítima, de passo picado, que vale duzentos mil-réis. Por ser para você, dou-a por metade. O dinheiro? É o de menos. Você toma-o de empréstimo a Leandrinho. Arranja-se tudo, homem.

O arranjo foi adquirir Biriba uma égua trotona pelo dobro do valor, com dinheiro tomado a três por cento ao tal Leandro, que outra coisa não era senão o testa de ferro do próprio Fidêncio. Destarte, carambolando, o matreiro chefe punha a juros o pior sendeiro da fazenda, além de conservar pelo cabresto da gratidão ao idiota estafetado.

Iniciou Biriba o serviço: seis léguas diárias a fazer hoje e a desfazer amanhã, sem outra folga além do último dia dos meses ímpares.

Inda bem se fora devorar as léguas na só companhia da chupada mala postal. Mas não lhe saiu serena assim a empresa. Como Itaoca não passasse de mesquinho lugarejo empoleirado no espinhaço da serra e desprovido de tudo, não transcorria vez sem que os amigos políticos não viessem com encomendas a aviar na cidade. À hora de partir surgiam aproveitadores com listinhas de miudezas, ou negras com recados.

— Sinhá disse assim pra suncê comprar três carretéis de linha cinquenta, um papel de agulhas, uma peça de cadarço branco, cinco maços de grampo miúdo e, se sobejar um tostão, pra trazer uma bala de apito pro seu Juquinha.

Todos aqueles artigos existiam em Itaoca, um tantinho mais caros, porém; o encomendá-los fora visava apenas à economia do tostão da bala de apito.

— Sim senhor, sim senhor!...

Não lhe escapava da boca outro som, embora o exasperasse a contínua repetição do abuso.

Além das pequenas encomendas, pouco trabalhosas, surgiam outras de vulto, como levar um cavalo arreado ao senhor Fulano que vinha em tal dia, acompanhar a mulher de Etcetrano, e que tais. Tibúrcia, cozinheira preta do coletor, cada vez que ia de férias descansar à cidade, era Biriba o indicado para conduzi-la.

Foi como o conheci, guardando cesta às amazonas. De viagem para Itaoca, a meio caminho topo num homem encavalgado na mais avariada égua que jamais meus olhos viram. À garupa iam malas do correio e vários picuás; no santo-antônio, mais picuás além duma vassoura nova enganchada nos arreios com a palha para cima. Estava parado, em atitude idiotizada, segurando pelo cabresto um cavalinho de silhão. Abordei-o, pedindo fogo. Aceso o cigarro, indaguei de quem montava a cavalgadura vazia.

— “Não vê” que estou acompanhando a dona Engrácia, que é parteira em Itaoca. Ela apeou um bocadinho e...

Ouvi rumor atrás: saía do mato uma mulheraça rúbida, de saias tufadas de goma, tendo na cabeça um toucadinho coevo de Sua Majestade Fidelíssima... Para não vexá-la pus-me a caminho, não sem, voltando a cara de soslaio, regular-me com os apuros do estafeta para entalar nas andilhas as cinco arrobas da parteira aliviada.

E descomposturas...

— Seu Biriba, não foi linha quarenta que eu encomendei. O senhor parece bobo!

Quando a fazenda era má:

— Não viu que a chita desbotava? Que moda!

Doía-lhe, sobretudo, carretear para a execrável gente da oposição. O coronel contrário não se pejava de por intromissão de terceiro, neutro ou oposicionista encapotado, abusar da boa-fé do mártir. Lembrava-se Biriba, com dor de alma, de um bode de raça que lhe dera grandes trabalhos pelo caminho — e várias marradas de lambuja; afinal, chegando, verificou que vinha para o inimigo.

Toda gente gozou do caso, entre espirros de riso e galhofa.

— É um pax-vóbis Biriba! Trazer o bode da oposição! Quiá! quiá! quiá! Estas e outras foram-lhe azedando os fígados e as vísceras circunvizinhas.

Biriba emagreceu. Biriba amarelou.

A égua, coitada, perdeu a feição cavalar. Seu lombo selara em meia-lua, de modo que por um nadinha não raspavam o chão os pés do cavaleiro. Montado, Biriba afundava. Sua cabeça caía quase ao nível duma linha tirada da anca às orelhas da égua. Horrendamente pisada, trazia a bicha nos olhos permanentes lágrimas de dor; mas em vez de tanta mazela mover ao dó o coração dos itaoquenses, regalava-os, e eram chufas sem fim e piadas idiotas acerca do “Estafeta da Triste Figura mais a sua Bucéfala”, como os batizou um engraçado local.

Lazarento como eles, só o Cunegundes, cão sem dono, coberto de sarna, que perambulava a esmo pela cidade, fugindo a moscas e pontapés. Pois não lhe mudaram o nome para Biribinha? Cachorrada!

Não tardou muito viesse o Governo dar sua volta ao torniquete, cortando dez mil-réis no ordenado dos estafetas — para salvar-se em certa ocasião de apuros financeiros. E salvou-se, esta é que é!...

A roupa no fio. À entrada das chuvas uma alma caridosa deu-lhe uma velha capa de borracha; mas no primeiro aguaceiro verificou Biriba que tal capote vazava como peneira, de modo a piorar-lhe a situação com a sobrecarga dum panejamento absorvedor de litros de água.

Biriba, perdida a paciência, murmurou.

Ai! Soube-o logo o chefe e fê-lo vir a contas.

— É certo que o senhor me anda arrenegando do emprego que lhe demos? Queria, acaso, ser eleito senador ou vice-presidente? Um pedaço de porcalhão que andava aí lambendo embira, morre não morre de fome, passa, por generosidade nossa, a ocupar um cargo federal com ordenado relativamente bom (aqui Biriba tossiu um... “Sim senhor”), encontra todas as facilidades, recebe um bom animal e ainda se queixa? Que quer então Vossa Excelência?

Biriba entumeceu-se de coragem e declarou querer uma coisa só: a demissão. Estava doente, surradíssimo, ameaçado de perder de um momento para outro a égua e as nádegas. Queria mudar de vida.

— Muda-se, então, de vida assim do pé pra mão? Quer abandonar os amigos? E a disciplina partidária onde fica, meu caro palerma?

Não convinha a ninguém a saída do Biriba. Quem mais serviçal? Lembravam-se dos estafetas anteriores, malcriados, inimigos de trazer um papel de agulha fosse para quem fosse. Não sairia. Itaoca impunha-lhe o sacrifício de ficar.

Mas a tortura do diário chocalhar por sete léguas das vísceras de Biriba acabou por desconjuntar nele o cimento da lealdade partidária. O mártir abriu os olhos. Lembrou-se com saudades dos ominosos tempos do coronel Evandro, das delícias do botequim e até do calamitoso período da degradação “fosfórica”. Piorara após o triunfo, não havia dúvida.

Este livre exame de consciência — crede-me — foi o início da queda do coronel Fidêncio em Itaoca. Biriba, o firme esteio, apodrecia pelo nabo; viria abaixo, e com ele a cumeeira do pardieiro político. A víbora da traição armara ninho em sua alma.

Como o novo pleito se aproximasse, nova vitória lhe seria novo termo de martírio. Biriba ponderou de si para sua égua que a salvação de ambos estava na derrota. Demitiam-no, e ele, veterano e mártir do fidencismo, continuaria com jus ao apoio do partido, sem padecer por via coccigiana o contato odioso das sete horas diárias de socado.

Deliberou trair.

Na véspera da eleição incumbiu-o Fidêncio de trazer da cidade um papel importantíssimo para o tribofe das urnas. Sei lá o que era! Um “papel”. A palavra “papel” dita assim em tom de mistério traz no bojo “coisas”...

Fidêncio frisou a gravidade da incumbência — a maior prova de confiança jamais dada por ele a um cabo eleitoral.

— Veja lá! A nossa sorte está nas suas mãos. Isto é que é confiança, hein? Partiu Biriba. Recebeu na cidade o “papel” e rodou para trás. A meio caminho, porém, tomou por uma errada, foi ter à biboca dum negro velho, soltou a égua, pegou de prosa com o gorila. Caiu a noite: Biriba deixou-se ficar. Alvoreceu o dia seguinte: Biriba quieto. Dez dias se passaram assim. Ao cabo, arreou a égua, montou e botou-se para Itaoca como se nada houvera acontecido.

Foi um assombro a sua aparição. Baldadas as tentativas para apanhá-lo no dia do pleito e nos posteriores, deram-no como papado pelas onças, ele, égua, mala postal e “papel”. Vê-lo agora surgir sãozinho da silva foi um abrir de boca e um pasmar à vila inteira. Que houve? Que não houve?

A todas as perguntas Biriba armava na cara a suprema expressão da idiotia. Nada explicava. Não sabia de nada. Sono cataléptico? Feitiço? Não compreendia o sucedido. Afigurava-se-lhe ter partido na véspera e estar de volta no dia certo.

Ficaram todos maravilhados, com asníssimas caras.

Fidêncio delirava na cama, com febre cerebral. Perdera a eleição redondamente.

— Derrota fedida — arrotavam os vencedores, atochando foguetes de assobio.

Em consequência do inexplicável eclipse do estafeta senhoreou-se do rebenque o ex-ominoso Evandro. Começou a derrubada. O olho da rua recebeu em seu seio tudo quanto cheirava a fidencismo. A vassoura da demissão, porém, poupou a... Biriba.

O novo cacique aproximou-se dele e disse:

— Demiti toda a canalha, Biriba, menos a você. Você é a única coisa que se salva da quadrilha de Fidêncio. Fique sossegado, que do seu lugarzinho ninguém o arranca, nem que o céu chova torqueses.

Pela derradeira vez em Itaoca Biriba balbuciou o “Sim senhor”. À noite deu um beijo no focinho da égua e saiu de casa pé ante pé. Ganhou a estrada e sumiu.

E nunca mais ninguém lhe pôs a vista em cima...

Fonte:
Monteiro Lobato. Urupês. atualização ortográfica: Iba Mendes.

sábado, 20 de julho de 2019

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) XIX


CAMINHO MONÓTONO

 E por que hei de negar?...Ah! o encanto da estrada
 abrindo em cada curva um leque de paisagem,
 e o mistério da casa escondida e encantada
 que mora sob a sombra amiga da folhagem

 E por que hei de negar?  Se isso é a vida passada;
 se o fastio espantou o encanto da miragem
 Hoje - o olhar distraído, e a alma já cansada
 repetem todo dia e sempre a mesma viagem

 E por que hei de negar?  Ah! Aquelas ânsias loucas
 dos beijos que cantavam sempre em nossas bocas
 e das mãos, não sabendo nunca onde pousar...

 Hoje... por mais que venhas, sempre estou sozinho...
 E por que hei de negar?  Se teu corpo é um caminho
 onde de olhos fechados posso caminhar?…

CANTO BANAL

Não te quero dizer palavras difíceis e deformantes
nem inventar imagens que embelezam talvez
mas que não reconheces.

Não tocarei música para os teus ouvidos
nem criarei poesia para a tua imaginação,
nem nada esculpirei que já não estejas em ti...

Nesse instante serei banal,
não respeitarei nem mesmo o silêncio,
nada que nos eleve além do plano em que estamos,
não serás estrela, não serás a nuvem, não serás a flor...

Quando chegares, e eu tomar teu corpo
em meus braços nervosos, te direi apenas:
- meu amor!

CANTO DE ONTEM

Vamos, põe teu braço no meu braço, vamos recordar
os velhos tempos
do nosso amor.
Passeávamos assim, e que frias eram as tuas mãos
no momento do encontro,
e que dóceis teus lábios depois da rendição.

Muitas vezes perdi-me em teus lábios e não soube voltar.

Que era o mundo senão um punhado de perspectivas
que saíam do ponto coração
e se perdiam nos teus olhos?

Tanta coisa esperamos e alguma coisa colhemos
mas que triste, amor, este todo-o-dia matando
o que esperávamos jamais ser tocado pelo tempo.

Tu me queres ainda, eu sei que te aninhas, por habito ou por frio
junto ao meu corpo, e esperas.

E eu te quero ainda, muito mais pelo que deixaste
nas raízes mergulhadas
e pelo que representas nas nuvens que se acumulam
do que pelo momento de tédio e ternura, elementos
do nosso coquetel cotidiano...

Vamos, põe teu braço no meu braço, como antigamente,
entrega-me docilmente os teus lábios, e pensa
que eu te beijo há mil anos, num tempo em que seremos
sempre os mesmos
e o nosso amor imortal.

CANTO E ELEGIA

Sejam as palavras a forma da minha dor
ou da minha alegria.

Que este é o destino real dos que trouxeram
a poesia,
existirem apenas no canto,
como a chama no fogo,
como a forma na flor!

Canto e elegia...
aonde eu for.

CANTO EFÊMERO
   
Feliz no mundo eu só!... Ninguém mais é feliz!
Ninguém mais é feliz!... Eu só, sorrio e canto!
Enfim o teu amor!... Quanta coisa! Quem diz,
- quem poderia crer que eu merecesse tanto!  

Esplendor! a paisagem mudou por encanto! 
No negro da minha alma há rabiscos de giz  
    traçando ante meus olhos trêmulos de espanto.
          - "Feliz no mundo, eu só !... Ninguém mais é feliz!"

Certo do teu amor, tudo ao redor se anima,
em ouro se transforma a fuligem do pó    
    e a minha alma, a beleza das coisas sublima!

Enfim o teu amor!... E o teu amor primeiro!
       Meu Deus! eu sou feliz!... Feliz no mundo eu só!
              Ninguém mais é feliz, ninguém!... no mundo inteiro!

CANTO INTEGRAL DO AMOR

Cegos os olhos, continuarias de qualquer forma,. presente,
surdos os ouvidos, e tua voz seria ainda a minha música, 
e eu mudo, ainda assim, seriam tuas as minhas palavras. 

Sem pés, te alcançaria a arrastar-me como as águas,
sem braços, te envolveria invisível, como a aragem, 
sem sentidos, te sentiria recolhida ao coração            
como o rumor do oceano nas grutas e nas conchas.  

Sem coração, circularias como a cor em meu sangue,
e sem corpo, estarias nas formas do pensamento        
como o perfume no ar.
        
E eu morto, ainda assim por certo te encontrarias
no arbusto que tivesse suas raízes em meu ser,    
- e a flor que desabrochasse murmuraria teu nome.

CANTO PRETENSIOSO

Exilado num tempo de perfídias,
de misérias, de lutas, de torpezas,
- pergunto em vão, nesse clamor de insídias
onde vivem as almas e as belezas?

Trago as asas e as ânsias sempre presas
se o mundo é um choque eterno de dissídias...
- onde andarão aquelas naturezas
do século de Péricles e Fídias ?

No meu destino singular de eleito
subo à procura do alto da montanha,
onde o ar é mais puro e o céu perfeito!

- Que as montanhas, as eras não consomem,
e nessa ânsia em que avanço, sinto a estranha
vocação de ser deus dentro de um homem !

CANTO PURO

Como se fosse uma árvore me sinto
a bracejar a luz desta manhã:
do azul dos céus, azul puro e retinto,
embebedo a minha alma livre e sã.

Há uma alegria esplêndida e pagã!
Cheiro de terra a provocar o instinto!
O dia, é um bago rubro de romã
e o Sol renasce de um incêndio extinto

Que gosto bom esse de andar no chão
de pés descalços, tal como as raízes,
a ouvir cantar no peito o coração

Como as aves nas ramas enfloradas
ou como as águas claras e felizes
que cantam pelo chão, despreocupadas…

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 2. SP: Ed. Theor, 1965.

Vinicius de Moraes (Susana, flor de agosto)


A redação seria a coisa mais triste do mundo, não fosse a presença inesperada de Susana. Susana com seus 13 anos em flor, sua sábia beleza, seu doce e triste olhar castanho e sua perfeita desenvoltura encheram a redação de uma vida inesperada, fazendo-me por alguns instantes esquecer a mesquinhez do cotidiano. Ela entrou nos amplos espaços do meu tédio com passos graciosos de dançarina e ficou a girar por ali, balançando os cabelos longos sobre os ombros firmes de adolescente. Pus-me a adorá-la como nunca dantes, àquela menina a quem dei vida, e nunca senti mais forte, doce, secreto, o elo que a ela me prende.

Talvez para os outros sua jovem figura trouxesse apenas o encanto uma flor em desabrochamento. Para mim, seu pai, trouxe uma sensação de indizível amor, de um triste, fatal e pacífico amor sem remédio. Revia-a pequenina em meus braços diante de um branco céu crepuscular olhar para o alto anunciando-me que as estrelinhas estavam acordando. Revi-a a me olhar do seu modo sério quando lhe contava histórias, longas histórias por vezes inventadas e que nunca eram bastantes para a sua imaginação insone. Revi-a crescendo diante de mim qual planta misteriosa, estirando o caule, distendendo os ramos numa ânsia saudável de crescer. Agora ali estava ela a dançar sua maravilhosa dança ritual só para mim, nos infinitos espaços do meu silêncio - Susana, uma vida tirada de mim, uma menina que eu fiz para amar com a maior doçura do mundo: Susana, flor de agosto, filha minha muito amada, para quem eu cantei meus mais sentidos cantos e sobre cujo pequenino rosto adormecido despetalei as mais lindas pétalas do meu carinho.

Fonte:
Vinicius de Moraes. Para uma menina com uma flor.

sexta-feira, 19 de julho de 2019

I Concurso de Trovas “Singrando Horizontes” (Resultado Final)


TEMAS:
Veteranos: Horizonte/s
Novos Trovadores: Poesia/s



VETERANOS

ACADEMIA BRASILEIRA DE TROVA

VENCEDOR
    Paulo Roberto de Oliveira Caruso
Niterói/RJ


Por mais que o destino apronte,
te levando a novos ares,
sigo fitando o horizonte,
esperando regressares.
_________________________________________________

ESTADUAL (PARANÁ)
VETERANOS

VENCEDORES
 
1.
Nilsa Alves de Melo
Maringá


Outros são meus horizontes...
Não tracem o meu caminho,
quero beber de outras fontes,
acertar e errar sozinho.
--------------------

2.
Luiza Nelma Fillus
Irati


Meus olhos tristonhos buscam
no horizonte o ser amado,
mas as miragens ofuscam
esse deleite sonhado!
--------------------

 3.
Leonilda Yvonneti Spina
Londrina


Que novo líder desponte,
com vocação verdadeira,
trazendo um áureo horizonte
para a pátria brasileira!
-------------------- 

4.
Nilsa Alves de Melo
Maringá


Belo futuro me acena,
de horizontes promissores...
Sei que valerá a pena
ser fiel aos meus pendores.
--------------------
   
5.
Odenir Follador
Ponta Grossa


Chora junto àquela fonte
a bela moça donzela...
Raios de sol do horizonte
brilham nas lágrimas dela.
_______________________________________

ESTADUAL (PARANÁ)
 NOVOS TROVADORES

1.
César Augusto Ribas Sovinski
Curitiba
 
Por certo eu não viveria
sem a poesia, meu sal.
É que o mundo da poesia
sustenta o mundo real.
 
--------------------
   
2.
César Augusto Ribas Sovinski
Curitiba


Escute a voz da poesia:
Que belos versos declama!
Desafia a fantasia,
nossos sentidos inflama.
____________________________________________

NACIONAL / INTERNACIONAL
NOVOS TROVADORES

VENCEDORES
 
1.
João Roberto Vasco Gonçalves
Vitória / ES


Poesia, bálsamo d’alma,
que transpira num poema!
Raros momentos de calma,
enlevo da arte suprema!
--------------------  

2.
João Roberto Vasco Gonçalves
Vitória / ES   

Ela é todo o meu amor!
Penso nela todo dia,
com carinho e com ardor...
razão da minha poesia!
-------------------- 

3.
Silmar Bohrer
Caçador / SC


Quantos viventes na vida
choram a vida vazia...
Devem curar a ferida
com a essência da Poesia.
--------------------  

4.
Jaíra Presa
Santos / SP   


Esta noite enluarada
cria em nós a fantasia,
ao dizer à nossa amada
versos, rimas e poesia...
--------------------  

5.
José Airton Mellega
Piracicaba / SP

Num recanto do universo,
poesia eu vou escrever.
É meu sentimento em verso,
para alegrar seu viver.
____________________________________________

NACIONAL / INTERNACIONAL
VETERANOS

VENCEDORES


1.
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora / MG


Destino, desde criança,
por mais que me desapontes,
mantenho o olhar de esperança
pousado em meus horizontes.
--------------------  

2.
Alba Helena Corrêa
Niterói / RJ

Olhe, de frente, a amplidão,
estude e não se amedronte,
pois a luz da educação
abrirá seu horizonte!
-------------------- 

3.
Jessé Fernandes do Nascimento
Angra dos Reis / RJ

Avisto já no horizonte,
em pleno declínio, o sol;
mas não me abato, ergo a fronte
e aguardo um novo arrebol.
--------------------  

4.   
Carolina Ramos
Santos / SP

Melhor o mundo seria,
se no horizonte se lesse
a palavra AMOR... E, um dia,
nesse AMOR ... o mundo cresse!
--------------------  

5.
Relva do Egypto Rezende Silveira
Belo Horizonte / MG

Sinto a névoa do poente,
envolvendo os meus agoras,
mas renasço, sigo em frente,
no horizonte das auroras.
____________________________________

MENÇÃO HONROSA

1.
Edweine Loureiro da Silva
Souka-shi / Saitama / Japão


No horizonte, o sol brilhando
é Deus, que vem permitir
a quem estiver chorando
nova chance de sorrir.
--------------------  

2.
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora / MG

Com seu brilho extraordinário,
surge o sol, atrás do monte,
feito um deus incendiário
pondo fogo no horizonte.
--------------------  

3.
Antônio Francisco Pereira
Belo Horizonte / MG

Quem olha para o futuro
e vê além do horizonte,
em vez de levantar muro,          
prefere construir ponte.    
-------------------- 

4.
Glória Tabet Marson
São José dos Campos / SP


Vê o céu, quem se apaixona,
e as estrelas, há quem conte;
é o amor que vem à tona,
abrindo um novo horizonte!
--------------------  

5.
Jerson Lima de Brito
Porto Velho / RO

O horizonte de um menino
será rude e pardacento,
se lhe negarem ensino
e a luz do conhecimento.    
________________________________________________

MENÇÃO ESPECIAL

1.
Mara Melinni
Caicó / RN

Nos ocasos, é que a gente,
sem cobrança e sem medida,
vê que a vida é diferente
nos horizontes da vida!...
--------------------  

2.
Valter Rodrigues Mota
Taubaté / SP

No horizonte, lá distante,
vejo o céu tocando o mar.
Mergulha o sol flamejante,
surge a lua em seu lugar.
--------------------  

3.
Maria Aparecida Ferreira de Vasconcelos
Santos / SP

Navegando entre os abrolhos,
no horizonte irei buscar
o verde mar dos teus olhos,
onde eu quero navegar !
--------------------  

4.
Mariangela da Silva Santos
Saquarema / RJ

Em busca dos horizontes,
valores da minha vida,
ultrapassei grandes pontes,
sempre de cabeça erguida!--------------------  

5.
Wanda de Paula Mourthé
Belo Horizonte / MG

Feito folha solta ao vento,
horizontes eu transponho
e me alteio ao firmamento,
porque vivo ao léu do sonho...
_____________________________________
 
DESTAQUE

Wanda de Paula Mourthé
Belo Horizonte/MG


De beleza, eternas fontes,
em voos de sonho eu parto,
lendo “Singrando Horizontes”,
nem mesmo saio do quarto!
________________________________________
 
Comissão Julgadora
Flávio Roberto Stefani (Porto Alegre/RS)
Therezinha Dieguez Brisolla (São Paulo/SP)
A. A. de Assis (Maringá/PR)
Vanda Fagundes Queiroz (Curitiba/PR)

Coordenador/Organizador/Fiel Depositário email
José Feldman

Coordenador Envelopes
André Ricardo Rogério

Parceria:
Academia Brasileira de Trova
Tertúlia Luso-Brasileira de Trovadores
Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia
Academia de Letras do Brasil / Paraná
Academia de Letras e Artes de Paranapuã
____________________________________________________

NOTA AOS PREMIADOS:
Os diplomas estão sendo confeccionados e breve serão enviados a seus respectivos emails assim como o Caderno de Trovas Premiadas.

Elciana Goedert e Sonia Andrea Mazza (Exposição de Poesia neste domingo)


quarta-feira, 17 de julho de 2019

Jaime Vieira (Nas Asas da Poesia) 2


CHATICE

por este mundo ser chato
por todo mundo estar chato
quero mesmo ser um chato
e me agarrar
na cabeleira
do tempo.

CONSPIRAÇÃO

enquanto
brincam com o tempo,
os teus cabelos
em mutirão,
a todo momento,
trabalham sérios
mudando de cor
quando não,
vão embora.

DESCANSO

a velha
palavra
rui o tempo,
em descanso
vira
epitáfio.

DESPETALAR

O espinho
é o segurança da flor
em espetáculo.
Apenas fere,
que pena,
não é obstáculo.

DESPOEMA

No calote da linguagem
com dupla imagem,
a poesia ganha passagem
e não diz nada.
Aí, o engano
é único.

HISTÓRICO

Há séculos
(desde toda eternidade)
o sol e a lua
são os mesmos.
Gerações desaparecem
e eles indiferentes
no palco do céu
continuam o espetáculo.

POSSIBILIDADE

o impossível
é sempre possível
basta querer
impossivelmente
querendo.

POTENCIAL

no coração pequenino
do passarinho
cabe a vastidão do céu
e a decisão do voo.

QUERO MAIS

no poço das palavras
que não mentem
tomo posse
e não mato a sede.

RELUZIR

bem atrás,
lá no azul negro
do infinito
algumas estrelas pequenas
brincam de esconde-esconde,
as mais afoitas
dizem: boa-noite!

RISOS

O mar se agitou
e ondas rolaram seixos
dando gargalhadas.
Também, pô!
O voo rasante das gaivotas
faziam cócegas na sua superfície.

Fonte:
Jaime Vieira. Asas. São Paulo/SP: Edicon, 1989.

Antonio Brás Constante (O trabalho se transformou em vício)


Sim, eu confesso, me viciei totalmente no trabalho. No início comecei com coisas leves. “Umas seis horas por dia no serviço já está bom”, eu pensava. Mas aos poucos fui necessitando de mais e mais tarefas. Passando a consumir dez, doze, até dezesseis horas de minha vida. Não saía mais com amigos. Já não comia direito. Mal conseguia dormir, ou simplesmente dormia mal (não é fácil dormir em cima de uma mesa de escritório).

Os sintomas foram se agravando, comecei a atender ao telefone utilizando o slogan da companhia (inclusive aos domingos), identificando-me e perguntando em que poderia ser útil. Depois de um tempo, passei a ter mais intimidade com a secretária eletrônica do que com pessoas de carne e osso. Agendava reuniões com minha própria mãe quando queria visitá-la. Mesmo nas raras ocasiões em que saía para jogar futebol, parava no meio do jogo, deixando minha posição descoberta, dizendo que era minha hora de intervalo, e isso deixava meus companheiros de time horrorizados, pois eu era o goleiro.

Minha esposa me abandonou pouco depois que deixei de chamá-la de amorzinho (para não ser acusado de assédio, era a explicação que eu dava), passando a me dirigir a ela utilizando seu primeiro nome, sempre precedido de “dona”. A gota d’água, porém, foi quando me recusei a deitar com ela, alegando que aquilo poderia ser interpretado como um erro de conduta moral. A coitada teve uma crise histérica. Tentei acalmá-la dizendo que ela poderia tirar o resto do dia de folga se quisesse, desde que fosse ao médico e me apresentasse um atestado de saúde. Nesse episódio, Dona Er... digo... minha mulher foi embora de casa, levando nossos filhos de cinco e oito anos junto com ela; fiquei muito triste com aquilo, visto que eles já estavam se acostumando a usar o uniforme com o logotipo da empresa.

Só notei que realmente havia algo errado comigo quando demiti meu cachorro por não estar usando crachá. Eu queria realmente procurar ajuda, mas era tão difícil encontrar algum médico que quisesse enviar seu currículo para avaliação, e que aceitasse fazer uma entrevista prévia, para somente então assinar um contrato de prestação de serviços (registrado em cartório), e enfim me examinar!

Para minha surpresa, meus familiares me recomendaram um consultor de empresas muito competente (que eles mesmos contrataram), o doutor Leopoldo, que iria auxiliar nos meus afazeres. Ele me convenceu a ir trabalhar no mesmo prédio de seu escritório. Inicialmente estranhei a localização do lugar, pois ficava numa clínica psiquiátrica, mas ele me tranquilizou afirmando que estava apenas sublocando uma sala ali, e que o lugar era bem localizado.

O Doutor Leopoldo também insistiu para que eu passasse a utilizar um novo tipo de uniforme, que segundo ele era muito mais moderno e arrojado. Infelizmente o traje era um pouco desconfortável, já que meus braços ficavam imobilizados depois de vesti-lo. Em contrapartida, ganhei uma sala muito confortável para trabalhar, toda acolchoada, apesar de não ter janelas e estar completamente vazia (me avisaram que os móveis ainda não haviam chegado da fábrica). Passei a tomar remédios que, conforme informações do bom doutor, ajudariam a aumentar o meu desempenho profissional. Estranhamente os tais medicamentos também me deixavam com muita sonolência. Depois entendi que aquilo tudo fazia parte de um tratamento para curar minha compulsão.

Hoje sou um novo homem: superei o vício de trabalhar. Agora, se você que está lendo este texto me der licença, vou encerrando estas poucas linhas, pois meus colegas do time de futebol estão gritando desesperados comigo para que eu pare de escrever e volte para o gol. E você? Qual é o seu vício?

Fonte:
Antonio Brás Constante.  Hoje é o seu aniversário! “Prepare-se” : e outras histórias. Porto Alegre, RS : AGE, 2009.

Caldeirão Poético XXVIII


AFONSO CELSO
(1860-1938)

ANJO ENFERMO


Geme no berço, enferma, a criancinha,
Que não fala, não anda e já padece...
Penas assim cruéis porque as merece
Quem mal entrando na existência vinha?

Ó melindroso ser, ó filha minha,
Se os céus me ouvissem a paterna prece,
E a mim o teu sofrer passar pudesse,
Gozo me fora a dor que te espezinha...

Como te aperta a angústia o frágil peito!
E Deus, que tudo vê, não te extermina,
Deus que é bom, Deus que é pai, Deus que é perfeito.

Sim... é pai, mas, a crença no-lo ensina:
- Se viu morrer Jesus, quando homem feito,
Nunca teve uma filha pequenina!

AUGUSTO DE LIMA
(1860-1934)

NOSTALGIA PANTEÍSTA

Um dia, interrogando o níveo seio
de uma concha voltada contra o ouvido,
um longínquo rumor, como um gemido,
ouvi plangente e de saudades cheio.

Esse rumor tristíssimo, escutei-o:
é a música das ondas, é o bramido
que ela guarda por tempo indefinido,
das solidões marinhas donde veio.

Homem, concha exilada, igual lamento
em ti mesmo ouvirás, se ouvido atento
aos recessos do espírito volveres.

É de saudade, esse lamento humano,
de uma vida anterior, pátrio oceano
da unidade concêntrica dos seres.

CRUZ E SOUSA
(1861-1898)

CAMINHO DA GLÓRIA


Este caminho é cor de rosa e é de ouro.
Estranhos roseirais nele florescem,
Folhas augustas, nobres reverdecem
De acanto, mirto e sempiterno louro.

Neste caminho encontra-se o tesouro
Pelo qual tantas almas estremecem;
É por aqui que tantas almas descem
Ao divino e fremente sorvedouro.

É por aqui que passam meditando,
Que cruzam, descem, trêmulos, sonhando,
Neste celeste, límpido caminho,

Os seres virginais que vêm da Terra,
Ensanguentados da tremenda guerra,
Embebedados do sinistro vinho.

EMÍLIO DE MENESES
(1867-1918)

TRAPO


Esta que outrora o linho da cambraia
Na pompa da ostentosa lençaria,
- Folhos* e rendas que à secreta alfaia
Ornavam com capricho e bizarria -

Era camisa - e que hoje a nostalgia
Sofre do tempo em que entre a pele e a saia
O perfumado corpo lhe cingia, -
Era ao possuí-la, a última atalaia.

Trapo que encerras o ebriante aroma
Do seu colo moreno, poma a poma**,
Ora em tiras te vejo desprezado.

E mais te quero, e mais te achego ao peito
Trapo divino! símbolo perfeito
De um coração por Ela espedaçado.
______________________
* folhos =  babados franzidos ou pregueados
** poma = seio de mulher

GUIMARÃES PASSOS
(1867-1909)

GUARDA E PASSA


"...Non me destar, deh! parla basso." (Michel Angelo)
Figuremos: tu vais (é curta a viagem),
Tu vais e, de repente, na tortuosa
Estrada vês, sob árvore frondosa,
Alguém dormindo à beira da passagem.

Alguém, cuja fadiga angustiosa
Cedeu ao sono, em meio da romagem,
E exausto dorme... Tinhas tu coragem
De acordá-lo? responde-me, formosa.

Quem dorme esquece... Pode ser medonho
O pesadelo que entre o horror nos fecha;
Mas sofre menos o que sofre em sonho.

Ó, tu, que turvas o palor da neve,
Tu, que as estrelas escureces, deixa
Meu coração dormir... Pisa de leve.

JOÃO RIBEIRO
(1860-1934)

MONGE


É forçoso que por um louco tomem
Quem de perfeito juízo se mostrava?
Louco, dizeis vós! mas onde estava
A apregoada loucura daquele homem?

Quem pode ver as dores que se somem
Dentro no peito e ver a ignota lava?
Loucos sois vós que as pústulas consomem,
E tendes a alma das paixões escrava.

Louco o dizeis, porque deixara o mundo
Pelo abismo do claustro hórrido* e fundo!
Insensatos, sabei! para a alegria,

É talvez pouca luz a luz do dia,
Mas a quem fere do infortúnio o açoite
Essa noite do claustro é pouca noite.
____________
* Hórrido - horrendo, pavoroso
_________________________
 
OLAVO BILAC
(1865-1918)

INANIA VERBA


Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
- Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava...

O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve...
E a Palavra pesada abafa a Ideia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.

Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?

E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?!

VICENTE DE CARVALHO
(1866-1924)

ESPERANÇA

Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

terça-feira, 16 de julho de 2019

Carolina Ramos (Velha Vó)


Olhou, com pena, as mãos enrugadas e trêmulas... quanto haviam dado!

E quem se lembrava disso? Quanto carinho saído daquelas pobres e velhas mãos, tão operosas no passado, tão inúteis agora... Quanto carinho, quanto desvelo esquecido... e quanta ternura ainda poderiam dar! Mas, dar a quem? Ninguém... ninguém, mesmo, parecia interessado em sua ternura…

A solidão do seu quarto, chegava o eco da algazarra dos netos. O toca-discos, a pleno volume, violentava os ouvidos sensíveis, com a desesperante agressividade dos metais e das guitarras elétricas. Até as louças e cristais vibravam, dentro dos móveis, ao som, (som?!), do rock alucinante!

Com a palma das mãos, protegeu os ouvidos. Diziam que estava ficando surda. Como, surda, se não conseguia conviver com a metade do barulho que a maioria suportava?! Os demais, sim, seriam surdos, ou quase!

À penumbra, o pequenino quarto era como que uma sala de espera. Sala de espera do Paraíso... Reunira lá, tudo o que lhe restava de mais caro: — as fotos amareladas pelo tempo; os velhos lençóis de linho, bordados com monogramas, que não interessavam a ninguém; os livros que não mais lia e que os netos chamavam de água com açúcar; as agulhas de tricô, entortadas pelo uso, pelas quais haviam passado, ponto por ponto, os enxovalzinhos dos filhos, dos netos… chegariam aos bisnetos? Talvez... o neto mais velho já andava raspando o buço e ensaiando as primeiras investidas. Qualquer dia, não seria de estranhar se aparecesse em casa, com mulher e filho a tiracolo. Não é assim que andavam as coisas?

Passou as mãos pela cabeça branca, alisando, lentamente, os cabelos. Não olhou o espelho, fiel amigo das mulheres jovens, inimigo das maduras. As idosas, preferiam ignorá-lo. Melhor que não existisse. Sorte, é que a vista curta amenizava a obra nefasta do tempo. Deus é sábio! Vela os olhos dos velhinhos, de caso pensado, para que não vejam as maldades do mundo e, principalmente, para que sofram menos, ignorando a progressiva decadência.

Alisou novamente os cabelos. Gostava deles mais longos, presos num coque, como sempre usara, mas, fora convencida de que curtos eram mais práticos, mais higiênicos, menos trabalhosos de pentear. Encolheu os ombros, em concordância.

Abriu, cautelosa, a porta do quarto. Deu um passo à frente, tentando enfrentar a balbúrdia. Um bafo ardido de nicotina agrediu-lhe as narinas, avançando pelos brônquios calcificados, pela idade, e chegando aos pulmões indefesos. Tossiu, recuando. Através da fumarada, viu a neta que comandava o grupo. Como estava linda! Boa menina!

E a boa menina vendo a avó e acercou-se pressurosa:

— "Entra, vó, entra... fica no teu quarto, que a gente está dando uma festinha."

A velhinha tentou falar: — "Você está tão bonita..." mas, ninguém a ouvia. Já a neta, copo na mão, e sorriso nos lábios, girava noutra direção.

Sentiu saudades dos netos, quando ainda pequeninos. Anjinhos… verdadeiros anjinhos irrequietos e encaracolados! Anjos, desde a ternura dos carinhos, até a inocência das travessuras. Agora... ah! os jovens... tão frios… tão distantes... tão agressivos! Pareciam não ter, no seu mundo, um lugar para os velhos! Nem um cantinho sequer... e bastaria apenas um tiquinho de nada, onde coubessem migalhas de amor.

Fechou a porta com cuidado. Respirou mais fundo. Ao menos lá dentro, o ar era mais puro. Cheirava a talco. Velhos gostam de talco. Por isso, vivem ganhando caixas e caixas de talco, de presente. Ou será que, de tanto ganharem talco de presente, acabavam por gostar dele?

A tarde morria. Só a tarde?!

A noite chegava. Há muito, já a trazia dentro da alma. Não gostava da noite. À noite as saudades falavam tão alto, que a insônia vinha dialogar com elas. Abriu o álbum de retratos. Quantas vezes o folheara? Seria capaz de descrever cada página, foto por foto. Não conseguia lembrar-se, na maioria das vezes, de coisas recentes. Mas, naquele álbum, tudo era presente! A foto do casamento. Quanto lhe dizia! Ela, tão jovem, de pé. Ele, posudo, sentado. Por que, a noiva de pé e o noivo sentado? Ninguém tentara explicar. Costume da época. A foto lembrava amor. Será que o amor ainda existia? Tudo agora parecia tão estranho... tão esquisito... tão chocante!

A princípio, tentara questionar. Ninguém parecia ouvi-la. E se a ouviam, era pior: — "Lá vem a velha com palpites!" “Não enche, vó!"

Aprendera a calar. Aceitação? Melhor dizer: — comodismo.

Doía demais aquele: "Não enche, vó!" Aprendera a não "encher", para viver era paz.

"Deixa disso, vó!", ''Não faz aquilo, vó!", "Olha só o que a vó fez!" "Tomou o remédio, vó?" — "Vó", era apenas o que ouvia, a torto e a direito. Até parecia que não tinha nome! Mesmo os filhos, solidários aos netos, a chamavam "vó"! E até os estranhos! Só porque tinha a cabeça branca, os ombros curvos e arrastados os passos, tinha de ser a "vó" de todo o mundo?! Talvez houvesse um pouco de carinho escondido nessas duas letras. Então, não custava nada bisar esse carinho: — Vovó! — tão simples de se dizer, e, tão gostoso de se ouvir! A questão, é que gente jovem tem pressa... prefere os monossílabos e os adultos se aceleram? por imitação.

Só mesmo gente da sua idade a chamava pelo nome: "Dona Maria Adelaide." Tinha saudade de ser Dona Maria Adelaide! Onde andava a gente da sua idade? Nunca mais vira a "vó" do Renatinho... nem o "vô" da Selminha... como é que se chamavam? Como é? Essa história de "vô" e "vó" pega mesmo! Conteve-se: — "Se me pegam falando sozinha, vão dizer que estou mesmo caduca..."

Fechou o álbum de fotografias. Meu Deus, a história de uma vida! Da sua vida! História fragmentada de inúmeros capítulos. Já era hora de pingar o ponto final. Já era hora de encerrar o livro. Olhou a folhinha — 29 de junho, dia de São Pedro. O Santo das chaves, porteiro do céu. Pegou o terço. "Ave Maria, cheia de graça". "Que mundo sem graça, Maria, o de agora!"

Penitenciou-se: "Perdão, meu Deus, estou mudando o sentido das palavras..." Bebeu uma lágrima, sentindo gosto de sal.

Deixou interrompida a Ave Maria, e passou a falar com São Pedro:

"Meu Santo, abra a porta... por favor... não aguento mais esta sala de espera... sou Maria Adelaide, sabe? Deixe-me entrar... Olhe, São Pedro, sou só uma "vó"... uma velha "vó", cansada de viver... só quero um cantinho, "pequenininho", pode ser até menor que o meu quarto... com muitos anjinhos por perto e que caiba nele um tiquinho de amor..."

Fonte:
Carolina Ramos. Interlúdio: contos. São Paulo: EditorAção, 1993.

Vivaldo Terres (Poemas Escolhidos) X


AMOR MEU

Na bela penumbra do belo recinto,
Vejo-te calma respirando amor.
Na cama fosca com lençóis tão brancos,
Onde fizemos nosso ninho de amor.

Que maravilha quando juntos estávamos,
E juntos saciávamos nossos desejos.
Numa sequência de beijos tão puros...
Que a cada um aguçava mais e mais nossos desejos.

Para mim no mundo só existe uma mulher,
Encantadora que me encanta,
Que me transforma em escravo seu.
Esta mulher és tu anjo divino,
Amor meu.

AS NOITES

As noites chegam!
E eu sem esperança...
De voltar a vê-la!
Que tristes noites que passo sozinho,
Sem o seu beijo...
Sem o seu carinho.

O tempo passa...
E eu amargurado,
Sem o seu amor.
São noites tristes, cheias de angustias...
Em que já não suporto
Tamanha dor.

Outras me querem
E dizem que me amam,
Mas parece até que enfeitiçado estou.
Como viver com outra a meu lado,
Se dela é este supremo amor.

COMO ME ILUDI

Entre outras que conheci...
Tu foste aquela...
Que sempre amei.
Eras para mim,
A fonte de ternura!
E único amor que sempre devotei.

Eras para mim a eterna claridade.
Mesmo nos dias nublados...
E noites sem lua!
Eras para mim o sol,
Com os seus raios divinos.
Ao me aquecer...
Após uma noite fria!

Hoje apesar dos tempos...
Já passados!
E saber que já...
É uma página virada...
Como me iludi!
Com estes pensamentos...
Como posso te esquecer,
Se tu foste a minha amada.

ÉS TU A OBRA

Mulher, és tu a obra,
Mais bela do Deus todo poderoso!
Que com sua inteligência...
Não te deixou esquecida!
Criou o homem primeiro...
Que para ele ter alegria!
Tirou do mesmo uma costela.
E encheu o mundo de vida.

És na verdade o amparo!
A sublime beleza!
Com o teu amor fraternal...
Tu inspiras a natureza!

És mãe!
És toda bondade!
Deus te criou diferente.
Encheu-te o coração de amor...
Para passar aos filhos.
E eles repassarem a frente,
És a bússola que nós leva,
Ao perfeito caminho!
És a luz do amanhã.
A nós guiar...
E não a nós deixar sozinhos.

RENASCER O AMOR

Porque fizestes renascer o amor,
Num peito já tão amargurado.
De tanto sofrer de amor,
Meu coração está magoado.
Por uma existência de lutas e fracassos,
De tanto amar estou virando trapo,
Sempre sem nunca ter sido compreendido.

A minha vida já não tem mais sentido,
Porque tu eras a minha única esperança,
Fingiste amar-me,
E eu, como criança,
Agradecido com belo presente,
Pus-me a sonhar feliz sorridente.

Mas como o sonho não é realidade,
Agora, sinto que foi tudo ilusão,
Por que brincar com um pobre coração?
Se tu sabias que irias fazê-lo sofrer.
Tu te divertes, com meu padecer,
Alegras-te com sofrimento meu?
Se for assim até ficarei feliz,
Por saber que agindo assim, tu tens felicidade,
E em troca do meu amor, tu me devolves maldade.

SEMPRE LEMBRADO

Quero voltar a rever esse corpo...
Que um dia foi meu!
Quero beijar esses lábios que me pertenceu!

Quero viver novamente...
O que foi no passado!
Quero passear pelas calçadas,
Contigo de braços dados...

Quero que o teu amor, por mim,
Apesar de tudo ainda exista!
E que nas tuas noites de solidão!
Relembre das nossas carícias.

Desejo rever tudo que foi no passado.
E que apesar dos anos...
Seja sempre lembrado!

VOU LEVAR FLORES

Como não sentir a dor da saudade?
Daquela que amamos por toda vida!
Não é fácil aceitar a despedida,
Até porque ela partiu pra não mais voltar.
Só a saudade ficou em seu lugar,

Lembro-me da nossa lua de mel!
Foi algo divino e maravilhoso...
Ela moça toda glamorosa!
Era virgem...
A transformei em mulher!

Vivíamos felizes em qualquer ocasião,
Lutávamos denodadamente
Para que nunca nos faltasse o pão,

Estudamos nossos filhos...
Com muita dificuldade!
Mas valeu nossos esforços.
Pois hoje estão formados!
Oro sempre por ela,

E aos fins de semana vou ao cemitério!
Levar flores pra ela,
Querem acreditem ou não!
Sinto algo estranho, ou seja,
Parece que ela ali está...
A me esperar!

Fonte:
O Poeta

Carlos Drummond de Andrade (Quadro na Parede)


— Esse quadro está torto desde o começo do mundo e ninguém se lembra de consertar sua posição — observou o sr. Borges, levantando a cabeça, entre o primeiro e o segundo goles do café da manhã.

— Há pessoas realmente exageradas — ponderou a sra. Borges, enquanto passava geleia no brioche. — Esse quadro está assim apenas há uma semana.

— Uma semana parece tempo suficiente para alguém corrigir a posição de um quadro na parede — retrucou o sr. Borges, sorvendo mais um gole e desdobrando o jornal.

— Admitindo-se que assim seja, embora a colocação de um objeto de arte exija muitas experiências e tempo indeterminado de observação e crítica, até que seja atingido o resultado ideal, presume-se que a pessoa não satisfeita com a posição de um quadro…

A sra. Borges fez uma pausa para levar aos lábios a fatia de brioche, mastigá-la e engoli-la, concluindo placidamente:

— … Tome a iniciativa de modificá-la para melhor.

Ao que o sr. Borges emitiu este juízo:

— A presunção envolve problema de competência — e olhou para um ponto indefinido no espaço. — Seria conveniente indagar, de início, a quem, no âmbito de uma residência, compete cuidar da boa arrumação das coisas.

A sra. Borges considerou com minuciosa atenção a colherzinha de prata colocada entre os seus dedos polegar e médio, como se ambicionasse descobrir nela uma propriedade oculta, e, ao cabo de minuto e meio, manifestou-se:

— Não existe código especificando os diferentes casos e situações em que determinada pessoa deva fazer isto ou aquilo. Além do mais, os conceitos estabelecidos lucrariam em ser revistos à luz da razão.

A página política passou a interessar tão acentuadamente o sr. Borges que ele levou tempo para dizer:

— De qualquer maneira, um quadro torto na parede é um quadro torto na parede.

Dos abismos da sua prospecção, a sra. Borges emergiu trazendo à tona uma restritiva:

— Um quadro torto na parede nem sempre é um quadro realmente torto na parede.

Como o sr. Borges, engolfado na leitura, não obtemperasse, a sra. Borges houve por bem desenvolver o seu ponto de vista:

— O quadro torto na parede pode estar mais certo do que o quadro convencionalmente certo na parede.

O sr. Borges não deu sinal de aceitar a tese da sra. Borges nem de repeli-la, e a explanação de sua esposa prosseguiu:

— Há muitas maneiras de ver um quadro, como também há muitas maneiras de colocá-lo, inclusive, e tem acontecido em museus, de cabeça para baixo, com rendimento óptico.

O sr. Borges virou a página, pigarreou e sentenciou:

— Nem todas as pessoas gostam de plantar bananeira para contemplar normalmente uma obra de arte.

O café da manhã parecia ter duração imprevisível, tão vagarosos eram os gestos e repetidas as pausas do sr. Borges e da sra. Borges. Ouviu-se, afinal, a sra. Borges:

— A colocação de um quadro não está subordinada às linhas geométricas previstas pelo pintor, podendo variar com a sensibilidade visual de quem o desfruta.

O argumento não pareceu impressionar o sr. Borges, a julgar pelo que saiu do seu interior:

— Nesse caso, os bens desfrutados em comum se sujeitariam a variações simultâneas e inconciliáveis, pela diversidade de gostos.

— Há gostos mais apurados e outros menos apurados — foi o comentário da sra. Borges.

— Indiscutivelmente, o quadro está torto, o que não é questão de gosto, mas questão de fato — e o sr. Borges alçou ligeiramente a voz. — E não há computadores para avaliação do gosto.

— Desde que ele ficou assim, ganhou um novo sentido — disse a sra. Borges, fixando o olhar, embevecidamente, no quadro em questão. — Foi a arrumadeira que o colocou nessa posição, e o efeito benéfico logo se fez sentir. Os volumes se equilibraram melhor, a composição ganhou mais força, o quadro comunica mais.

— As arrumadeiras tornaram-se peritas em belas-artes e deve ser-lhes confiada a direção dos museus, ao que parece — foi a glosa do sr. Borges. — Bom proveito a quem lhes seguir a orientação estética.

— Euclides, você está me ofendendo — irritou-se a sra. Borges.

— Você já me ofendera antes — contra-atacou o sr. Borges.

— Esta situação é intolerável, e eu exijo que você me peça desculpas — soluçou a sra. Borges.

— Não será melhor, Zuleica, entrarmos amanhã com a petição de desquite? — detonou o sr. Borges.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas.

Academia Ituana de Letras (Sessão Solene: 27 Anos de Fundação da ACADIL)

Conferência
“Itu na Construção da Memória Nacional pelo IPHAN ”
prof. Dr. Paulo Cesar Garcez Marins

Lançamento do Volume 5 da Série “Itu Presenças Ilustres”

Data e Horário:
25 de Julho de 2019, 5ª Feira, 19h30

Local:
Centro De Estudos Do Museu Republicano
Rua Barão De Itaim, 140, Itu

__________________________

História

A ACADIL foi criada em 27 de julho de 1992 por um grupo de escritores de Itu. A posse dos 28 fundadores se deu em 14 de novembro daquele ano. Ao completar quinze anos, o número de acadêmicos foi ampliado para 32. Hoje são 40 Cadeiras. Seus patronos são escritores, todos falecidos, ligados à história literária de Itu.

Desde a fundação, a Academia Ituana de Letras tem realizado sessões solenes de Elogio ao Patrono, conferências e palestras, concursos e lançamento de livros dos associados.

Em 1999 lançou o primeiro número da Revista da ACADIL, periódico anual que reúne artigos científicos, crônicas, contos e poemas, além das efemérides da associação.

Ocupa-se de lembrar a memória de seus patronos e fundadores, sobretudo em datas comemorativas.

Como resultado da celebração do centenário de nascimento do Acadêmico Ermelindo Maffei, o advogado dos pobres, entre 2008 e 2018 entregou a Medalha da Solidariedade Dr. Ermelindo Maffei a entidades que se destacam em ações de cidadania junto à comunidade.

Participou da realização de encontros de literatura regional com outras associações congêneres, discutindo o linguajar caipira, a poesia parnasiana e a obra modernista. Em 2010 celebrou os 400 anos de fundação de Itu com publicações e homenagens.

Desde 2012 lança bienalmente a publicação “Itu, presenças ilustres”, que já registrou cerca de 120 crônicas biográficas de quem fez história em Itu no século XX. Também bienal é a edição do livro Pirilampos, reunindo matéria literária dos associados.

A ACADIL se reúne mensalmente, no segundo sábado, às 10h.

A ACADIL completou seu Jubileu de Prata com diversas celebrações, publicações e a criação das últimas oito Cadeiras que serão ocupadas nos próximos anos.
A Academia Ituana de Letras (ACADIL) é uma associação cultural sem fins lucrativos, que reúne escritores de Itu e região a fim de fomentar a literatura regional, discutir temas ligados à cultura, à arte e realizar eventos e publicações que incentivem a leitura e promovam a discussão de ideias. Sobretudo os acadêmicos se propõem a valorizar as letras locais através da pesquisa sobre a obra de seus patronos, fazendo jus ao dístico do Colar Acadêmico “Ytuensibus litteris laurea semper” – que as letras ituanas sejam sempre lembradas.

Fonte:
ACADIL

Paulo José de Oliveira "Pajo" (Lançamento do livro "A Sinfonia das Estações" e Governadoria Poética em Minas Gerais)



 







Em solenidade de noite de autógrafos da obra poética “A Sinfonia das Estações”, é instalada em Belo Horizonte, a governadoria em Minas Gerais da Associação Internacional de Poetas – GMG-AIP-Brasil

Com especiais presenças, aconteceu no dia 05 de julho de 2019, às 19:30 horas no Auditório da Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas – Coração Eucarístico), em Belo Horizonte/MG, a solenidade de instalação oficial da Governadoria em Minas Gerais da Associação Internacional de Poetas (GMG-AIP-Brasil).

A solenidade contou ainda com o lançamento da obra poética intitulada “A Sinfonia das Estações, do poeta e já empossado Governador em Minas Gerais da AIP-Brasil, presidente da Academia Formiguense de Letras (AFL) e do Clube Literário Marconi Montoli (CLMM) sr. Paulo José de Oliveira, o qual autografou seu livro aos presentes.

Em seguida, Paulo José (Pajo) que tomou posse em Campo Grande/MS como Governador para Minas Gerais da AIP-Brasil, em 29/04/19, agradeceu a todos os presentes, apoiadores e participantes da Governadoria instalada, falando dos trabalhos a serem empreendidos em sua missão.

Maiores informações sobre a “Governadoria em Minas Gerais da AIP-Brasil” poderá ser acessado também na fanpage no facebook, ou solicitado pelo e-mail: pajo121@yahoo.com.br.

Fonte:
Paulo José de Oliveira
Governador da Poesia em Minas Gerais - GP-MG (AIP-Brasil)
Formiga – MG – Brasil
Facebook: http://www.facebook.com/profile.php?id=1794442787
Twitter: https://twitter.com/Pajo121Oliveira

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Joel Bandeira (Poesias do Coração)


ADORÁVEL VAGABUNDO

Um dia o mais adorável vagabundo,
do mundo, disse o seguinte:
A vida é uma fantasia que vestimos juntos,
que tal minha amiga, vestirmos juntos,
hoje, essa fantasia?
Venha e me faça feliz...
Diga que Charles Chaplin não morreu.
que simplesmente ele dorme
para que os homens vivam seus sonhos.
Diga que me ama, sem se preocupar
se isto é verdadeiro.
Acredite:
na vida já ouvi tantas verdades,
que se fizeram mentiras,
que talvez neste mundo irreal,
sua mentira venha a ser
a nossa única verdade,
Façamos um brinde à história do mundo,
que ninguém escreveu.
Afinal! Pra que tanta história, se ninguém leu?
Venha comigo perder a vergonha, o complexo,
o medo e desvestir o mundo infantil
existente em cada um de nós.
Não vá embora, sente-se a meu lado
e me faça crer que o sonho não acabou,..
que ainda esta noite, sob a janela,
The Beatles
cantarão canções de ninar
o menino que sou.

BRUTALIDADE

Olhem para mim!
Estou com medo.
Sim, estou com muito medo,
porque nos lugares por onde passei
as pessoas estão embrutecendo.
Estão matando, estão morrendo.

Olhem para mim!
Estou com medo de embrutecer também.
São tantas as decepções, que talvez amanhã,
não mais me sensibilize com o sorriso da criança,
não mais me emocione com o desabrochar da flor.
Estou com medo de embrutecer,
a ponto de achar que o amor hoje,
é simplesmente mais um "comerciai".
Tenho medo de não acreditar nas pessoas,
estou com medo de perder a fé no meu Deus!
necessito me libertar dos falsos valores
d esta sociedade.
Preciso de você!!!
Preciso que você me faça crer
que ainda resta uma esperança.

PEDAÇOS DE MIM

Depois de você,
vou recolher meus pedaços
em forma de beijos e abraços,
porque nada mais vale a pena.
Vou me esconder…
Farei de sua saudade acalanto
de quem só canta para esquecer.
Sabe: não pense que sou masoquista,
saudosista ou coisa assim…
Acontece: que me entreguei tanto!
Amei tanto! "Curti" tanto!
e tudo que eu era virou você.
Meu riso, foi feito para alegrar sua tristeza,
meus braços para envolver seu corpo,
até meu choro-de-menino-grande
brota para soluçar nos seus ombros.
Por isso,..
vou recolher meus pedaços
nos caminhos percorridos por nós dois,
e guardarei o melhor que sou
para quando você voltar!
Não importa quando...
Talvez já não tenha a mesma juventude
(apesar do amor não envelhecer).
Possivelmente já não tenha a mesma vitalidade
porém terei força suficiente
para te amar por todos os poros,
porque guardas contigo
tudo que restou de mim…

Fonte:
Associação de Poetas e Escritores da Baixada Santista. V Antologia: A Lua e a Pena. Santos: Ed. Destaque, 1996.

Jeanette Beatriz Roszavolgyi (Canto do Cisne)

Fonte: www.pinterest.com
O barulho vinha de longe, insistente, ameaçando interromper o que estava prestes a acontecer. O homem, ignorando seus protestos, tentava tirar-lhes as roupas ao mesmo tempo em que com extrema suavidade a conduzia para a grande cama, móvel solitário naquele quarto desconhecido. Apesar de tudo, apesar de todos, ela não tinha mais forças para recuar. Na verdade, abandonara qualquer tentativa de rechaçá-lo e passara a colaborar, chegando mesmo a fazer compasso à urgência dele, O barulho foi se tornando cada vez mais próximo, mais penetrante, quase real. De súbito, ela abriu os olhos, sentou-se na cama, aturdida, ofegante, a camisola grudada ao corpo. Respirou fundo e, a contragosto, emergiu para sua realidade, que atualmente se resumia em prover a alimentação da família e a arrumação da casa.. A protagonista do romance tumultuado de anos atrás transformara-se em mera figurante. Dirigindo-se ao chuveiro, parou diante do espelho e fez um inventário perverso da imagem refletida. Nada do que via lembrava-lhe a outra, a mulher que já fora um dia, nem mesmo a beleza que o passar dos anos lhe trouxera, roubando talvez a precisão dos traços mas conferindo-lhe uma qualidade especial, de serena maturidade, a qual certamente não passaria desapercebida a olhos menos severos.

Durante o banho e o tempo em que se vestia, o sonho voltava-lhe fragmentado, à memória. Finalmente, desceu para preparar o café da manhã. O marido, interrompendo a leitura do jornal, olhou para o relógio numa admoestação muda, murmurou um bom dia e voltou às notícias. Os rapazes desceram as escadas num tropel, roçaram-lhe o rosto com beijos distraídos e sentaram-se à mesa, discutindo animadamente o jogo da véspera.

Enquanto fritava ovos e esmagava laranjas, evocava o sonho, revivendo suas sensações; entravam e saíam de quartos e salas vazias, ela e o homem, que a todo custo tentava seduzi-la. A princípio lutou contra as investidas mas, pouco a pouco, sentia sua resistência minar. Eis que estavam numa grande sala de paredes brancas, postados diante de uma lareira, de onde podiam divisar, por uma porta entreaberta, uma cama de casal. A noite ameaçava chegar e por mais que tentasse, ela não conseguia divisar seus traços. Sentia apenas que ele a fitava com intensidade, querendo-a, desejando-a, o que anulava o recato a que sempre se obrigara.

O cheiro de torradas queimadas aliado à reclamação uníssona da família foram a causa determinante de sua resolução. Assim que todos saíram, começou a arrumar a casa, tirar a louça do café, dobrar o jornal. Foi então que viu o anúncio de meia página da imobiliária. A ideia começou a tomar corpo. Por que não, afinal?

Munindo-se de coragem, discou o número que aparecia destacadamente no anúncio. Sim, queria ver um apartamento. Como? Três, não, quatro quartos, todos com suíte. Nos jardins, naturalmente. Disponibilidade financeira? Não saberia precisar, ou melhor, é um item que não precisaria ser levado em conta no momento, Quando  Pode ser hoje mesmo. Após o almoço. Combinado.

Passou toda a manhã em estado de pânico, estupefata com a própria audácia. Como fora capaz? Telefonaria e explicaria que tudo não passara de um engano, que mudara de ideia, um compromisso inesperado. Enquanto isso, as horas passavam inexoráveis. Sempre debatendo consigo própria, arrumou a casa com zelo excessivo, tomou outro banho, desta vez bem prolongado, fez uma refeição leve e começou a se arrumar. Pela segunda vez naquele dia deteve-se diante do espelho. O que fazer com as rugas debaixo dos olhos? E os fios brancos que teimavam em se evidenciar na cabeleira escura? Um pouco de corretivo, maquiagem leve, lápis, batom, a roupa deixando entrever as formas ainda desejáveis (seriam mesmo?) e finalmente, o perfume discreto.

Buzina. Olhou o relógio, o coração descompassado, desceu correndo e viu o Gol vermelho, velho, descuidado. Solícito, o homem a esperava fora do carro. Relativamente moço, cabelo escasseando, barriga um tanto protuberante, baixo.

Entraram e saíram de vários apartamentos, salas e quartos tão impessoais como o tratamento que de lhe dispensava, uma cerimônia à prova de qualquer aproximação. A princípio, ela tentara fazer-se notar não só como uma compradora em potencial, mas acabara por desistir, fechando-se na constatação dolorosa de que seu tempo passara.

Ao fim de algumas horas, quando já estavam pensando em desistir da procura, pararam diante de um prédio de aspecto gasto, mas que deixava entrever um ar de antiga beleza. Subiram. Na sala vazia, destacava-se a lareira de mármore, para a qual se dirigiram. Lá fora, o dia já terminava e os últimos raios de sol tingiam o céu de uma luz dourada, mergulhando o ambiente num clima quase irreal. Ao longe, soavam acordes de uma música nostálgica. Não disseram nada. Apenas se olharam. Naquele instante, ela lembrou, ansiosa, que em algum lugar deveria haver uma porta entreaberta, de onde se poderia divisar uma cama de casal.

Fonte:
Associação de Poetas e Escritores da Baixada Santista. V Antologia: A Lua e a Pena. Santos: Ed. Destaque, 1996.

Coelho Neto (Fantasia de Inverno)


Vento gelado, gélido vento amaina o teu furor, já que traiçoeiramente conseguiste penetrar em meu coração, que és tu que por lá andas: bem sinto o teu Mui, bem ouço os teus gemidos. Ai de mim!... És tu mesmo que andas a desfolhar as minhas últimas ilusões e a crestar as verdes folhas das minhas últimas esperanças.

Como se contrai um mal de morte à beira da água azul de lagoa tranquila, admirando um nenúfar aberto, assim ganhei a melancolia que me retrai olhando o límpido céu de inverno abotoado no pálido e triste plenilúnio.

Fazia frio, um frio navalhante e eu, esquecido, extasiado naquela serenidade, deixei-me ficar à janela enamorado da noite e foi, então, que me invadiste, como invades e varejas uma ruína fendida em mil abertas e taliscas e agora, no meu coração, gemes e regelas, vento gelado, gélido vento, que andavas errando à luz do luar.

Meu pobre coração! Quando, outrora, me falavam em vales floridos, em colinas marchetadas de margaridas e rosas, em campos palhetados de botões de ouro, em vivas águas recobertas de açucenas brancas, eu sorria superiormente como sorriria um deus a quem um mortal narrasse aventuras mesquinhas. É que eu tinha o meu coração mais rico em flores do que os jardins maravilhosos de Viviana e agora... Ai de mim! só há despojos e como poderiam resistir as flores meigas ao vento de inverno que, traiçoeiramente, penetrou em meu coração, onde sempre havia a doce, a tépida temperatura de uma primavera ideal?!

Meus sonhos, que será feito de vós? Como andam no ar noturno, em torvelinhos fantásticos, folhas e flores orfanadas, assim andais nas lufadas do vento gélido.

Amanhã o sol tornará ao céu — eu mesmo o verei seguir, rompendo as névoas como um noivo preguiçoso que abre vagarosamente o cortinado e, a contragosto, deixa o leito nupcial; eu o verei surgir e verei a terra revestir-se de luz e, florida e contente, louvá-lo pela boca harmoniosa dos seus pássaros. Acompanharei, com olhares invejosos, a corrida sonora dos límpidos regatos, ouvirei as cantilenas dos campônios e, talvez, sinta o calor benéfico do sol que reanima, mas... chegará o sol ao meu coração? Sim, é natural que chegue — ele não é da raça dos homens que só atendem aos que a Fortuna acerca. As mesmas minas vêm-no chegar, o pântano recena-se com ele, as cavernas recebem-no no íntimo, é para todos e para tudo que a sua luz rebrilha, mas... será também para os corações? Diz-me
a alma que não.

Ai de mim!... Como poderei viver com tal inverno gelado?

Lua, lua perversa, pálido fantasma, foste tu que assim sacrificaste a minha vida. Quiseste um companheiro que, parecendo vivo, não fosse mais que um cadáver e encantaste o meu coração, reduzindo todos os sonhos que nele havia a verdadeiros e melancólicos espectros.

Foste tu, foi o teu hálito, ou melhor, foi a exalação do teu corpo nevado, lívida e funérea lua, que transformou um campo de flores em campo de neve.

E se vier o degelo que pranto copioso inundará meus olhos; que dilúvio transbordará de mim... Para conter tantos sonhos e tantos amores é preciso que o meu coração seja do tamanho do mundo.

Quem me mandou a mim contemplar luares em maio, ao frio? Quem me mandou a mim fazer vigília a defuntos?

Bem fazem os indiferentes que, embora apareças, com a linda cor com que a morte irônica te enfeita, fecham as janeiras e entregam-se aos travesseiros. Esses estão livres do assombramento, mas eu, curioso, lá me deixei ficar a olhar-te e tu...

Daí... quem sabe! Talvez não sejas tu a culpada, lua merencória, porque, em verdade, quando eu te fitava, meu pensamento estava em outra face, mais linda do que a tua, mas também fria e indiferente.

Quem sabe se não foi a tristeza desse pensamento que me pôs no coração tamanha melancolia? Se foi... aqueles olhos doces, com um só olhar, desfarão a tristeza. Desfariam, devo eu dizer, desfariam se, um breve instante, se volvessem para o meu rosto, mas... são tão frios, tão frios que...

Ai de mim!... O inverno passará depressa, o verão tornará risonho, mas no meu coração nunca mais, nunca mais haverá sol de estio nem flores da primavera.

À noite, eu também ando a carregar um astro morto: o teu, matou-o o tempo; o meu, matou-o o amor.

Fonte:
Iba Mendes (revisão ortográfica).

35º Concurso de Poesias da Biblioteca Municipal João XXIII – 2019 (Prazo: 20 de Setembro)


“Eu Canto porque o instante existe e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.
(Cecília Meireles)


01. Denominação e Finalidade

A Biblioteca Municipal João XXIII de Mogi Guaçu promovendo este Concurso, faz deste evento o intercâmbio cultural das letras em todo território nacional, descobrindo poetas e poesias.

02. Participação

Poderá participar do 35º Concurso de Poesias de Mogi Guaçu poetas de todo o Brasil, nas seguintes categorias:

- Adulto local e outras cidades (acima de 18 anos)

- Juvenil local e outras cidades (13 a 17 anos)

- Infantil local e outras cidades (até 12 anos)

03. Inscrições

Cada candidato poderá inscrever-se com até 02(duas) obras inéditas datilografadas ou digitadas em duas vias cada.

Cada poema deverá ser identificado apenas com o pseudônimo do autor e o título da obra e acondicionado em um envelope grande.

Dentro do mesmo envelope enviar uma folha datilografada ou digitada contendo a ficha de inscrição do candidato com seus dados pessoais: título da poesia, pseudônimo, nome de autor, cidade e estado, idade, endereço completo, nome da escola que estuda (se estudante).

Este único envelope com os textos e a ficha de inscrição deverá ser entregue na Biblioteca ou por via postal até 20/09/2019 (valendo a data do carimbo postal) no seguinte endereço:
Biblioteca Municipal João XXIII
Avenida dos Trabalhadores, 2.651
Mogi Guaçu – SP
CEP: 13.840-195

Tel.(019)3811-8670 – Centro Cultural.

A inscrição implicará na total aceitação do presente regulamento

04. Seleção

A comissão julgadora será definida posteriormente e deverá selecionar 06 poemas de cada categoria.

Os trabalhos que não forem selecionados não serão devolvidos.

05. Premiação: Troféus e Medalhas

Dia: 22/11/2019 às 17h00.
Local: Biblioteca João XXIII – Centro Cultural
Endereço: Avenida dos Trabalhadores, 2.651 – Mogi Guaçu /SP –
Tel. (019)3811.8670
email sc-biblioteca@mogiguacu.sp.gov.br
www.facebook.com/biblotecamogiguacu

FICHA DE INSCRIÇÃO

BIBLIOTECA MUNICIPAL JOÃO XXIII
35º - CONCURSO DE POESIAS – 2019

Título da poesia:
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Pseudônimo: ____________________________________________________

Nome do Autor: __________________________________________________

Email: __________________________________________________________
Idade:__________________Telefone:_________________________________
Endereço:________________________________________________________
Nº____________Bairro:____________________________________________
Cidade:__________________________________Estado:_________________
CEP:___________________________Estudante?_______________________
Nome da Escola:__________________________________________________

Obs.: Esta Ficha pode ser reproduzida.