quarta-feira, 16 de outubro de 2019

David Martins (O Sacristão e o Diabo)


Era uma vez um sacristão que, todas as noites, se dirigia ao altar da sua igreja e acendia velas diante das imagens dos santos para que as trevas não invadissem o local e as santas criaturas não deixassem de proteger o povo daquela vila.

Um dia, lembrando-se de ter ouvido dizer que o Diabo está sempre atrás da porta, pensou: “Se for verdade que o Diabo está atrás das portas e que ele, quando quer, não é tão mau rapaz como dizem, então deixa-me cá pôr-lhe também uma vela, que às vezes... ainda pode ser que algum dia me ajude”.

Alumiou uma vela e foi colocá-la atrás da porta da igreja.

Findo o seu trabalho, dirigiu-se à estalagem onde jantou ovos cozidos. Quando ia pagar, pediram-lhe seis mil réis. Voltou-se, então, para o estalajadeiro e disse-lhe:

- Olhe lá, seis moedas por três ovos cozidos não é muito dinheiro?

- Não é, não! - respondeu o outro.

- Não é? Então, como é isso? - perguntou o sacristão.

- É que você não está a pagar só o preço dos ovos que comeu. Você tem também que pagar os pintos que de lá haviam de sair, haviam de crescer e tornar-se galinhas que valeriam bom dinheiro. E agora, vossemecê já está a perceber quanto valiam os ovos que comeu?

- Esta agora, não querem lá ver! Mas se eu só comi os ovos, não comi nem pintos, quanto mais galinhas... E logo seis moedas... eu tenho lá seis moedas!

- Ah, não tem? Vocemessê não quer pagar? Então amanhã vamos ao juiz, que ele logo lhe diz quem é que tem razão.

O sacristão estava estupefato, tanto mais que o estalajadeiro era considerado um homem rico, que na igreja oferecia esmolas para os pobres com gestos largos para que todo o povo o visse. E agora, estava a exigir-lhe, a ele, um pobre sacristão, que pagasse por três ovos o preço de um lauto banquete. Como é que aquilo podia estar a acontecer-lhe?

O sacristão não tinha aquele dinheiro todo, foi-se embora muito aflito. Dirigindo-se para casa, saiu-lhe ao caminho um homem muito alto, envolto numa capa preta. O sacristão recuou, assustado, mas o outro disse-lhe:

- Nada receies, não estou aqui para te fazer mal. Sei o que se passou na estalagem e quero dizer-te que não precisas de te preocupar. Confia em mim. Eu posso muito, acredita que posso. Amanhã vou ao tribunal defender-te. Espera lá por mim, que à hora marcada eu apareço.

O pobre homem ficou todo contente por ter aparecido alguém que iria intervir a seu favor. 

No dia seguinte, quando chegou ao tribunal já lá se encontravam o juiz e o estalajadeiro. Só faltava o homem que lhe tinha prometido que iria defendê-lo. Esperaram, esperaram, mas o outro continuava sem aparecer. O juiz estava a ficar muito aborrecido com aquela demora. Era quase hora da janta, e ele não conseguia pensar noutra coisa que não fosse a paparoca que o esperava lá em casa, até já lhe estava a crescer água na boca, e que aborrecimento, a defesa tardava em chegar... se é que viria! O juiz começava a ficar de muito mau-humor, que isto de uma pessoa sentir o estômago vazio era o diabo.

Eis que entra na sala o embuçado da véspera, dando grandes passadas.  À luz do dia, o homem ainda parecia maior. As tábuas do chão do tribunal vibravam e rangiam sob as sua botas pesadas.

Dirigindo-lhe a palavra, o juiz perguntou:

- Olhe lá, então isto é que são horas de você aparecer? O que é que você esteve a fazer até agora para chegar tão tarde?

- Estive a cozer favas para os meus criados semearem - respondeu o homenzarrão, com a sua voz de timbre profundo.

- Ah, sim? E onde é que já se viu favas cozidas a germinarem? - perguntou o juiz.

- Então, e onde é que já se viu ovos cozidos darem pintos? - perguntou o outro à laia de resposta.

O juiz não sabia o que responder. Olhou para o estalajadeiro que estava boquiaberto.

O homem da capa preta deu meia volta sobre os tacões das pesadas botas e saiu majestosamente.

Na rua, riu-se para o sacristão, deu-lhe uma palmadinha no ombro e disse-lhe:

- Estás a ver? Eu quando quero também sou um rapaz simpático. E também ficaste a saber por mim que há gente que, embora pareça praticar o bem e querer ajudar os seus semelhantes, não perde uma oportunidade para os enganar e roubar. Neste mundo é preciso ter sempre os olhos bem abertos!

Fonte:
David Martins. Estórias e Lendas de Encantar

Lúcia Constantino (Poemas Avulsos) 2


ASILO OU EXÍLIO?

Os chinelos não produzem som.
Nem o rádio tocando baixinho.
Mas a respiração se ouve do lado de fora.
E o sonho de ainda poder tocar as estrelas
talvez chegue até Deus.

DIMENSÃO DA NOITE

Teu olhar mudo.
Uma sombra toma-me pelo pulso.
Réstias de luz são meus vultos,
meu país é o crepúsculo.

Derrubo os muros,
mendiga de sol e ventos
que tragam lá do futuro
fontes pro pensamento...

Cai a noite, noite inquieta...
suspeita de mil anjos adormecidos
Nenhum portal, nenhuma seta.
Só um silêncio vivo.

E a última estrela no céu
é acendedor dos esquecidos.

ESSA PAZ DOLOROSA

Essa paz dolorosa,
perfume que no vento
traz espinhos
e não a rosa.

Essa paz cansada
de escolher um novo caminho
e sempre e de novo
errar a estrada.

Essa paz que nos vãos da noite
procura estrelas nos abismos
onde elas brilham tão fortes.
Sentinelas do deus destino.

Paz dolorosa e imensurável
e por demais amiga:
minha mesa, meu vinho,
meu pão.

Deixarei que nela
minha alma  refaça caminhos,
vertendo saudade nos linhos
aonde um dia pousei
o teu coração.

ROSAS BRANCAS

Rosas brancas do santuário,
são como cristais em manhã de inverno.
Refletem o encanto dos campanários,
e têm um rosto de sonho eterno.

Dou-te um buquê de brancas rosas
para que te adornem por toda a vida.
No teu puro linho, em verso e prosa,
borde-as sempre, pela alma florescidas.

Que pelos mares da vida, em sábio norte
naveguem teus poemas a mágicos horizontes
encantando ondinas, estrelas...imensidão.

São rosas brancas que o universo doa
esses teus versos em cujas asas voam
os mais belos sonhos do coração.

SOBRE OS LÍRIOS

Esta Tua mão se abaixa
e toca o lírio do campo.
Me dás o fruto dos Teus gestos
ao tecer meu sorriso
ao determinar meu pranto.

Teus pés caminham firmes.
Cidadela em torno d'alma,
de minha alma que vestistes
sob o contorno de Tua palma.

Tu te abaixas e persistes
a acolher lírios dos campos.
Neste meu tão breve céu
sou lírio asilado sob Teu manto.

TEMPO DE EXISTIR

Ainda recordo meu tempo de fé:
O movimento das horas
cinzelando meus sonhos.
As palavras sem travas,
as ossadas das lembranças
mergulhadas nas sombras.
Um canteiro de cânfora
perfumando as mãos.

Meu tempo de esperança
não era essa caricatura de estrelas
que borram o céu dos sentidos.
Era um rosto organizando a vida.
Era um culto velando o sono,
um oráculo em vestes amarelas,
fomentando o divino,
nas pequeninas coisas.
Uma semente, um sorriso,
uma palavra dispersa que nutria.

Medito sobre estes restos de caminhos
que me chegam,
sobre esse tempo que se estende
diante da colina:
um tempo inanimado em seu degredo,
mas que, vez ou outra, acende uma luz
a serviço dessa minha noite
de vigília eterna.

UM DIA…

Um dia o mundo abriu-se em uma página,
despontando o sol do sonho no papel.
E num impulso ao mar azul soltei a lágrima
pra que fosse navegando até teu céu.

Deste, à noite escura o que importava:
mil estrelas que foram portas concebidas
pra passagem de minh’alma que andava
perdida em si mesma, procurando a vida.

Mas o destino traçou seu rumo ao léu
e quis que o tempo falasse como um deus
pra levar o coração a canto algum...

Meus olhos, de cansados, ferem lágrimas
pra um destino ignorado e em brancas páginas
escrevem para ti ou talvez pra céu nenhum!

Fonte:
http://asasonoras.blogspot.com

Lenda Guarani (Erva Mate)

Há muitos e muitos anos, uma grande tribo guarani, por se nômade precisavam encontrar um outro lugar para morar onde a caça fosse farta e a terra fértil. Lentamente os índios foram deixando a aldeia onde haviam vivido tantos anos.

O povo migrou, mas sem que ninguém soubesse um velho índio que dormira tapado por couros ao acordar se viu só, sem seus descendentes para cuida-lo.

É obrigado a levantar-se e agarrando-se as árvores se põem a caminhar, nisto surge uma bela e jovem índia que se coloca atrás dele.

Ela chamava-se Yari e era sua filha mais nova, que não teve coragem de abandonar seu velho pai, que sozinho iria morrer.

Numa triste tarde de inverno, o velho entretido colhendo algumas frutas, assustou-se quando viu mexer-se uma folhagem próxima. Pensou que fosse uma onça, mas eis que surge um homem branco muito forte, de olhos cor do céu e vestido com roupas coloridas.

Aproximou-se e disse-lhe:

- Venho de muito longe e há dias ando sem parar. Estou cansado e queria repousar um pouco. Poderia arranjar-me uma rede e algo para comer?

- Sim, respondeu o velho índio, mesmo sabendo que sua comida era muito escassa.

Quando chegaram à sua cabana, ele apresentou ao visitante a sua filha.

Yari acendeu o fogo e preparou algo para o moço comer. O estranho comeu com muito apetite. O velho e a filha emprestaram a cabana e foram dormir em uma das outras abandonadas.

Ao amanhecer o velho índio encontrou o homem branco, pediu que ele descansasse um pouco mais. Porem, respondeu-lhe que tinha percebido a necessidade dos dois, ninguém o tinha ajudado e acolhido tanto então. 

Embrenhou-se em direção à floresta. Depois de algum tempo retornou com várias caças.

- Vocês merecem muito mais! explicou o homem – me darem o que não tinham e foram de grande bondade. Tupã está preocupado com a saúde de vocês e por isto me enviou. E em gratidão a tanta bondade lhe concedo um pedido.

O pobre velho queria um amigo que lhe fizesse companhia até o findar de seus dias, para que pudesse deixar de ser um fardo para sua doce e jovem filha. O estranho levou-lhe então até uma erva mais estranha ainda dizendo:

- Esta é a erva-mate. Plante-a e deixa que ela cresça e faça-a multiplicar-se. Deve arrancar-lhe as folhas, fervê-las e tomar como chá. Suas forças se renovarão e poderá voltar a caçar e fazer o que quiser. Sua filha poderá então retornar a sua tribo. 

Yari resolveu que de qualquer jeito jamais deixaria de fazer companhia ao pai. Pela sua dedicação e zelo, o enviado do tupã sorriu emocionado e disse:

- Por ser tão boa filha, a partir deste momento passará a ser conhecida como Caá-Yari, a deusa protetora dos ervais. Cuidará para que o mate jamais deixe de existir e fará com que os outros o conheçam e bebam a fim de serem fortes e felizes.

Logo depois o estranho partiu, mas deixou na cabeça de Yari uma grande dúvida: como poderia ela, vivendo afastada das demais tribos divulgar o uso da tal erva? E o tempo foi passando...

Em uma tribo não muito distante dali, os índios estavam contentes com a fartura das caçadas.  Organizaram uma grande festa para comemorar, não faltava comida e muita bebida. Mas a bebida demais levou dois jovens índios a começaram a discutir e brigar. Tratava-se de Piraúna e Jaguaretê.

No furor da briga Jaguaretê empunha um tacape e bate na cabeça de Piraúna, matando-o. Jaguaretê foi então detido e amarrado ao poste das torturas. Pelas leis da tribo, os parentes do morto deveriam executar o assassino. Trouxeram imediatamente o pai de Piraúna para que ordenasse a execução. Muito consciente que a tragédia só aconteceu por estarem os jovens sob o efeito da bebida, liberou o Jaguaretê, que foi então expulso da tribo e foi buscar sua sorte na floresta e quem sabe nos braços de Anhangá, espírito mau da mata. Conforme caminhava e o efeito do álcool era amenizado, mais se arrependia do mal que fizera.

Passadas muitas décadas, alguns índios daquela tribo, aventuravam-se na mata fechada em busca caça que já estava rara no local em que viviam. Entrando no sertão, no meio da floresta, encontraram uma cabana e foram aproximando-se com cuidado, mas mesmo assim foram pressentidos e saiu da cabana um homem muito forte e sorridente. Muito embora seus cabelos fossem totalmente brancos, sua fisionomia era de um jovem e ofereceu-lhes uma bebida desconhecida. Identificou-se então como sendo Jaguaretê, o índio expulso de sua tribo e que a bebida desconhecida era o mate.

Contou que quando foi abandonado a sua sorte, muito andou e quando estava apertado de cansaço e remorso, jogou-se ao chão e pediu para morrer. Acordou-se com a visão de uma índia de rara beleza que apiedando-se dele disse-lhe:

- Meu nome é Caá-Yari e sou a deusa dos ervais. Tenho pena de você, pois não matou por gosto e agora arrepende-se amargamente pelo que fez. Para suportar seu exílio, eis aqui uma bebida que o deixará forte e lhe esclarecerá as ideias. 

Levou-o até uma estranha planta e voltou a dizer:

- Esta é a erva-mate. Cultive-a e a faça multiplicar. Depois prepare uma infusão com suas folhas e beba o chá. Seu corpo permanecerá forte e sua mente clara por muitos anos. Não deixe de transmitir a quem encontrar o que aprendeu com o mate.

- Por tanto, jovens guerreiros, quero que leve alguns pés da erva-mate para a sua tribo e que nunca deixem de transmitir aos outros o que aprenderam.

Aqueles índios voltaram e contaram aos outros os que haviam ouvido. O mate foi plantado e multiplicou-se. Outras tribos apreenderam e foi desta forma que seu uso chegou até nós.

Fonte:
Imagem = http://www.gazetainformativa.com.br 

Antonio Carlos de Barros (Chimarrão) Parte 2, final

( Nota: as palavras em itálico negritado possuem o seu significado no vocabulário no final a postagem)
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Engana-se quem pensa que o Chimarrão é popular apenas no Sul do Brasil. A bebida é muito consumida também em outros países, como Uruguai e Argentina. Originária das culturas indígenas caingangue, guarani, aimará e quíchua, o mate foi logo incorporado no dia-a-dia dos imigrantes europeus que vieram para o Sul do Brasil e de outros países da região dos Pampas, e se tornou um símbolo local.

Benefícios do consumo do Chimarrão para a saúde

Não, o chimarrão não é só uma água verde e quente que a gurizada do sul gosta de beber em grupo. A bebida é ótima para a saúde e rica em vitaminas. Quem bebe um mate amargo está consumindo importantes vitaminas, como o complexo B, vitamina C e vitamina D, além de sais minerais, como cálcio, manganês e potássio.

Dentre os benefícios para a saúde quando se consome o chimarrão, está o combate aos radicais livres, melhora na digestão e combate ao reumatismo. O Chimarrão deixa a  pele mais bonita, pois favorece a regeneração celular, e regula funções cardíacas e respiratórias. Também fortalece os ossos, ajudando a prevenir doenças como osteoporose.

O Chimarrão também é um excelente diurético e laxante, além de estimular a libido (Opa!), pois contém saponina, que é um dos componentes da testosterona.

Chimarrão é ótimo aliado na dieta, já que, por ser um estimulante natural, acelera o metabolismo.

E se você percebeu que, ao beber um chimarrão enquanto estava com fome, teve sensação de saciedade depois, você não está pirando não. O chimarrão realmente tem este poder, isso porque a erva-mate tem um valor nutricional absurdo. Segundo estudos científicos, o chimarrão oferece praticamente todas as vitaminas necessárias para sustentar a vida.

Acessórios para tomar chimarrão 

Para fazer um chimarrão, são necessários uma cuia (recipiente aonde vai o chimarrão), a bomba (Tacuapy) “canudo” em que se bebe o chimarrão, uma chaleira ou uma garrafa térmica para manter a água quente, erva-mate e água quente. Quanto à temperatura da água depende muito de cada pessoa. Aqui no Sul, no inverno costuma-se deixar a água com 70º centígrados, no verão um pouco menos. Não se deve jamais deixar a água ferver. 

Regras do Chimarrão - Estilo de beber o mate

O mate pode ser tomado de três maneiras, em relação à companhia: o mate solito (isoladamente); o mate de parceria (uma companheira ou companheiro) e, finalmente, em roda de mate (em grupo).

A MÃO DIREITA

Para se receber o mate ou entregar a cuia de mate, deverá ser feito com a mão direita. No caso da mão direita estar ocupada, a pessoa deverá dizer:

- Desculpe a mão!

Ao que o outro responde:

- É a do coração.

Fora dessa exceção, sempre com a mão direita.

SÓ O CEVADOR PODE MEXER NO MATE

A menos que se obtenha licença, só o cevador deve arrumar o mate, considerando-se falta de respeito alguém mexer sem permissão. O bom cevador, cada vez que recebe a cuia, antes de enchê-la, dá uma ajeitada na bomba, de modo que renove o fluxo de seiva, demonstrando, assim, seu conhecimento na intimidade com o mate.

O PRIMEIRO MATE

Como já falamos, todo aquele que fecha um mate (faz o mate) deve tomar o primeiro em presença do parceiro ou na roda de mate.

Este fato tornou-se tradicional devido a épocas remotas em que o mate serviu de veículo para envenenamentos. Por isso, o ato do mateador  tomar o primeiro indica que o mate está em condições de ser tomado.

Ainda no caso do primeiro mate, outro motivo que nos chega foi devido aos jesuítas, que atribuindo valores afrodisíacos ao mate, e para evitar que os índios passassem a maior parte do dia mateando, tentando afastá-los do hábito, criaram o mito entre os silvícolas cristianizados que Anhangá Pitã (diabo) estava dentro do mate.

Mas não foram bem sucedidos os jesuítas e o hábito salutar sobrepujou o temor que lhes fora impresso. Por isso, toda vez que o indígena ia tomar um mate em presença dos outros, tomava o primeiro mate como demonstração que Anhangá Pitã não se encontrava no mate.

RONCAR CUIA

Uma vez servido o mate, deve ser tomado todo, até esgotá-lo, fazendo roncar a cuia.

O grande poeta, músico e cantor Paulinho Pires ensina o legado em sua canção: CEVADOR DE MATE.

Eu já nasci prá cevador de mate,
Da madrugada ao anoitecer,
Cresci amando a natureza bugra
Sina bonita do meu bem querer.

E na música CEVADOR com Letra de João Tadeu Soares da Silva e Salvador Lamberty e Melodia de Leonardo Sarturi.

A Cuia, em forma de taça, Cevador e Chimarrão 
Lembram o gesto de Cristo, dividindo vinho e pão. 
Trazem, no ritual do mate, a fraterna comunhão, 
Querendo mostrar ao mundo que somos todos irmãos. 
A Cuia foi a parceira dos Guaranis combatentes, 
Que elevaram corpo e alma, ao sorver da água quente. 
Em forma de coração - parece um seio moreno – 
Um mapa do meu Rio Grande, mesmo com porte pequeno. 
Cuia, cevador e mate na seiva da convivência, 
São relíquias que afagam e adoçam minha existência! 
Nas Rodas de Chimarrão os assuntos vêm à tona: 
Embates, Tropas, Aprontes, um cortejo pra Siá Dona. 
Sorvem-se reminiscências - tempos deixados pra trás: 
Quantos Heróis Comandantes, quantos Tratados de Paz! 
Cuia, cevador e mate - vertentes de telurismo, 
Que jujam, ao pé do fogo, sementes de um atavismo 
Quando eu parar deste mundo quero levar, no costado, 
Meus Avios de Chimarrão pra matear d'outro lado!

Outra regra importante é não agradecer após beber o chimarrão. Não é falta de educação, pelo contrário. É sinal que você ainda não terminou de beber chimarrão com estas pessoas, e quer continuar participando da roda.

Somente um ícone da cultura gauchesca, poeta, escritor, cantor e músico, o consagrado Telmo de Lima Freitas para nos brindar com a sua "Alma de Galpão"

Como faz bem um chimarrão feito a capricho
Quando cevado com o calor da própria mão
A madrugada negaceando mostra a cara
Cheiro de garras e pelegos pelo chão.

Como faz bem ouvir o relincho do potro
Lá na mangueira a espera do buçal,
Baio sebruno, cabos negros de respeito,
Que pelo jeito, não nasceu pra ser bagual.

Como faz bem tomar um banho na restinga
Vestir as pilchas domingueiras pra passear
Ouvir a gaita de oito baixos resmungando
Adivinhando o pensamento do seu par.

Como faz bem sentir o gosto da querência
Ouvir um grito explodindo no rincão
O venha, venha, do tropeiro nas estradas
Rezando a prece, de retorno ao velho chão.

Como faz bem lavar a fuça na gamela
Tirar o freio pra depois chimarronear
E o gado manso ruminando junto às casas,
E a terneirada num berreiro pra mamar.

Como faz bem sentir o cheiro do borralho
Respirar fundo o braseiro do tição
Rio Grande velho, que retrata diariamente,
Como se forja uma alma de galpão.

Bueno, após sorver o mate dos ervais de nossa convivência. Posso chama-lo de: “Mate da Esperança”. O sabor é o da comunhão, da partilha, do sonho coletivo e da fraternidade. Não deixe morrer a esperança que existe em seu coração. Haverá sempre uma luz para iluminar nosso caminho. E quando esse dia chegar, tomares um mate de Patrão. Um mate pra ti.
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VOCABULÁRIO
Atavismo – herança dos ancestrais.

Avios – objetos necessários para tomar mate.

Bagual – animal ainda não domado, selvagem.

Borralho – brasas cobertas de cinzas.

Cabos Negros – diz-se do cavalo de qualquer pelo que tem negras as quatro patas.

Chimarronear – tomar chimarrão, matear.

Fuça – rosto, face, cara.

Jujam / Jujo – erva medicinal, chá.

Mate de Patrão - o significado é comparativo à uma Estância ou Fazenda, onde existem o Patrão (dono da fazenda) Capataz, peões, etc. Então o Mate de ou do Patrão é sempre o melhor, mais bonito, mais vistoso, etc. O CTG - Centro de Tradições Gaúchas, foram pensados como se fossem uma grande Estância ou Fazenda, onde existem: Patrão, Capataz, Peões, Invernadas, Piquetes, etc. Na sociedade Urbana o Patrão representa o Presidente da entidade, o Capataz seria o Vice Presidente, a Invernada seria os Departamentos, os Piquetes seriam as seções, os Peões os demais funcionários.

Pilchas – adorno, joias, roupas, vestimenta típica do Gaúcho.

Querência – lugar onde nasceu, se criou ou viveu.

Restinga – mato constituído de árvores de pequeno porte, nas baixadas , à margem de rios.

Rincão – ponta de campo cercada de rios, matas.

Sebruno – animal cavalar de pelo escuro. 

Telurismo – influência do solo sobre os usos e costumes habitantes.

Fonte:
Artigo e vocabulário enviados pelo autor.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Carolina Ramos (Hino do Idoso)

Casal de Idosos, pintura de Brown

Quando o inverno bate à porta 
e o vigor não é mais nosso,
a Mão de Deus nos conforta
e ajuda a dizer: - Eu posso!

Posso sentir e provar
o quanto esta vida é linda,
conjugando o verbo amar,
nos sonhos que eu sonho ainda!

O idoso não quer piedade,
quer ser amado e feliz, 
vivendo, em paz, a verdade
da vida que sempre quis!

Quer amar, sorrir contente
e afirmar: - “Missão cumprida!”,
com direito a, simplesmente,
desfrutar da “melhor vida”!

Bem pouco o idoso deseja:
- Só amor, respeito e carinhos!
Se colhe as rosas que almeja,
o idoso esquece os espinhos!

Fonte:
Poema enviado pela poetisa

Jaqueline Machado (Lançamento do Livro “Pétalas” – 50 anos da UBT)


Jaqueline está lançando a partir do dia 20 deste mês um livro de trovas em homenagem aos 50 anos da UBT. 

PÉTALAS é o titulo do seu mais recente trabalho. São mais de 100 trovas e mais um bônus com 12 poemas de sua autoria. 

PÉTALAS é um livro cheio de amor e tem como objetivo acarinhar docemente os poetas e trovadores da UBT. 

A edição é limitada. Não deixe de adquirir o seu exemplar. 

O lançamento oficial será no decorrer dos Jogos Florais de Porto Alegre que ocorrerão nos dias 25, 26 e 27 de outubro. 

Quem estiver presente poderá comprar diretamente com ela. 

Mas quem não puder se fazer presente pode encomendar através do e-mail: tudoepossivelw7@gmail.com 

Fonte:
Jaqueline Machado 
Presidente da UBT Cachoeira do Sul - RS 

Exposição de Poesias e Artes (20 de Outubro, em Curitiba)


Fonte: AVIPAF

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

João de Toledo Tito (Em Qualquer Esquina, Um Texto)


Parado, indeciso, em frente à gôndola na adega, já com uma cartela generosa de presunto de Parma debaixo do braço e com uma garrafa de vinho tinto seco em cada uma das mãos, tento optar por uma delas. Procuro ávido por socorro, e lá está ele. Grande, quase de meu tamanho, afixada em uma coluna metálica estruturada, uma seta vermelha - onde se lê: Leitor de Código de Barras - aponta para baixo na direção da maquininha. Aproximo-me da intensa luzinha verde que ela emite, exponho as barrinhas que até agora não me significam nada e meu problema se resolve. O leitor transmite os dados a um computador central, o qual, entre informações catalogadas para cada produto, seleciona aquela mais interessante aos clientes que a procuram, e voilá, leio o preço dos vinhos. Escolho o mais caro, pois não é tão mais caro assim, dirijo-me ao caixa, pago e saio dali.

Mais relaxado e caminhando em busca de quem amo, só me falta uma boa música para que a festa fique completa, e ela começa a martelar a minha cabeça: "Se alguém perguntar por mim, diz que fui por aí, levando um violão debaixo do braço... Em qualquer esquina eu paro, em qualquer botequim,.,"

Consigo também pensar neste meu texto. Não seria ele como aquele código de barrinhas, que nada significa sem os olhos brilhantes de um leitor a transmitir ao mais poderoso dos computadores as informações capazes de emocionar com as informações certeiras - só um amontoado de símbolos previamente organizados, mas ainda sem finalidade?

Apresso os passos, ansioso e feliz, para o encontro. Trocar afagos, saborear os petiscos, presentear com meus escritos, na esperança da conquista final, a leitora desavisada que me espera distraída na janela. Mal sabe ela que levo também outras rimas na cabeça, que só farão sentido depois da sua leitura. E a música continua em minha cabeça: "Se alguém perguntar por mim, diz que fui por aí, levando um texto debaixo do braço... Em qualquer esquina..."

(Crônica Premiada no VII Concurso Literário “Cidade de Maringá”)

Nato Azevedo (Jardim de Trovas) I


Ao te dar o ramalhete,
me olhando sem emoção
despedaçaste o bilhete
e também meu coração.

A verdadeira virtude
passa ao largo da vaidade
e é reflexo da atitude
de servir com humildade.

A Vida sem fantasias
nessa loucura geral
que é o mundo de nossos dias
era hospício ou hospital.

Caso a canoa soçobre,
ir água abaixo não temo:
logo que as forças recobre
sigo montado no remo!

De mil manias estava
tão cansado que, a meu ver,
ultimamente ele andava
com mania de morrer.

Diante do rosto bonito
eu digo e meu bem não crê
que, maior que o infinito,
é o meu amor por você.

Digo entre sério e risonho,
respondendo a seus apelos:
- "A Vida é um belo sonho
com dois ou três pesadelos"!

Diz na Fruteira o mascate
ao velho que lhe pede ôvo:
- "Pro vovô só abacate...
ou, então, nascer de novo"!

Dos beijos, do abraço terno,
das juras e ramalhetes...
de nosso amor - que era eterno -
só me sobraram bilhetes.

Eis, na era da informática,
a conclusão que se tira:
é que a Verdade, na prática,
anda ao lado da mentira.

Era tão pouca a fazenda
e tantos para enganar
que o ladino pôs à venda
terra, em lotes, sob o mar.

Fiz das máscaras escudo
a esconder-me dos fracassos.
Esforço inútil, contudo...
eles me têm em seus braços !

Hoje, que o peso da idade
é o fardo mor de meus dias,
vejo que a felicidade
é recordar alegrias.

Não preciso muito estudo
para um conselho à moçada:
não se meta em vale-tudo
se você não vale nada !

Na Vida, no dia-a-dia,
digo com sinceridade
que os momentos de alegria
são a tal felicidade.

No esporte, lazer ou lida,
em quase tudo, afinal,
há gente que faz da vida
um eterno carnaval.

No sertão bravio o pobre,
perdida toda confiança
e sem água, pão nem cobre,
se sustenta de esperança.

Ouça meu conselho drástico,
teus caros filhos desarma:
quem, hoje, "fere" com plástico,
amanhã mata com arma.

Palhaço desempregado,
sem máscara vou seguindo
tendo o mundo todo, ao lado,
da minha desgraça rindo.

Quantos retratos, memórias
guardadas nos camafeus
realçam mudas histórias
de amor, saudade e adeus.

Rico, famoso, invejado,
o insuportável sujeito
tinha o defeito danado
de se achar sem um defeito.

Se a fortuna bate à porta,
o que pensamos  primeiro
é o que geralmente importa:
que seja muito dinheiro !

Se as dúvidas me consomem,
guardo certezas bem fundo:
pode haver vida sem o Homem,
mas sem Mulher não há Mundo.

Se do antigo amor eu guardo
em um bilhete o perfume,
ele me recorda o fardo
que foi teu atroz ciúme.

Se oculto a dor, o desgosto,
o que o Tempo desmascara
é a máscara que, no rosto,
se faz às vezes de cara.

Televisão (quem diria...)
que, em certos casos, atrasa,
põe mundos de fantasia
na sala de nossa casa.

Tempo é confuso dilema
que, com surpresa imprevista 
passa veloz num cinema
e se arrasta no dentista.

Ter ambição não é pecar
mas, para muitos na vida,
fortuna é se ter um lar,
mulher, filhos e comida.

Vai o barco multicor...
navega pleno de graça,
tocando qual beija-flor
as terras por onde passa.

Velhas casa tão singelas
- do Passado, monumento -
são as orquídeas mais belas
de uma selva de cimento.

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