domingo, 26 de maio de 2024

Vereda da Poesia = 18 =


Trova Humorística, de Porto Alegre/RS

Flávio Roberto Stefani

O motel está falido
porque o dono, sem malícia,
ao ouvir qualquer gemido,
telefona pra polícia...
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Soneto de Campos dos Goytacazes/ RJ

Diamantino Ferreira

INVEJA
 
- Como invejo as estrelas!… Como invejo
a placidez da lua, o brilho intenso
dos astros cintilantes… Quando penso
no que existe de belo e malfazejo!…
 
Ausente das disputas de um pretenso
mundo estéril, malévolo e sem pejo,
sua apatia é tudo quanto almejo
para esquivar-me aos que não têm bom senso…
 
Desejo vão!… Porém, fosse verdade…
Pudesse olhar, do céu, toda a maldade…
As coisas vis, de lá pudesse vê-las!…
 
Como seria bom!… Infelizmente,
Tais coisas acontecem tão somente
Quando a mente vagueia entre as estrelas…
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Haicai de Campinas/SP

Guilherme De Almeida
(Guilherme de Andrade de Almeida)
Campinas/SP, 1890 – 1969, São Paulo/SP

O BOÊMIO

Cigarro apagado
no canto da boca, enquanto
passa o seu passado.
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

Carlos Drummond de Andrade
Itabira/MG (1902 - 1987) Rio de Janeiro/RJ

IMORTALIDADE 

Morre-se de mil motivos 
e sem motivo se morre
de saudade,
morreu o poeta
sem morrer à eternidade
ele que fez de uma pedra
louvor para sua cidade
gauche*, grande destro
sem querer celebridade
pelos mil que era
num só se fez único
ficando no seu primeiro
caráter de bom mineiro
jamais morrerá
e sempre será.
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* Gauche = tímido
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Trova de Balneário Camboriú/SC

Ari Santos de Campos

Neste mundo de conflitos
o Poder faz e desfaz...
E os povos seguem aflitos
com a esperança de paz!...
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Sextilha de Maringá/PR

A. A. de Assis
(Antonio Augusto de Assis)

Enlaçado nos meus laços
de amizade e de afeição,
vou seguindo vida afora
numa alegre comunhão
em que a cada amigo trato
qual se fosse um meu irmão.
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Limerique de São Paulo/SP

Tatiana Belinky
São Petersburgo/Rússia, 1919 – 2013, São Paulo

MINHOCAS

Ao ver uma velha coroca
fritando um filé de minhoca
o Zé Minhocão
falou pro irmão:
“Não achas melhor ir pra toca?”
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Soneto de Curitiba/PR

Túlio Vargas
(Odilon Túlio Vargas)
Piraí do Sul/PR, 1929 -2008, Curitiba/PR

MACHADIANO

“Oh! Flor do céu! oh! flor cândida e pura!”
Que dos vergéis avulta doce e inquieta;
encanta e traz, das vestes da natura,
da luz o brilho e a cor da borboleta.

Para exaltar-te invoca-se um poeta,
a declamar sem laivos de amargura,
pois eu, que sou um infeliz esteta,
não intento alcançar tal formosura.

Quero dizer-te a frase romanesca,
mas na garganta cessa voz grotesca
e o pensamento todo se embaralha.

Um número qualquer na sorte crivo,
oh! dúvida cruel! Mas sobrevivo.
“Ganha-se a vida, perde-se a batalha!”
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Trova de Curitiba/PR

Mário Zamataro
(Mário Augusto Jaceguay Zamataro)

Nos versos que tenho feito,
lucidez, sonho ou loucura
dão temas para um sujeito
que faz da trova procura.
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Décimas em Cordel de Ipueiras/CE

Dalinha Catunda

O SUMIÇO DO VAQUEIRO

Quando o vaqueiro partiu
Minha dor doeu no peito
Com saudades do sujeito
Que minha vida floriu
Minha alegria sumiu,
E nesta situação
Olhando pro seu gibão
Eu renego meu destino
Pois meu maior desatino
Foi perder minha paixão.

Tão garboso ele passava
Bem em frente ao meu portão
Com uma rosa na mão,
Que beijava e me jogava.
Eu toda prosa ficava
Com aquele moço Trigueiro
Que rondava meu terreiro
E me chamava de flor,
Por merecer meu amor
Entreguei-me ao tal vaqueiro.

Uma viagem esticada
Ele foi e não voltou.
Meu coração palpitou,
E chorei desesperada.
Olhos grudados na estrada,
E aperto no coração
Murchava a flor do sertão
Que hoje se chama saudade
Perdeu a felicidade
Ao perder sua paixão.

Nem vaqueiro nem boiada,
Só saudade e solidão
Passando pela estrada
Que corta o meu sertão.
Não tem aceno de mão,
Nem levantar de chapéu,
Pois hoje mora no céu
Aquele viril vaqueiro,
Que tacava o tempo inteiro
Boiadas de déu em déu.
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Epigrama do Rio de Janeiro/RJ

Cecília Meireles
(Cecília Benevides de Carvalho Meireles)
Rio de Janeiro/RJ, 1901 – 1964 

EPIGRAMA N. 8

Encostei-me a ti, sabendo bem que eras somente onda.
Sabendo bem que eras nuvem, depus a minha vida em ti.

Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino frágil,
fiquei sem poder chorar, quando caí.
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Glosa de Fortaleza/CE

Francisco Pessoa
(Francisco José Pessoa de Andrade Reis)
Fortaleza/CE, 1949 - 2020

Cada passo é mais um sonho 
Ao longo do caminhar

Esteja alegre ou tristonho
O poeta enxerga a vida
Tal a terra prometida…
Cada passo é mais um sonho.
Chega ao destino risonho,
Pelo prazer de rimar
E antes mesmo de apear
Em pensamentos, imerso,
Olha pra trás, vê seu verso
Ao longo do caminhar.

Usei todos os atalhos
Que encontrei pelo caminho,
Fiz de quando em quando um ninho,
Fiz de estrelas agasalhos.
Os meus cabelos grisalhos
Tingidos pelo luar,
Retratam bem meu andar…
Embora um tanto tardonho,
Cada passo é mais um sonho
Ao longo do caminhar.
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Trova de Porto/Portugal

Emilia Peñalba de Almeida Esteves 

Nos seus ardentes amores,
consegue sempre o que quer:
rosa - a rainha das flores...
Rosa - a rainha mulher!
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Martelo Agalopado de Caicó/RN

Professor Garcia
(Francisco Garcia de Araújo)

No repente, ninguém traça uma meta,
mas é bom que um roteiro a gente trace,
pois do nada, um improviso sempre nasce
e a beleza da vida se completa.
Não precisa que seja em linha reta,
pode ser por caminho tortuoso,
pois o verso sofrendo é mais famoso
aos primeiros suspiros da manhã,
quando o sol salpicando o morro e a chã
torna o verso mais belo e mais formoso!
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Quadra Popular

Se os meus suspiros pudessem
a teus ouvidos chegar,
verias que uma saudade
é bem capaz de matar.
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Copla* de São Luiz Gonzaga/RS

Ângelo Franco

COPLAS DE UM GAÚCHO BRASILEIRO

Esta parada que eu carrego no meu jeito
Vem do meu peito embriagado de ideal
Eu sou de um povo que se fez a ferro e fogo
Guardando posto no Brasil meridional

Os olhos firmes não retratam amarguras,
Pois as agruras não são mais que provações
Se rio pouco quando rio, sou sincero
Sei o que quero não nasci pras ilusões

A cada dia que o Brasil fica mais velho
Eu me revelo mais gaúcho e brasileiro
Pena que os olhos do país às vezes turvam
E nos enxergam muito mais como estrangeiros

É bem verdade que não somos agregados
Aos que parados choram pranto de miséria
Sangue latino, coração de terra bruta
A nossa luta é por trabalho e gente séria

Nossas verdades têm razões nacionalistas
Como ativistas da cultura regional
Já não pregamos nenhuma separação
Revolução é dar a mão ao seu igual

Por isso eu digo pra cada brasileiro
Somos gaúchos com orgulho da nação
Apenas peço não esqueçam do Rio Grande
Que ainda temos o Brasil no coração
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* (tradução por José Feldman)
Copla, pequeno poema lírico de inspiração popular, constituído geralmente por estrofes de quatro versos octossílábicos, assonantados. Os versos podem também ser assonantes ou consoantes de oito, onze ou doze sílabas. Há ainda octossílábicos alternados com heptassílábicos.

A copla pode ser de mais de quatro versos: cinco, sete, nove... e de menos: três.

As coplas se denominam: de vilancetes, de seguidilhas, quintilhas, sextilhas, de sete, oito e nove versos; coplas reais, coplas de arte maior, coplas de pé quebrado. Cada uma destas têm sua própria estrutura: tipo de versos (octossilábico, quintilha, etc), quantidade de versos e estrofes, e rimas. 
Fonte: Federico Carlos Sáinz de Robles. Diccionário de La Literatura. Aguillar, 1982.

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