Newton Meyer Azevedo
1936 – 2006
Tira a roupa, e, quase nua
diz ao marido, emburrada:
- Pareço ainda "Perua "?!
- Parece, sim... depenada!
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Poema do Rio de Janeiro/RJ
Carlos Drummond de Andrade
Itabira/MG, 1902 - 1987, Rio de Janeiro/RJ
AMAR
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e mal amar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e
uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.
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Aldravia de Belo Horizonte/MG
Clevane Pessoa
(Clevane Pessoa de Araújo Lopes)
Aquém
da
porta
segredos
abraçam
medos.
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Soneto de Poços de Caldas/MG
Laércio Borsato
A ORQUÍDEA
NA ENTRADA da casa, a orquídea abriu
Seu vasto sorriso, lilás e amarelo.
O verde das folhas também aderiu,
Esbanjando um quadro, nobre e mui belo!
Da sacada eu contemplo de perfil
Essa obra que Deus. De modo singelo,
Mormente nos recantos de meu Brasil,
Faz da graça e da beleza um forte elo!
Quem passar por ali sentirá a candura
Dessa flor, que com delicadeza pura,
Indelével toca o coração humano...
Nesse meditar a minha alma cogita.
Meu ser acende, se rende e acredita,
Isso só é possível, com o toque soberano!
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Trova de Maringá/PR
A. A. de Assis
(Antonio Augusto de Assis)
Havia à noite um poema:
as luzinhas em cardumes...
Hoje sequer no cinema
pisca-piscam vaga-lumes.
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Sextilha do Ceará
Walmar Coelho
O AMOR
O amor é uma plantinha
Que medra no coração!
Com o afeto se avizinha,
Bem querer ou ilusão,
Vive e cresce, não sozinha,
Nem prescinde afeição.
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Quadra Popular
Saudade consumidora,
eterna sócia de amor,
serás minha companheira,
irás comigo onde eu for.
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Soneto de Assaré/CE
Patativa do Assaré
(Antonio Gonçalves da Silva)
1909 – 2002
O BURRO
Vai ele a trote, pelo chão da serra,
Com a vista espantada e penetrante,
E ninguém nota em seu marchar volante,
A estupidez que este animal encerra.
Muitas vezes, manhoso, ele se emperra,
Sem dar uma passada para diante,
Outras vezes, pinota, revoltante,
E sacode o seu dono sobre a terra.
Mas contudo! Este bruto sem noção,
Que é capaz de fazer uma traição,
A quem quer que lhe venha na defesa,
É mais manso e tem mais inteligência
Do que o sábio que trata de ciência
E não crê no Senhor da Natureza.
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Trova Premiada em Taubaté/SP, 2000
Antonio Juraci Siqueira
Belém/PA
Perdão no amor que se apruma
sem guardar mágoas, constrói.
É flor que enfeita e perfuma
as mãos de quem o destrói.
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Décima de Belo Horizonte/MG
Úrsula A. Vairo Maia
MULHER-PEIXE
Um segredo quero contar
Muitos pensam em mim
Como uma habitante plena do mar
Sou mulher-peixe a suspirar
Durante o dia me ponho a nadar
Ao cair da noite, me banho ao luar
Tenho a lua e o mar como habitat
Sou do dia, sou da noite
Sou do mar , sou do luar
Sou de quem, em sonhos , me desejar
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Haicai de Jacarepaguá/RJ
Antonio Cabral Filho
Seu laço de fita
Abalou meu coração:
Paixão virtual.
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Poema de Porto União/SC
Benjúnior
(Benevides Garcia Barbosa Júnior)
CANÇÃO GUERREIRA
Quero fazer uma canção triste
que seja como vento ligeiro...
Uma canção para o povo
como um canto de esperança!
Quero fazer uma canção guerreira
que luta para que voltem à vida
aqueles que declararam sua guerra!
Quero fazer uma canção para
animar os que caem...
Quero fazer uma canção de amor
que seja a de todos os tempos
e para sempre...
E que todos se levantem
e levantem suas bandeiras,
acima de seus corpos e cabeças;
levando todos os sonhos,
a todos os povos da terra
que vivem, amam e sofrem
e ainda esperam
uma canção guerreira…
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Trova de Caicó/RN
Eva Garcia
A bela flor de papel
que tu me deste, outro dia...
Foi tão perfeita e fiel,
que o cheiro dela eu sentia!
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Poema de Lisboa/Portugal
Antero Jerónimo
PAZ
Vem de dentro para fora
caminho seguro de pés descalços
imune aos cardos crescendo descontrolados
Sábio silêncio do homem que não cala a voz
isolado de guerras inúteis
ecos de palavras ocas
Nobre missão em cruzada atemporal
na luta sem decreto nem cartel
contra o inimigo invisível e cruel
Tecida pelos mais alvos fios solidários
jardim cultivo de amor e justiça, onde
nardos de esperança florescem no mais pleno viço
Só na presença da tua asa suprema
se tranquiliza da desordem o meu coração.
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Epigrama de Salvador/BA
Roberto Correia
1876 – 1937
De muitos “doutores” sei
Que fundamente acatamos,
Aos quais, se dizem: – “Cheguei”,
Retruca a Morte: – “Chegamos”.
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Trova de Fortaleza/CE
Nemésio Prata
(Nemésio Prata Crisóstomo)
Dizem, com propriedade,
que a saudade é inexplicável;
explica-se: na verdade,
o senti-la é indecifrável!
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Spina de Berilo/MG
Nina Mariza
DANÇARINA
Ritmada ao som
do meu coração,
ela alegre dança.
Roda, roda, não se cansa.
Como é bom vê-la assim!
No ar, sacoleja sua trança.
Esse lindo jeito ágil, vivaz,
é emoção que me balança.
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Poetrix de Recife/PE
Antonio Carlos Menezes
LISBOA
uma guitarra que chora
de longe, um fado
que me toca a alma.
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Glosa de Portugal
António Aleixo
(António Fernandes Aleixo)
Vila Real de Santo António, 1899 — 1949, Loulé
ONDE NASCEU A CIÊNCIA E O JUÍZO
MOTE
Onde nasceu a ciência?…
Onde nasceu o juízo?…
Calculo que ninguém tem
Tudo quanto lhe é preciso!
GLOSA
Onde nasceu o autor
Com forças p’ra trabalhar
E fazer a terra dar
As plantas de toda a cor?
Onde nasceu tal valor?…
Seria uma força imensa
E há muita gente que pensa
Que o poder nos vem de Cristo;
Mas antes de tudo isto,
Onde nasceu a ciência?…
De onde nasceu o saber?…
Do homem, naturalmente.
Mas quem gerou tal vivente
Sem no mundo nada haver?
Gostava de conhecer
Quem é que formou o piso
Que a todos nós é preciso
Até o mundo ter fim…
Não há quem me diga a mim
Onde nasceu o juízo?…
Sei que há homens educados
Que tiveram muito estudo.
Mas esses não sabem tudo,
Também vivem enganados;
Depois dos dias contados
Morrem quando a morte vem.
Há muito quem se entretém
A ler um bom dicionário…
Mas tudo o que é necessário
Calculo que ninguém tem.
Ao primeiro homem sabido,
Quem foi que lhe deu lições
Pra ter habilitações
E ser assim instruído?…
Quem não estiver convencido
Concorde com este aviso:
— Eu nunca desvalorizo
Aquele que saber não tem,
Porque não nasceu ninguém
Com tudo quanto é preciso!
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Glosa, estrofe onde é recuperado e explicado um determinado tema apresentado num mote que é colocado no início do poema e do qual pode repetir um ou mais versos em posição certa, como um refrão.
A glosa prolifera como estrutura formal da poesia lírica do séc. XV, designando as estrofes da poesia obrigada a mote, que desenvolviam o tema proposto por este. Inicialmente fazia parte de composições poéticas breves, como o vilancete, que apresentava uma ou mais glosas de sete versos, ou como a cantiga, que apresentava uma glosa de oito ou dez versos. O verso utilizado era o heptassílabo e, menos frequentemente, o pentassílabo.
No entanto, segundo Le Gentil, progressivamente, a glosa deixou de ser exclusivamente composta a partir de um mote de dois ou três versos, podendo retomar uma cantiga, um vilancete inteiro.
O poeta devia repetir e explicar sucessivamente cada verso de uma destas composições, criando um novo poema de tamanho variável. Em cada estrofe da nova composição poética, podiam reaparecer um ou dois desses versos, colocados em qualquer posição, com a condição desse local permanecer fixo até ao seu final. Normalmente, citavam-se dois versos por estrofe, um no meio e outro no fim, podendo existir outras combinações, como por exemplo, um verso no princípio e outro no meio, ou os dois no fim. Quando apenas um verso era retomado, podia surgir em qualquer posição da estrofe, embora fosse mais usual o seu reaparecimento no final. Deste modo, a extensão da glosa dependia do modelo selecionado pelo poeta e do número de versos da composição glosada.
O hábito de realizar glosas implementou-se em todas as cortes do ocidente latino europeu, constituindo um dos principais passatempos dos serões do paço onde praticamente todos os participantes eram simultaneamente produtores e ouvintes deste tipo de composições sujeitas a um mote. Os temas abordados eram essencialmente de sentido amoroso ou satírico, visando geralmente pessoas conhecidas por todos. A improvisação e o amadorismo dos seus intervenientes tornaram algumas destas composições artificiais e dignas de pouco interesse, sendo frequente a repetição exaustiva de ideias, vocábulos e rimas
A glosa continuou a sofrer transformações durante a Renascença, começando a ser constituída por um mote de quatro versos que lhe servia de introdução e quatro estrofes de dez versos cujo último verso era a repetição de cada um dos versos do mote inicial, mantendo a medida velha.
Mais tarde, especialmente em Espanha, durante o Século de Ouro, a glosa continuou a ser uma forma poética bastante utilizada, através da qual os poetas demonstravam grande perícia intelectual e verbal, combinando conceitos subtis e figuras de retórica .
Tendo sido ignorada pelo Romantismo, esta forma de discorrer sobre um determinado tema acabou por chegar até aos nossos dias, continuando alguns poetas populares a glosar diversos assuntos.
(Carlos Ceia. E-Dicionário de Termos Literários. http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=115&Itemid=2)
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