quarta-feira, 12 de junho de 2024

Silmar Bohrer (Croniquinha) 114

Quando estamos caminhando no ritmo habitual, sem pressa, em busca do que parece quase nada, na verdade vamos num solilóquio, conversando com os EUS interiores, olhar tranquilo, mas esperto, a observar as árvores, a abrigar-se na sombra, a sentir a brisa suave, ouvir os cantos passarinhos, os gorjeios sabiás, os pintassilgos sonoros. 

Eis a pureza dos dias. 

Conversas na intimidade nos levam para para longe, como nos trazem passadas inteiras vividas. Em breves instantes nos fazem lembrar da palavra "delícia" , que significa DE - fora, mais LACERE - atrair, surgindo delícia com o significado de atração, encanto, ato de cativar. Porque a vida não é só laborar, ocupar-se com trabalho. Nestes andares-divagações a gente põe o espírito em serenidade, ao bel-prazer, bebericando paisagens que os caminhos oferecem. 

Eis os deleites da vida. 

Fonte: Texto enviado pelo autor 

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Daniel Maurício (Poética) 68

 

Antonio Brás Constante (Eles, elas e a direção)

Na vida devemos (às vezes) correr riscos, testar, usar e abusar da sorte fazendo jorrar a adrenalina que nosso corpo produz, por isso resolvi deixar o bom senso de lado e escrever este texto.

Na eterna disputa entre os sexos, um dos assuntos que mais vem à tona é sobre o trânsito. De um lado os homens, afirmando que elas não sabem “pilotar” nada que não seja a pia de lavar louça ou o fogão. Do outro as mulheres, respondendo que são muito mais responsáveis do que eles na direção e que, se a eventual falta de experiência delas pode vir a dificultar um pouco a condução de veículos, muito pior é o desempenho dos machões quando colocados para cumprir os afazeres domésticos.

É uma briga de cães e gatas, onde as gatas acabam geralmente levando a melhor, pois contam com uma memória assustadoramente superior a dos cães que ficam latindo, mas acabam mordendo o próprio rabo.

Lembro que uma vez na praia se iniciou uma discussão sobre este assunto. Na ocasião minha cunhada argumentou que as estatísticas nacionais comprovavam que as mulheres dirigiam melhor do que os homens. Eu respondi que isto somente provava duas coisas: primeiro que, independente de qualquer estatística, as mulheres continuavam não sabendo dirigir e segundo que isso provava que os homens não sabiam fazer estatísticas. Falei brincando, mas ainda assim, quase não escapei vivo do lugar (foi muita adrenalina).

Se analisarmos os fatos, perceberemos que os homens têm um jeito mais ousado de dirigir. Por exemplo, numa ultrapassagem em um horário de grande movimento, ao visualizarem um espaço disponível entre os carros da esquerda, onde caberia no máximo uma bicicleta, eles certamente vão avançar por ali. Pela lógica masculina, se entra uma bicicleta, também entra um carro, pois todos os veículos têm freios e o motorista de trás não vai querer bater em nada que amasse ou tire a cera de seu automóvel (amigo fiel e companheiro das estradas).

Já as mulheres pensam de forma diferente. Quando veem o espaço do uma jamanta entre os carros que passam por elas, primeiramente analisam os riscos de entrar no meio deles, depois mentalizam todo processo que deverão empregar para proceder com segurança aquela operação de troca de pista. Lembram que se cometerem um erro, toda culpa será delas, pois no mundo machista em que vivem são sempre as culpadas. Calculam as probabilidades da necessidade de fazer aquilo e finalmente percebem que a brecha não existe mais e que deverão reiniciar todo processo.

Em última analise, penso que as mulheres são geralmente culpadas pelos acidentes que acontecem, pois desviam a atenção dos homens com seus vestidinhos curtos, calças justas com cintura baixa e decotes provocantes.

Nós homens, somos vítimas da beleza feminina. Talvez no futuro inventem formas de se evitar que os acidentes aconteçam. Somente espero que para isso, não proíbam nossas musas de abrilhantar nossos caminhos, pois prefiro correr o risco de uma distração, a ter toda uma viagem sem a graça feminina desfilando suas virtudes divinas pelas ruas de meu destino. (ATENÇÃO: Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança, seja ela comportamental ou não, com a vida real terá sido mera coincidência - Espera-se com estas últimas palavras ter ajudado a manter a integridade física do autor, principalmente no âmbito de seu lar...).

Vereda da Poesia = 30 =


Trova Humorística de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Alarme no galinheiro. 
- Será que há gambá na granja?... 
- Bem mais grave: é o cozinheiro 
que avisa: “Hoje vai ter canja!”... 
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Soneto de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI

Amor Primeiro

Amei-te, sim, meu Deus, como eu te amei!
Relembro, aqui, dos meus sofridos passos...
Inenarráveis dores suportei,
vagando, enquanto estavas noutros braços.

À tua indiferença eu me curvei...
Longe de ti, consciente dos fracassos,
Deixei a luta, e ali, me acovardei,
Ouvi a razão, rompi meus frágeis laços.

Contudo, agora enxergo claramente,
Após tentar tirar-te, em vão, da mente:
— ninguém esquece o imenso amor primeiro!

Há muitos anos vivo neste mundo...
O tempo vem provar: — mesmo infecundo,
Tão grande amor se fez ... o derradeiro!
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Aldravia de Fortaleza/CE

HELENA LUNA

sonho
poeira
que
o
vento
carrega
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Soneto de Santos/SP

CAROLINA RAMOS

Velho Rio

Deslizas velho rio, amargo e silencioso,
a esconder, bem ao fundo, a injúria e a dor calada.
Cresceste manso, puro! E teu caudal piscoso
refletia o esplendor da luz da madrugada!

Quantas milhas coleaste! Fértil, dadivoso,
quantos lares supriste! E se a sede saciada
afugentou a seca, esse fantasma odioso,
tiveste, em paga injusta, a face maculada!

Hoje, segues tristonho… sujo… moribundo...
tendo no seio o estigma e, na alma dolorida,
toda a angústia de ser a lixeira do mundo!

Velho rio... depois de tanto desengano,
entendo porque, enfim, protestas contra a vida
e afogas tua dor no abismo do oceano!
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Trova Premiada  na Ilha da Guanabara, 1965

FERNANDO BURLAMAQUI 
Recife/PE, 1898 – 1978

A Saudade, com certeza,
tem poderes encantados
que fazem doce a tristeza
dos corações separados.
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Poema de Lisboa/Portugal

ANA MAFALDA LEITE

Caixinha De Música

impregno-me em ti como um perfume
como quem veste a pele de odores ou a alma de cetins
quero que me enlaces ou me enfaixes de muitos laços
abraços fitas ou fios transparentes
 
em celofane brilhando uma prenda
uma menina te traz vestida de lumes
incandescendo incandescente
te quer embrulhado em véus de seda e brocado

 encantada a serpente a flauta o mago
senhor a toca
e quando me toca
o corpo eu abro

 caixinha de música
dentro
com bailarina que dança
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QUADRA POPULAR

As rosas é que são belas,
são os espinhos que picam,
mas são as rosas que caem,
são os espinhos que ficam...
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Soneto de Juiz de Fora/MG

ROMILTON ANTÔNIO DE FARIA

Bons Tempos

Sou do tempo do pão posto à janela,
de contemplar a lua cor de prata,
do tempo que guardava a carne em lata,
do meu blusão xadrez, chita ou flanela.

Nesse tempo benzia até espinhela.
Via o leite fervido dando nata,
do tempo que dizia a paixão mata
chorando ao machucar sem ter sequela.

Os conselhos, histórias e respeitos,
todos os bons valores, seus efeitos
se afastaram de mim. Eu vivo, agora,

sem moda de viola em minha sala,
sentindo que a saudade, hoje, me cala,
percebo que esse tempo foi-se embora!
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Trova de Campo Mourão/PR

SINCLAIR POZZA CASEMIRO

Todas  manhãs são seguras,
pois há toques de poesia
que tu, mágico, asseguras
Sir Feldman de cada dia!!!
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Soneto de Porto Velho/RO

JERSON LIMA DE BRITO

Rosa Nua

Eleva-se a fragrância nectarina
nas sendas encantadas que cobiço
e, sonhador, adejo no feitiço
soprado pela mágica neblina.

Aquela rosa nua, em pleno viço,
relumbra e meus sentidos desatina,
desperta-me a serpente libertina
tomada pela ardência, em rebuliço.

Nem tento reprimir a minha fera
perante a profusão de maravilhas
deitadas no vergel porque me aflijo.

A fúria dos desejos, onde impera
a sede de te amar, implora as trilhas
que levam ao completo regozijo.
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Haicai de Niterói/RJ

LYAD DE ALMEIDA
1922 – 2000

Favela. A lua
faz das latas dos barracos
finas pratarias.
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Sextilha de Recife/PE

MANUEL BANDEIRA
1886 – 1968, Rio de Janeiro/RJ 

Paisagem da minha terra,
Onde o rouxinol não canta
- Mas que importa o rouxinol?
Frio, nevoeiro da serra
Quando na manhã se levanta
Toda banhada de sol!
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Trova Humorística do Rio de Janeiro/RJ

DJALDA WINTER SANTOS

Houve muita confusão
quando o morto, no velório,
dando um tapa no caixão,
reclamou do falatório...
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Glosa de Porto Alegre/RS

GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

E é quase dia...

MOTE:
No talvez da quase noite,
quando a espera me angustia,
horas batem feito açoite...
Tu não vens...e é quase dia...
WANDA DE PAULA MOURTHÉ
Belo Horizonte/MG

GLOSA:
No talvez da quase noite,
eu me perco em devaneios
e temo que a dor se amoite
e se instale nos meus seios!

O pranto cai devagar
quando a espera me angustia,
sentindo – não vais chegar,
morre em mim toda a alegria!

A tristeza faz pernoite
no meu pobre coração...
horas batem feito açoite...
sem nenhuma compaixão!

Quando a solidão aumenta,
a noite perde a magia
e minha alma não aguenta,
tu não vens...e é quase dia...
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Aldravia de Itajaí/SC

ANNA RIBEIRO

nas
entrelinhas
a
busca
de
mim
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Soneto de Porto/Portugal

FILINTO DE ALMEIDA
1857 – 1945, Rio de Janeiro/RJ

Zumbidos

Eu quisera ter voz para cantar
A tua glória — portentoso guia
Nas ascensões da minha fantasia —
Voz do Céu, voz da Terra, voz do Mar.

Mas tão potente voz, tão singular
Que concertasse a tríplice harmonia,
A só digna de ti, quem a teria
Neste soturno mundo sublunar?

Eu, abelhão fugaz do ático Himeto,
Dou-te o meu surdo canto, asas abrindo,
Num sussurro de loa triunfal;

Dou-te mais um zumbido num soneto;
Que eu vivi sempre e morrerei zumbindo
Em torno da tua sombra colossal.
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Trova Premiada em Niterói/RJ, 2003

DIVENEI BOSELLI 
São Paulo/SP

Choro junto à sepultura
De sonhos mortos repleta,
E a razão, mãos na cintura,
Diz: – quem mandou ser poeta.
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Spina de Contagem/MG

ZEZÉ DE DEUS

Família Pulgões

Estava eu sugando
a seiva do
brotinho da planta.

Tudo ia muito bem, quando 
veio sobre todos nós aquela
fedida botina do tipo jamanta.
Logo, gritei: filhinhos, saiam fora!
Deixem para depois a janta!
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Trova do Rio de Janeiro

FAGUNDES VARELA
Rio Claro/RJ, 1841 – 1875, Niterói/RJ

A mais tremenda das armas,
bem pior que a durindana,
atentai, meus bons amigos…
se apelida: – a língua humana!
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Poema de Londres/Inglaterra 

JOHN DONNE 
1572 – 1631

A Isca 

Vem viver comigo, sê o meu amor
E alguns novos prazeres provaremos
De areias douradas e regatos de cristal
Com linhas de seda e anzóis de prata.

Aí o rio correrá murmurando, aquecido
Mais por teus olhos do que pelo sol;
E aí os peixes enamorados ficarão
Suplicando a si próprios poder trair.

Quando tu nadares nesse banho de vida
Cada peixe, dos que todos os canais possuem,
Nadará amorosamente para ti,
Mais feliz por te apanhar, que tu a ele.

Se, sendo vista assim, fores censurada
Pelo Sol, ou Lua, a ambos eclipsarás;
E se me for dada licença para olhar
Dispensarei as suas luzes, tendo-te a ti.

Deixa que outros gelem com canas de pesca
E cortem as suas pernas em conchas e algas;
Ou traiçoeiramente cerquem os pobres peixes
Com engodos sufocantes, ou redes de calado.

Deixa que rudes e ousadas mãos, do ninho limoso
Arranquem os cardumes acamados em baixios;
Ou que traidores curiosos, com moscas de seda
Enfeiticem os olhos perdidos dos pobres peixes,

Porque tu não precisas de tais enganos,
Pois que tu própria és a tua própria isca,
E o peixe que não seja por ti apanhado,
Ah!, é muito mais sensato do que eu.

(Tradução de Helena Barbas)
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Poetrix de Belo Horizonte/MG

ANGELA TOGEIRO

Falsa borboleta

Ousei ser lagarta e pupa.
Rompi o casulo
numa sociedade de asas tolhidas.
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Pantun de Pelotas/RS

OLGA MARIA DIAS FERREIRA

Pantun da Cegueira do Amor

TEMA:
Se o amor é cego, entretanto,
por que nos faz tanto bem?
Mesmo cego, é luz no entanto,
nos olhos cegos de alguém!
PROFESSOR GARCIA 
Caicó/RN

PANTUN:
Por que nos faz tanto bem
essa pauta de carinho,
nos olhos cegos de alguém,
a enfeitar o nosso ninho.

Essa pauta de carinho,
tanto amor ao entardecer,
a enfeitar o nosso ninho
e nos ajuda a viver.

Tanto amor ao entardecer,
traz grande brilho ao olhar
e nos ajuda a viver,
vibrar, sorrir e sonhar.

Traz grande brilho ao olhar
e traz muita paz… enquanto,
vibrar, sorrir e sonhar
Se o amor é cego, entretanto...
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Trova de Fortaleza/CE

J. UDINE VASCONCELOS

Como filho do Universo,
vejo a vida em poesia,
por isso é que faço verso,
dia e noite, noite e dia...
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Poema de Cabo Frio/RJ

ABEL FERREIRA DA SILVA

Galo cantando

Tem tempo que não ouço um galo
cantando na madrugada
um galo chamando o dia
dentro da noite calada

Seu canto marcando o terreno
de sua própria ousadia
entre a sombra e o clarão
na noite a sua vigia

Canto que puxa o tempo
de dentro do poço escuro
sangue de um outro dia
carne de um outro futuro.

Figueiredo Pimentel (O vestido rasgado)

Por que Ivone virá hoje tão triste da escola? Faria por lá alguma maldade? Não. A mestra ficou muito satisfeita com ela.

Foi isto: quando ela se levantou do banco, rasgou o vestido, sem querer.

E que buraco! Dar-se-á o caso que o saiba consertar, sem se ficar conhecendo?

Bem pode ser, porque a mãe (uma pobre lavadeira), quando chega à casa, vem mortinha de cansaço. Como estava escuro, Ivone acendeu o candeeiro, e foi procurar a caixa em que a mãe costuma guardar todos os retalhos.

— Aqui está um azul, da cor do meu vestido, pensou Ivone, estendendo o retalho. Se eu lhe puder meter uma tira!

Despiu o vestido, deitou um xalinho pelos ombros, e pôs mãos à obra, com tanto afã, que nem deu pela chegada da mãe.

— Aconteceu-te alguma coisa? perguntou-lhe, chegando ao pé da filhinha. Estás a consertar o vestido? Rasgaste-o? Olha que seria uma desgraça, porque não tens outro, nem há mais nenhum bocado de pano azul.

— Há sim, minha mãe, respondeu a pequenina, mostrando-lhe o vestido.

— Pois eu julgava que não havia; mas está me parecendo que sabes fazer muito bem um conserto.

— Já sei, já, respondeu Ivone, brilhando-lhe os olhos.

Naquela noite foi se deitar contentíssima.

De manhã levantou-se, vestiu-se, lavou-se, olhou para o vestido, e chegou ao pé da janela para o examinar de mais perto.

— Olhe! Minha mãe! Minha mãe! – gritou ela em choro - venha cá ver. Pois não pus uma tira verde no meu vestido azul? Que hei de eu fazer agora? Não posso ir à escola com esse vestido assim!

— Então, como foi isso? Não sabes que muitas vezes, à luz do candeeiro, o azul se confunde com o verde, e o verde com o azul? Mas, por causa disso, não hás de faltar à escola. Talvez que o avental te esconda a tira.

Ivone vestiu o vestido, e pôs o avental. Qual história! O avental é pequeno demais, e a tira continuava a ser vista.

— Lembra-me uma coisa, disse Ivone: é pôr a pasta dos papéis mais para trás, e assim parece-me que não se verá.

Lá foi para a escola, e empregou tanto cuidado todo o dia, que ninguém reparou.

À saída, porém, esqueceu-se da tira. Foi pôr a pasta a um canto do pátio, e começou a brincar com as condiscípulas. Não brincou por muito tempo, porque dali a pouco reparou em duas meninas, que olhavam para ela a rir-se. De repente, lembrou-se do vestido, fez-se muito corada, e sentiu duas lágrimas rolarem-lhe pelas faces. Pegou na pasta, e saiu.

***

Eugênia, uma das meninas que tinha feito escárnio do vestido de Ivone, não voltou muito contente da escola, nem a mãe a ouvia cantarolar, como costumava, pela escada acima. Não fez senão pensar na colega, que viu sair da escola tão triste.

— Eu é que fui culpada, pensava. Faz-me tanta pena ter-me rido. Mas também para que foi ela deitar uma tira verde num vestido azul?  Falando a verdade, era muito esquisito.

Eugênia pegou na boneca para brincar, mas a boneca não a distraía. Por mais que fizessem, tinha defronte dos olhos o rosto melancólico de Ivone.

— Foi decerto por ela não ter outra fazenda da cor do vestido; se eu a tivesse, dar-lhe-ia.

Correu, então, a casa toda, a ver se a achava. Perguntou à mãe. Tudo debalde. Pôr mais voltas que desse, não encontrou alguma fazenda azul, senão a do vestido da boneca. Então pegou nesta, abraçou-a, olhou muito para ela e parecia refletir.

— Minha adorada Ida, disse de repente: bem conheço o teu bom coraçãozinho, por isso te vou pedir uma fineza. Não te lembras da Ivone, que no outro dia vistes em nossa casa? Hás de acreditar que deitou uma tira verde no vestido azul! Por mais que imagines, não podes fazer ideia da fealdade que ficou. Tenho a certeza de que não quererias para ti um vestido consertado daquela maneira. Foi decerto por não ter outra fazenda. O vestido é da cor do teu. Farias tu o sacrifício de lhe dar este, para mudar a tira? Bem sei que não tens outro para o inverno, mas a nossa casa é quentinha. Não te parece que, vestindo o teu vestido de verão, e pondo o teu xalinho de lã escarlate, ficarás ainda uma boneca senhoril?

Ida olhou para a dona, com o sorriso do costume. Pareceu a Eugênia que ela fazia o sinal de consentir. Despiu-lhe, então, o vestido do corpo, separou a saia, e pegando nesta, correu à casa de Ivone.

Quando chegou, a porta estava entreaberta.

Antes de entrar, parou um instante, e ouviu Ivone dizer para a mãe:

— Olha! mamãe! Eu não posso tornar à escola com esse vestido!

— Hás de tornar, bradou-lhe Eugênia (abrindo de repente a porta), olha, aqui tens um bocado de fazenda para consertares. Só Deus sabe o que me afligi por ter sido a causa de te ver chorar. Não penses mais nisso, não?

***

Diz a vizinhança que Ivone ficou tão contente, que de tudo se esqueceu daquele desgosto.

Colocou nova tira no vestido, e no outro dia entrou alegríssima na escola. Eugênia, pulando de contentamento, voltou para a boneca, encontrando-a a sorrir como sempre. E desde aquela ocasião, as duas meninas, Ivone e Eugênia, ficaram amicíssimas.

Fonte: Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896. Disponível em Domínio Público. 

Recordando Velhas Canções (Agonia)


 Compositor: Mongol

Se fosse resolver
iria te dizer
foi minha agonia
Se eu tentasse entender
por mais que eu me esforçasse
eu não conseguiria
E aqui no coração
eu sei que vou morrer
Um pouco a cada dia
E sem que se perceba
A gente se encontra
Pra uma outra folia
Eu vou pensar que é festa
Vou dançar, cantar
é minha garantia
E vou contagiar diversos corações
com minha euforia
E a amargura e o tempo
vão deixar meu corpo,
minha alma vazia
E sem que se perceba a gente se encontra
pra uma outra folia
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A Dança da Vida em 'Agonia' de Oswaldo Montenegro
A música 'Agonia', de Oswaldo Montenegro, é uma obra que transita entre a melancolia e a celebração da existência. A letra aborda a inevitável passagem do tempo e os sentimentos de dor e alegria que acompanham a jornada humana. No início, o eu lírico expressa uma sensação de impotência diante de suas emoções, reconhecendo que a agonia é uma parte inescapável de sua experiência. A dificuldade em compreender plenamente a própria dor é admitida, sugerindo que há aspectos da vida que estão além do entendimento racional.

O coração é mencionado como o local onde o eu lírico sente que morre um pouco a cada dia, uma metáfora para o sofrimento e a perda que todos enfrentamos ao longo do tempo. No entanto, há uma reviravolta na narrativa quando o foco muda para a celebração. A música propõe que, apesar da agonia, é possível encontrar momentos de festa e alegria. O eu lírico decide abraçar a festividade, dançar e cantar, como uma forma de garantia contra a tristeza. Essa atitude contagia os outros, espalhando euforia e afastando a amargura.

Por fim, a música reflete sobre a transitoriedade da vida, onde a alma eventualmente se esvazia, mas mesmo assim, a esperança de novos encontros e celebrações permanece. 'Agonia' é um convite para reconhecer a dor, mas também para encontrar força na alegria coletiva, na dança e na música, elementos que unem as pessoas em um ciclo contínuo de altos e baixos.

Dicas de Escrita (Como Escrever uma Fábula) = 3, final

(por Danielle McManus, PhD*)

3 EDITANDO E COMPARTILHANDO SUA FÁBULA

1 Releia e revise. 

Leia toda a sua fábula e verifique se todas as partes estão no lugar e se trabalham em harmonia.

Cuidado com trechos em que a fábula pode parecer muito prolixa ou complicada. A natureza dela é ser uma história simples e concisa que não mede palavras ou que desvia para algo verboso.

Verifique se cada parte — ambiente, personagens, conflito, resolução e moral — está claramente estabelecida e inteligível.

2 Edite para melhorar o estilo e a gramática.

Depois de revisar o conteúdo, releia tudo de novo, agora focando nos problemas de gramática e clareza de cada frase.

Chame um amigo ou colega para ler seu texto. Um segundo par de olhos é importante para encontrar erros.

3 Compartilhe seu trabalho!

Uma vez que tiver terminado os toques finais, é hora de mostrar sua fábula a um público.

O lugar mais fácil e lógico de começar é com a família e os amigos: poste sua fábula no Facebook, em um blog, para compartilhar em alguma rede social ou envie para sites que publiquem escrita criativa.

Você também pode enviar o texto para jornais ou revistas em sua cidade.

REFERÊNCIAS
– http://literarydevices.net/fable/
– http://www.litscape.com/indexes/Aesop/Morals.html
– http://www.creative-writing-ideas-and-activities.com/writing-fables.html
– http://www.learnnc.org/lp/media/lessons/katebboyce1142004123/Rubric_-_Fable.htm
– http://jerrydunne.com/2013/12/26/how-to-write-a-modern-fable-for-the-adult-reader/
– http://www.slideshare.net/lolaceituno/fables-and-morals
– http://www.learnnc.org/lp/media/lessons/katebboyce1142004123/Rubric_-_Fable.htm
– http://jerrydunne.com/2013/12/26/how-to-write-a-modern-fable-for-the-adult-reader/
– http://lerebooks.files.wordpress.com/2013/01/fabulasdeesopo.pdf
– http://www.newworldencyclopedia.org/entry/fable
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
* Danielle McManus, PhD é Conselheira de Graduação em Davis, Califórnia. Completou seu PhD em Língua e Literatura Inglesa na UC Davis em 2013.

domingo, 9 de junho de 2024

José Feldman (Versejando) 140

 

Contos Tradicionais Portugueses (O aprendiz de mago)

Um homem de grandes artes tinha em sua companhia um sobrinho, que guardava a casa quando precisava sair. Uma vez deu-lhe duas chaves, e disse:

– Estas chaves são daquelas duas portas; não as abras por coisa nenhuma do mundo, senão morres.

O rapaz, assim que se viu só, não se lembrou mais da ameaça e abriu uma das portas. Apenas viu um campo escuro e um lobo que vinha correndo para arremeter contra ele. Fechou a porta a toda a pressa passado de medo. 

Daí a pouco chegou o Mago:

– Desgraçado! Para que me abriste aquela porta, tendo-te avisado que perderias a vida?

O rapaz, chorou tanto que o Mago lhe perdoou. 

Uma outra vez saiu o tio e fez-lhe a mesma recomendação. 

Não ia muito longe, quando o sobrinho deu volta na chave da outra porta, e apenas viu uma campina com um cavalo branco a pastar. Nisto lembrou-se da ameaça do tio e já o sentindo subir pela escada, começou a gritar:

– Ai que agora é que estou perdido!

O cavalo branco falou-lhe:

– Apanha desse chão um ramo, uma pedra e um punhado de areia, e monta já quanto antes em mim.

Mal as palavras foram ditas, o Mago abriu a porta da casa, e o rapaz salta para cima do cavalo branco e grita:

– Foge! Que aí vem o meu tio para me matar.

O cavalo branco correu pelos ares afora. 

Mas indo lá muito longe, o rapaz torna a gritar:

– Corre! Que meu tio já me apanha para me matar.

O cavalo branco correu mais, e quando o Mago estava quase a apanhá-los, disse para o rapaz:

– Solta fora o ramo.

Fez-se logo ali uma floresta muito fechada, e, enquanto o Mago abria caminho por ela, foram para muito longe. Ainda o rapaz tornou outra vez a gritar:

– Corre! que já aí está meu tio, que me vai matar.

Disse o cavalo branco:

– Solta a pedra.

Logo ali se levantou uma grande montanha cheia de pedras, que o Mago teve de subir, enquanto eles avançavam caminho. 

Mais adiante, grita o rapaz:

– Corre, que meu tio agarra-nos.

– Pois lança ao vento o punhado de areia. - disse-lhe o cavalo branco.

Apareceu logo ali um mar sem fim, que o Mago não pôde atravessar. 

Foram dar em uma terra onde estavam em muitos prantos. 

O cavalo branco ali largou o rapaz e disse-lhe que quando se visse em grandes trabalhos, por ele chamasse, mas que nunca dissesse como viera ter ali. 

O rapaz foi andando e perguntou por quem eram aqueles grandes prantos.

– É porque a filha do rei foi roubada por um gigante que vive em uma ilha, onde ninguém pode chegar. 

– Pois eu sou capaz de ir lá.

Foram dizê-lo ao rei e o rei obrigou-o com pena de morte a cumprir o que dissera. 

O rapaz valeu-se do cavalo branco, e conseguiu ir à ilha trazendo de lá a princesa, porque apanhara o gigante dormindo.

A princesa assim que chegou ao palácio não parava de chorar. 

Perguntou-lhe o rei:

– Porque choras tanto, minha filha?

– Choro porque perdi o meu anel que me tinha dado a minha fada madrinha e, enquanto o não tornar a achar, estou sujeita a ser roubada outra vez, ou ficar para sempre encantada.

O rei mandou divulgar em como dava a mão da princesa a quem achasse o anel que ela tinha perdido. 

O rapaz chamou o cavalo branco, que lhe trouxe do fundo do mar o anel, mas o rei não lhe queria já dar a mão da princesa, porém ela é que declarou que casaria com o jovem para que dissessem sempre: Palavra de rei não volta atrás.

Fonte> Teóphilo Braga. Contos Tradicionais do Povo Português. Publicado em 1883. Disponível em Domínio Público .

Milton Sebastião Souza (Mães e Filhos)

Nem todas as mães estarão festejando no seu dia. Existem muitas mães abandonadas nos asilos, solitárias, saudosas dos seus filhos que “não têm tempo” para uma visita. Existem muitas mães doentes, padecendo nos hospitais, com a saúde abalada, muitas vezes por terem dedicado o melhor dos seus dias para filhos ingratos e sem reconhecimento. Existem muitas mães confinadas atrás das grades, condenadas por algum deslize cometido. Existem muitas mães que foram completamente esquecidas pelos filhos depois que a idade reduziu as suas tantas utilidades para a família. Existem muitas mães que não vão receber uma rosa e, um abraço e, muito menos, um presentinho no dia das mães.

É claro que também existem muitos filhos que dariam parte da sua vida para poder abraçar as suas mães neste dia. Filhos que choram a ausência da mãe que já partiu para a eternidade. Filhos que, por algum capricho do destino, foram criados em orfanatos e nunca souberam quem eram as suas mães. Filhos que foram abandonados pelas ruas e cresceram sem saber o que era ter uma mãe. Filhos que, mesmo tendo mãe, sofreram a vida inteira porque aquela mãe que a vida lhes deu, que não merecia ser chamada de mãe...

Mas existem também aqueles filhos mais sortudos (como eu), que estarão juntinhos com as suas mães no seu dia ou que poderão, pelo menos, repassar um abraço pelo telefone ou pela Internet. É para estes filhos que vai o recadinho final destas linhas: aproveitem cada segundo da presença das suas mães nas suas vidas. Curtam cada sorriso desta mãe. Ampliem cada gesto e cada atitude que brotar do coração desta pessoa especial. Se ela estiver alegre, riam juntos. Se ela estiver triste, chorem com ela e ajudem a secar as suas lágrimas. Se ela tiver tempo sobrando, tentem, de alguma maneira, preencher este tempo com a sua presença e o seu apoio constante. Façam pela sua mãe aquilo que ela fazia por vocês quando eram pequenos: 24 horas de cuidados e de amparo constante.

Para completar o dia delas, façam da presença o melhor presente. Um abraço e algumas palavras de carinho, muitas vezes, ficam gravados no coração para sempre. Um rosa ou um ramalhete de flores são presentes lindos. Mas eles não duram muito tempo. Outros presentes materiais, por mais caros que sejam, também têm um tempo de duração definido pelo desgaste. O gesto de amor fica para sempre. E não existe imagem mais linda do que um filho olhar o seu próprio rosto refletido no olhar da mãe, mesmo que este olhar esteja embaçado pelo tempo ou nublado pela presença de algumas lágrimas de alegria. É exatamente o coração generoso de cada mãe que nos facilita a tarefa de sermos bons filhos. Afinal, elas só querem o nosso carinho e o nosso reconhecimento. Um beijo e um abraço conseguem falar todas aquelas palavras que as mães merecem ouvir e que nós, muitas vezes, não sabemos ou não temos coragem de pronunciar. Feliz Dia das Mães para todos aqueles que são bons filhos.