segunda-feira, 8 de julho de 2024

Newton Sampaio (Desencanto de gente rústica)

Para quem viesse lá das bandas do Laranjinha, com destino à ponta da estrada de ferro, a fazendola de Seu Euzébio das Neves representava um verdadeiro achado naquela zona quase desabitada do sertão paranaense.

Depois de cavalgar horas e horas, suportando o inferno da soleira danada, e vencendo quilômetros e mais quilômetros sem encontrar sequer um ranchinho de caboclo, o viajante, por acostumado que fosse, não podia disfarçar nunca uma ruidosa manifestação de alegria ao ver repontar, no fundo azulado do Pico Agudo, o casarão branco onde morava o generoso Euzébio das Neves. E, pondo no “arre! Até que enfim!” usual todo o desabafo da cansativa, transpunha a porteira entoando mil “graças a Deus” à santa ideia do sertanejo pacato em estabelecer-se por aquelas alturas.

Muita razão tinham, na verdade, os caminhantes em desejar atingir, com tanto ardor, aquele ponto da estrada. Pois, a qualquer hora e em qualquer dia, a casa de Euzébio das Neves recebia a todos com a maior boa vontade, dispensando sempre uma cativante acolhida.

Cama fofa para pouso, se preciso, mesa farta de pitéus simples, mas cheios de sabor e de sustância, palestra agradável, tudo isso era ali encontrado e cedido despretensiosamente a quem passasse. 

Euzébio das Neves era mineiro de nascimento. E, vivendo embora, havia muitos anos, longe do Coroaci inesquecível, jamais perdera aquele jeito hospitaleiro que distingue, que faz estima ao povo das Alterosas.

Sua fama, por isso, corria de boca em boca, naquele pedaço do nordeste paranaense. E era mesmo um gosto a gente aportar à fazendola onde o Seu Euzébio fazia a vida engordando porcos, revolvendo a terra e passava os dias rodeado pelo carinho da mulher e dos filhos.

Num sábado que fora cheio de sol e fora cheio de serviço (o sol já ia mergulhando atrás do Pico Agudo, e o serviço, lá pelas cinco horas fora posto de banda) — num sábado como qualquer outro, a porteira da frente gemeu preguiçosa para deixar passar um cavalo resfolegante e um guapo cavaleiro.

O cavaleiro era Lauzinho, filho do compadre Cornélio. E o cavalo era zaino do mesmo compadre Cornélio. Esse Lauzinho não tinha mais que vinte e três anos. E acusavase, logo à primeira vista, com o tipo do rapagão nascido e criado no sertão. O mundo, para ele, não precisava ir além da ponta da linha de ferro em Barra Bonita (embora, já uma vez, tivesse praticado a violência de chegar até Tomazina, a cabeça da comarca), podia-se resumir na menina de Seu Euzébio — a Maria Rosa — por causa de quem, todo sábado, depois do meio-dia, punha uma roupa melhor, encilhava o zaino, e enveredava pelas estradas ásperas, sob o sol bárbaro.

Seu costume era pousar na fazendola do Euzébio, e só no domingo, de noitinha, retomar o caminho de casa, disposto às lidas da semana, e lavando no coração o alvoroço de uma grande saudade, e nos olhos a imagem sedutora da caboclinha querida.

Maria Rosa representava tudo para Lauzinho, que nunca se afeiçoara a outra moça, e, mesmo, não queria saber de outros amores. 

Uma vez que fora fazer compras em Barra Bonita, uma sirigaita qualquer, de vestidinho curto e beiços vermelhos, tentara, muito sinsinhora, namoricar o coitado do sertanejo. Lauzinho, porém, não quisera saber de histórias. E quando, no sábado seguinte, foi visitar a Maria Rosa, achou-a mais amorável que nunca, na pureza sem par de seus dezoito anos, e no encanto inigualável de sua timidez inata.

Tudo para Lauzinho se resumia em Maria Rosa. Por causa dela vivia a mourejar, de sol a sol, em um promissor pedaço de chão. Por causa dela vinha, toda semana, nem que chovesse canivete, até o casarão branco do Euzébio das Neves gozar algumas horas de convívio com a deusinha de seus sonhos rústicos. E Maria Rosa bem que merecia tudo isso. Seus olhos eram tão bonitos... E seu amor parecia tão grande, tão do fundo do coração...

Naquele sábado Lauzinho chegara mais cedo que de costume. O sol só mostrava um pedaço de sua rodela vermelha, e as primeiras sombras da noite iam avançando, já longas e invencíveis, a leste do Pico Agudo, como que abençoando a faina árdua dos sertanejos valorosos. Estivera percorrendo trechos do terreno de um compadre do pai e, em compensação, trazia no peito mais floridas esperanças de logo conseguir o necessário para o casamento.

Maria Rosa recebeu-o com os mesmos olhos de sempre. Lauzinho não fazia nada por mal. Em nada, portanto, havia razão de zanga.

Um dia, as portas do casarão branco abriram-se para receber um tal de Dr. Ernesto, um engenheiro que andava estudando a região.

O trato do velho Euzébio cativou-o. E como tivesse de permanecer algum tempo naquelas bandas, aceitou a hospitalidade que lhe era oferecida.

— Mas, senhor Euzébio. Creio que o vou cansar com tanta amolação. O meu serviço é um pouco demorado...

— Que nada, seu doutor! A casa de caboclo pobre é rica de bondade. Tudo aqui é seu. Faz de conta que o Dr. Ernesto é agora de minha familiagem. Depois... O que é mais uma concha de feijão na panela. Graças a Deus e a Nossa Senhora da Aparecida, as coisas vão melhorando...

— Fico-lhe muito grato, senhor Euzébio. Quando houver oportunidade, retribuirei seus favores.

— Nem é preciso, doutor. Nem é preciso.

O doutor não pôde ficar indiferente aos encantos caboclos de Maria Rosa. A sertanejinha, no atravessar dos seus dezoito anos banais, estava no auge da floração do sexo.

Beleza espontânea, beleza sem artifícios, beleza que surgira e se aprimorara aos raios de todos os sóis, à umidade de todas as chuvas, ao contato de todo o oxigênio puro do sertão, ao descanso de todas as noites longas e calmas, ao gozo de uma vida sem maiores sensações do que pular da cama às cinco, receber no dorso macio as águas da cachoeirinha, trabalhar numa coisa e noutra, esperar o sábado e a vinda do Lauzinho; beleza amiga da natureza e cheia de castidade, Maria Rosa não tinha conhecimentos das armas irresistíveis que possuía para incendiar o coração dos homens e prendê-los nas malhas das paixões perdidas. Por isso, não levava a mal os olhares do engenheiro quando, de manhãzinha, lhe servia o café. Por isso, não via nas gentilezas extremadas mais do que uma gratidão ao bom acolhimento do pai. 

Insone no leito fofo, o Dr. Ernesto revolvia-se, nervoso:

— Diabo de garota dinamite. E vá um pobre diabo ficar à vontade perto de um abismo destes.

No entanto, era preciso respeitar a casa do velho mineiro. Era preciso.

Certa vez — a vida gosta mesmo de jejuar com a gente, — certa vez, o engenheiro se viu a sós com Maria Rosa. O fogo do sol que lhe escaldara o sangue durante o dia, no meio do mato, deixara fagulhas nas veias. E disse da paixão que lhe andava no peito. E disse das seduções daquelas carnes magníficas. E disse da quebradeira que punha n’alma aquele olhar indefinível...

Maria Rosa, vermelhinha, vermelhinha, libertou as mãos e saiu correndo para o quarto, com o coração aos pulos. Viu-se em frente ao espelho de moldura feia que havia perto da cama da mãe. E só então começou a notar as linhas de seu corpo. E só então o sexo lhe bradou barbaramente do fundo das entranhas.

Quando Lauzinho apeou do cavalo, deu logo de frente com aquele rapaz de terno de casimira, bonito e passadinho, mal pôde disfarçar o enfado. Tinha um rancor invencível aos moços da cidade. Ainda mais no casarão branco do Seu Euzébio das Neves. Durante o domingo, causaram-lhe um aborrecimento imenso as maneiras gentis do doutor. E, pela primeira vez, voltou profundamente triste, montado no zaino do compadre Cornélio, e dentro da noite linda que as estrelas tornavam admirável com seu piscar malicioso.

No sábado seguinte, Lauzinho empurrou a porteira preguiçosa lá pelas quatro horas, quando o sol ainda estava impiedoso. Desencilhou o zaino, passou as costas da mão pela testa salpicada de suor, e ficou esperando a Maria Rosa, que ainda estava no córrego.

Quando chegou, ela lhe deu um cumprimento muito diverso do que ele estava acostumado a receber. A moçoila pareceu-lhe diferente, sem aquele olhar que demonstrava um amor muito sincero, muito do fundo do coração.

— Uai! Maria Rosa. Você parece que não ‘tava com saudade da gente...’

— Saudade? Como não? É que nem todo o dia tem pão quente. Não é toda a vez que eu posso estar aí, mostrando os dentes procê...

O engenheiro vinha chegando. Maria Rosa correu para dentro. E voltou depois com um vestido bonito, com o cabelo muito penteadinho, e até (pareceu a Lauzinho), e até de pintura no rosto.
O domingo foi insuportável. O moço sertanejo tinha ímpetos de esganar o tal Doutor Ernesto. Pois ele é que viera deixar indiferente a Maria Rosa, a deusinha de seus sonhos rústicos.

Ferido em seus brios, Lauzinho amarfanhou no coração o desejo de ser feliz um dia. E a sua despedida foi a coisa mais seca deste mundo. Tanto que saiu mais cedo do que de costume.

Quando a porteira gemeu preguiçosamente para deixar passar, pela última vez, um cavalo e um cavaleiro (o cavalo era o zaino do compadre Cornélio e o cavaleiro era o filho do mesmo compadre Cornélio) — o sol só mostrava um pedaço da rodela vermelha. E as primeiras sombras da noite iam avançando já, longas e invencíveis, a leste do Pico Agudo, como que amortalhando o desencanto que punha luto no coração do Lauzinho.

E o cavalo e o cavaleiro enveredaram pela estrada deserta, que leva pras bandas do Laranjinha, enquanto, lá no céu, as estrelas punham malícia no jeito de piscar...

Fonte> Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. Disponível em Domínio Público.

Vereda da Poesia = 55 =


Trova Humorística de São Paulo/SP

RENATA PACCOLA

Ao deitar na rede, o Guido
morreu de uma forma tétrica,
porque, de tão distraído,
deitara na rede elétrica!
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Poema de Lisboa/Portugal

ANTERO JERÓNIMO

Amigo

É a verdade nua,
tantas vezes vertida na lágrima da palavra
que a mentira piedosa não conforta.

É o abraço fidedigno
estreitado no lamento das árduas horas
na improbabilidade da chegada.

É o doce afago,
que no coração não cansa
quando a distância não alcança.

É a incondicional compreensão
que as aparências não julga,
os erros não condena.

É o olhar cuidado
raio de sol cintilante,
que o tempo não ofusca.

É a saudade perene,
rosto que não se esvanece de ausência.
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Aldravia de Porto Alegre/RS

MADAGLOR DE OLIVEIRA
(Maria da Glória Jesus de Oliveira)

rutila
seduz
olhos
de
mar
menina
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Soneto de Santos/SP

CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

Mocidade

Lindo tempo o do sonho e da vontade!
Sem palavra, sequer, que bem o exprima,
o pensamento a erguer-se bem acima
da montanha da vida em claridade!

Tempo feliz da nossa mocidade
que a luz do amor e da ilusão sublima,
quando tudo nos prende e nos anima
ao fio e à teia da felicidade!

Não há quem não conheça, e, conhecendo,
não dê tudo de si para que nunca
deste tempo de paz vá se esquecendo.

Mágoas? Feliz de quem puder vencê-las,
e ver que a mão de alguém seus passos junca
de pérolas, de rosas e de estrelas!
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Trova Premiada em Campos dos Goytacazes/RJ, 1963

CORIOLANO HENRIQUES DA SILVA CAMPOS 
Maringá/PR

- O que tens, minha netinha,
com este choro profundo?
- Morreu a sua filhinha...
E eu perdi tudo no mundo...
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

NÉLIO CHIMENTO

O cão não distingue cores
Mas percebe suas dores
Não sabe o seu salário
Não se importa se você é letrado
Ou se não conhece o dicionário 

É bálsamo que acalma
Que não trata com indiferença
As angústias de sua alma
Nos momentos de aflição

Não tem malícia nem dissimulação
Apenas amor no coração
Recebe sempre com gratidão
O que lhe é oferecido
Seja um alimento enriquecido
Ou apenas um pedaço de pão

Não importa se tem casa bonita
Ou vagueia pela avenida
Sua amizade é infinita
E sua "alma" por Deus bendita

O cão não magoa, não se ofende
Não te abandona por nada
Enfrenta qualquer parada
Na doença, no frio, na solidão...
Com a alegria sincera
De quem te ama de paixão

Um cão, ainda que combalido
Não te deixará desprotegido
Diante de qualquer perigo
Dizem que o amor não tem definição

Discordo, tem sim!
O amor se chama CÃO!
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Trova Popular

Quem tem amores não dorme,
nem de noite, nem de dia;
dá tantas voltas na cama,
como o peixe na água fria.
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Poema de Avaré/SP

ANTONIO CASTILHO

Trabalhar 

Olhando pela janela
Ouço os pássaros cantar
O sol se por
E vejo a lua brilhar

Depois de tantos anos
Só agora venho apreciar
Depois dos cabelos branco 
e da pele enrugar
De tanto trabalhar

Eu não pensava em nada
Não passeava muito menos ia viajar
Só queria ganhar dinheiro
Pra depois sossegar

Mas fiquei velho
Não vi o tempo passar
Hoje vivo no asilo, numa cama
Pois não posso mais andar

Nem família tenho pra me visitar
Nem filho pra me amparar
Amigos, tive pouco
E hoje não sei onde esta

Pra que tanto dinheiro
Se não tenho a onde gastar
De que me valeu trabalhar tanto
Se a juventude que perdi
O meu dinheiro não dá para comprar
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Trova do Paraná

HELENA KOLODY
Cruz Machado/PR (1912 – 2004) Curitiba/PR

Para muitos a ventura
é clarão que vem e passa, 
um sorriso que não dura,
um reflexo na vidraça.
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Poema de Curitiba/PR

ATÍLIO ANDRADE

Flores

Flores que enfeitam
O inverno que não vêm
Brancas, azuis, vermelhas tem
A beleza e o perfume  que encantam...
O soprar do vento une
O gosto das fragrâncias
No cheiro das distâncias
Que afogam no perfume
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Haicai de Curitiba/PR

VANICE ZIMERMAN FERREIRA

névoa de inverno -
manhãs em tons de gris
oculta o telhado
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Soneto de São Paulo/SP

CIDOCA DA SILVA VELHO
São Luís do Paratinga/SP, 1920 – 2015, Jundiaí/SP

Poente da vida

É impossível voltar ao tempo antigo,
com tudo começando novamente!
Mesmo assim, quero ser o teu abrigo,
nesta fase da vida de sol poente!

Quantas horas perdemos, meu amigo,
na escalada dos tempos, tristemente!
E passou a ilusão que hoje eu bendigo,
por ver-te em minha estrada, frente a frente.

Foge do vento frio dos caminhos!
Escondido nos galhos farfalhantes,
vê quanto amor existe pelos ninhos.

Há de florir em versos palpitantes
o nosso amor, só feito de carinhos,
num turbilhão de rimas delirantes...
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Quadra Humorística de São Paulo/SP

IDEL BECKER
Porto Casares/Argentina, 1910 – 1994, São Paulo/SP

O amor dum estudante
não dura mais que uma hora:
toca o sino, vai pra aula,
vêm as férias, vai-se embora.
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Poema de Castro/PR

MARIA ANTONIETA GONZAGA TEIXEIRA

Viver de Sonhos

Viver de sonhos
é alegrar-se com os detalhes,
é perambular pelas ruas
e voar pelos ares.
Viver de sonhos
é caminhar nos campos,
apreciar ao vento
madeixas sem grampos.
Viver de sonhos
é ser gente
que vislumbra o mundo
e vive contente.
Viver de sonhos
é ser caminhante,
amante da vida,
de sonho errante.
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Aldravia de Belo Horizonte/MG

MARZO SETTE TORRES

tantos
falsos
deuses
tantos
descrentes
fazem
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

COLBERT RANGEL COELHO
Pitangui/MG, 1925 - 1975, Rio de Janeiro/RJ

O luar de minha terra

Neste luar de minha terra vejo
matizes de saudade pelo espaço,
na evocação do meu primeiro beijo,
na timidez do meu primeiro abraço.

Este luar desperta meu desejo
e volto à juventude; e, passo a passo,
eis-me à beira do cais, no rumorejo
de um passado feliz que eu mesmo traço.

À tua espera, minha grande ausente,
pelo facho de luz que vem da serra,
vejo que surges como antigamente.

E, quando surges, neste mesmo cais,
revivem no luar de minha terra
noites distantes que não voltam mais.
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Trova Premiada em Campos dos Goytacazes/RJ, 1963

LILINHA FERNANDES
Rio de Janeiro/RJ, 1891 – 1981

- Sábio, na vida tão rude,
quem te dá força? - A oração.
- Quem te dirige? - A virtude.
- Quem é teu mestre? - A razão.
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Poema de Curitiba/PR

DANIEL MAURÍCIO

Ela
Era onda de alegria.
Ia
Ria...
Até no bater do peito 
Pois sabia que de outro jeito,
Era um quase nada,
Espumas,
Era um recuar de maré.
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Haicai de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Vinha quente o tempo.
De repente vira o vento,
volte o vinho então.
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Spina de São Paulo/SP

SOLANGE COLOMBARA

O medo 

Sucinto, te sinto
às vezes silente
em raro decanto

ou pressinto teu mavioso canto.
Um instinto quase animal revela
teu êxtase, em peculiar encanto.
Escorres por minhas frestas em
ecos, és o labirinto sacrossanto.
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Trova sobre Casamento de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

Quem busca noiva, é preciso
que tome muito cuidado;
procure uma de bom siso,
pra não terminar "ornado"!
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Hino de Castro/PR

Compositora: Hilda Koller

De pequena freguesia
e pousada de tropeiro
se elevou a vila um dia
pelos bravos pioneiros.

Já cidade em belo trilho
no mérito das conquistas
exaltou com grande brilho
a alma dos seus artistas

Castro, cidade alegria
orgulho e prazer nos dá
Castro, cidade poesia
jardim do meu Paraná.

Engastada em verde mata
e traçada em linhas retas
quando em flores se desata
como inspira seus poetas.

Tem recanto de turismo,
tem belezas naturais,
tem poesia e tem lirismo
e tem lindos pinheirais.
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Castro: A Poesia e Orgulho do Paraná
A música 'Hino de Castro - PR' celebra a história e as belezas naturais da cidade de Castro, localizada no estado do Paraná. A letra começa destacando a origem humilde da cidade, que começou como uma pequena freguesia e pousada de tropeiros. Esses tropeiros eram responsáveis pelo transporte de gado e mercadorias, e a cidade se desenvolveu graças ao esforço e coragem dos pioneiros que a elevaram ao status de vila.

O hino continua exaltando as conquistas da cidade, que se transformou em uma bela cidade, reconhecida pelo mérito de suas realizações. A letra destaca a importância dos artistas locais, cuja alma e talento contribuíram para o brilho e a cultura de Castro. A cidade é descrita como um lugar de alegria, orgulho e prazer, sendo um verdadeiro jardim no estado do Paraná.

A música também enfatiza a beleza natural de Castro, mencionando suas matas verdes, linhas retas e flores que inspiram poetas. A cidade é apresentada como um recanto de turismo, com belezas naturais, poesia, lirismo e lindos pinheirais. A letra do hino é uma ode à cidade, celebrando sua história, cultura e paisagens deslumbrantes, e reforçando o sentimento de orgulho e pertencimento dos seus habitantes. https://www.letras.mus.br/hinos-de-cidades/942236/ 
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Poetrix de Criciúma/SC

ODETE RONCHI BALTAZAR

Outono

As árvores, nuas,
exibem silhuetas
de provocar inveja.
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

ELTON CARVALHO
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1994

Lavrador

Nem bem surgiu o rubro da alvorada,
nem bem a noite se aquietou no monte,
já vai o lavrador levando a enxada
e se perde nos longes do horizonte.

E, após uma exaustiva caminhada,
antes mesmo, sequer, que o sol desponte,
rega a terra querida e abençoada
o suor que lhe escorre pela fronte!

Os que tratam da terra todo o dia
e fazem do trabalho uma alegria
têm a chama divina dos heróis.

Há centelhas de luz nos seus destinos:
lavradores são deuses pequeninos
que, da terra e do nada, criam sóis!
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Trova de Brusque/SC

ARTHUR EDUARDO PEREIRA

Quando há segredo de amores,
como envelopes lacrados,
se abertos são como flores
e eternos, quando fechados.
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O financeiro e o remendão

O remendão cantava noite e dia,
Era um gosto escutá-lo!
Feliz em sua pobreza, parecia
Um nababo nadando em opulência.

Seu vizinho não tinha igual regalo,
Nem quieto repouso.
Apesar da riqueza, a consciência
Trazia-o cuidadoso.

Era um grão financeiro o tal vizinho;
Vivia maldizendo a Providência
Por não ter feito o sono e a alegria
Uma mercadoria
Que se comprasse como o pão e o vinho.

Se às vezes dormitava,
Do remendão o canto o acordava!

Fê-lo ir à sua casa o financeiro
E perguntou-lhe: «Ó mestre, quanto ganha
Você num ano inteiro?

— Não posso calcular conta tamanha...
Tantos santos há hoje na folhinha
Causando feriados,
Que não ouso dizer, por vida minha,
Minha renda anual... Alguns cruzados.

Para não morrer de fome chega apenas
O que faço por dia,
Miserando salário,
Após muito trabalho, rudes penas!...

— Pois toma esta quantia,
Retruca o milionário,
Quero dar-te a fartura.
Não mais trabalharás em tua vida.»
E entregou-lhe uma bolsa bem sortida.

Foi às nuvens o pobre sapateiro!
Julgou-se logo o dono
De todo o ouro da terra!
Apressado correu ao seu telheiro,
Aonde esconde e enterra
Não só o ouro... a alegria e o sono!

Adeus, ledas cantigas!
Qualquer ruído o põe em sobressalto;
Se dorme, escuta vozes inimigas,
E treme até do leve andar do gato!

O mísero maldiz do seu contrato,
E prestes o desfaz;
Vai ter com o financeiro,
Que tranquilo dormia,
E diz-lhe: «Aqui tem o seu dinheiro,
Guarde-o, eu guardarei a cantoria,
E o meu dormir em paz!»

(tradução: Joaquim Serra)
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Colaborações: gralha1954@gmail.com

Recordando Velhas Canções (A jangada voltou só)


Compositor: Dorival Caymmi

A jangada saiu
Com Chico Ferreira e Bento
A jangada voltou só
Com certeza foi lá fora, 
algum pé de vento
A jangada voltou só...

Chico era o boi do rancho
Nas festa de Natá
Chico era o boi do rancho
Nas festa de Natá
Não se ensaiava o rancho
Sem com Chico se contá
E agora que não tem Chico
Que graça é que pode ter
Se Chico foi na jangada...
E a jangada voltou só... 
a jangada saiu
Com Chico Ferreira e Bento
A jangada voltou só
Com certeza foi lá fora, 
algum pé de vento
A jangada voltou só...

Bento cantando modas 
Muita figura fez
Bento tinha bom peito
E pra cantar não tinha vez
Bento cantando modas 
Muita figura fez
Bento tinha bom peito
E pra cantar não tinha vez

As moça de Jaguaripe
Choraram de fazê dó
Seu Bento foi na jangada
E a jangada voltou só
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A Tragédia do Mar em 'A Jangada Voltou Só' de Dorival Caymmi
A música 'A Jangada Voltou Só', de Dorival Caymmi, é uma narrativa poética e melancólica que retrata a tragédia de pescadores que não retornam do mar. A letra começa descrevendo a partida da jangada com Chico Ferreira e Bento, dois personagens que simbolizam a vida e a cultura local. A repetição da frase 'A jangada voltou só' enfatiza a tragédia e a perda, sugerindo que algo terrível aconteceu durante a viagem.

Dorival Caymmi, conhecido por suas canções que exaltam a vida dos pescadores e a cultura baiana, utiliza essa música para abordar a imprevisibilidade e os perigos do mar. A menção a 'algum pé de vento' indica que uma tempestade ou um evento climático adverso pode ter sido a causa do desaparecimento dos pescadores. A música também destaca a importância de Chico e Bento na comunidade, mencionando suas contribuições nas festas e na vida social, o que torna a perda ainda mais dolorosa para os habitantes de Jaguaripe.

A canção é uma homenagem àqueles que vivem do mar e enfrentam seus perigos diariamente. A tristeza e o luto são palpáveis na letra, especialmente quando se menciona que as moças de Jaguaripe choraram pela perda de Bento. A música é um retrato fiel da realidade de muitas comunidades pesqueiras, onde a ausência de um ente querido é uma constante lembrança dos riscos associados à profissão. Caymmi, com sua habilidade lírica, consegue transmitir a dor e a saudade de forma profunda e comovente, fazendo com que o ouvinte sinta a tragédia como se fosse parte da comunidade retratada na canção. (https://www.letras.mus.br/dorival-caymmi/45572/)

domingo, 7 de julho de 2024

Vanice Zimerman (Tela de versos) 40

 

Laé de Souza (Carnaval, nunca mais)

De uns tempos para cá, vinha me recusando a aceitar o carnaval como festa de gente. Gente de bem, quero dizer.

Se no dia-a-dia já está uma esculhambação, imaginem então se no carnaval a coisa não vai ficar como o diabo gosta, plagiando o discutido anúncio da cerveja. Qual o indivíduo que aguenta tanta insinuação e estímulo ao apetite sexual sem se revoltar? Difícil encontrar um programa de televisão que não tenha uma dançarina quase pelada. Coisa horrível.

Foi por tudo isso e apontando o porquê, que no carnaval do ano passado, falei para a minha mulher que queria isolamento. Claro que ela reclamou. Disse que tinha planejado viajarmos para o litoral, como todos os anos. Que tinha combinado com amigos de irmos para o clube, reservado mesa. Quando expliquei que o isolamento, era isolamento mesmo, isto é, eu iria ficar sozinho, longe de todo mundo e só em orações, ela se assustou. Minha mulher, é assim, só pensa em festa, diversão, Ela me sugeriu que fossemos para a praia e eu ficasse no quarto dos fundos rezando. 

Veja se tem cabimento. Quem consegue se concentrar e pensar em Deus, sabendo que lá fora rola bebida e cantoria. Não ia dar certo. O que eu queria, mesmo, era ficar longe de tudo e todos, sem uma viva alma, só eu e Deus. 

"Comprei mantimentos e, amanhã cedo, vou tomar um ônibus qualquer, descer no meio da estrada e entrar no meio do mato, Andar até achar um lugar adequado para me purificar", falei, querendo encerrar o assunto.

Não é que a mulher veio com conversas, de que era bobagem e exagero? Pois bem, precisei arrastá-la para um canto e abrir o jogo: "Tu lembra daquele meu caso com aquela fulana? Pois é, tu me perdoou, mas eu não. Preciso me penitenciar e vai ser agora." 

Ela chamou a minha sogra, achando que era mais uma recaída de loucura. E sempre assim. Quando a gente quer pensar alto, se dedicar ao espírito, acham que a gente endoideceu.

Minha sogra veio. Vocês devem saber muito bem como são as sogras. Cochichou que eu estava querendo aprontar alguma. Ameaçou me prender no quarto e me obrigar a fazer a oração lá, durante o tempo que quisesse.

Claro que não aguentei e ameacei: "Se alguém tocar a mão em mim, perco a cabeça." Peguei minha Bíblia, coloquei na sacola, me benzi e falei: 'Afasta tentação." 

Viram que estava muito contrito e que não tinha jeito. De manhã cedinho catei minhas coisas e fui embora.

Na quarta, por volta do meio dia, cheguei assonorentado. Minha mulher me serviu um café e perguntou se eu tinha rezado muito. "Demais", respondi.

"Leu a Bíblia?" perguntou interessada. 

"Li e reli", falei. 

Ela retirou a Bíblia da minha sacola, me entregou nas mãos, pedindo que eu lesse um salmo. Tentei abrir e qual nada. Uma folha colada na outra, como se fosse um bloco só. Me veio no pensamento o diabo de um lado e minha sogra do outro, os dois rindo a valer. Só podia ser coisa dos dois. Por mais que eu dissesse que cerca de meia hora atrás eu estava folheando o santo livro, minha mulher não quis acreditar.

Saiba, amigo, que os mais fervorosos são expostos a maiores provações. Se em dias normais o diabo já faz das suas, imagine no carnaval. Portanto, tenho comigo que carnaval é o dia em que ele mais apronta.

Ontem minha sogra perguntou se eu iria me isolar de novo. 

Respondi seco: "No carnaval, nunca mais.

Enquanto entrava no quarto, ouvi-a dando uma risadinha sarcástica,

Fonte: Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.