quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Vereda da Poesia = 78 =


Trova de Pouso Alegre/MG

CIOMARA FERNANDES CASCELLI

Um cumprimento, um sorriso,
“obrigado” logo após...
À paz só isso é preciso:
- um pouco de todos nós!
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Poema de São José dos Campos/SP

MYRTHES MAZZA MASIERO

Em fogo brando

Enquanto escolhos os feijões,
sem querer faço alusões;
um grão..., dois...
e enfim,
não sobra tempo pra mim!
Corro para lavar o arroz,
deixo a mágoa pra depois.
Enquanto lavo as verduras,
me frito em conjeturas...
Enquanto escorro os legumes,
vou ruminando os queixumes.
Enquanto tempero a carne,
sinto ligar meu alarme...
Enquanto destrincho o frango,
fervo a raiva em fogo brando.
Enquanto aqueço a gordura,
unto as minhas queimaduras.
Enquanto o fogo se mantém,
Santo Deus! Sou uma refém...
Enquanto misturo os molhos,
cascas de sonhos, recolho.
Enquanto a salada esfria,
asso a vida em banho-maria.
Na hora de pôr a mesa
é que refogo a tristeza.
Mas quando sirvo o cozido...
Ah! Nem tudo está perdido!...
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Trova Paulista

CAMPOS SALES
Lucélia/SP, 1940 – 2017, São Paulo/SP

A mágoa que a um pai consome,
e do olhar rouba-lhe o brilho,
é ver a cara da fome
na cara do próprio filho!
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Soneto de São José dos Campos/SP

AMILTON MACIEL MONTEIRO

Artesão

Quisera ser poeta... Sou apenas
um humilde artesão da poesia,
que lida com palavra, a duras penas,
para louvar o amor com alegria.

Trabalho quando as noites são amenas
e tenho a alma cheia de estesia;
tal qual oleiro que produz dezenas
de vasos até ver o que queria...

O artífice de si só dá o melhor,
na busca de alegrar seu bem maior,
que é uma das razões de seu viver.

Se não tem perfeição de um bom poeta,
coloca o coração no que arquiteta...
Por seu amor..., não importa se morrer!
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Trova Premiada  no Rio de Janeiro/RJ, 2006

LUIZ POETA
Luiz Gilberto De Barros 
(Rio de Janeiro/RJ)

De tanto voar sozinho
No rumo de alguma flor,
Meu coração passarinho
Fez ninho no teu amor.
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Poema de Vila Velha/ES

APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA

Regresso

Que fazes aqui?!
Mandaram-te embora
                         E somente agora
                    vens procurar
                          o teu ninho antigo
                            para te abrigar?!...

Pobre coitada!...
Por que fostes assim desprezada?...
...tamanha maldade fizeram contigo...

Mas, se vens para ficar
Com este primeiro
E verdadeiro
amigo,

Podes entrar... venha, SAUDADE,
Fique comigo!...
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Trova Popular

Das lágrimas faço contas
com que rezo às escuras;     
oh! morte que tanto tardas!        
oh! vida que tanto duras!    
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Soneto da Alemanha 

WALTER BENJAMIM 
(Walter Benedix Schönflies Benjamin)
Berlim/Alemanha (1892 - 1940) Portbou/Espanha

A Mão que a Seu Amigo Hesita em Dar-se 

Perguntaste se eu amo o meu amigo?
como rompendo um demorado açude
na tua voz quis hausto que transmude
todo o cristal dos ímpetos consigo

Neste meu choro enevoado abrigo
pôs-me a palavra o peito em alaúde
que uma doce pergunta tua ajude
no sim furtivo que eu levei comigo

Mas a meu lábio lento em confessar-se
um mestre inda melhor o cunharia
A mão que a seu amigo hesita em dar-se

ele a tomou o que mais firme a guia
para que ao coração secreto amando
ao mundo todo em rimas o vá dando.

(Tradução de Vasco Graça Moura)
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Trova Humorística de Portugal

ANTONIO ALEIXO
(António Fernandes Aleixo)
Vila Real de Santo António (1899 — 1949) Loulé

Uma mosca sem valor
pousa com a mesma alegria,
na cabeça de um doutor
como em qualquer porcaria.
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Poema de Ribeirão Preto/SP

RITA MARCIANO MOURÃO

Fonte de inspiração

O dia amanhecia flamejante.
Dentro de mim também flamejava, amanhecia.
No carro de boi, Sô Quincas Carreiro carreava
nossas tralhas e alegrias.
íamos para vila assistir aos rituais da Semana Santa.
Meu pai, minha mãe e eu,
todos no carro que seguia rangente estrada afora.
Cantávamos hinos de louvor.
O carro também cantava um monólogo triste
que invadia os grotões do sertão das Minas Gerais.
Dentro dele eu, meio santa, meio profana,
sonhava encontrar meu seguidor entre os seguidores de Cristo.
Quanto sonho, quanta esperança no coração daquela
criança verde!
O tempo passou e cumpriu sua meta, à revelia.
O asfalto engoliu a terra, a estrada ficou cinzenta
e meus sonhos mudaram de cor.
Só o carro de boi varou meus sentimentos,
atravessou fronteiras
e até hoje me fala de POESIA!
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Não houve pancadaria
nem sufoco na paquera...
“Sou homem”, disse a Maria.
Ainda bem que o Zé... não era!
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Soneto de Sorocaba/SP

DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Folhas Esparsas

Quando a tarde, ao cair, toda dourada,
lenta transmuda em gradações cambiantes,
sinto minh’ alma sensibilizada,
afinar-se ao sabor dos tons mutantes.

E os versos que componho em tais instantes
assumem cor ardente ou desmaiada:
vivos do leve Alegro aos sons vibrantes,
tristes, do grave Adágio à dor velada.

São notas desprendidas da Sonata,
dispondo um clima de jovial Cantata,
ou da Pavana o sufocado grito.

São folhas soltas, pelo vento esparsas…
Verdes ou murchas, voam como garças,
deixam meus sonhos no azul do infinito.
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Trova de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DE CARLI

Deves repartir teu pão
com quem pede, no momento,
pois, às vezes, a inversão
ocorre ao sabor do vento...
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Spina de São Paulo/SP

SOLANGE COLOMBARA

Reencontro

Exalas cada manhã 
tuas cores, pairando 
nas esquinas frias 

ilusões, ou serão velhas poesias?
Um badalar do sino, timidamente, 
anuncia em vozerios, tuas magias
ou será um poeta (re)descobrindo 
este renascimento todos os dias?
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Trova de Campinas/SP

ARTHUR THOMAZ

Tua voz a sussurrar,
quando estamos nos amando,
parece a brisa do mar,
mansas ondas encrespando...
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Soneto de Portugal

LUIS VAZ DE CAMÕES
Coimbra (1524 – 1580) Lisboa

XIX

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
            
Se lá no assento Etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma coisa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
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Trova Premiada em Juiz de Fora/MG, 1988

ANA MARIA MOTTA 
(Nova Friburgo - RJ)

Quando a vida nos golpeia
e o trauma nos acompanha,
qualquer montinho de areia
ganha forma de montanha!
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Poema dos Estados Unidos

ROBERT FROST
(Robert Lee Frost)
São Francisco (1874 – 1963) Boston

A Família da Rosa

 A rosa é uma rosa
E sempre foi rosa.
Mas hoje se usa
Crer que a pera é rosa
E a maçã vistosa
E a ameixa, uma rosa.
Pergunta a amorosa
Que mais será rosa.
Você, claro, é rosa –
Mas sempre foi rosa.

(Tradução: Renato Suttana)
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Cuidado, amigo, atenção... 
não beba o primeiro trago. 
– Quando se escuta o trovão, 
o raio já fez o estrago!
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Indriso de Villanueva e La Geltrú/Espanha

ISIDRO ITURAT

O Ladrão de Lençóis

Um raio de lua que é pássaro e homem
através do xadrez do vitrô entra,
e de halo, então, passa a corpo denso.

É chamado pelo dormir das que não sabem
de seus sonhos e, assim, os lençóis
rouba. E quiçá deixe como se um orvalho

que fica no corpo ou como um sabor

de lua nos lábios ou um sonhar que esteve.
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Trova Humorística da Princesa dos Trovadores

CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Deu a tantos seu carinho
que no enlace, em confusão,
deu o sim para o padrinho
e o beijo no sacristão!
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Hino de São Mateus do Sul/PR

Fulgurante no vigor da mocidade
São Mateus, bela cidade, meu torrão,
Eu te adoro como adoro a liberdade
E a ti levanto um altar no coração
Terra sublime, por Deus amada,
Tu és a fada do meu sonhar.
Neste regime de ardor e zelo
Ao bom e belo te quero amar.

ESTRIBILHO
Rainha bela do Iguaçu tão majestosa
Neste alvor esperanço e juvenil
Na tua vida já lutaste vitoriosa
Com amor pela grandeza do Brasil.
Terra sagrada, São-Mateuense
Que luta e vence com rigidez
Nesta alvorada de grandes feitos
Batem os peitos com altivez.

Da colina que entronizas dignamente
Ao longe vedes tuas matas de valor,
E ao beijar num longo beijo reverente
Teus alvos pés, o Iguaçu com tanto amor,
Bela cidade dos bons ervais
Que tem jamais tristeza e dor.
Na mocidade robusta e forte
Confieis a sorte do teu valor.
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Trova de Porto Alegre/RS

FLÁVIO ROBERTO STEFANI

Na pescaria, de fato,
notei teu jeito “chinfrim”,
mas o olhar era de gato:
um no peixe e outro em mim...
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Soneto de de Porto Alegre/RS

IALMAR PIO SCHNEIDER

Mágoas e queixas

Fazer versos é fácil - dir-me-eis -
se lerdes minhas páginas singelas
e simplesmente reparardes nelas
mágoas que nem de longe conheceis....

Se assim pensardes, nunca entendereis
da própria alma as fatídicas procelas
surgindo à noite, não em tardes belas,
e sois felizes porque não sofreis...

Se, no entanto, sentirdes a tristeza
transparecendo aqui nas entrelinhas
destes versos, que os leva a correnteza

a transbordar em zonas ribeirinhas,
é possível que tendes, com certeza,
queixas amargas iguais às minhas !
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Trova de Irati/PR

MAFALDA DE SOTTI LOPES

Toda semente que eu planto
nos sulcos da minha dor,
germina regada em pranto,
mas, desabrocha em amor!
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

Os lobos e as ovelhas

Os lobos e as ovelhas, que tiveram
Uma guerra entre si, tréguas fizeram:
Os lobos em reféns lhes entregavam
Os filhos; as ovelhas os cães davam.
Os lobinhos, de noite, pela falta
Dos pais, uivavam todos em voz alta:
Acudiram-lhes eles acusando
As ovelhas de um ânimo execrando;
Pois contra o que é razão e o que é direito,
Algum mal a seus filhos tinham feito:
Faltavam lá os cães que as defendessem,
Deu isto ocasião a que morressem.

Haja paz, cessem guerras tão choradas;
Mas fiquem sempre as armas e os soldados,
Que inimigos que são atraiçoados,
Tomaram ver potências desarmadas.
Não durmam, nem descansem confiadas
Em ajustes talvez mal ajustados:
Nem creiam na firmeza dos tratados,
Que os tratados às vezes são tratadas.
Só as armas os fazem valiosos;
E ter muitos, soldados ali juntos
Respeitáveis a reis insidiosos;
Senão, para os quebrar há mil assuntos;
E mais tratados velhos, carunchosos,
Firmados na palavra dos defuntos.
(tradução: Couto Guerreiro)

Rommel Werneck (Lançamento do livro “Invocando Dragões”, em 24 de agosto)


Sábado – 24 de agosto – 17h

Auditório Heleny Guariba, no Teatro Municipal Maestro Flávio Florence

Praça IV Centenário, s/n – Centro – Santo André/SP

Comentários do autor sobre o livro: 

Em Invocando Dragões exploro temáticas eróticas, sacras, históricas, mitológicas e góticas em doze sonetos na mesma métrica: o dodecassílabo no ritmo tetrâmetro anapéstico. No sistema quantitativo de versificação anapesto consiste na sucessão de duas sílabas breves (fracas) e uma longa (forte), tetrâmetro significa 4 metros de anapestos, o que resulta em ictos nas 3ª, 6ª, 9ª e 12ª sílabas. O anapesto reforça o caráter musical, marcial e místico do conteúdo dos versos. 

O primeiro soneto neste sistema foi Idiota (2018), mas achei melhor não incluí-lo no livro por dois motivos. Primeiramente quis enfatizar os trabalhos de minha retomada literária a partir de dezembro de 2021, sendo assim o primeiro soneto da nova fase foi Oferta a Tlaloc. Além do mais, pensei na simetria do número doze, são doze sonetos no mesmo ritmo de 12 e todos foram escritos em 2022. Em um determinado momento, decidi que faria doze sonetos deste modo para fazer um e-book, mas um poeta de São Caetano do Sul, ao ver o projeto de e-book, mencionou que ele deveria ser um livro impresso justamente por conta da estética, afinal o livro não está na ortografia vigente e há fotos dos rascunhos de alguns sonetos. 

A maioria são inéditos. Quatro sonetos vieram a público pela primeira vez na II E-Antologia de Poesia Retrô (Eles, Ao Calor de Caronte, Eterna Escuridão, De Maria nunquam satis). Na verdade Eles foi lido pela primeira vez no sarau do Sebo Clepsidra enquanto Eterna Escuridão integrou posteriormente a XIII Coletânea Século XXI  - Homenagem a Carolina Ramos (2022). A Sonda veio a público na Antologia PulpVersos Ficção Científica. 

As pessoas já podem comprar o livro nos eventos presenciais comigo ou no site da Uiclap. Será lançado oficialmente no Teatro Municipal de Santo André/SP em 29 de agosto de 2024 onde as pessoas poderão comprar o livro com minha equipe. Será um evento com ambiente instagramável, sorteio, palestra e declamação de poesias.

Alguns textos (mantida a grafia original):

ETERNA ESCURIDÃO

“O Sol como se um leito procurasse, 
Reduz o ardor da audácia matutina” 
Carolina Ramos

Imperando brilhante o solar em alturas,
Na abstinencia excellente e brumal de nebula,
Em cyano o feliz firmamento accumula
No matiz de piscina as turquezas escuras…

Em crateras de prata o luar congratula,
Os humanos com véo de noitadas futuras…
Em Apollo, Diana as penumbras impuras
Totalmente o recobre e lethal ejacula…

Mas, a graça do Sol, totalmente de preto,
Finaliza em questão de certeiro minuto,
Retornando a manhan em crystal de amuleto…

Ao contrário do eclipse instantaneo e enxuto,
No trajeto que tenho ao luar, em duetto,
Seguirei no negrume infinito do lucto!
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OFERTA A TLALOC

Em chromias de gris os degraus em escala
A pyramide, o céo, as neblinas, o pote... 
E, diante do deus, o senhor sacerdote, 
E a creança em panglor, piamente vassalla... 

Contemplavam o infante offertado por dote, 
Os longínquos christãos escondidos na valla…
A carniça o xamã retirava na salla 
Do fatal peitoral do rapaz num serrote. 

Pluviais gratidões appagaram as tochas, 
Trovejou o silêncio, esqueletico exausto, 
Um encanto assustou os aztecas e as rochas:

Colossal o sofrer em sanguissima lava 
Que depois do serviço, apesar do holocausto,
Arrancado, o feroz coração palpitava!

Fonte: enviado pelo poeta

O poeta em preto em preto e branco (Entrevista com Rommel Werneck)


Entrevista concedida pelo poeta Rommel Werneck (nome artístico: Febo), exclusivamente para o Blog Singrando Horizontes.

1– Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu, onde cresceu, o que estudou.

Nasci em São Caetano do Sul e morei em Santo André, no bairro Sacadura Cabral até dezembro de 2003 quando fixamos residência em São Paulo, no Ipiranga. Em 2006 ingressei no curso técnico de Desenhista de Moda e Vestuário da ETEC José Rocha Mendes e em 2009 concluí o curso de Letras na UniPaulistana. Em julho de 2014 ingressei no magistério andreense, por tal razão, em setembro de 2015 voltei a fixar residência em Santo André, mas na região central. Nos anos seguintes me dediquei a cursos de especialização e segundas licenciaturas. Houve um longo tempo consagrado ao Picnic Vitoriano São Paulo, clube de Recriação Histórica, o qual fundei e presidi até a pandemia além de um breve período estudando ciências e movimentos políticos...

2– Como era a formação de uma jovem naquele tempo? E a disciplina, como era?

Os principais educadores de hoje chamam pejorativamente de “conteudismo”, havia nos 2000s um imenso foco em banco de conteúdos diversos. De certa forma, eu entendo a crítica da pedagogia atual, exigia-se que dominássemos tanto a tabela periódica como as If Clauses. Mas o canonismo favoreceu bastante minha formação cultural.   

3– Recebeu estímulo na casa da sua infância?

Meu pai trabalhou muito o que chamamos hoje de multiletramento. Ele conversava comigo sobre Astronomia, Matemática, Cinematografia, Música, Guerras (daí o meu nome...), contos de fadas (a família é de origem alemã) etc Mas o estímulo à escrita, dependendo de como considerarmos o estímulo, não era tão efetivo. Mas, certamente, a amplitude de temas aos quais fui condicionado favoreceu uma observação maior do mundo. 

4– Fale um pouco sobre a sua trajetória literária. Como começou a sua vida de literato?

Por volta dos 7 anos escrevi umas pequenas histórias de animais, princesas, florestas... Aí escrevi uns romances curtos, mas o jurista Dirceu de Mello, irmão de meu padrasto, classificou-os como roteiros de pequenas novelas... ah se houvesse tiktok naquela época... mas eram roteiros defeituosos, nem tanto novela, nem tanto romance.

Creio que oficialmente começou em 2003 quando expus alguns poemas no Instituto Pão de Açúcar de Desenvolvimento Humano quando este tinha um prédio em São Caetano do Sul, no mesmo ano, venci um prêmio escolar na Prefeitura de São Caetano do Sul. Em 2004 venci outro prêmio, mas em categoria adulto nacional. 

5– Como foi dar esse salto de leitor para poeta?

Eu lia poesia, mas eram poucas e a escola nos apresentava muito conteúdo modernista. Foi na 7ª série que a professora Iraci nos apresentou Camões e Vinícius, na 8ª série assisti a uma oficina no Instituto que acabei de mencionar e escrevi um poema. Fraco, admito, mas o material do Ensino Médio chegou ainda em 2002 (não havia 9º ano naquele tempo) e eu conheci a literatura histórica, o que me cativou muito. Descobrir versos com ritmo regular mudou a minha vida. 

6– Teve a influência de alguém, para começar a escrever?

Não sei responder. Penso que tive professores que me influenciaram.

7– Tem Home Page própria? ( não são consideradas outras que simplesmente tenham trabalhos seus)


8– Você possui livros? Se sim, em que você se inspirou em seus livros? Cite alguns deles.

Existem os e-books do Blog Poesia Retrô e outras antologias, há tudo detalhado em meu site. Mas livro solo há o e-livro Cheiro de Chuva (2023, indrisos, prefácio de Isidro Iturat) e agora existe o Invocando Dragões (2024)

9– Como definiria seu estilo literário?

Os críticos chamam de “poesia cosplay”, inclusive não considero uma ofensa, mas entendo que tentaram humilhar, igual ao apelido Rommel Verde Leque nos tempos do Orkut. Eu considero um estilo mais revivalista, embora eu tenha algo na poesia marginal, pouco admito. 

10– Dentre os livros escritos por você, qual lhe chamou mais atenção? E por quê?

Tenho apenas dois livros solo: Cheiro de Chuva e Invocando Dragões, mas como 4 sonetos de ID estão na II E-Antologia de Poesia Retrô, reafirmo que o segundo e-book do blog foi o mais glorioso. 

11– Você pertence a um gênero poético, a poesia retrô. O que vem a ser? Existem regras? Fale sobre ele.

Talvez o termo mais adequado seja Poesia Erudita, apesar de haver muito de cultura e poesia popular nos estudos métricos. O blog foi fundado por mim em 2009 para que houvesse divulgação de um estilo mais tradicional de poesia. Valorizamos os versos isométricos, heterométricos e polimétricos e as formas fixas tradicionais e modernas.  Não recusamos o verso livre, mas o versilibrismo.  Temos preferência por temáticas tradicionais como a mitologia, o amor, o sofrimento, referências históricas. Mas é possível escrever temáticas contemporâneas em forma tradicional. 

12– O que é importante para alguém escrever poesia retrô?

Conhecer os tratados de versificação, poemática, teoria literária, escansão e ler autores que podem servir de exemplos ou fornecer epígrafe. Convém não agir com rigorismo, o rubricismo puritano (criar regras sem embasamento na Versificação) porque a ciência versificativa foi construída por visões diferentes e até opostas entre si por séculos. Em suma, cada escola literária teve suas referências, ideologias, contextos, visão gramatical e fonética da língua.

13– Você participa de algum grupo de trovadores. Se sim, o que te levou a participar dele? O que te motiva a escrever uma trova?

Associado da UBT São Paulo, a periodicidade e estabilidade das reuniões me motivaram muito. Recentemente obtive duas premiações nos Jogos Florais de Congonhas sendo uma delas o primeiro lugar. 

14– Que acha dos seus versos: O que representam para si? E para os seus leitores?

Estou certo de que representam a expressão de um homem que parece ter dívidas com o Passado e apresenta um trabalho não muito comum. Quem adquirir Invocando Dragões encontrará um livro de doze sonetos em tetrâmetro anapéstico em um sistema de ortografia que não está vigente. Logo, terá um livro completamente diferente na estante. 

15– Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um “clic” e a musa/ou muso pinta de lá de dentro? Para se inspirar literariamente, precisa de algum ambiente especial?

Músicas costumam me ajudar bastante, principalmente as que possuem um instrumental diferente, a questão de experimentar formas e rimas novas, sentimentos e episódios que nem tanto se fala hoje.

16– Você projeta os seus versos? Ou seja, você projeta a ação, você projeta o esquema antes? Como é que você concebe os textos?

Geralmente escrevo os últimos versos primeiro, já que o veneno do escorpião está na chave de ouro. 

17– Você acredita que para ser poeta ou trovador basta exercitar a escrita ou é um dom? Ou ambos?

Repetirei o que disse a uma entrevista há mais de dez anos, acredito no processo de 99% de transpiração sobre 1% de inspiração. 

18– No processo de formação do escritor é preciso que ele leia porcaria?

Tive uma colega do Ensino Médio muito inteligente que assegurava ser importante ler cultura inútil.  

19– Mas existe uma constelação de escritores que nos é desconhecida. Para nós, a quem chega apenas o que a mídia divulga, que autores são importantes descobrir?

Os autores que se aventuraram pelas formas fixas. Por exemplo, Edmund Spenser, o criador do soneto spenseriano;  Lady Mary Wroth, a primeira pessoa que escreveu uma coroa de sonetos na língua inglesa; Francisca Júlia, maior poetisa brasileira da Belle Époque; Alexei Bueno, sonetista contemporâneo...

20– Na sua opinião, que livro ou livros da literatura portuguesa deveriam ser leitura obrigatória?

Fiquei feliz em saber que num edital de Mestrado o livro Rimas Várias de Soror Violante do Céu foi solicitado. Mas não sei se tenho autoridade para fazer tais indicações, mas indicaria o tratado de Castilho como obra primária a ser obrigatória para estudantes de Letras e escritores. 

21– O que mais lê hoje?

Tratadística, poesia bilíngue e poetas clássicos que não são canônicos. 

22– Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?

Vários contos e romances. O segundo livro de poesias (que contém sonetos, trovas, sextinas, plêiades e bastante material de épocas mais antigas) já está no forno. 

23– Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever?

Que começasse a ler vários gêneros de poemas e verificasse qual gostaria de reproduzir. As pessoas não gostam de rótulos, mas deveriam gostar de nomear os estilos e categorias. 

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “21”

 

Geraldo Pereira (A Normalista Linda)

Sou do tempo do gasômetro e do bonde elétrico, do telefone cônico no ouvido e do largo bocal voltado às palavras de um interlocutor qualquer, que aos gritos deixava a sua mensagem, sem as sofisticações do hoje. Das ligações para Boa Viagem intermediadas pela telefonista, atenciosa sempre, do Serviço de Informações Gerais - o SIG -, cujo número gravei na memória (3011) e para o qual ligávamos todos, à cata dos melhores filmes e das localizações urbanas das ruas e das avenidas, dos becos e das vielas ou à procura de uma conversa fiada com a moça da empresa. E a resposta vinha antecedida por um comercial, chamado de reclame ao tempo: "Num presente exclusivo das Pílulas de Vida do Doutor Rossi, o cinema São Luiz exibe nesta tarde o desenho animado de Walter Disney: Peter Pan!". Mas, alertava a minha mãe, se alguém ligasse e fizesse uma pergunta - "Rins doentes?" -, não esquecesse de responder: "Tome Urudonal e viva contente!". Havia prêmios, dizia ela, para quem acertasse! Nunca ouvi a indagação e muito menos conheci as benesses resultantes!

E sou do tempo em que o sabonete Phebo oferecia uma casa a quem fizesse uso do produto, trazendo escondida, nessas intimidades saponáceas, uma chave. Todos cuidavam em passar no corpo, mais e mais, aquele escorregadio pretume, para encontrar a salvação da família inteira.

Nunca soube, também, de penitente aquinhoado, brindado com essa riqueza, a da casa própria. Vez ou outra, todavia, a marca Lever vinha à tona, o sabonete das estrelas, para que se pudesse cumprir o desiderato do devaneio, fantasiando-se no imaginário pueril Brigitte Bardot tomando um delicioso banho na Riviera francesa. Quem colecionasse tampinhas de Coca-Cola podia ganhar um carro da marca Skoda ou geladeiras em quantidade. Uma dessas, entretanto, tornou-se de tal forma difícil, que virou apelido de quem se julgava importante: G15. Até as marcas de sorvete agradavam ao consumidor, expondo nos palitos o direito de mais
um picolé, O Daqui, por exemplo, com o gostoso Tatá ou com o Saía-eBlusa.

Na soverteria Xaxá nos começos da rua Bispo Cardoso Ayres, a rapaziada do Nóbrega fazia ponto, para assistir o desfile das moças do Colégio Eucarístico, de branco e encarnado, escuro e carregado ou para saborear o maracujá e o cajá virados em gelo de bom paladar. Lá pras bandas da rua do Príncipe, esquina com a Afonso Pena, partiam as meninas do Colégio Arquidiocesano de volta ao lar paterno, primeiro e derradeiro abrigo, na voz do poeta! “Vestida de azul e branco/Trazendo um sorriso franco...”, como está no cancioneiro. Mas a normalista linda/Não pode casar ainda/Só depois que se formar/...”. 

Gente bonita e  faceira, de pele estirada, no viço da idade, de formas protundentes em geral, tagarelando conversa! Saias rodadas, mesmo que plissadas ao rigor do ferro quente, dando graça ao requebrado das ancas, engrandecendo movimentos de lateralidade explícita! Muitos amores nasceram assim, de um flerte qualquer no meio da rua ou no passeio ou no andar plácido e tranquilo do tempo, no nada das coisas ou no nada da vida.

O conquistador desvairado, entretanto, acomodado em seu Mustang cor do sangue, tirou de tantos o gosto da sedução, rodando a chave do carro no indicador da direita, nas alamedas do parque ou nas festas das igrejas. Aniquilou desejos que se encorparam pras bandas do novo edifício, do Vitória Régia, então, tomando de assalto a musa daquele prédio, Cida por cognome! Encantou a gregos e a troianos, mas nunca desencantou vontades!

Fonte> Geraldo Pereira. Fragmentos do meu tempo. Recife/PE. Disponível no Portal de Domínio Público