sábado, 14 de setembro de 2024

Recordando Velhas Canções (A Camisola do Dia)


(samba-canção, 1953)

Compositores:  Herivelto Martins e David Nasser 

Amor,       
eu me lembro ainda
Que era linda, muito linda
Um céu azul de organdi

A camisola do dia
Tão transparente e macia
Que eu dei de presente a ti
Tinha rendas de Sevilha
A pequena maravilha
Que o teu corpinho abrigava
E eu, eu era o dono de tudo
Do divino conteúdo
Que a camisola ocultava

A camisola que um dia
Guardou a minha alegria
Desbotou, perdeu a cor
Abandonada no leito
Que nunca mais foi desfeito
Pelas vigílias de amor

A Camisola do Dia: Memórias de um Amor Passado
A música 'A Camisola do Dia', é uma nostálgica e poética reflexão sobre um amor passado. A letra descreve com detalhes a lembrança de uma camisola que simboliza momentos de intimidade e felicidade compartilhados com a amada. A camisola, com suas rendas de Sevilha e tecido macio, é uma metáfora para a beleza e a delicadeza do relacionamento que o eu lírico vivenciou.

Utiliza a camisola como um símbolo de um tempo que não volta mais. A peça de roupa, que antes abrigava o 'divino conteúdo' do corpo da amada, agora está desbotada e abandonada, representando a perda e a passagem do tempo. A música evoca um sentimento de saudade e melancolia, ao mesmo tempo em que celebra a beleza das memórias de um amor que foi intenso e verdadeiro.

A letra também aborda a ideia de que o amor, assim como a camisola, pode perder seu brilho e cor com o tempo. A cama, que nunca mais foi desfeita pelas vigílias de amor, simboliza a ausência e o vazio deixados pelo fim do relacionamento. A música é uma homenagem àqueles momentos preciosos que, embora tenham se desvanecido, continuam a viver na memória do eu lírico. Na interpretação de Nelson Gonçalves, consegue transmitir a profundidade e a complexidade das emoções envolvidas, fazendo com que o ouvinte se conecte com a dor e a beleza da lembrança de um amor perdido.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 57: Presa e predador

 

Trovador Homenageado do Dia: Fabiano Wanderley (Trovas em preto e branco)


1
Ao ver, a morte estampada,
na face de uma criança,
vê-se, ali, riste, ceifada,
para sempre, uma esperança,
2
Como que por acalanto,
descerra a noite, o seu véu.
Cobre a terra com seu manto,
expondo estrelas no céu! 
3
Confirmando as suas lendas,
por capricho, o velho mar,
cobre as areias de rendas,
quando a praia vem beijar…
4
Desista, irmão, dessa guerra,
abrace a paz benfazeja,
pois a vida, enfim, se encerra,
onde o combate, sobeja.
5
Em noite de lua cheia,
envolto a tanto esplendor,
um poeta galhardeia,
versando trovas de amor.
6
Nada detém tanto encanto,
nem tanta essência de amor,
qual o feito sacrossanto,
do desabrochar da flor!
7
No grande palco da vida,
desse enredo tão atroz,
em cada cena exibida,
há sempre um pouco de nós.
8
No voo, a linda graúna,
com graça e simplicidade,
entoa, por sobre a duna,
seu canto de liberdade.
9
Pelos caminhos da lida,
quantos castelos ergui...
- E esses sonhos, pela vida,
com trabalho, os consegui!
10
Por ser um real tormento,
indefinível ao pintor
e um sublime sentimento:
– A saudade não tem cor!
11
Quando no espelho me exponho,
a velhice me valida,
com marcas de um lindo sonho
e gratidão pela vida…
12
Saudade é dor que se sente,
por quem, por qual, ou razão.
Um vazio que há na gente:
— Mistério de um coração!...

As Trovas de Fabiano Wanderley em Preto & Branco
por José Feldman

SIGNIFICADO DAS TROVAS; TEMÁTICA E RELAÇÃO COM LITERATOS DE DIVERSAS ÉPOCAS

As trovas de Fabiano Wanderley expressam uma profunda sensibilidade e uma riqueza de temas que vão da vida e da morte, passando pelo amor, saudade e a beleza da natureza.

1. Morte e Esperança
"Ao ver, a morte estampada, 
na face de uma criança..."
A imagem da morte na face de uma criança evoca uma perda trágica e precoce. A esperança, representada na inocência infantil, é ceifada, gerando um profundo sentimento de desolação. Este contraste entre a vida e a morte estabelece um tema de fragilidade da existência.

Álvares de Azevedo aborda a morte com um tom melancólico em poemas como "Noite de Luar". Adélia Prado explora a fragilidade da vida e a dor da perda, refletindo sobre a esperança perdida.

2. Beleza da Noite
"Como que por acalanto, 
descerra a noite, o seu véu."
A noite é personificada como um ser que acalma e cobre a terra. O véu da noite revela as estrelas, sugerindo que mesmo na escuridão há beleza e serenidade. Essa metáfora reflete como a escuridão pode ser reconfortante e cheia de maravilhas.

Olavo Bilac celebra a beleza noturna em poemas como "O Caçador de Esmeraldas". Cecília Meireles utiliza a noite como metáfora para introspecção e mistério.

3. Mar e Lendas
"Confirmando as suas lendas, 
por capricho, o velho mar..."
O mar é descrito como um ente caprichoso que, ao cobrir as areias, traz à tona as lendas que o cercam. Isso sugere a conexão entre natureza e cultura, e como os elementos naturais inspiram histórias e mitos que enriquecem a tradição.

Gregório de Matos fala sobre o mar e suas lendas em sua obra, refletindo a natureza e o misticismo. Em “Marília de Dirceu”, de Tomás Antonio Gonzaga é um marco da poesia romântica do século XVIII no Brasil. O amor idealizado entre o eu lírico e Marília, uma figura que simboliza a beleza e a pureza, utiliza o mar como símbolo de amor e saudade, ligando natureza e emoção.

4. Paz vs. Guerra
"Desista, irmão, dessa guerra, 
abrace a paz benfazeja..."
Aqui, há um forte apelo à paz. A guerra é vista como um combate que não traz benefícios, enquanto a vida é efêmera. Esta trova reflete um desejo universal por harmonia e compreensão, ressaltando a futilidade da violência.

Vinícius de Moraes em "Soneto da Separação" reflete sobre a dor da guerra emocional e a busca pela paz interior. Eucanaã Ferraz aborda a luta pela paz em um mundo conturbado, destacando a importância da harmonia.

5. Amor e Poesia
"Em noite de lua cheia, 
envolto a tanto esplendor..."
A lua cheia simboliza romance e inspiração. O poeta, em um momento de beleza, expressa suas emoções através das trovas de amor, sugerindo que a arte é uma forma de manifestar sentimentos profundos e eternos.

Camões em "Os Lusíadas" e seus sonetos líricos transmitem a força do amor e da inspiração poética. Hilda Hilst explora o amor sob diversas facetas, incorporando a paixão e a sensibilidade em sua obra.

6. A Flor como Símbolo
"Nada detém tanto encanto, 
nem tanta essência de amor..."
A flor é um símbolo da pureza e do amor. O "feito sacrossanto" do seu desabrochar representa a beleza da vida e a fragilidade dos sentimentos humanos, reforçando a ideia de que o amor é uma experiência sublime.

Cassiano Ricardo usa a flor como símbolo de beleza e efemeridade em sua poesia. Marina Colasanti também utiliza a flor para simbolizar a fragilidade e a beleza da vida.

7. A Vida como Palco
"No grande palco da vida,
desse enredo tão atroz..."
A metáfora do palco sugere que a vida é uma performance, onde cada um desempenha um papel. As experiências, boas e más, são partes de um enredo maior. Isso invita à reflexão sobre nossa individualidade e a interconexão entre as histórias humanas.

Shakespeare em suas peças explora a vida como uma performance, refletindo sobre os papéis que cada um desempenha. Adélia Prado trata da vida cotidiana como um palco onde emoções e experiências são vividas intensamente.

8. Liberdade e Natureza
"No voo, a linda graúna, 
com graça e simplicidade..."
A graúna é um símbolo de liberdade e beleza. Seu canto sobre a duna sugere uma celebração da simplicidade e da natureza, lembrando que a verdadeira liberdade está em viver de forma autêntica e em harmonia com o mundo ao nosso redor.

Guilherme de Almeida celebra a natureza e a liberdade em seus poemas. Carlos Drummond de Andrade frequentemente incorpora a natureza para discutir a liberdade e a condição humana.

9. Sonhos e Trabalho
"Pelos caminhos da lida, 
quantos castelos ergui..."
Aqui, o trovador reflete sobre a construção de sonhos através do trabalho duro. Os "castelos" simbolizam aspirações e realizações, enfatizando a importância do esforço e da perseverança na busca por objetivos na vida.

Machado de Assis em "Memórias Póstumas de Brás Cubas" reflete sobre o esforço e os sonhos na vida. Marçal Aquino aborda o tema da luta e dos sonhos em suas narrativas, enfatizando a perseverança.

10. Saudade
"Por ser um real tormento, 
indefinível ao pintor..."
A saudade é apresentada como um sentimento profundo e complexo, que não pode ser facilmente definido ou representado. Essa ideia ressalta a dor da perda e a nostalgia, que são experiências universais, porém únicas para cada indivíduo.

Fernando Pessoa, em sua obra, explora a saudade como um tema central, refletindo sobre a ausência e a nostalgia. Mário Quintana fala da saudade com leveza e profundidade, capturando a dor e a beleza desse sentimento.

11. Reflexão sobre a Velhice
"Quando no espelho me exponho, 
a velhice me valida..."
A velhice é vista como um processo de validação da vida, onde as marcas são testemunhos de experiências vividas. A gratidão pela vida sugere uma aceitação madura do tempo e das memórias que moldam a identidade.

Cecília Meireles discute a passagem do tempo e a sabedoria adquirida com a idade. Marina Colasanti reflete sobre a velhice e as memórias, reconhecendo a beleza do envelhecer.

12. Mistério do Coração
"Saudade é dor que se sente, 
por quem, por qual, ou razão."
A última trova explora a complexidade da saudade, identificando-a como um mistério do coração. O vazio que ela causa é uma expressão da conexão emocional que temos com os outros, destacando a profundidade dos laços humanos e o impacto da ausência.

Pablo Neruda explora o amor e a dor em seus poemas, refletindo sobre a complexidade dos sentimentos. Ana Cristina César aborda a intensidade emocional e os mistérios do coração em suas obras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As trovas de Fabiano Wanderley revelam um rico bordado de temas universais, tecendo reflexões profundas sobre a condição humana. Através de uma linguagem poética acessível, o autor aborda questões como a fragilidade da vida, a busca pela paz, a complexidade do amor e a inevitabilidade da saudade.

Cada trova, embora possa ser lida de forma isolada, ressoa com as demais, criando um diálogo interno que enriquece a compreensão do todo. A morte e a esperança, por exemplo, estabelecem um contraste que permeia a experiência humana, enquanto a beleza da noite e a liberdade da natureza evocam a necessidade de encontrar serenidade em meio ao caos.

A natureza desempenha um papel central nas trovas, funcionando tanto como cenário quanto como símbolo das emoções humanas. O mar, as flores e a noite não são apenas elementos estéticos, mas sim representações das complexidades da vida, refletindo a influência do romantismo na literatura brasileira. Essa conexão com a natureza também aponta para uma valorização do que é efêmero e belo, uma característica que liga o trovador a poetas clássicos e contemporâneos.

As trovas não apenas exploram sentimentos pessoais, mas também capturam a essência da experiência coletiva. A luta pela paz, a construção de sonhos e a aceitação da velhice são temas que ecoam a universalidade da condição humana. A saudade, em particular, aparece como um sentimento intrínseco à vivência de quem ama e perde, solidificando a ideia de que a dor e a beleza coexistem.

Enfim, as trovas de Fabiano Wanderley são um convite à reflexão sobre a vida em suas múltiplas facetas. Elas nos lembram da importância de valorizar os pequenos momentos, da beleza encontrada na dor e da interconexão entre todos nós. Nas trovas acima, dialoga com tradições tanto antigas quanto contemporâneas, explorando temas universais que ressoam ao longo do tempo. Cada uma de suas trovas reflete uma profunda sensibilidade, conectando-se a grandes poetas que discutiram a vida, a morte, o amor e a saudade.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Vereda da Poesia = 109


Trova de 
LUIZ DAMO
Caxias do Sul/ RS

Linhas de paz, na criança,
Deus quer por ela escrever.
são resenhas de esperança
que o mundo não sabe ler.
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Sextilha de
MILTON SEBASTIÃO SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS

Quando Deus apontar  novo começo,
colho o rumo, e sorrindo vou contente.
Só consigo provar merecimento
sendo bom, cordial com toda gente.
Faço isso, sentindo nos caminhos
que Deus sempre caminha em minha frente. 
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Trova de
LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI
Bandeirantes/PR

No adentrar de um labirinto,
nas intempéries da vida,
agilize o seu instinto:
- busque a porta de saída!
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Soneto de 
MANUEL BANDEIRA
Recife/PE (1886 – 1968) Rio de Janeiro/RJ

A minha irmã

    Depois que a dor, depois que a desventura
    Caiu sobre o meu peito angustiado,
    Sempre te vi, solícita, a meu lado,
    Cheia de amor e cheia de ternura.

    É que em teu coração inda perdura,
    Entre doces lembranças conservado,
    Aquele afeto simples e sagrado
    De nossa infância, ó meiga criatura.

    Por isso aqui minh' alma te abençoa:
    Tu foste a voz compadecida e boa
    Que no meu desalento me susteve.

    Por isso eu te amo, e, na miséria minha,
    Suplico aos céus que a mão de Deus te leve
    E te faça feliz, minha irmãzinha…
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Trova Premiada em Blumenau/ SC, 2016
CLÁUDIO DE CÁPUA 
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/ SP

Sem Cuidados, navegando
por águas mansas... amenas,
eu navego deslizando...
a viver horas serenas.
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Poema de
GIL SALOMON
Jaraguá do Sul/SC

Refúgio

Meu grito morreu na garganta
sufocado por esta cidade,
mas ainda trago a esperança
de me livrar dessa velocidade.

Não tenho tempo para mais nada,
o celular me acha em qualquer lugar,
então me escondo, as mãos no teclado
procurando alguém pra me plugar.

Eu agora grito por socorro,
Preciso urgente me refugiar,
Se continuar aqui eu morro
Sem da vida poder desfrutar.

Quero um refúgio,
venha comigo.
Quero um amigo
que não seja virtual.
Alguém com quem possa falar,
alguém com quem possa compor
uma bela canção de amor,
do verde amor das florestas,
do cristalino amor dos rios,
dos amor azul do céu
e do negro e quente amor da noite.
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Trova Popular

Priva-me de que eu te veja
isso, meu bem, pode ser;
mas privar-me de que te ame,
só Deus tem esse poder.
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Poema de 
EMANUEL MEDEIROS VIEIRA 
Salvador/BA

Astrolábio

A bússola e o astrolábio
velas ao vento.
Existe outro Bojador 
nestes mapas interiores.

Os navegadores estão no exílio:
há faróis neste degredo?
Findou a aventura no mundo.

Singrando-me, cumpro-me.
Além de mim, além da vida:
do pó que serei.
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Trova de
CORNÉLIO PIRES 
Tietê/SP, 1884 – 1958, São Paulo/SP

Matrimônio, companheiro,
exige muito cuidado;
pai Adão dormiu solteiro,
depois acordou casado.
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Poema de
ARACELY BRAZ
São Francisco do Sul/SC

Inspiração

Porque me foges, imperiosa amiga?
A procura me sufoca e tu, distante ainda.
Em qual recanto te escondeste assim?
Já são longos os caminhos percorridos
Nem o mar, nem sol ou sombra de um abrigo
Trazem esperança, a tua luz em mim.
Sei que és a clave, és os bemóis desta canção.
Peço da vida o que ela tem de bom;
Se lentamente chegares, qualquer dia,
Inundará de perfume meu jardim,
Renascerá o esplendor de um coração.
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Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

À pergunta: - Qual andar?
Responde o pinguço, a esmo:
- Onde quiser me levar;
já errei de prédio mesmo!
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Poema de
TERESINKA PEREIRA
Ohio/Estados Unidos

Explicações

Ninguém se arrepende
do que é.
O brincar com as ilusões 
de tempo e de sonhos
não conserta planos perdidos
nem explica a falta de garra
em um momentâneo céu.
Para isso existe a crueldade
E a covardia dos deuses
E daqueles que de joelhos
Morrem por um perdão.
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Trova de 
DELCY RODRIGUES CANALLES
Porto Alegre/RS

Alguém me disse: - Desista
de sonhar, de ter anseios!
É que eu vivo da conquista
dos meus próprios devaneios!
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Poema de
HARRY WIESE
Ibirama/SC

Poema para alguém ausente

A noite transcende o sono
e me aprisiona no calabouço
de mim mesmo.

Na escuridão absoluta,
sinto a tua imagem transcendente,
funesta.

Éramos desbravadores sentimentais
em tempos de fartura
e descobrimos a vida
amando o mundo.

Agora, a noite sufoca o sono
e no teto da velha casa vejo os monstros
que te sugaram o plasma
no labirinto traiçoeiro.

As sombras espessas da noite
vagam lentas
e eu preciso lembrar-me de você
antes de cair sonâmbulo
na madrugada estia.

Depois nada mais houve;
as horas lentas me empurraram
para a vida mais só.

A noite transcende o sono
e se vai sem rumo...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de
VICTOR BATISTA
Barreiro/Portugal

Um pescador de talento
é quem espera e confia,
tirar do mar o sustento
no nascer de cada dia.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto de
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR

Cota suficiente

Bendita a pérola pequena e inculta
que fartas vezes vislumbrar logrei
na concha humilde, a única que herdei
do mar imenso que agiganta e avulta.

Bendito o mínimo botão que a estulta
gente distante, nos jardins que andei,
calcou aos pés. Pois dele me apossei,
deixando a todos, livre, a rosa culta.

E vendo o mundo em ouro se encantar,
busquei nas coisas simples me abrigar,
sem ter cobiça a ventura imponente.

Fortuna tenho, imensa, a ostentar:
pois no alto vendo o astro-rei brilhar,
eu desejei a sombra. Simplesmente…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Premiada em Blumenau/ SC, 2016

MESSIAS DA ROCHA
Juiz de Fora/MG

É preciso ter cuidados,
com palavras que sugerem
segredos não revelados,
de lembranças que nos ferem.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de 
ERNA PIDNER 
Joinville/SC

Sou 

Sou
Uma estrela cadente
Brilho resplandecente
Caída do céu!
Sou 
A magia da noite
Esperando o açoite
De sensações ao léu!
Sou
Alquimia de almas
No aguardo de palmas;
Paixões ao luar...
Sou
O regaço de amantes
Frenesis ofegantes
Pedacinhos do amor...
Sou
Sempre fui e serei;
Ainda não terminei
Minha obra sem fim...
Sou
Solução de momento
Astro no firmamento
Fragmentos de mim…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Brilha sempre em nossa vida 
alguma luz: a do sol 
ou no mínimo a emitida 
por um mínimo farol.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Pantum de
MIFORI
(Maria Inez Fontes Rico)
São José dos Campos/SP

Uma visão

MOTE:
Esta atual geração
mostra certa negligência.
Apinhada em atuação
desafiando a ciência.

PANTUM:
Mostra certa negligência
em toda a sua postura,
desafiando a ciência,
a juventude imatura.

Em toda a sua postura,
leva um emblema no peito;
a juventude imatura
se veste de qualquer jeito.

Leva um emblema no peito,
atira-se nua ao mar,
se veste de qualquer jeito,
põe-se logo a navegar.

Atira-se nua ao mar,
com muita satisfação.
Põe-se logo a navegar,
esta atual geração.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova da Princesa dos Trovadores 
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

É possível que aconteça:
Seja folclore ou novela,
tanta gente sem cabeça...
por que não mula... sem ela?
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Hino de Arraias/TO

Arraias minha altaneira,
Idílio de amor em teu luar!
Nobre, feliz alvissareira,
Hei de rever-te, te abraçar.
És do Tocantins a jóia rara
Teu sol luzente no arrebol
Refulge em pedraria cara
O ouro fulvo do teu sol.

Arraias, és bela e sedutora,
Poema de gozo em solidão.
És simples, nobre, encantadora,
És grande de alma e coração!
Tua água, ó biquinha, benfazeja
Teu gosto é milagroso ao paladar.
Aquele que te prova só deseja
A Arraias, feliz, sempre voltar!

Arraias minha! Arraias bela!
Terra de afeto e dileção
Tu tens do jovem, da donzela,
Todo o encanto e sedução.
Sussurra a brisa bem fadada
Na mais doce vibração
Tu és uma terra encantada
De um povo hospitaleiro e irmão.

Arraias, ninguém te esquece
Tua graça, teu viço sem igual
Relembra a velha serra que parece
Um guardião a cuidar-te, paternal.
Tuas noites tão formosas celebradas
Em rodas, bacondês, ó, dias meus!
Nas noites arraianas encantadas
Nossa alma se recolhe e sobe a Deus.

Igrejinha do Rosário, ainda te vejo
Na lembrança, com saudade e ternura.
Pra mim há sempre o ensejo
De voltar à minha infância de candura.
Córrego Rico, em cujas águas tão lendárias
A lembrança do escravo se debruça,
Acalentando a velha rua solitária,
Onde a alma do passado ainda soluça.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de 
BRANDINA ROCHA LIMA
Recife/PE, 1916 – 1999, Moreno/PE

É penosa - e não me iludo!
- essa exaustiva jornada:
- ontem, em busca de TUDO...
- hoje, a caminho do NADA.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de 
CISSA DE OLIVEIRA
Campinas/SP

A agenda

no meu dia-a-dia
cada folha 
é um poema de amor 

É outono, eu sei,
contudo as músicas das folhas
dizem: primavera!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de
FRANCISCO JOSÉ PESSOA
Fortaleza/CE, 1949 - 2020

Tempo, palavra sem rima 
qual mãe, que rima não tem.. 
E eu sigo de baixo acima, 
rimando como ninguém! 
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

Os dois ratos, o raposo e o ovo

Dois ratos, indo buscar vida, acharam
Um ovo, que jantar daria farto
A gente dessa laia,
Que de acertar com um boi não necessita.
De apetite e folgança mais que cheios,
Cada um já se dispunha
A ter no ovo quinhão. Mas, eis que avistam
Um fuão, que se diz Mister Raposo.
Aziaga aventura!
Salvar o ovo era o ponto, enfardelá-lo,
Ir, com os dianteiros pés levando-o a pino,
Rodá-lo, ou já arrastá-lo,
Sobre arriscado, era África impossível.
Necessidade é astuta, é inventiva.
Mede a distância à toca,
Mede a distância ao sôfrego raposo, —
Obra de mais de légua. Eis que um se abraça
Com o ovo, e se põe de costas,
Tombos sofre, sofre ásperos caminhos,
Enquanto o outro o reboca pelo rabo.

Meditem neste conto,
E não venham clamar que é nulo o juízo
Nos animais; quando eu, se em mim coubesse,
Lhe o dera igual à infância.