domingo, 3 de julho de 2011

Zacarias Martins (Tocantins Poético)

Link
POLIVALENTE

Conserto quase tudo
mesmo que às vezes
possa provocar
alguns estragos.

Fazer o quê?
Ninguém é perfeito!

SORRISO ENIGMÁTICO

À noite,
ficava horas a fio
com aquele sorriso maroto,
mergulhada em seus pensamentos.
Jamais se conformou por ser apenas
uma dentadura num copo d´água!

SONHÓDROMO

Não me impeçam de viver o meu sonho.
Também tenho o direito de sonhar,
mesmo que às vezes,
isso incomode muita gente
por causa do barulho.

TÁ CERTO, TÁ CERTO...

É curioso
quando certas pessoas
conseguem a proeza
de terem razão
mesmo quando estão erradas.

SÍNDROME DE CELEBRIDADE

...E de repente descobri
que sou um homem de palco
e não de platéia.

Zacarias Gomes Martins, poeta e jornalista, nasceu em Belém do Pará em 1957 e reside em Gurupi, TO desde 1983. É membro fundador da Academia Tocantinense de Letras e do Conselho Municipal de Cultura.

Livros de poesia: Transas do Coração (1978), O poeta de Belém (1979), Poetar (1980), O Profeta da felicidade (1984), Vox Versus (1986) e Pinga-fogo (2004). Participou de várias antologias.

Blog: www.zacapoeta.zip.net

Fonte:
Antonio Miranda

André Telucazu Kondo (Celeiro da Infância)


Uma das cinco cronicas vencedoras do V Concurso Literário “Cidade de Maringá” (Cronicas Vencedoras) Troféu Laurentino Gomes. Será postada, cada dia, uma das cronicas vencedoras até totalizar as cinco vencedoras.

A estrada que levava à fazenda do meu tio era cercada por eucaliptos. A porteira de madeira, com os braços abertos, me recebia com carinho. Eu ainda era criança quando entrei no celeiro da fazenda pela primeira vez. Na época, havia uma grande coruja branca morando lá, sempre de olhos bem abertos. Era como se ela fosse uma grande avó, só observando as estripulias que meus primos e eu aprontávamos. Fazíamos bagunça, ela piava, nós riamos.

De todas as brincadeiras no celeiro, a mais divertida era com certeza subir a escada do silo e saltar no mar de milho. "Nadávamos" por horas, sem nos importar com nada, sem nos importar com o tempo. Mas, infelizmente, o tempo se importava e passou...

Já adulto, voltei à fazenda. A porteira de madeira era agora de ferro. Os novos tempos exigiam mais segurança, pois a fazenda já havia sido roubada várias vezes. E o celeiro? Desapareceu. Os novos tempos exigiam mais economia, e estocar os grãos ficava mais barato no celeiro da cooperativa local. E as crianças? Cresceram. Os novos tempos exigiam um comportamento mais sério delas.

Bateu uma saudade grande, enquanto eu caminhava pelo local em que um dia o celeiro existiu. Um dos meus primos estava se preparando para casar, minha prima já tinha até filho e o outro primo estava se formando na faculdade. Eu caminhava sozinho pelo vazio de um celeiro que já não existia mais.

Foi então que o vento soprou e me trouxe uma pena branca. Apanhei-a no chão e sorri. Aquela singela pena deu asas à minha saudade. Fechei os olhos e ouvi uma grande coruja branca piar, enquanto meu mundo se acabava em um dourado e imenso mar de milho.

Ao abrir os olhos, eu vi que o celeiro não estava mais lá, simplesmente porque, agora, não era mais o celeiro que guardava a minha infância, mas era eu quem guardava o celeiro, dentro do peito.

Fonte:
AGULHON, Olga e PALMA, Eliana. V Concurso Literário "Cidade de Maringá". 1. ed. Maringá: Academia de Letras de Maringá, 2011.

William Shakespeare (A Tempestade)

A Tempestade (ilustração de Rui de Oliveira)
Havia no mar certa ilha, cujos únicos habitantes eram um velho chamado Próspero e sua linda filha Miranda, a qual chegara ali tão pequenina que não se lembrava de ter visto outro rosto humano a não ser o de seu pai.

Moravam em uma caverna aberta na rocha, dividida em vários compartimentos, a um dos quais Próspero chamava de seu "gabinete". Ali, guardava seus livros, que tratavam principalmente de magia, arte muito em voga entre os eruditos da época. E tais conhecimentos lhe tinham sido de grande utilidade: ao arribar, por um estranho acaso, àquela ilha que fora encantada pela feiticeira Sycorax, morta pouco antes de sua chegada, Próspero logo libertara, graças às suas artes mágicas, uma legião de bons espíritos que a velha bruxa aprisionara no tronco de grandes árvores, por terem se recusado a executar suas perversas ordens. Esses amáveis espíritos ficaram desde então a serviço de Próspero. E Ariel era seu chefe.

Muito vivaz, Ariel não era de índole maldosa, mas se aprazia em atormentar um feio monstro chamado Calibã, a quem odiava por ser filho de sua inimiga Sycorax. Essa estranha e disforme criatura, com aspecto menos humano do que um macaco, fora encontrada no mato pelo velho Próspero. E este, que o levou para casa e lhe ensinou o uso da palavra, foi sempre muito bondoso para com seu protegido, mas a má natureza que Calibã herdara da mãe o impedia de aprender qualquer coisa de bom ou de útil. Aproveitavam-no, pois, como escravo, para carregar lenha e fazer os trabalhos mais pesados; e a Ariel cabia obrigá-lo a desempenhar seus deveres.

Quando Calibã se mostrava preguiçoso e negligenciava o trabalho, Ariel ( que só era visível aos olhos de Próspero ) aproximava-se pé ante pé e beliscava-o, ou o fazia cair de borco em algum banhado. Ou então, tomando a forma de um macaco, punha-se a lhe fazer caretas; depois, mudando subitamente, virava ouriço-cacheiro e metia-se no caminho de Calibã, que ficava a tremer, com medo de que os espinhos do animal lhe picassem os pés descalços. Com estas e outras picardias, Ariel martirizava Calibã toda vez que ele descurava das tarefas de que Próspero o incumbira.

Com tantos espíritos poderosos sujeitos à sua vontade, Próspero podia governar os ventos e as águas. Assim, por ordem sua, eles desencadearam urna tempestade violentíssima. Próspero então mostrou à filha um belo e grande navio, a lutar com as furiosas ondas que ameaçavam tragá-lo, e disse-lhe que estava cheio de seres vivos como eles.

– Ó meu querido pai, se, com tua arte, desencadeaste esta horrível tormenta, tem piedade daquelas pobres criaturas. Olha, o navio já vai fazer-se em pedaços. Coitados! Todos morrerão. Eu, se pudesse, faria a terra sorver o mar, antes que aquele belo navio se despedace, com todas as preciosas vidas que leva a bordo.

– Não te aflijas, Miranda. Eu ordenei que nenhuma pessoa sofresse o mínimo dano. O que eu fiz foi em teu benefício, minha querida filha. Tu ignoras quem sejas e de onde vieste. De mim, só sabes que sou teu pai e que vivo nesta pobre caverna. Acaso não te lembras de alguma coisa anterior de tua vida? Creio que não, pois ainda não tinhas três anos quando vieste para cá.

– Creio que me lembro, pai – replicou Miranda.

– Mas como? Só se for por intermédio de outra pessoa, em algum outro lugar...

– Bem me lembro... É como se fosse a recordação de um sonho. Não tive eu, uma vez, quatro ou cinco mulheres ao meu serviço?

– Tinhas até mais – respondeu Próspero. – Como isso te ficou na memória? E não te lembras de como vieste para cá?

– Não, pai. De nada mais me lembro.

– Há doze anos, Miranda – continuou Próspero – , eu era duque de Milão, e tu eras uma princesa e minha única herdeira. Eu tinha um irmão mais jovem, chamado Antônio, a quem confiava tudo. Como eu só gostasse do isolamento e do estudo, costumava deixar os negócios de Estado para teu tio, meu falso irmão ( que na verdade provou que o era) . Desprezando as coisas do mundo, enterrado entre os livros, eu dedicava meu tempo ao aperfeiçoamento do espírito. Meu irmão Antônio, vendo-se assim investido de meu poder, começou a considerar-se o próprio duque. O ensejo que eu lhe dava de se popularizar entre meus súditos despertou, em sua má índole, a orgulhosa ambição de despojar-me de meu ducado; o que ele não tardou a fazer, com a ajuda do rei de Nápoles, um poderoso príncipe inimigo meu.

– Mas por que eles não nos mataram então?

– Não se atreveram a tanto, minha filha, tal era o amor que o povo me dedicava. Antônio nos colocou a bordo de um navio e, quando nos achávamos algumas léguas ao largo, fez-nos tomar um pequeno bote, sem vela nem mastro. Ali nos abandonou, pensava ele, para morrermos. Mas um bom fidalgo de minha Corte, de nome Gonzalo, que muito me estimava, colocara no bote, às ocultas, água, provisões, aparelhagem e alguns dos livros que eu apreciava acima do meu ducado.

– Oh, meu pai! Quanto trabalho não devo te haver causado, então!

– Não, minha querida. Tu eras um pequenino anjo protetor. Teus inocentes sorrisos me davam forças para lutar contra os infortúnios. Nosso alimento durou até que abordamos nesta ilha deserta. Desde então, meu maior prazer tem sido educar-te, Miranda, e bem vejo que aproveitaste minhas lições.

– Que Deus te recompense, meu querido pai. Dize-me agora por que provocaste esta tempestade.

– Fica sabendo que esta tormenta há de trazer para cá meus inimigos, o rei de Nápoles e meu cruel irmão.

Dito isso, tocou delicadamente a filha com sua varinha mágica e ela tombou adormecida; Ariel acabava de se apresentar ante seu senhor, para descrever a tempestade e contar o que fora feito dos passageiros. Como os espíritos eram invisíveis para Miranda, não queria Próspero que ela o surpreendesse a conversar com o ar.

– E então, meu gentil espírito – disse Próspero a Ariel – , como desempenhaste tua tarefa?

Ariel fez-lhe uma viva descrição da tempestade e do terror reinante a bordo. O filho do rei, Ferdinando, fora o primeiro a se jogar ao mar; e seu pai julgara-o tragado pelas ondas, para todo o sempre.

– Mas ele está salvo – informou Ariel – , num recanto da ilha, sentado com os braços pendentes, a chorar a perda do rei, seu pai, a quem julga afogado. Nem um fio dos seus cabelos sofreu o mínimo que fosse, e suas vestes principescas, embora encharcadas d'água, parecem mais lindas do que antes.

– Reconheço nisto meu delicado Ariel – disse Próspero. – Traze-o para cá. Minha filha precisa ver esse jovem príncipe. Mas onde estão o rei e meu irmão?

– Deixei-os em busca de Ferdinando, o qual têm poucas esperanças de encontrar, pois supõem tê-Io visto sumir-se nas águas. Quanto à tripulação, nenhum homem se perdeu, embora cada um deles se julgue o único sobrevivente; o navio, invisível para todos, acha-se em segurança no porto.

– Ariel, executaste fielmente teu trabalho, mas ainda há mais o que fazer.

– Ainda mais trabalho? – estranhou Ariel. – Permita que vos lembre, senhor, que vós me prometestes a liberdade. Considerai que vos tenho servido dignamente, sem jamais resmungar, e que nunca vos enganei nem cometi enganos.

– Como !? Já não te lembras de que torturas te livrei? Já esqueceste a horrenda bruxa Sycorax, quase dobrada pelo meio, ao peso dos anos e da maldade? Onde nasceu ela? Fala, dize-me.

– Em Argel, senhor.
– Ah, lembraste, então? Creio que devo também recordar o que te aconteceu, pois me pareces muito esquecido. Essa feiticeira, com seus maléficos bruxedos, demasiado terríveis para a compreensão humana, foi expulsa de Argel e aqui abandonada pelos marinheiros; como tu eras um espírito muito delicado para executar suas ordens, ela te encerrou no tronco de uma árvore, onde te encontrei a soltar gemidos. Desse tormento, fui eu quem te livrou.

– Perdão, caro senhor – disse Ariel, envergonhado de parecer ingrato. – Eu obedecerei às vossas ordens.

– Obedece e serás livre.

Deu-lhe então as ordens necessárias. Ariel dirigiu-se primeiro ao lugar onde deixara Ferdinando e achou-o ainda sentado na relva, na mesma melancólica postura.

– Ó meu jovem cavalheiro – disse Ariel, ao avistá-lo – , não tardarei a levar-vos daqui. Tendes de ir à presença da menina Miranda, para que ela lance um .olhar à vossa linda pessoa. Vamos, senhor, acompanhai-me.

E Ariel pôs-se a cantar:
Lá está teu pai dormindo
No mais profundo dos leitos:
Seus ossos feitos coral,
Seus olhos pérolas feitos.
E do seu corpo mortal
Nada, nada se fanou,
Que em lindas e estranhas coisas
Logo o mar o transformou.
Nas tíbias dele, as sereias
Agora estão a tocar:
Escuta os límpidos sons
Que vêm do fundo do mar

Essas estranhas novas do pai desaparecido despertaram o príncipe do torpor em que tombara. Seguiu, atônito, a voz de Ariel, e assim chegou à presença de Próspero e Miranda, que estavam sentados à sombra de uma grande árvore. Ora, Miranda nunca vira homem algum além de seu pai.

– Minha filha, dize-me o que estás a olhar.

– Oh, pai – disse Miranda, numa estranha surpresa – , decerto é um espírito. Como ele olha em volta! Que linda criatura, meu pai. Não é um espírito?

– Não, filha. Ele come, dorme e tem sentidos como nós. Esse jovem que vês se achava no navio. Está um tanto desfigurado pela dor, senão poderias chamá-lo de uma bela pessoa. Perdeu seus companheiros e anda à procura deles.

Miranda, que imaginava todos os homens com semblante grave e barba grisalha como o pai, ficou encantada com a aparência do jovem príncipe. E Ferdinando, vendo tão encantadora moça naquele local deserto e não esperando mais que maravilhas depois das estranhas vozes que ouvira, pensou que estava numa ilha encantada, da qual Miranda fosse a deusa, e como tal lhe falou.

Ela timidamente respondeu que não era deusa, mas uma simples moça; ia dar outras informações acerca de si mesma, quando Próspero a interrompeu. Estava satisfeito de que os jovens se admirassem mutuamente, pois logo percebeu que se tratava de um caso de amor à primeira vista. Mas, para experimentar a constância de Ferdinando, resolveu opor-lhe alguns obstáculos. Avançou para o príncipe com ar severo, acusando-o de haver chegado à ilha como espião, para dela se apossar.

– Segue-me. Vou amarrar-te o pescoço aos pés. Beberás água do mar e terás por alimento mariscos, raÍzes secas e bolotas de carvalho.

– Não. Resistirei a tal tratamento até encontrar inimigo mais forte. – Ferdinando puxou da espada, mas Próspero, agitando a varinha mágica, fixou-o no lugar onde ele estava, impossibilitando-o de se mover.

Miranda agarrou-se ao pai, dizendo-Ihe:

– Por que és tão cruel? Tem piedade, pai; eu garanto por ele. Este é o segundo homem que vejo, e a mim parece digno de confiança.

– Silêncio! Nenhuma palavra mais, menina! Com que então, advogada de um impostor! Pensas que não há homens mais bonitos, pois só viste a este e a Calibã. Pois eu te digo que a maioria dos homens é tão superior a este, quanto este é melhor que Calibã.

– Minhas ambições são mais humildes. Não desejo conhecer nenhum homem mais bonito.

– Vamos – disse Próspero ao príncipe. – Não tens poder para me desobedecer.

– De fato não o tenho – respondeu Ferdinando. Sem saber que era por magia que se achava privado de todo poder de resistência, sentia-se atônito de se ver tão estranhamente compelido a seguir Próspero. Voltou-se para olhar Miranda enquanto podia avistá-Ia. E dizia consigo, ao penetrar depois de Próspero na caverna:

– Minhas forças estão amarradas, como num pesadelo. Mas leves me seriam as ameaças desse homem e a fraqueza que sinto, se, de minha prisão, eu pudesse, uma vez por dia, contemplar aquela linda moça.

Próspero não deteve Ferdinando por muito tempo na caverna. Logo o levou para fora e encarregou-o de um árduo serviço, tendo o cuidado de informar a Miranda o pesado trabalho que impusera ao príncipe. Depois, fingindo ir para o gabinete, ficou secretamente a espreitá-Ios.

Próspero mandara Ferdinando empilhar algumas pesadas achas de lenha. Como filhos de reis não são muito afeitos a tais misteres, Miranda logo foi achar seu enamorado quase morto de fadiga.

– Ai! Não trabalhe tanto. Meu pai está entretido com seus estudos e não aparecerá antes de três horas. Por que não descansa um pouco?

– Ah, senhora, não me atrevo. Preciso terminar meu trabalho antes de repousar.

– Senta-te, que eu carregarei as achas.

Mas Ferdinando consentiu. E, em vez de ajudá-lo, Miranda acabou estorvando-o, pois iniciaram uma longa conversa, de modo que o trabalho ia muito devagar.

Próspero, que encarregara Ferdinando daquele trabalho apenas para testar seu amor, não estava com os livros, como supunha a filha, mas achava-se invisível perto deles, ouvindo o que diziam.

Ferdinando perguntou o nome dela. Miranda disse, acrescentando que o fazia contra ordens expressas do pai.

Próspero limitou-se a sorrir a essa primeira desobediência da filha. Tendo feito, com suas artes mágicas, que ela se apaixonasse tão subitamente, não se zangava por esta revelar seu amor à custa da obediência. E escutou de boa sombra uma longa tirada de Ferdinando, em que este dizia amá-Ia acima de todas as damas que conhecera.

Em resposta aos louvores à sua beleza, que ele dizia exceder à de todas as mulheres do mundo, ela replicou:

– Não me lembro do rosto de nenhuma mulher, nem nunca vi outros homens além do senhor, meu bom amigo, e do meu querido pai. Como são os outros, por este mundo afora, eu não o sei. Mas, acredite-me, não desejo nenhum companheiro no mundo que não seja o senhor, nem pode minha imaginação conceber outras feições diversas das suas, de que eu pudesse gostar. Mas temo estar a lhe falar muito livremente, esquecendo os preceitos de meu pai.

A isso, Próspero sorriu e sacudiu a cabeça, como se dissesse: – Vai tudo exatamente como eu desejava; minha filha será rainha de Nápoles.

Depois Ferdinando, em outro lindo e comprido discurso (pois os jovens príncipes apreciam belas frases), disse à inocente Miranda que era herdeiro da coroa de Nápoles e que ela seria sua rainha.

– Ah, senhor! Tola sou eu em chorar pelo que me faz feliz. Eu lhe responderei com toda a pureza de alma: serei sua esposa, se comigo quiser casar-se.

Próspero, então, apareceu visível diante deles.

– Nada temas, minha filha. Ouvi e aprovo tudo o que disseste. Quanto a ti, Ferdinando, se te tratei com excessivo rigor, quero oferecer-te generosa compensação, cedendo-te a mão de minha filha. Todos os vexames por que passaste eram apenas para experimentar teu amor, e tudo suportaste nobremente. Como merecido prêmio ateu verdadeiro amor, toma pois minha filha e não sorrias de eu me vangloriar de ela estar acima de qualquer elogio.

Depois, alegando haver coisas que reclamavam sua presença, Próspero lhes disse que sentassem e conversassem até seu regresso. Quanto a essa ordem, Miranda não parecia nada disposta a desobedecer.

Após deixá-los, Próspero chamou Ariel, que logo apareceu, ansioso por contar o que fizera com o irmão de seu senhor e com o rei de Nápoles. Disse que os deixara quase doidos de terror, pelas coisas que lhes fizera ver e ouvir. Quando já estavam os dois cansados de vaguear e loucos de fome, ele fizera surgir à sua frente um delicioso banquete. Depois, quando já se preparavam para comer, aparecera-lhes sob a forma de uma harpia, voraz monstro alado, e o festim sumira. Para aterrá-los ainda mais, a harpia lhes falou, recordando a crueldade do banimento de Próspero do ducado e da desumanidade de deixar que ele e a filha perecessem no mar; e afiançou que, por isso, sofriam eles agora tantos horrores.

O rei de Nápoles e o dissimulado Antônio arrependeram-se da injustiça que tinham feito a Próspero. E Ariel garantiu ao amo que estava certo da sinceridade de ambos e que, embora fosse um espírito, não podia deixar de lastimá-Ios.

– Então, traze-os cá, Ariel. Se tu, que és apenas um espírito, sentes as suas desditas, como não vou eu, que sou um ser humano como eles, compadecer-me de tanto sofrimento? Traze-os depressa, meu gentil Ariel.

Ariel não tardou em voltar com o rei, Antônio e o velho Gonzalo, que os tinha seguido, maravilhados com a música selvagem que ele tocava nos ares para os arrastar à I presença do amo. Esse Gonzalo era o mesmo que tão bondosamente fornecera mantimentos e livros a Próspero, quando o perverso irmão o abandonara em alto-mar, entregue à morte.

De tal modo a mágoa e o terror lhes haviam embotado os sentidos que eles não reconheceram Próspero. Este primeiro se deu a conhecer ao bom Gonzalo, chamando-o de seu salvador; só assim, seu irmão e o rei souberam de quem se tratava.

Antônio, com lágrimas e tristes palavras de pesar e verdadeiro arrependimento, implorou o perdão de Próspero, e o rei expressou seu sincero remorso por ter auxiliado Antônio a depor o irmão. Próspero perdoou-lhes. E, tendo ambos se comprometido a lhe restituir o ducado, disse ele ao rei Nápoles:

– Tenho uma surpresa para vós.

Abrindo uma porta, mostrou-lhe Ferdinando a jogar xadrez com Miranda.

Nada podia exceder a alegria do pai e do filho ante esse encontro inesperado, pois cada um julgava o outro afogado.

– Oh, maravilha! – disse Miranda. – Que nobres criaturas! Que mundo admirável deve ser o que contém pessoas como essas.

O rei de Nápoles ficou tão espantado ante a beleza e a graça de Miranda quanto ficara anteriormente seu filho.

– Quem é? – perguntou ele. – Deve ser a deusa que nos separou e, de novo, nos juntou.

– Não, senhor – respondeu Ferdinando, sorrindo ao constatar que o pai incorrera no mesmo engano que ele, ao ver Miranda. – Ela é uma mortal. E, pela imortal Providência, é minha. Escolhi-a quando não podia pedir teu consentimento, pois não te supunha vivo. Ela é filha de Próspero, o famoso duque de Milão, de que tanto ouvi falar, mas nunca tinha visto. Dele recebi nova vida: tornou-se para mim um novo pai, ao conceder-me esta linda moça.

– Então, serei pai dela – disse o rei. – Mas que coisa estranha ter de pedir perdão à minha filha!

– Basta – disse Próspero. – Não relembremos os males passados, já que tiveram tão venturoso fim.

E Próspero abraçou o irmão, assegurando-lhe novamente que o perdoava; disse que uma sábia Providência fizera com que ele fosse banido de seu pobre ducado de Milão, para que a filha herdasse a coroa de Nápoles, pois acontecera de o filho do rei ter-se enamorado de Miranda naquela ilha deserta.

Essas bondosas palavras, ditas na intenção de consolar Antônio, encheram-no de tal vergonha e remorso que ele rompeu em pranto, incapaz de dizer qualquer coisa. O velho Gonzalo chorava ao ver a feliz reconciliação e pedia a bênção de Deus para o jovem par.

Próspero comunicou então que o navio estava a salvo no porto, com os marinheiros a bordo, e que ele e a filha partiriam com todos na manhã seguinte.

– Enquanto isso – acrescentou ele – , venham receber a guarida que minha pobre caverna pode oferecer, e passarei o serão a distraí-Ios com a história da minha vida, desde que cheguei a esta ilha deserta.

Chamou então Calibã, para preparar algum alimento e pôr a caverna em ordem. E todos se espantaram com a forma extravagante e selvagem daquele feio monstro, que, segundo Próspero, era o único criado a seu serviço.

Antes de deixar a ilha, Próspero liberou Ariel, para grande alegria do travesso e pequenino gênio, que, embora fosse um fiel servidor do seu amo, estava sempre a suspirar pela liberdade, a fim de poder vagar pelos ares, como um pássaro selvagem, sob as árvores verdes, entre as belas frutas e as cheirosas flores.

– Meu querido Ariel – disse Próspero ao libertá-Io – , sentirei tua falta. Contudo, terás a prometida liberdade.

– Obrigado, meu amo. Mas deixai-me acompanhar vosso navio ao porto, para garantir ventos favoráveis. Depois, meu senhor, quando eu for livre, que alegre vida hei de levar!

E então Ariel cantou esta linda canção:

As flores que a abelha suga
Essas flores sugo eu.
E numa corola durmo
O sono que Deus me deu.
Ai! quando pia a coruja
É ali que busco sossego,
A menos que voando fuja
Sobre as costas de um morcego.
Alegria! Oh Alegria!
Adeus, adeus, dissabores!
Irei viver todo o dia
Por entre os ramos e as flores.

Próspero abriu uma profunda cova e nela enterrou seus livros de magia e a vara de condão, pois resolvera nunca mais utilizar as artes mágicas. Tendo vencido seus inimigos efeito as pazes com o irmão e o rei de Nápoles, nada agora faltava para completar sua felicidade, senão rever a terra natal e assistir às núpcias da filha com o príncipe Ferdinando, que seriam celebradas com a maior pompa, logo que chegassem ao seu destino. E, após uma agradável viagem, graças à proteção de Ariel, não tardaram todos em aportar a Nápoles.

Fonte:
Charles & Mary Lamb. Contos de Shakespeare. Tradução de Mario Quintana
.

Amosse Mucavele (A Poesia Epigramática do Amin Nordine ou a Babalaze do Atirador das Verdades)


Um poema assim é árduo/ sem cola e na vertical/ pode levar uma eternidade. ‘’ ARMÊNIO VIERA’’ Ao Sangare Okapi e Lúcilio Manjate "Amosse Mucavele"

Amin Nordine nasceu em Maputo aos 17 de fevereiro de 1969 e perdeu a vida aos 5 de fevereiro de 2011,e autor de apenas 3 livros, o que não tem importância porque a literatura não se assemelha a uma competição, onde quem publica muitas obras sai vencedor (assim sendo existem escritores que tem sido felizes nesta maratona aliando a quantidade versus qualidade como o seu cavalo de batalha e tem se notabilizado como verdadeiros campeões ex: Mia Couto, Antônio Antunes, Pepetela, Moacyr Scliar…),bastando lembrar-se do Luís B. Honwana, Noemia de Sousa, Gulamo Khan,e Lilia Momple para sustentar a tese de que qualidade nem sempre rima com a quantidade.

Publicou - Vagabundo Desgraçado (1996), Duas Quadras para Rosa Xicuachula (1997), e Do lado da ala-B.

Amin Nordine e um militante de uma escrita sólida em todos lados seja o da ala- A ou da ala- B, isenta de qualquer submissão política, caracterizada pelo inconformismo da realidade que o circunda e pela revolta social, esta poesia epigramática e uma revelação de um fatalismo que voa em voo rasante sobre as angustias de um passado melancólico, e um presente envenenado.

E do futuro o que se espera ? o futuro não será isto!’’… superlotada receita galgando o vento/com as mãos no coração do destino.’’

O que é do lado da ala-B? o leitor descobrirá que esta no lado mas vil de um jovem país com os seus problemas, e é neste lado onde reside o poeta solitário nas suas abordagens anti-heróicas, mas das multidões na sua mordacidade social, um verdadeiro maquinista do comboio dos duros, um autêntico vomito da babalaze de um poeta bêbedo do seu dia-a-dia. Detentor de uma caligrafia rebelde, com versos quentes como o fogo e cortantes como a espada afiada, onde eclodem temáticas de afrontamento de um certo tempo histórico (ex: carta ao meu amigo Xanana, banqueiros de banquetes, bandeira galgada aos 25, (c)anibalizinhos…)

Talvez o outro lado da ala destes poemas, não! Isto ultrapassa a dimensão poética, ou por outra destes melancolicos dissabores que despertam os filhos desta pátria que nos pariu deste manancial de barbaridades versus mentiras, que transformam o sonho de estar livre da opressão em um pesadelo ,não será esta a voz do povo?

Estes melancolias dissabores são a pólvora contida na’’ bala’’(ala-B) desta poesia que o autor preferiu chamar de’’ arma da vitória’’ que dispara esta bala certeira onde a cada estrofe vai abatendo o seu alvo. Dai nasceu este livro embrulhado por uma critica social.

A título de exemplo o poema ‘’barbearia dos cabrões (‘’queixos barbudos engravatados/ barbearia dos cabrões/ que deixa todo chão careca/ e ao alto mastro hasteiam bandeira/ para desfraldarem o corpo nu do povo…’’)

‘’Apesar da irrequietude e da impenitência, algumas vezes virulentas que caracterizam esta poesia ou das entremeadas doses de apurada ironia ou de compaixão pelos desafortunados, o que sobressai nesta forma particular da escrita e um virtuosismo estimulador da sensibilidade da razão,(…),nessa brevidade desafiadora da nossa capacidade leitoral e estética.’’( F.NOA-o prefaciador).

Segundo Zenão a brevidade e um estilo que contêm o necessario para manifestar a realidade. Esta brevidade encaixa-se na poesia do A.Nordine onde nota-se uma presença massiva de traços inter-textuais da obra do poeta Celso Manguana cidadãos da mesma esquina (ambos eram jornalistas culturais do semanário Zambeze) guerreiros da poesia epigramática, e soldados da mesma trincheira. A.Nordine exilou-se na morte, Celso Manguana exilou-se na loucura, e eu procuro exílio na memória destes 2 poemas:

‘’Sonâmbula esta pátria
cresce nas estatísticas
e acorda com fome
custa amar uma bandeira assim?
tem o amargo do asilo
almoço de pão com badjias
sabem bem todos dias.’’
Celso Manguana pag.14- aos meus pais-Pátria que me pariu-2006.

‘’ Se por tanto tivesse ser capaz
moça-pátria deste amor que refrega
seja o meu coração a minha entrega
escrever-te a cerca duma paz
e alto levante-se da vez que nega
não é para o povo o discurso assaz
nenhum político, milagroso ás
é tamanho o sofrimento que chega!
para o povo aumentem um quinhão
venha do vosso governo mais pão
burilada a página da história
apagar a sua triste memória
fazemos o país livre da escória!!!’’
A.Nordine-pag.50-soneto da paz-Do lado da ala-B-2003.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

A. A. de Assis (Trovia n. 139 - julho de 2011)



Inesquecíveis

Quem trabalha e mata a fome
não come o pão de ninguém;
quem não ganha o pão que come
come sempre o pão de alguém.
Antônio Aleixo

Ao contrário da mulher,
a trova tem o seu jeito:
se cai na boca do povo,
mais aumenta o seu conceito!
Eva Reis

De todas as despedidas,
esta é a mais triste, suponho:
duas almas comovidas,
chorando a morte de um sonho!
Joubert de Araújo e Silva

Perdi meus sonhos tão belos
por desencontros fatais.
Ah, caminhos paralelos,
por que não sois transversais?
Lúcia Lobo Fadigas

Dez minutos de ternura,
olhando uma simples flor...
Se é tão linda a criatura,
que pensar do Criador?!
Padre Celso de Carvalho

Cuidai dos ricos, Senhor,
protegei-os mais de perto,
que aos pobres a própria dor
ensina o caminho certo!
Paulo Emílio Pinto

Brincantes

Sempre que eu vou me deitar
acompanhado, na cama,
já que eu sei que vou tirar...
pra que botar o pijama?
Ademar Macedo – RN

Vai trabalhar, vagabundo,
grita a mulher, feito gralha;
e ele rosna lá do fundo”:
– “Vagabundo não trabalha!”…
Divenei Boseli – SP

De surpresa, muitas vezes,
vinha o noivo da vizinha...
E, depois de nove meses,
nasceu uma surpresinha...
Flávio Stefani – RS

Caso um dia o homem consiga
a si mesmo conhecer,
duvido que ele então diga
que teve “muito prazer”...
José Fabiano – MG

O beijo só tem razão
se um ato de amor ele é.
Do contrário é lambeção,
é falta de higiene até...
Maria de Archimedes – RJ

Quem foi Luiz Vaz, eu não sei...
não sei quem assim se chama.
Camões eu sei: foi o rei
que fez o Vasco da Gama!
Osvaldo Reis – PR

Faz regime... e, por fazê-lo,
se desespera a coitada,
pois sempre tem pesadelo
com rodízios... de salada!...
Pedro Mello – SP

Se nas revistas reparas,
verás que é questão de gosto:
alguns preferem ver Caras,
outros preferem o oposto...
Rodolpho Abbud – MG

Líricas e filosóficas

Vestem-se as águas de prata,
saltam no espaço vazio...
Findo o show da catarata,
sereno refaz-se o rio.
A. A. de Assis – PR

Quem espera sempre alcança...
Mas eu em lutas me ponho:
sou guerreira da esperança,
vivo em busca do meu sonho...
Adélia Woellner – PR

Nossa bonita amizade
vai crescendo a cada lua.
A pena é que a minha idade
é quase o dobro da tua...
Antônio da Serra – PR

Mulher, encanto e ternura,
lindo poema de amor,
que ameniza a desventura
do poeta... sonhador!
Joamir Medeiros – RN

Um gosto de fim de festa,
tristeza, desilusão...
E’ tudo, enfim, que nos resta
depois que os sonhos se vão...
João Costa – RJ

Na clausura da existência,
das prisões que nos impomos,
um devaneio é a essência
do que pensamos que somos!
J.B. Xavier – SP

Quando se perde um amor,
o coração dá um brado:
– Por favor, tire essa dor,
ó pranto, fique calado!
José Feldman – PR

Se alguém te humilha, perdoa,
e se alguém te fere, esquece.
Ódio guardado magoa,
só o amor envolve e aquece.
Arlene Lima - PR

Um puro amor vai brotando
tal qual um botão de rosa.
Cuide bem, vá cultivando
a adolescência formosa.
Benedita Azevedo – RJ

Ao ver o cair da tarde,
sinto vontade de estar
longe do mundo covarde,
perto do céu para amar...
Carmem Pio – RS

Rasguei carta, telegrama,
fotos, bilhetes de amor,
mas ao deitar nesta cama,
rasga-me o peito esta dor!
Conceição de Assis – MG

Mate amargo, chimarrão,
tu, que um sangue verde estampas,
és a própria tradição
dos verdes campos dos pampas!
Delcy Canalles – RS

Dar amor, se verdadeiro,
seja homem, quer mulher,
é lançar-se por inteiro
nos braços de quem se quer.
Diamantino Ferreira – RJ

Eu não ouço os teus conselhos
mas, quando fala a razão,
meus pecados, de joelhos,
imploram por teu perdão...
Dilva Moraes – RJ

Quem sai da terra querida
em meio à dor que o invade
semeia o chão na partida
com sementes de saudade.
Djalma Mota – RN

Ao rever o sítio antigo
do meu passado risonho,
a saudade andou comigo,
lembrando sonho por sonho.
José Lucas – RN

Em meus delírios te vejo
surgindo na escuridão,
toda vez que o vento andejo
bate a tranca do portão...
José Ouverney – SP

Saudade, que dor enorme,
é triste o nosso sentir:
você se deita e não dorme
e nem me deixa dormir!
José Valdez – SP

O que conta nessa vida
não é tempo nem idade,
mas a procura renhida
da deusa felicidade.
Luiz Carlos Abritta – MG

Para vestir de ilusão
a minha vida vazia,
cubro-me com a visão
da tua fotografia.
Luiz Hélio Friedrich – PR

Longe vão minhas andanças
e, em meu trêmulo cansaço,
tento fazer das lembranças
bastão... e assim firmo o passo.
Mª Conceição Fagundes – PR

A cor azul me aquieta
e, às vezes, fico a pensar
que a alma de todo poeta
é feita de céu e mar...
Maria Nascimento – RJ

Toma cuidado, poeta, / com teu sentir mais profundo. / – A trova
é muito indiscreta: / conta tudo a todo mundo... (Luiz Otávio)

A vingança não me agride,
pois tenho de prontidão
as armas para o revide:
- o entendimento e o perdão!
Eduardo A. O. Toledo – MG

Pescador mais esportivo
deixa seu peixe escapar.
– Melhor solto que cativo,
para assim o preservar.
Eliana Jimenez – SC

Orgulho bobo... vaidade,
caprichos do amor sobejo...
Eu, morrendo de saudade,
fingir que nem te desejo!
Elisabeth Souza Cruz – RJ

A musa chega e me inspira,
num delírio encantador...
Afina as cordas da lira
e enche o meu mundo de amor!
Francisco Garcia – RN

Na varanda, meu abrigo,
de olhar vazio, tristonho,
quero acordar, não consigo,
sonho e te vejo em meu sonho!
Francisco Macedo – RN

Aquela rede que um dia
foi nosso ninho perfeito
hoje balança vazia
na varanda do meu peito.
Francisco Pessoa – CE

Quem entende essa ironia
da vida, tão surpreendente:
por que o amor que dura um dia
marca às vezes tanto a gente ?
Gilvan Carneiro – RN

Com volúpia e desvario,
neste amor vou mergulhar...
Eu me sinto como o rio,
que se atira para o mar!
Ma. Thereza Cavalheiro – SP

Nosso amor, vencendo espaços,
rompendo tabus, segredos,
vai conduzindo seus passos
por um caminho sem medos!
Marisa Olivaes – RS

O astronauta que flutua
muito tem a lamentar:
quanto mais perto da lua
mais distante do luar.
Nei Garcez – PR

Tua amizade aguardei
com muito amor e afeição.
Quando de ti precisei,
fui buscar no coração.
Neiva Fernandes – RJ

Não sei de grito que vença,
aqui na Terra ou no Além,
a sabedoria imensa
que o silêncio às vezes tem...
Newton Vieira – MG

Quanto sonho não vivido
do jeito que foi sonhado!
Mas tudo tem mais sentido
quando, enfim, é conquistado.
Olga Agulhon – PR

Tua imagem refletida
no espelho de nosso quarto
mostra a saudade sentida,
que só contigo eu reparto...
Olga Ferreira – RS

Remorso rude, mesquinho,
está ferindo o meu peito;
chamou-me "filho" um velhinho
com quem faltei ao respeito.
Olympio Coutinho – MG

Na era do “ponto.com”, / voa o sonho mais ligeiro: – um clique...
e, qual vento bom, / chega a trova ao mundo inteiro! (a. a. de assis)

O amor é o maior mistério
que existe no mundo; enfim
chegou sem nenhum critério,
e tomou conta de mim!
Gislaine Canales – SC

Não faço versos pra turba.
Nunca vou-me arrepender.
Inteligência perturba!...
Alguém vai ter que aprender.
Haroldo Lyra – CE

A bengala cor da paz,
que o homem cego conduz,
tem um mistério que faz
o som transformar-se em luz!
Hermoclydes Franco – RJ

A uma ofensa que machuca,
por mais que me queime ou doa,
se meu sangue diz – “Retruca!”,
a minha alma diz – “Perdoa!
Heron Patrício – SP

A chama fraca não arde,
só bruxoleia no ar...
Por que nasceste tão tarde,
se já não posso te amar?
Humberto Del Maestro – ES

Numa estrada colorida,
ou na trilha empoeirada,
se a família segue unida,
é suave a caminhada.
Istela Marina – PR

Sem esquinas... sem saídas...
muitas vidas são assim...
Ruas retas e compridas,
e um grande portão no fim...
Izo Goldman – SP

Não sei se é pecado ou vício,
bobeira... sei lá mais quê...
este agridoce suplício
de só pensar em você!
Jeanette De Cnop – PR

Trovador que espalha o sonho
que lhe mora n’alma inquieta
confessa ao mundo, risonho,
a bênção de ser poeta.
Renato Alves – RJ

Ao abrir minha janela,
inundada de luar,
mais forte a lembrança dela
fez a saudade apertar.
Roberto Acruche – RJ

Sozinha em meu devaneio,
saudosa no meu queixume,
eu brindo ao vento que veio
devolver-me o teu perfume!
Selma Patti da Silveira – SP

Nas páginas principais
do teu livro de memórias
fui rodapé, nada mais,
sempre à margem das histórias.
Sérgio Ferreira – SP

Já ninguém nos dá razão
nem escuta nossa voz
mas amamos este chão
pois a pátria somos nós.
Sônia Ditzel Martelo – PR

Meu coração não se expande.
Chora sozinho e sem queixa...
Sabe quando o amor é grande
pela saudade que deixa.
Therezinha Brisolla – SP

Os poetas, em repentes,
se unem num elo de luz...
Suas trovas são correntes
de amor, que a todos seduz.
Vanda Alves – PR

O sabiá de peito roxo,
passarinho cantador...
Seus gorjeios sem muxoxo
são melodias de amor!
Vidal Idony Stockler PR

18 de julho – Dia do Trovador – A bênção, Luiz Otávio!

Fonte:
Enviado por A. A. de Assis

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 262)


Uma Trova Nacional

Deus, garimpeiro maior,
vai, no seu mister profundo,
salvando o que há de melhor
pelos garimpos do mundo...
–FLÁVIO ROBERTO STEFANI/RS–

Uma Trova Potiguar


Ó Deus Pai onipotente,
ó bom Deus e criador,
olhai veementemente
meu velho pai genitor!
–DJALMA MOTA/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Curitiba/PR
Tema: MADRUGADA - M/H

- Deus Pai: Protege os meus filhos!
Meu medo é tal – que nem sei! –
de que se percam nos trilhos
das madrugadas sem lei!...
–MARIA MADALENA FERREIRA/RJ–

Uma Trova de Ademar

Quem tem Deus, por devoção
e é seguidor de Jesus,
no túnel do coração
tem sempre acesa, uma luz!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Faço preces... Leio salmos...
E buscando a calma em Deus,
encontro em teus olhos calmos
a paz que falta nos meus.
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Simplesmente Poesia

O sino está badalando
no alto da catedral,
os anjos passam cantando
uma canção divinal;
alguns mal arrependidos
se sentem todos feridos
meditando os crimes seus;
aprofundando os pesares
uma oração corta os ares
buscando o perdão de Deus.
–CANCÃO/PE–

Estrofe do Dia

Quando Deus me levar pra eternidade
ficará nesta terra a minha cruz,
juntamente com todos meus pecados
pois pecados pra lá não se conduz;
agradeço ao bom Deus por esta vida
e eu não quero que chorem na partida,
porque vou para o céu pra ver Jesus!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

–LISIEUX/MG–
Oração

Liberta-me, ó Senhor, da minha vida,
também da morte, enfim, vem libertar-me;
porque não posso, por mim só, livrar-me
da culpa que em meu peito achou guarida...

Não deixes, meu Senhor, despedaçar-me
o coração, que a cada vã batida,
faz-me sofrer a alma arrependida. ..
Preciso, ó Deus, a ti aconchegar-me.

Quero, meu Pai, ouvir-te novamente,
quero outra vez sentir-te, plenamente,
toma-me, pois, em Teus paternos braços...

Coloca-me nos lábios, Teu louvor,
arde o meu peito com Teu doce amor
e guia em Teus caminhos os meus passos.

Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Imagem = http://felicidadesempre-felicidade.blogspot.com

Juliana Boeira da Ressurreição (A Importância dos Contos de Fadas no Desenvolvimento da Imaginação) Parte I


Resumo: O presente artigo trata da “Importância dos contos de fadas: no desenvolvimento da imaginação”. Neste artigo, procurei destacar os seguintes tópicos: A fantasia nas histórias infantis; O herói em desenvolvimento; Os contos infantis e a educação; Imaginando o que foi imaginado; e, por último, relacionei, usando a metodologia da pesquisa exploratória, a teoria estudada com as informações obtidas em entrevista realizada com uma professora que atua na hora do conto em uma escola estadual no município de Terra de Areia/RS.

Palavras-chave: imaginação, educação, criança, encantamento, magia, emoções

Introdução

Falar sobre literatura é, sem dúvidas, falar sobre a imaginação. Sosa (1982) assinala a importância da literatura infantil como etapa criadora dentro do problema geral da imaginação, uma vez que não se sabe bem em que idade, nem em que forma e circunstâncias ela aparece na criança. O mesmo autor afirma que a imaginação é a “faculdade soberana” e a forma mais elevada do desenvolvimento intelectual. Se em outros componentes curriculares atenta-se a conteúdos significativos para as crianças, na literatura infantil encontra-se o espaço privilegiado para estimular o sujeito como elemento gerador das hipóteses mágicas.

A fantasia dos contos de fadas é fundamental para o desenvolvimento da criança. Há significados mais profundos nos contos de fadas que se contam na infância do que na verdade que a vida adulta ensina. É por meio dos contos infantis que a criança desenvolve seus sentimentos, emoções e aprende a lidar com essas sensações.

É encantador para mim, hoje adulta, relembrar as histórias contadas por meus pais. Quando criança, ao ouvir, por exemplo, a historinha do Patinho Feio, sentia pena dele, ficava triste. Hoje enxergo a mesma história de uma outra forma; quantas vezes nos sentimos um Patinho Feio, ou ainda, quantos patinhos feios existem por aí excluídos e discriminados. O mundo infantil é realmente encantador e surpreendente.

Este artigo resulta de uma pesquisa exploratória, em que se buscou compreender como o professor percebe que os contos de fadas têm contribuído no desenvolvimento da imaginação infantil. A coleta de informações foi realizada por meio de uma entrevista com uma professora que atua com a Hora do Conto, em uma escola estadual no município de Terra de Areia/RS.

2. A fantasia nas histórias infantis

Se se quiser falar ao coração dos homens, há que se contar uma história. Dessas onde não faltem animais, ou deuses e muita fantasia. Porque é assim suave e docemente que se despertam consciência”. (Jean de La Fontaine, século XVII )

As histórias infantis são contos bem antigos e ainda hoje podem ser consideradas verdadeiras obras de arte, lembrando sempre que seus enredos falam de sentimentos comuns a todos nós, como: ódio, inveja, ciúme, ambição, rejeição e frustração, que só podem ser compreendidos e vivenciados pela criança através das emoções e da fantasia. Os contos de fadas funcionam como instrumentos para a descoberta desses sentimentos dentro da criança (ou até mesmo de adultos), pois os mesmos são capazes de nos envolver em seu enredo, de nos instigar a mente e comover-nos com a sorte de seus personagens. Causam impacto em nosso psiquismo, porque tratam das experiências cotidianas, permitindo que nos identifiquemos com as dificuldades ou alegrias de seus heróis, cujos feitos narrados expressam, em suma, a condição humana frente às provações da vida.

Histórias como: Chapeuzinho Vermelho, Rapunzel, Cinderela, o Lobo Mau e todos os seus companheiros continuam sendo os antídotos mais eficientes contra as angústias e temores infantis. Quando essas histórias são apresentadas às crianças, os personagens podem ajudá-las a se tornar mais sensíveis, esperançosas, otimistas e confiantes na vida. A fantasia é fundamental para o desenvolvimento emocional da criança. Nessas histórias, a criança se identifica mais facilmente com os problemas dos personagens. Ao mergulhar com prazer no faz-de-conta, as crianças dão vazão às próprias emoções.

Os contos começam de maneira simples e partem de um problema ligado à realidade como a carência afetiva de Cinderela, a pobreza de João e Maria ou o conflito entre filha e madrasta em Branca de Neve. Na busca de soluções para esses conflitos, surgem as figuras “mágicas”: fadas, anões, bruxas malvadas. E a narrativa termina com a volta à realidade, em que os heróis se casam ou retornam ao lar.

Bettelheim, em seu livro A psicanálise dos contos de fadas (1980, p.19), diz:
“Só partindo para o mundo é que o herói dos contos de fada (a criança) pode se encontrar; e fazendo-o, encontrará também o outro com quem será capaz de viver feliz para sempre; isto é, sem nunca mais ter de experimentar a ansiedade de separação. O conto de fadas é orientado para o futuro e guia a criança – em termos que ela pode entender tanto na sua mente inconsciente quanto consciente – a ao abandonar seus desejos de dependência infantil e conseguir uma existência mais satisfatoriamente independente”.

A fantasia facilita a compreensão das crianças, pois se aproxima mais da maneira como vêem o mundo, já que ainda são incapazes de compreender respostas realistas. Não esqueçamos que as crianças dão vida a tudo. Para elas, o sol é vivo, a lua é viva, assim como todos os outros elementos do mundo, da natureza e da vida.

Ainda de acordo com Bettelheim (1980, p.13), para que uma estória realmente prenda a atenção da criança, deve entretê-la e despertar sua curiosidade. Mas para enriquecer sua vida, deve estimular-lhe a imaginação, ajudá-la a desenvolver seu intelecto e a tornar claras suas emoções; estar harmonizada com suas ansiedades e aspirações; reconhecer plenamente suas dificuldades; e, ao mesmo tempo, sugerir soluções para os problemas que a perturbam. Resumindo, deve de uma só vez relacionar-se com todos os aspectos da personalidade da criança e isso sem nunca menosprezá-la, buscando dar inteiro crédito a seus predicamentos e simultaneamente promover a confiança nela mesma e no seu futuro.

Penso que um dos meios mais preciosos que existe de se falar ao coração é a literatura; ela é encantadora, capaz de nos mover sem sairmos do lugar. É fascinante reconhecer o quanto uma leitura é capaz de explorar a nossa imaginação, mexer com nossos sentimentos mais íntimos e contribuir no desenvolvimento da imaginação, da fantasia e até mesmo da personalidade humana.

2.1 O herói em desenvolvimento

O que salva o herói é seu grau de amadurecimento, e este é alcançado sempre fora da casa paterna. A mensagem oculta é a de que precisamos de nossos pais, mas para crescer, temos de nos libertar da dependência deles.

Bettelheim (1980, p.16) destaca que
Para dominar os problemas psicológicos do crescimento – superar decepções narcisistas, dilemas edípicos, rivalidades fraternas, ser capaz de abandonar dependências infantis; obter um sentimento de individualidade e de autovalorização, e um sentido de obrigação moral – a criança necessita entender o que está se passando dentro de seu inconsciente. Ela pode atingir essa compreensão, e com isto a habilidade de lidar com as coisas, não através da compreensão racional da natureza e conteúdo de seu inconsciente, mas familiarizando-se com ele através de devaneios prolongados – ruminando, reorganizando e fantasiando sobre elementos adequados da estória em resposta a pressões inconscientes, o que capacita a lidar com este conteúdo. É aqui que os contos de fadas têm um valor inigualável, conquanto oferecem novas dimensões à imaginação da criança que ela não poderia descobrir verdadeiramente por si só. Ainda mais importante: a forma e estrutura dos contos de fadas sugerem imagens á criança com as quais ela pode estruturar seus devaneios e com eles dar melhor direção à sua vida.”

Condiz com o que comenta a professora em sua entrevista:
“Através dos contos de fadas, podemos levar as crianças a compreender que na vida real, devemos estar preparados (as) para enfrentar as coisas difíceis com coragem e otimismo para a conquista da felicidade”.

O maravilhoso sempre foi, e continua sendo, um dos elementos mais importantes na literatura destinada as crianças. Através do prazer ou das emoções que as estórias lhes proporcionam, o simbolismo que, está implícito nas tramas e personagens, vai agir em seu inconsciente, atuando pouco a pouco para ajudar a resolver os conflitos interiores normais nessa fase da vida.

A psicanálise afirma que os significados simbólicos dos contos maravilhosos estão ligados aos eternos dilemas que o homem enfrenta ao longo de seu amadurecimento emocional. É durante essa fase que surge a necessidade da criança em defender sua vontade e sua independência em relação ao poder dos pais ou à rivalidade com os irmãos ou amigos.

Lembra a psicanálise que a criança é levada a se identificar com o herói bom e belo, não devido à sua bondade ou beleza, mas por sentir nele a própria personificação de seus problemas infantis: seu inconsciente desejo de bondade e beleza e, principalmente, sua necessidade de segurança e proteção. Pode assim superar o medo que a inibe e enfrentar os perigos e ameaças que sente à sua volta, podendo alcançar gradativamente o equilíbrio adulto.

Se o aspecto principal na definição do conto popular, enquanto gênero literário, é a organização do motivo e das motivações dos personagens, no conto maravilhoso é necessário acrescentar um outro elemento: o encantamento provocado pela ação de um ser sobrenatural. Num momento de grande conflito, um ser sobrenatural intervém no destino do herói e modifica totalmente sua vida. É isto que define o conto de fadas, tornando-o distinto das demais narrativas literárias.

Herói é o personagem que vive grandes aventuras e consegue vencer todos os problemas que surgem à sua volta. Por isso ele é considerando o personagem principal, cujas ações, pensamentos e sentimentos acompanhamos com maior interesse. O herói é também chamado protagonista da história. Nem sempre o herói é um personagem com qualidades positivas. Existem heróis que são atrapalhados, malandros e vivem grandes situações de embaraço, mas continuam sendo protagonistas. Estes são conhecidos como anti-heróis”. (MACHADO, 1994, p. 45)

Nos contos de fadas, pode-se encontrar o modelo básico de qualquer narrativa literária, em toda narrativa literária existem episódios, ou seja, situações de equilíbrio e desequilíbrio, que se modificam, provocando a passagem de uma situação a outra. É nessa cadeia de episódios que se situam os conflitos e as soluções aos problemas que tanto nos prendem a atenção. A diferença é que, nos contos de fadas, a transformação é provocada pela intervenção uma ação mágica. Assim, os seres mágicos são tão importantes para o desenvolvimento da história quanto para o comportamento do herói.

Logo, todos os contos de fadas apresentam histórias de príncipes e princesas – heróis – que vivem situações terríveis criadas por seres malévolos – as bruxas - , mas, felizmente, contam com os seres mágicos: fadas, magos, anões. Por isso, os conflitos são provados por uma intenção maldosa contra uma pessoa de bem e só se resolve pelo encantamento. O herói sofre a perseguição do mal – a bruxa -, o que faz aumentar o conflito até o final, quando a virtude triunfa e o ser malévolo é impiedosamente castigado. Assim, tudo termina com final feliz.

2.2 Os contos infantis e a educação

Infelizmente, muitos pais desejam ver seus filhos com a cabeça funcionando racionalmente como a deles, e acreditam que a sua maturidade depende exclusivamente do ensinamento oferecido pela maioria das escolas que, via de regra, em nossa sociedade moderna, pouco fazem além de repassar um conteúdo pedagógico desprovido de maiores significados para a vida. Esquecem-se de explorar os sentimentos como integrante fundamental da formação do caráter e, ainda que bem alfabetizem, algumas escolas desconsideram os contos de fadas como se esses só gerassem confusões quanto aos conceitos sólidos de realidade que devem ser ensinados às crianças.

A sabedoria, afinal, não é coisa que nasça pronta como a deusa Palas Atena, que, inteiramente formada, pulou fora da cabeça de Zeus; é, antes, algo delicado, que se constrói desde os tenros anos da infância e que passa necessariamente por um estágio de extraordinário potencial, o qual só se desdobrará convenientemente num bem explorado e maduro psiquismo. Obrigatoriamente, isso leva à necessidade de lidar com os sentimentos. O mundo interior, desconhecido pela consciência intelectualizada, encerra segredos legítimos, guarda metade de nós mesmos, e sua assimilação é imprescindível para todo aquele que deseje conhecer-se melhor ou que esteja buscando respostas honestas para os enigmas da existência.

Nesse particular, os contos de fadas cumprem relevante papel. São expressão cristalina e simples de nosso mundo psicológico profundo. De estruturas mais simples que os mitos e as lendas, mas de conteúdo muito mais rico do que o mero teor moral encontrado na maioria das fábulas, são os contos de fadas a fórmula mágica capaz de envolver a atenção das crianças e despertar-lhes sentimentos e valores intuitivos que clamam por um desenvolvimento justo, tão pleno quanto possa vir a ser o do prestigiado intelecto.

Não fossem assim tão verdadeiros ao simbolizar nosso caminho pessoal de desenvolvimento, apresentando-nos as situações críticas de escolha que invariavelmente enfrentamos, não despertariam nem sequer o interesse nas crianças que buscam neles, além da diversão, um aprendizado apropriado à sua segurança. Nesse processo, cada criança depreende suas próprias lições dos contos de fadas que ouve, sempre de acordo com seu momento de vida. Elas extraem das narrativas, ainda que inconscientemente, o que de melhor possa aproveitar para ser aí aplicado. Oportunamente pedem que seus pais lhe contem de novo esta ou aquela história, quando revivem sentimentos que vão sendo trabalhados a cada repetição do drama, ampliando assim os significados aprendidos ou substituindo-os por outros mais eficientes, conforme suas necessidades do momento.

Os contos de fadas nos impressionam, porque sempre foram populares como tradição oral, mas, antes, porque suas histórias são instigantes. Não há como alcançar completamente seu sentido em termos puramente intelectuais, fato que nos desperta a percepção intuitiva. A fantasia irracional a ponto de permitir que a Vovó, engolida pelo Lobo Mau, permaneça viva em sua barriga até ser salva; que Bela Adormecida durma enfeitiçada um sono de cem anos; e que João suba num pé de feijão até alcançar no céu o castelo de um gigante. Justamente pelo inverossímil que expõe, provoca uma reviravolta em nosso mundo psíquico, o qual estimula, aguça-se na tentativa de compreendê-la. E não há como explicá-la pelos padrões da razão metódica. A história de fadas é por si sua melhor explicação, do mesmo modo que as obras de arte encerram aspectos que fogem do alcance do intelecto, já que suscitam emoções capazes de comover os que fogem do alcance do intelecto; já que suscitam emoções capazes de comover os que diante delas se colocam. O significado desses contos está guardado na totalidade de seu conjunto, perpassado pelos fios invisíveis de sua trama narrativa. Claro que, diante desse mistério, muitas formas de abordá-lo são possíveis e igualmente válidas, posto que acrescentam luz à sua compreensão.

A literatura dirigida ao público infantil foi produzida a partir do século XVII, uma vez que antes desta data, a sociedade feudal não reconhecia que as crianças possuíam características próprias da infância. Com a queda do sistema feudal, a família tornou-se unicelular, ou seja, mais unida e privada, e a criança é tida como frágil (biologicamente), distanciada dos meios produtivos; e então, como conseqüência, é um ser dependente do adulto, de quem precisa ajuda para agir na sociedade.

Segundo o modelo familiar burguês que surgiu na Idade Moderna, a criança passou a ser valorizada, e juntamente com as idéias para seu desenvolvimento intelectual surge a necessidade de manipulação de suas emoções. É neste contexto que a escola e a literatura aparecem para atender a essas questões. Prova disto é que os primeiros textos para as crianças são de caráter educativo. O cunho educativo é dotado de um pragmatismo que não aceita a literatura como arte, mas como atividade de dominação da criança, ou seja, de cunho exclusivamente moralista e ditadora de regras.

Essa idéia de dominação é incorporada pela escola como objetivo, uma vez que esta introduz a criança na vida adulta, mas ao mesmo tempo, protege-a contra as agressões do mundo exterior, separando-a de seu coletivo (família, sociedade) e a fazendo esquecer o que já sabe.

“O sistema de clausura coroa o processo: a escola fecha suas portas para o mundo exterior [..]. As relações da escola com a vida são, portanto, de contrariedade [...] É por omitir o social que a escola pode se converter num dos veículos mais bem sucedidos da educação burguesa; pois a partir desta ocorrência, tornou-se possível a manifestação dos ideais que regem a conduta da camada do poder, evitando o eventual questionamento que revelaria sua face mais autêntica.” (ZILBERMAN, 1985, p. 19).

As relações entre literatura e escola possuem aspectos comuns e divergentes. Comuns pois as duas são de natureza formativa e divergentes pois a escola busca transformar a realidade viva e sintetizá-la nas disciplinas. Nesse processo de síntese, interrompem-se os vínculos com a vida atual. Já a literatura infantil sintetiza, por meio dos recursos de ficção, uma realidade que tem amplos pontos de contato com o que o leitor vive cotidianamente.

O professor precisa estar consciente dessas questões e trabalhar para que a relação literatura e escola aconteça de forma harmônica. Um dos passos que precisa ser bem construído refere-se a escolha dos textos e a adequação dos mesmos ao leitor.

O mais importante que resta disso tudo é que nunca esqueçamos a lição, crianças, jovens ou adultos no mundo das fadas, todos seguimos encantados e felizes para sempre!
–––––––––––––-
Juliana Boeira da Ressurreição, pós-graduanda do curso de Novas Abordagens em Língua Portuguesa e Literatura da Língua Portuguesa -Faculdade Cenecista de Osório-FACOS/RS
Orientadora Profa. Dra. Cristina Maria de Oliveira
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continua...

Monteiro Lobato (Viagem ao Céu) I - O Mês de Abril

Era em abril, o mês do dia de anos de Pedrinho e por todos considerado o melhor mês do ano. Por quê? Porque não é frio nem quente e não é mês das águas nem de seca — tudo na conta certa! E por causa disso inventaram lá no Sítio do Pica-Pau Amarelo uma grande novidade: as férias-de-lagarto.

— Que história é essa?

Uma história muito interessante. Já que o mês de abril é o mais agradável de todos, escolheram-no para o grande “repouso anual” — o mês inteiro sem fazer nada, parados, cochilando como lagarto ao sol! Sem fazer nada é um modo de dizer, pois que eles ficavam fazendo uma coisa agradabilíssima: vivendo! Só isso. Gozando o prazer de viver...

— Sim — dizia Dona Benta — porque a maior parte da vida nós a passamos entretidos em tanta coisa, a fazer isto e aquilo, a pular daqui para ali, que não temos tempo de gozar o prazer de viver. Vamos vivendo sem prestar atenção na vida e, portanto, sem gozar o prazer de viver à moda dos lagartos. Já repararam como os lagartos ficam horas e horas imóveis ao sol, de olhos fechados, vivendo, gozando o prazer de viver — só, sem mistura?

E era muito engraçada a organização que davam ao mês de abril lá no sítio. Com antecedência resolviam todos os casos que tinham de ser resolvidos, acumulavam coisas de comer das que não precisam de fogão — queijo, fruta, biscoitos, etc, botavam um letreiro na porteira do pasto:

e depois de tudo muito bem arrumado e pensado, caíam no repouso.

Era proibido fazer qualquer coisa. Era proibido até pensar. Os cérebros tinham de ficar numa modorra gostosa. Todos vivendo — só isso! Vivendo biologicamente, como dizia o Visconde.

Mas a necessidade de agitação é muito forte nas crianças, de modo que aqueles “abris-de-lagarto” tinham duração muito curta. Para Emília, a mais irrequieta de todos, duravam no máximo dois dias. Era ela sempre o primeiro lagarto a acordar e correr para o terreiro a fim de “desenferrujar as pernas”. Depois vinha fazer cócegas com uma flor de capim nas ventas de Narizinho e Pedrinho — e esses dois lagartos também se espreguiçavam e iam desenferrujar as pernas.

No abril daquele ano o Visconde não pôde tomar parte no repouso por uma razão muito séria: porque já não existia. Dele só restava um “toco”, aquele toco que a boneca recolhera na praia depois do drama descrito na última parte das Reinações de Narizinho.

Mas era preciso que o Visconde existisse! O sítio ficava muito desenxabido sem ele. Todos viviam a recordá-lo com saudades, até o Burro Falante, até o Quindim. Só não se lembrava dele o Rabicó, o qual só tinha saudades das abóboras e mandiocas que por qualquer motivo não pudera comer. E como era preciso que o Visconde ressuscitasse, na segunda manhã daquele belo mês de abril, Emília, depois de um grande suspiro, resolveu ressuscita-lo.

Emília estava no repouso, como os outros, no momento em que o grande suspiro veio. Imediatamente levantou-se e foi para aquele canto da sala onde guardava os seus “bilongues1”; abriu a famosa canastrinha e de dentro tirou um embrulho em papel de seda roxo. Desfazendo o embrulho, apareceu um toco de sabugo muito feio, depenado das perninhas e braços, esverdeado de bolor. Eram os restos mortais do Visconde de Sabugosa! Emília olhou bem para aquilo, suspirou profundamente e, segurando-o como quem segura vela na procissão, foi em procura dos meninos.

Narizinho e Pedrinho estavam no pomar, debaixo dum pé de laranja-lima, apostando quem “pelava laranja sem ferir”, isto é, quem tirava toda a película branca sem romper os “casulos que guardam as garrafinhas de caldo” — isto é, gomos.

— Está aqui o sagrado toco do Visconde — disse Emília, aproximando-se e sempre a segurar o pedaço de sabugo com as duas mãos. — Vou pedir a Tia Nastácia que bote as perninhas, os braços e a cabeça que faltam.

— Hoje? Que idéia! — exclamou a menina.

— Hoje, sim — afirmou Emília. — Tia Nastácia está “lagarteando”, mas negra velha não tem direito de repousar.

Narizinho encarou-a com olhos de censura.

— Malvada! Quem neste sítio tem mais direito de descansar do que ela, que é justamente quem trabalha mais? Então negra velha não é gente? Coitada! Ela entrou no lagarto ontem. Espere ao menos mais uns dias.

— Não. Há de ser hoje mesmo, porque estou com um nó na garganta de tantas saudades desta peste — teimou Emília com os olhos no toco. — E fazer um Visconde novo não é nenhum trabalho para ela — é até divertimento. A diaba tem tanta prática que mesmo de olhos fechados, dormindo, arruma este.

E deixando os dois meninos ocupados na aposta de pelar laranjas sem feri-las, lá se dirigiu para o quarto da boa negra, com o toco seguro nas duas mãos, como um círio bento.
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Nota:
1— Emília tinha palavras especiais para tudo, que ela mesma ia inventando. As coisinhas dela, os guardadinhos, as curiosidades do seu museu, etc, eram os seus “bilongues”. Talvez essa palavra viesse do inglês “belonging”, que quer dizer propriedade, coisa que pertence a alguém.

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Continua... II – O Visconde Novo
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Aparecido Raimundo de Souza (A Canção que Tocou no Meio da Noite...)


Minha namorada ao ouvir uma música no rádio resolve me acordar às quatro horas da manhã.

- Amor, amor -, grita numa euforia barulhenta. – Olha que coisa linda...!!!

Pulo, assustado, tropeçando os olhos embaralhados no travesseiro sonolento.

- O que foi PP???

- Olha...!!!

- Não estou vendo nada. Onde? Cadê???

- A música...!!!

- Que música???

- Essa que está tocando... Ouça...!!!

- Então não é pra ver, é pra ouvir. Tudo bem! Estou gostando. O que tem ela?

- Não é divina? - Completa PP espichando para meu rosto seus olhos meigos da noite não dormida.

- Ah, sim, maravilhosa! Principalmente para se curtir depois de ser arrancado, aos sobressaltos, dos braços de Morfeu.

- Desculpa amor, não foi por querer – cochicha à vozinha fina: É que achei tão caliente. Sabe quem está cantando?

- Sei.

- Nossa, amor, que bom. Hoje então será meu dia de sorte. Nosso dia, melhor dizendo. Diz ai: quem é a deusa dessa voz venturosa?

- Você daqui a cem anos.

- Engraçadinho. Fala sério – troveja injuriada. Quem canta essa preciosidade?

- Sua irmã Pri - digo acorrendo num ímpeto quase carinhoso.

- Não brinca - Brada incontrolável. - Olha como estou trêmula. Parece até que me acorrentei às raias de um piripaque.

- Minha linda, se essa droga da música está lhe fazendo mal, me deixa desligar o som. Basta um clic e pronto.

- Pelo amor de Deus, não faça isso. Eu amo essa música. Eu amo, entende? Amo de paixão. Amoooooooooo!...

- Como consegue gostar de uma música, ou melhor, amar uma canção que desconhece quem a está cantando?!...

- Acontece, amor. – Diz num acesso de arrebatamento jubiloso. - Nunca passou por uma situação assim? Asseguro que é deveras constrangedor, mas, ao mesmo tempo, inebriante, avassalador – completa PP espalhando, por tudo, em redor, a doçura do seu entusiasmo.

- Concordo com você. Mas, PPzinha, como pode ver, essas bobeiras não me acontecem nem quando entro em alfa. Sabe, ao menos, o nome da bendita cantora?

- Nem imagino...!!!

- PP, PPzinha, me explica de novo: como se deixar envolver por uma simples canção que toca no rádio, se você acabou de me dizer que desconhece o principal, que é nome da artista?

- A isso, seu bobinho, se dá o nome de amor a primeira vista. Despertei com ela, me enamorei. Ela mexeu comigo. Desculpe, me esqueci: você não é nem um pouquinho romântico – conclui a guisa de resmungo.

- Sou romântico sim.

- Me poupe. Se fosse romântico, ao menos carinhoso, estaria, agora, grudado em meu peito, curtindo juntinho ao meu corpo essa belíssima canção angelical.

- O fato de não estar colado em você não quer dizer que não seja romântico. Sou mais do que possa imaginar.

- Aposto que não se deu conta. Pare um minuto, ouça a letra, sinta a melodia, se ligue nos acordes, procure viajar na orquestração, na voz, enfim, cadê seu lado zen...?

-... Em...???

-... Zen...!!!

-... Ah, meu amor, deixa isso pra lá: vem pra mim, vem!...

Centro de São Paulo horas depois, na avenida movimentadíssima, em direção ao meu trabalho, perto do prédio onde fica o escritório da empresa, ao passar em frente duma loja de eletroeletrônicos, deparo, sem querer, com a tal da musica tocando em vários aparelhos ao mesmo tempo. Pergunto para a moça que se apressa ao meu encontro com um sorriso aberto de um canto a outro da boca:

- Pois não, senhor? Em que posso ajudá-lo?

- Que música é esta? - Berro trovejando vertente ansiedade.

- Não sei senhor!

Tomado por um impulso movido a doidera momentânea, passo a mão em um dos aparelhos que servem de mostruário ao público. Na verdade, arranco do meio dos outros um três em um pequeno, movido a pilha e luz, e, saio correndo em direção à movimentação da cidade barulhenta. Os seguranças deitam em meu encalço. O gerente chama a policia. Na calçada, esbarrando em transeuntes açodados, desembesto o trocinho tocando, numa altura anormal. Entro em outra loja, logo adiante, e me dirijo também à primeira funcionária que se destaca, não só pelo brilho do rosto, como pela beleza de seu uniforme impecável. Mando a pergunta, na bucha:

- Que música é esta? – Aventuro incontido. - Sabe dizer que música é esta? - Ou quem canta, pelo menos?

Diante da negativa da jovem volto a carreira, o rádio executando a música que me acordou às quatro horas da manha. Outra loja e mais gente balançando a cabeça contraria a resposta que busco, embalde. Finalmente, me deparo com uma discoteca enorme, sofisticada, bem sortida. “ - Ufa! Até que enfim...” - Murmuro com meus botões – “Alguém, nesta joça, me dará a resposta que procuro”. Dito e feito:

- Essa musica ai se chama “Canção do amor verdadeiro”, temos em estoque, e quem canta é Mariza da Ximbica Cor de Rosa. O senhor quer ouvir???

Agradeço, viro as costas e me disponho a ganhar o dia lindo de céu azul e ensolarado. Todavia, ao meter os pés no frontispício da giratória, percebo uma galera a minha recepção, lá fora. Vislumbro a vendedora, o dedo em riste apontado em minha direção, os seguranças imbuídos de um forte apetite bestial, e, em meio a esse quase surto histérico, capturo os semblantes de poucos amigos de dois policiais militares, um dos quais, com as algemas ameaçadoras e prontas para encaixarem em meus braços.

- “... É ele...!!! ... É ele...!!!...” - Escuto a alta voz. – “... Foi ele...”- Fulmina uma branquelinha com uma soberba vivacidade de discrição – “... Olha a prova do crime nas patas sujas do sujeito...” -, instiga outra notívaga, que a acompanha, enquanto cerra a meio os seus macios olhos de míope. “... Cana no meliante, sargento...!!!”.

Saio preso e algemado em flagra, depois de levar uns belos catiripapos pelas ventas. Contudo, feliz, realizado. Sei, agora, o nome da porcaria da música e quem a interpreta. Depois de me livrar do delegado, poderei adentrar numa dessas lojinhas existentes ai pela cidade e comprar o cd para a PPzinha, minha doce e esfuziante cara metade.

Fontes:
Texto enviado pelo autor
Imagem = http://teianeuronial.com/antianticomunicacao/

sábado, 2 de julho de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 261)


Uma Trova Nacional

Diz o Zezinho, zangado,
do zero que recebeu:
- “não acho que escreva errado;
se escrevo, o “pobrema” é meu!...
–IZO GOLDMAN/SP–

Uma Trova Potiguar

A trovadora reclama
o peso do pé gessado;
e repousando na cama,
faz trovas de pé-quebrado.
–DJALMA MOTA/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - Bandeirantes/PR
Tema: VISITA - M/E.

Não reclamo da visita
e nem vou fazer piada,
pois minha sogra é bonita
e eu “adoro” essa danada!
–ELISABETH SOUZA CRUZ/RJ–

Uma Trova de Ademar

Um poeta sem “crachá”
rimou feio pra chuchu:
“a castanha do Pará
com castanha de caju.”
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Adão é que teve a sorte
que a maioria não logra,
foi feliz até a morte,
porque nunca teve sogra.
–NEY DAMASCENO/RJ–

Simplesmente Poesia

Se a morte acena o seu véu,
quem há de nos socorrer?
convite pro beleléu,
não se pensa em receber.
Todos querem ir pro céu
de mala, terno e chapéu,
mas ninguém pensa em morrer.
–VITOR RONALDO COSTA/DF–

Estrofe do Dia

Mamãe dizia a papai:
se estiver aborrecido,
me avise logo com tempo,
pode ficar prevenido:
da forma que eu mudo a saia,
mudo também o marido.
–LEANDRO GOMES DE BARROS/PB–

Soneto do Dia

–FRANCISCO MACEDO/RN–
...E, Não Nasceu!

Menino das quebradas do sertão,
um pequeno matuto sonhador.
Na verdade, um exímio plantador,
já cansado do milho e do algodão...

Um dia, ao conhecer o macarrão,
fez despertar seu ser agricultor
e pensando tornar-se um inventor
começou em sigilo, a plantação.

Plantou seu macarrão às escondidas,
nas covas, que cavou, bem divididas,
e esperou que nascesse, e, não nasceu!

Um sonho de frustrada agricultura...
E o menino deste sonho e aventura,
de idealismo e fé, digo: Era eu.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Cláudio de Cápua (Galo Doidão)


publicado originalmente na edição número 2 da revista Santos Arte e Cultura

Certas cenas indelevelmente ficam registradas, em nossa mente e, de uma forma ou de outra, marcam nossas vidas. Uma delas: eu tinha aproximadamente sete anos e Berto, meu irmão, uns três menos. Morávamos na Avenida Inajá, hoje Lavandisca, no bairro de Indianópolis, em São Paulo. Terreno, com 20 metros de frente, e 65 de fundos. Na frente, a casa de meu avô materno, e nos fundos, a nossa casa. Tínhamos no belo pomar dois pessegueiros, limoeiro, laranjeira, ameixeira e dois pés de figo, sendo que um deles era raro, figo branco. E ainda uma parreira de uvas rosé, um pé de louro, touceira média de cana e uma enorme goiabeira de frutos vermelhos, que, temporã, frutificava o ano inteiro.

Certo dia, nossa avó, Maria da Glória, fez-nos uma surpresa; - trouxe da feira cinco pintinhos, que nos foram dados de presente. Dois logo morreram, e os outros três se transformaram em duas frangas e um frango. As frangas logo foram parar na panela, mas o galo virou bicho de estimação. Nossa família, descendente de italianos, como 85% das famílias paulistanas, nunca deixava faltar vinho à mesa. Certo dia, num almoço domingueiro, tio Rafael, irmão de minha mãe, molhou miolo de pão num resto de vinho e arremessou-o pela janela, em direção ao nosso galo. Petisco de imediato devorado. Resultado: o galo pôs-se a cantar fora de hora.

Berto, meu irmão, embora pequeno, era vivo e arteiro. Viu o que o pão e o vinho fizeram ao galo e passou a repetir a arte a qualquer hora do dia ou da noite. E, após algum tempo, o galo assumiu um ritual todo seu. Devorava o petisco, subia no tanque, pulava para o muro da vizinha, de onde saltava para o telhado do tanque e depois para o telhado da casa. E, aí, ele percorria o telhado, até a frente da residência e bem no alto da cumeeira punha-se a cantar, a qualquer hora do dia ou da noite, para uma platéia de transeuntes que paravam diante da casa, abismados com o espetáculo daquele galo doidão, sem entender as razões de sua estranha euforia.

Fonte:
Cláudio de Cápua
Imagem = http://www.clipart.criadoronline.com.br