sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Trovadorismo (Parte 2)

Gêneros:

 - lírico (cantigas de amigo e cantigas de amor): o amor é a temática constante

 - satírico (cantigas de escárnio e de mal dizer): crítica social.

CANTIGAS DE AMIGO

As Cantigas de Amigo têm origem galego-lusitana e autóctone, isto é, originam-se da tradição popular e do folclore da própria Península Ibérica. Cronologicamente, são anteriores às cantigas de amor, mas inicialmente não eram escritas. Só com a chegada das cantigas provençais e o desenvolvimento da arte poética é que se registraram em textos.

 Retratam o cotidiano, a vida rural e o ambiente urbano das aldeias medievais. A mulher que encontramos aqui é real, concreta. É uma camponesa, uma mulher do povo, que fala de seus problemas amorosos.

 Apesar de ser compostas e cantadas por homens, o sujeito-lírico das Cantigas de Amigo é sempre feminino. O trovador enfoca o ponto de vista feminino, colocando-se no lugar da mulher que sofre pelo amado distante, por ciúmes, pelo amor não correspondido.

 A temática é o amor pelo "amigo" (namorado, amante, marido) e a "coita" (sofrimento amoroso, geralmente causado pela ausência do amado). O amor é infeliz, mas também natural e espontâneo. Ademais, trata-se de um amor concreto, realizável. O tom pode ser de frustração, mas o "amigo" é real.

 Há uma forte presença do campo, da natureza e de pessoas do ambiente familiar.

 As situações de diálogo são bastante freqüentes, principalmente em tom de confissão. É comum enfocar as confissões da mulher a sua mãe e suas amigas, e até mesmo em conversas com a natureza, em confissões aos pássaros, fontes, riachos, flores. Todavia, cabe ressaltar que a mulher nunca fala diretamente com seu interlocutor (o "amigo").

 A linguagem é mais simples do que as das cantigas de amor, tendo em vista seu caráter popularesco, visto que não se ambientam em palácios, abordando pequenos quadros sentimentais.

 Possuem estrutura de cantigas de refrão e paralelísticas. É comum a repetição do mesmo verso (= refrão) ao final de todas as estrofes, o que mantém o ritmo cadenciado e reforça uma mesma idéia, valorizando-a. Daí sua musicalidade, que vai de encontro à tradição oral ibérica.

Há vários tipos de cantigas, conforme a maneira como o assunto é tratado ou o cenário onde se dá o encontro amoroso:

 - albas ou alvas (ao amanhecer);
 - bailias ou bailadas (convite à dança);
 - marinas, marinhas ou barcarolas (temas relacionados a mar, rios, barcos);
 - pastorelas (temas campesinos);
 - plang (canto de lamentação).
 - de romaria (peregrinações a santuários);
 - serranilhas (nas montanhas);

Veja exemplos de Cantigas de Amigo

 Bailemos nós já todas três, ai amigas,
 so aquestas avelaneiras frolidas,
 e quen fôr velida, como nós, velidas,
 se amig'amar, so aquestas avelaneiras frolidas
 Verrá bailar.
 Bailemos nós já todas três, ai irmanas,
 so aqueste ramo destas avelanas,
 e quem bem parecer, como nós parecemos,
 se amig'amar,
 so aqueste ramo destas avelanas,
 verrá bailar.
 Por Deus, ai amigas, mentr'al non fazemos
 so aqueste ramo frolido bailemos,
 e quen bem parecer, como nós parecemos,
 so aqueste ramo so lo que bailemos
 se amig'amar,
 verrá bailar.
(Aires Nunes)

Ondas do mar de Vigo,
 se vistes meu amigo?
 E ai Deus, se verra cedo!

 Ondas do mar levado,
 se vistes meu amado?
 E ai Deus, se verra cedo!

 Se vistes meu amigo,
 o por que eu sospiro?
 E ai Deus, se verra cedo!

 Se vistes meu amado,
 por que ei gram coidado?
 E ai Deus, se verra cedo!
(Martim Codax - CV 884, CBN 1227)

- Ai flores, ai flores do verde pino,
 se sabedes novass do meu amigo!
 Ai Deus, e u é?

 Ai flores, ai flores do verde ramo,
 se sabedes novas do meu amado!
 Ai Deus, e u é?

 Se sabedes novas do meu amigo,
 aquel que lmentiu do que pôs comigo!
 Ai Deus, e u é?

 Se sabedes novas do meu amado,
 aquel que mentiu do que mi á jurado!
 Ai Deus, e u é?

 - Vós me preguntades polo voss'amado,
 e eu bem vos digo que é san'e vivo.
 Ai Deus, e u é?

 Vós me preguntades polo voss'amado,
 e eu bem vos digo que é viv'e sano.
 Ai Deus, e u é?

 E eu bem vos digo que é san'e vivo
 e seera vosc'ant'o prazo saído.
 Ai Deus, e u é?

 E eu bem vos digo que é viv'e sano
 e seera vosc'ant'o prazo passado.
 Ai Deus, e u é?
(D. Dinis)

Pois nossas madres van a San Simon
 de Val de Prados candeas queimar,
 nós, as meninhas, punhemos de andar
 con nossas madres, e elas enton
 queimen candeas por nós e por si
 e nós, meninhas, bailaremos i.

 Nossos amigos todos lá irán
 por nos veer, e andaremos nós
 bailando ante eles, fremosas en cós,
 e nossas madres, pois que alá van,
 queimen candeas por nós e por si
 e nós, meninhas, bailaremos i.

 Nossos amigos irán por cousir
 como bailamos, e podem veer
 bailar moças de bon parecer,
 e nossas madres pois lá queren ir,
 queimen candeas por nós e por si
 e nós, meninhas, bailaremos i.
(Pero de Viviãez, CV 336, CBN 698)


CANTIGAS DE AMOR

As Cantigas de Amor têm origem provençal, com os poetas do sul da França, e foram levadas a Portugal através de eventos religiosos e contatos entre as cortes. Todavia, as cantigas de amor em Portugal são mais sinceras e mais autênticas na expressão dos sentimentos do que as que lhes deram origem.

 O sujeito-lírico das Cantigas de Amor é sempre masculino: o trovador faz a corte a uma dama (interlocutor), dentro das convenções do amor cortês traduzidas na "vassalagem amorosa" - reflexo da estrutura social da época - e na idealização da mulher.

 A temática continua sendo a "coita" agregada à distância absurda entre o homem e a mulher objeto de seu amor: é a coita amorosa do trovador perante uma mulher inatingível. O amor é impossível, irrealizável, idealizado, fantasiado. O sofrimento amoroso é, na maioria das vezes, causado por um amor proibido ou não-correspondido.

 A mulher amada está em posição de superioridade, até por sua condição social, sendo tratada como "mia senhor". Seu nome jamais é revelado, por mesura ou para não comprometê-la (devido às diferenças de posição social ou pelo fato de ser casada). O trovador coloca-se humildemente a seu serviço, como seu vassalo, rogando para que ela aceite sua dedicação e submissão, refletindo a relação social de servidão da época.

 A mulher inacessível é exaltada e sacralizada, refletindo um erotismo disfarçado, deturpado, sublimado pela opressão religiosa e pela sociedade machista, sem a possibilidade de uma sensualidade explícita.

 Há uma contemplação platônica e a aparência física da mulher amada é tratada como extensão das qualidades morais.

 A linguagem é refinada e bem mais trabalhada do que a das cantigas de amigo, tendo em vista seu ambiente cortesão, retratando a vida da nobreza nos palácios.

 Possuem estrutura de cantigas de refrão ou de maestria (mais complexas).

Veja exemplos de Cantigas de Amor

 Hun tal home sei eu, bem talhada
 Que por vós tem a sa morte chegada;
 Vides quen é e seed'en nanbrada;
 Eu, mia dona.

 Hun tal home sei eu que preto sente
 De si morte chegada certamente;
 Vêdes quem é e venha-vos en mente;
 Eu, mia dona.
 Hun tal home sei eu, aquest'oide:
 Que por vós morr' e vo-lo en partide,
 Vêdes quem é e non xe vos obride;
 Eu, mia dona.
(El-rei D. Dinis)

Quer'eu em maneira de proençal
 fazer agora un cantar d'amor,
 e querrei muit'i loar mia senhor
 a que prez nen fremusura non fal,
 nen bondade; e mais vos direi en:
 tanto a fez Deus comprida de ben
 que mais que todas las do mundo val.

 Ca mia senhor quiso Deus fazer tal,
 quando a faz, que a fez sabedor
 de todo ben e de mui gran valor,
 e con todo est'é mui comunal
 ali u deve; er deu-lhi bon sen,
 e des i non lhi fez pouco de ben,
 quando non quis que lh'outra foss'igual.

 Ca en mia senhor nunca Deus pôs mal,
 mais pôs i prez e beldad'e loor
 e falar mui ben, e riir melhor
 que outra molher; des i é leal
 muit', e por esto non sei oj'eu quen
 possa compridamente no seu ben
 falar, ca non á, tra-lo seu ben, al.
(El-Rei D. Dinis, CV 123, CBN 485)

 Proençaes soen mui ben trobar
 e dizen eles que é con amor;
 mais os que troban no tempo da frol
 e non en outro, sei eu ben que non
 an tan gran coita no seu coraçon
 qual m'eu por mha senhor vejo levar.

 Pero que troban e saben loar
 sas senhores o mais e o melhor
 que eles poden, soõ sabedor
 que os que troban quand'a frol sazon
 á, e non ante, se Deus mi perdon,
 non an tal coita qual eu ei sen par.

 Ca os que troban e que s'alegrar
 van eno tempo que ten a color
 a frol consigu', e, tanto que se for
 aquel tempo, logu'en trobar razon
 non an, non viven [en] qual perdiçon
 oj'eu vivo, que pois m'á-de matar.
(El-Rei D. Dinis, CV 127, CBN 489)


Continua…

Fonte:
Garganta da Serpente

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