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quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Folclore Japonês (Hatschihime)

Hatschihime, a donzela protegida, popularmente conhecida como “A Donzela com Capacete de madeira” se passou há muito, muito tempo… Em uma pequena aldeia do Japão vivia um velho homem, sua esposa e filha. Por muitos anos eles foram felizes e prósperos, mas maus momentos vieram e, finalmente, nada lhes foi deixado, além da menina, que era tão bonita como o sol da manhã. Os vizinhos foram muito amáveis, e fizeram tudo o que podiam para ajudar seus pobres amigos, mas o velho casal sentiu que desde que tudo tinha mudado eles preferiam ir para outro lugar e recomeçar. Então um dia eles partiram adentrando o país, levando apenas sua única filha com eles…

A Lenda

Agora, a mãe e a filha tinha muito que fazer para manter a casa limpa e cuidar do jardim, mas o homem sentava-se por horas a fio olhando o infinito a pensar nas riquezas que antes possuíam. Cada dia que passava mais e mais miserável ele se sentia, até que finalmente, ele foi para sua cama e nunca mais se levantou. Sua esposa e filha choraram amargamente por sua perda, e passaram-se muitos meses sem que pudessem ter prazer em nada.

Então, certa manhã a mãe de repente olhou para a menina e percebeu que ela tinha crescido ainda mais encantadora do que antes. Seu coração teria ficado contente com a visão, mas agora que as duas estavam sós no mundo, ela temia que algum mal pudesse lhes acontecer. Então, como uma zelosa mãe, ela tentou ensinar sua filha tudo o que sabia, e, desta forma, mantê-la sempre ocupada, de modo que ela nunca iria ter tempo para pensar sobre si mesma ou no mundo lá fora. E a garota que era uma boa filha, ouviu todas as lições de sua mãe, e assim os anos se passaram.

Na última úmida primavera, a mãe pegou uma friagem, e embora no início ela não prestasse muita atenção, a enfermidade cresceu gradualmente, deixando-a mais e mais doente. A pobre mãe pressentiu que ela não tinha muito tempo de vida. Então chamou a filha e disse-lhe que muito em breve ela estaria sozinha no mundo, e que ela deveria cuidar de si mesma, pois dali em diante, não haveria ninguém para olhar por ela. E temerosa, sabendo que era mais difícil para as mulheres bonitas passar despercebidas do que para outros, ela mandou-lhe buscar um capacete de madeira para que fosse usado fora da casa. Ela deveria colocá-lo em sua cabeça, e puxá-lo para baixo sobre as sobrancelhas, de modo que quase todo o rosto deveria ser encoberto em sua sombra.

A menina fez o que lhe foi orientado, e sua beleza era tão escondida sob a aba de madeira, que cobria todo seu rosto e o cabelo, que ela poderia ter passado por toda a multidão, que ninguém teria olhado duas vezes para ela.

E quando viu isso, o coração da mãe que estava em repouso, finalmente sossegou, ela então deitou em sua cama e calmamente morreu.

A menina chorou por muitos dias. Mas, sentiu que estando sozinha no mundo, ela deveria partir e arranjar trabalho, pois agora só tinha que depender de si mesma. Não havia nada para ser obtido no lugar onde estava. Decidida, ela arrumou suas roupas em um saco, e caminhou sobre as colinas até que chegou à casa do homem que possuía a maioria dos campos nessa parte do país.

E a jovem conseguiu trabalho com ele, e trabalhou em suas terras de cedo à tarde. E todas as noites quando ia para a cama, sentia-se em paz, pois ela não tinha esquecido o que tinha prometido a sua mãe. E, mesmo estando sob o sol quente, ela sempre mantinha o capacete de madeira sobre a cabeça, ao que o povo da região deu-lhe o apelido de Hatschihime.

Porém, apesar de todos os seus cuidados, a fama de sua beleza se espalhou; muitos jovens insolentes iam atrás dela enquanto estava no trabalho e tentavam levantar o capacete de madeira. Mas a menina não tinha nada a dizer a eles, e apenas pedia-lhes que a deixassem; em seguida, eles insistiam em falar com ela, mas ela nunca respondia e continuava com o que estava fazendo.

E assim seus dias iam se passando, e embora seu salário fosse baixo e a comida não muito abundante, ainda assim, ela conseguia viver, e isso era suficiente.

Certa vez, aconteceu de seu mestre passar através do campo onde ela estava trabalhando, e, impressionado com o seu desempenho, parou para observá-la. Depois de um tempo ele lhe fez algumas perguntas, e, em seguida, levou-a para sua casa, e disse-lhe que doravante o seu único dever seria cuidar de sua esposa doente.

A partir deste momento a garota sentiu como se todos os seus problemas terminassem, mas o pior deles ainda estava por vir.

Não muito tempo depois, Hatschihime havia se tornado empregada da patroa doente, fazendo todo tipo de trabalho doméstico na casa. Por esse tempo, o filho mais velho da casa voltou de Kyoto, onde estava estudando. Ele estava cansado dos esplendores da cidade e seus prazeres, e alegrou-se o suficiente para estar de volta na terra verde, entre os pêssegos-flor e flores doces.

Um dia, passeando no início da manhã, ele avistou a garota com o capacete de madeira em sua cabeça. Curioso, imediatamente foi até sua mãe para perguntar quem era a jovem, de onde veio, e por que ela usava aquela coisa estranha sobre seu rosto. Sua mãe respondeu-lhe que era um capricho da menina, e ninguém conseguia convencê-la a colocá-lo de lado; o jovem riu, mas manteve seus pensamentos para si mesmo.

No entanto, em um dia quente, ele voltava para casa quando avistou a empregada de sua mãe em um pequeno riacho que corria pelo jardim, distraída, espirrava um pouco de água sobre seu rosto. O capacete foi empurrado de lado, e como o jovem ficou observando por trás de uma árvore, ele teve um vislumbre da grande beleza da moça. Deslumbrado com tamanho encanto determinou que, além daquela jovem, ninguém mais deveria ser sua esposa.

Mas quando ele contou a sua rica família sobre sua intenção de casar com a garota, ficaram todos muito irritados, fazendo todo tipo de maus comentários sobre ela. “Eu tenho apenas que permanecer firme”, pensou ele. “E eles terão que ceder”.

Porém, não ocorreu a ninguém que ela recusaria o jovem, mas assim foi. Apesar de corresponder aos sentimentos do belo rapaz, não seria certo, ela sentiu, provocar uma desavença na casa, e, embora em segredo, chorou amargamente por um longo tempo, nada a faria mudar de ideia.

Por fim, uma noite sua mãe lhe apareceu em sonho e ordenou-lhe que se casasse com o jovem. Então, da próxima vez que ele pediu a sua mão em casamento – como ele fazia quase todos os dias – para sua surpresa e alegria, a menina consentiu.

Os pais do jovem, em seguida, vendo que não restava nada a fazer, começaram a fazer os grandes preparativos adequados à ocasião. É claro que os vizinhos, contrariados com a ideia de ver um nobre que poderia desposar suas filhas, casar-se com uma miserável, disseram muita coisa ruim sobre a jovem de capacete de madeira, mas o noivo estava feliz demais para prestar atenção, e apenas riu deles.

Quando tudo estava pronto para a festa, e a noiva estava vestida com o mais belo vestido bordado encontrado no Japão, faltava retirar o capacete de madeira para arrumar-lhe os cabelos. Mas o capacete não saiu, e quanto mais eles puxavam, mais forte ele parecia prender, até que a pobre moça gritou de dor. Ao ouvir os gritos, o noivo correu e a acalmou, declarando que, já que ele não saia, ela deveria se casar com o capacete.

Em seguida, a cerimônia começou, e o casal de noivos juntos se sentou, e o copo de vinho lhes foi trazido, a partir da qual eles tinham que juntos beber. E quando eles tinham bebido tudo, e o copo estava vazio, uma coisa maravilhosa aconteceu.

O capacete, de repente, com um ruído alto se partiu e caiu em pedaços no chão, e como todos se viraram para olhar, eles encontraram o chão coberto com pedras preciosas que tinham caído dele. Mas os convidados estavam menos espantados com o brilho dos diamantes do que com a beleza da noiva, que foi além de qualquer coisa que já tinham visto ou ouvido falar. Seu rosto resplandecia à beleza e alegria.

A noite foi passada em meio a muita música e dança, e, em seguida, a noiva e o noivo foram para sua própria casa, onde viveram felizes até sua morte. Não antes de terem muitos filhos, que eram famosos por todo o Japão por sua bondade e beleza.

Fonte:
Adaptação do Livro: Japanese Fairy Tales unit. Story: The Violet Fairy Book by Andrew Lang and illustrated by H. J. Ford (1901), in Caçadores de Lendas

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Folclore Japonês (Kinuhime: A Deusa da Seda)

Há um longo tempo, existia uma pitoresca aldeia japonesa famosa pelo cultivo da sericultura. Anualmente, durante a primavera, o local ficava lotado de trabalhadores que vinham de longe para a colheita dos casulos e o corte dos galhos das amoreiras. Consequentemente, nessa época, havia muitas festas na região. Entre os trabalhadores, destacava-se uma linda jovem chamada Kinu (seda).

Kinuhime: O Conto

No pequeno vilarejo, as pessoas eram muito unidas e todos trabalhavam felizes e com grande entusiasmo. Os bichos-da-seda alimentavam-se das folhas de amoreiras cortadas e colocadas nos barracões pelos trabalhadores, fazendo seus casulos nos galhos.

Quando terminavam os trabalhos de colheita dos casulos, os trabalhadores voltavam para suas províncias de origem e a aldeia voltava a ser pacata e até solitária.

A família de sericultores que acolheram temporariamente a jovem Kinu, percebeu que, em todos os anos em que ela trabalhou na cultura da seda em suas terras, os casulos eram maiores e mais brancos, sendo considerados pelo comprador da produção melhores até que os da China.

No final da temporada daquele ano, os sericultores fizeram grandiosa festa em agradecimento a boa colheita e serviram um delicioso banquete. Durante a festividade, tentaram descobrir de que região do Japão Kinu teria vindo, mas foi em vão. Ela nada contou, esquivando-se com respostas educadas.

Assim, ninguém ficou sabendo de onde ela veio, sobre sua família, nem para onde retornaria após a temporada de trabalho.

Na hora da partida, a família que a acolhera naquele ano pediu encarecidamente que Kinu voltasse no ano seguinte. Ela, educada, despediu-se de todos e deixou a aldeia por uma estrada estreita. Para assegurar que ela voltaria na próxima temporada, alguns aldeões a seguiram sorrateiramente no meio da mata, na tentativa de descobrir sobre sua origem.

Porém, poucas horas depois de sair da aldeia, ela desapareceu de repente. O local onde ela sumira, era na beira de um lago. Os aldeões vasculharam toda margem, mas nada encontraram. Um dos rapazes observou que no lago havia um ovo branco de serpente, fora isso, nada havia de diferente.

Na primavera seguinte, ela não apareceu, apesar de todos a esperarem ansiosamente. Alguns membros daquela família de sericultores viram várias vezes uma serpente branca andando na plantação de amora e próxima ao barracão da seda. Apesar da jovem Kinu não ter aparecido, mais uma vez os casulos colhidos naquele ano foram brancos e bonitos.

A família concluiu que aquela serpente branca que eles viram rondando a região, era Kinu. Misteriosamente transformada em serpente, ela estava protegendo os bichos-da-seda contra os ratos.

Baseado nessa crença, o povo da aldeia esculpiu uma estatueta com a forma da bela Kinu e a colocaram durante a primavera em um santuário Shintô, para que a partir de então, fosse reverenciada como a “deusa da seda”, protegendo sempre suas colheitas.

Após a temporada da seda, os aldeões, agradecidos, levaram a estatueta até um lago e a colocaram num pequeno barco, mandando-a de volta. Ainda hoje, em muitas aldeias de sericultores no Japão, esse ritual é praticado em reverência a “Kinuhime”, a zelosa deusa da seda.

Fonte: Myths and legends of ancient Japan, in Caçadores de Lendas

domingo, 31 de julho de 2016

Folclore Japonês (A História da Princesa Hase)

Muitos e muitos anos atrás, vivia em Nara, a antiga capital do Japão, um sábio ministro imperial, o Príncipe Toyonari Fujiwara. Sua esposa era uma mulher de origem nobre, gentil e com uma beleza exuberante, chamada Murasaki hime (Princesa Violeta).

Toyonari e a bela Violeta casaram  quando muito jovens ​​por suas respectivas famílias, de acordo com o tradicional costume japonês, e viveram juntos e felizes desde então. Tinham, no entanto, um motivo de grande tristeza, com o passar dos anos nenhuma criança nasceu. Isso os tornara muito infelizes, pois tanto ansiavam por um filho que cresceria para alegrar sua velhice, levar o nome da família adiante, e perpetuar seus ritos ancestrais.

O príncipe e sua adorável esposa, depois de muito tempo de consulta e de muito pensar, decidiram fazer uma peregrinação ao templo de “Hase-no-Kwannon” (Deusa da Misericórdia de Hase), eles acreditavam, de acordo com a tradição de sua religião, que a Mãe da Misericórdia, Kwannon, vem para responder as orações dos mortais na forma que eles mais precisam. Certamente, depois de todos estes anos de oração, ela viria a eles na forma de um filho amado, em resposta à sua peregrinação especial, pois essa era a maior necessidade de suas vidas. Pois eles tinham tudo o que esta vida poderia dar-lhes, mas era tudo tão nada, porque o grito de seus corações era insatisfeito.

Crentes, o príncipe Toyonari e sua esposa iniciaram sua peregrinação rumo ao templo de Kwannon em Hase, e lá ficaram por um longo tempo. Todos os dias faziam ofertas com incensos e oravam a Kwannon, a Mãe Celestial, a conceder-lhes o desejo de toda suas vidas. Até que, suas preces foram atendidas…

A filha da princesa Murasaki finalmente nasceu, e grandiosa foi a alegria de seu coração. Ao apresentar a tão desejada criança a seu marido, ambos decidiram nomeá-la de Hase-Hime, ou princesa Hase, pois ela fora concebida com as bençãos da deusa Kwannon do templo de Hase.

Os dois criaram-na com muito amor e carinho, a vida de Hase parecia um conto de fadas, e a criança cresceu em força e beleza.

Tudo parecia maravilhoso para a pequena princesa Hase, até que o tempo fugaz parou, quando ela tinha apenas cinco anos de idade e sua mãe caiu gravemente doente, tendo seu tempo interrompido neste mundo. Um pouco antes de dar seu último suspiro, chamou a princesa, e acariciando gentilmente a cabeça de sua tão amada filha, disse-lhe:

“Hase, você sabe que sua mãe não pode viver por muito mais tempo? Apesar de minha morte, você deve crescer como uma boa menina. Faça o seu melhor para não dar problemas ao seu pai ou qualquer outro membro da família. Talvez seu pai se case novamente um dia e alguém preencherá o meu lugar deixado como sua mãe. Se isso acontecer… prometa não chorar por mim, mas olhar para a segunda esposa de seu pai como sua verdadeira mãe, e ser obediente e uma boa filha a seu pai. Lembre-se que você já é uma menina crescida e deve respeitar seus superiores, e ser gentil com todos aqueles que estão abaixo de você. Não se esqueça disso. Eu morro com a esperança de que você vai crescer como modelo de uma grande mulher”.

Hase-Hime ouviu em uma atitude de respeito, enquanto sua mãe falava, e prometeu fazer tudo o que lhe foi dito.  E assim, Hase-Hime cresceu como sua mãe tinha desejado, uma boa e obediente princesa, embora ainda muito jovem para entender quão grande era a perda de sua mãe.

Não muito tempo depois da morte de sua primeira esposa, o príncipe Toyonari casou-se novamente, com uma mulher de origem nobre, Princesa Terute, e levou sua nova esposa e seu filho para morarem em seu casarão. O pedido da Princesa Murasaki seria posto à prova, pois a princesa Terute era uma mulher má com um coração perverso e invejoso em relação a menina que não era dela.

“Hase-Hime, depois do jantar você vai terminar suas lições. Ajude os criados a lavar os pratos, limpar o chão, engomar as roupas e logo em seguida deve se retirar a seus aposentos. Vá para a cama, pois você terá mais que aprender amanhã.” Princesa Terute presunçosamente ordenava.

Confusa, Hase-Hime respondeu: “Mas mãe, eu já ajudei a limpar o chão.”

“Bem, deve fazê-lo novamente e não chamar-me de mãe! Você não é minha filha.”

Mas Hase-Hime respondia a cada indelicadeza com paciência e obediência, assim como sua mãe havia lhe ensinado, de modo que sua madrasta não teria motivos para queixar-se contra ela. Com a morte de sua mãe, foi deixada a jovem Hime, o desejo de tornar-se uma mulher forte e gentil. Então, Hase-Hime resignadamente obedecia, esfregava o chão pela segunda vez, limpando os pratos, engomando as roupas e logo em seguida retirava-se para a cama.

Sozinha em seu quarto, ela se distanciava de toda sua dor envolvendo-se em poesia e música. Era um alento para ela, ser capaz de gravar seus pensamentos e orações nas artes. Quando a temerosa madrasta esquecia de sua existência, Hase-Hime passava horas praticando o koto, “tradicional harpa japonesa”, e no aperfeiçoamento de seus versos poéticos. Uma capacidade que a fez destacar-se rapidamente. Aos doze anos de idade, boatos de suas grandes performances alcançou o mais real dos lugares, o Palácio Imperial.

Foi na primavera, durante o Hanami, o Festival das Flores de cerejeira, quando houve uma grande festa na corte. A madrasta, sonhando em ter mais poder, escoltou pessoalmente Hase Hime até o Palácio, para uma apresentação especial ao Imperador. Estando lá, foram surpreendidas com o esplendor da arquitetura do nobre reino. Músicos tocavam nos pátios ricamente ornados, e o brilho do sol reluzia em tudo de uma maneira que  nunca tinham imaginado ser possível.

O Imperador desfrutando da temporada, ordenou que a princesa Hase tocasse o koto, e que Terute, sua madrasta,  a acompanhasse na flauta.

Hase-Hime tinha impressionante talento com a música e, embora tão jovem, muitas vezes surpreendia seus mestres. Nessa ocasião solene não foi diferente, ela tocou perfeitamente a harpa japonesa, mas Terute, uma mulher preguiçosa e vaidosa, que nunca se dava ao trabalho de praticar sua arte, falhou em seu acompanhamento e teve de solicitar a uma das damas da corte para tomar seu lugar.

Esta foi uma grande humilhação, a madrasta furiosa, sentiu inveja ao pensar que ela tinha falhado onde sua enteada havia sido bem sucedida, e para piorar a situação, o Imperador passou a enviar belos presentes para a jovem Hime, para recompensá-la pelo talento e a bela apresentação que fez no Palácio.

Havia também outra razão pela qual Terute odiava cada vez mais a filha do Príncipe Toyonari, nas profundezas de seu coração não parava de dizer:

“Se Hase-Hime não estivesse aqui, meu filho teria todo o amor e atenção de seu padrasto.”

Sem conseguir se controlar, permitiu que este pensamento ímpio continuasse a crescer e transformar-se em um terrível desejo de tirar a vida de sua enteada.

Então, um dia, ela secretamente ordenou a um de seus criados, misturar veneno em um pouco de suco doce. O licor envenenado ela colocou dentro de uma garrafa, e em outra garrafa semelhante ela derramou um pouco do liquido bom  e esperou uma oportunidade para executar seu plano maléfico.

Esta não demorou a apresentar-se, foi durante o Festival dos meninos no quinto dia de maio, quando Hase-Hime estava brincando com seu irmão mais novo. Todos os seus brinquedos de guerreiros e heróis estavam espalhados e ela contava-lhe histórias maravilhosas sobre cada um deles. Ambos estavam se divertindo e rindo alegremente com seus camareiros, quando sua mãe entrou com as duas garrafas de suco de uva e alguns deliciosos bolos…

“Vocês dois parecem felizes!”, Disse a Princesa Terute com um sorriso, “Para comemorar, eu trouxe um pouco de suco doce e alguns bolos deliciosos de arroz para os meus bons filhos”.

E ela encheu dois copos de diferentes garrafas…

Ela havia marcado cuidadosamente a garrafa envenenada, mas estava nervosa ao entrar no quarto, deixando derramar o licor, e inconscientemente entregou o cálice envenenado para o seu próprio filho.

Por todo esse tempo ela estava a observar ansiosamente a pequena princesa, mas para sua surpresa o rosto da jovem não mudava de expressão. De repente, o menino começou a gritar e jogou-se no chão, dobrando-se de dor. Sua mãe desesperada correu a socorrer, tomando a precaução de entornar os dois pequenos frascos de suco que ela havia trazido para a sala. Os criados correram a levar o menino até o médico, mas nada poderia salvá-lo, a criança morreu dentro de uma hora nos braços de sua mãe.

Assim, na tentativa de acabar com a vida de sua enteada, a mãe foi punida com a perda de seu próprio filho. Mas, em vez de culpar a si mesma, começou a odiar Hase-Hime mais do que nunca, na amargura e miséria de seu próprio coração, ela esperava ansiosamente por uma nova oportunidade para concluir a sua maldade.

Quando Hase-Hime completou treze anos, já era mencionada como uma poetisa de grande mérito. Esta era uma realização muito cultivada na época e tido em alta estima pelas mulheres do Japão antigo.

Por esse tempo, era período das chuvas em Nara, e os estragos das inundações eram relatados todos os dias. O rio Tatsuta, que corria pelos jardins do Palácio Imperial, transbordou além de suas margens, e o rugido das correntes de água correndo ao longo de um estreito leito, perturbava dia e noite o Imperador, o resultado, foi um distúrbio nervoso grave. Um edito imperial foi enviado para todos os templos budistas comandando aos sacerdotes oferecer orações contínuas ao Céu para parar o barulhento  dilúvio. Mas isso de nada adiantou.

Nessa época, corria a fama de Hase nos círculos sociais da corte e não demorou para que comparassem seu talento a lendária Ono-no-Komachi. Diziam que há muito tempo, a bela e talentosa donzela-poetisa Ono-no-Komachi tinha movido o céu, rezando em verso, trazendo a chuva sobre a terra sofrida com  a seca e a fome.

Os ministros do Imperador começaram a cogitar sobre o feito, e na possibilidade da talentosa Hase também escrever um poema ofertando-o aos céus, e quem sabe cessar o barulho da tormentosa enchente e acalmar a causa da doença Imperial? O que o Tribunal especulou finalmente chegou aos ouvidos do próprio imperador, e ele enviou uma ordem para o ministro Príncipe Toyonari para o efeito.

Grande, em verdade foi o medo e espanto de Hase-Hime, quando seu pai disse-lhe o que era exigido dela. Pesado, na verdade, era o dever que foi colocado sobre seus jovens ombros, o de salvar a vida do Imperador pelo mérito de seus versos.

Finalmente, passado um tempo, chegou o dia e seu poema foi concluído. Ele foi escrito em um folheto de papel fortemente salpicado de ouro em pó. Então, junto a seu pai, atendentes e alguns dos funcionários do Tribunal do Império, ela rumou até a torrente que ruge.  Diante da furiosa corrente, elevou o seu coração ao céu,  leu o poema que havia composto em voz alta, levantando-o para as alturas em suas mãos.

Estranho de fato, pareceu a todos aqueles que assistiam em pé. As águas subitamente cessaram o seu rugido,  e em resposta direta a sua fervorosa oração o tormentoso rio aquietou-se. Depois disso, o Imperador logo recuperou sua saúde.

Sua Majestade ficou muito contente, e mandou buscá-la para o Palácio a recompensando com o posto de Chinjo-o. A partir daquele momento, ela foi chamada Chinjo-hime, ou a princesa tenente-general,  respeitada e amada por todos.

Havia apenas uma pessoa no reino que não estava satisfeita com o sucesso de Hase, sua madrasta. Sempre pensando sobre a morte de seu próprio filho, a quem ela havia matado ao tentar envenenar a princesa, ela teve a mortificação de ver a sua ascensão ao poder e honra marcado por um favor imperial e a admiração de todo o Tribunal. Sua inveja e ciúmes queimava em seu coração como fogo.

Por fim, a madrasta aproveitando a oportunidade da ausência de seu marido, ordenou a um dos seus antigos servos que levasse a menina para as montanhas de Hibari, a parte mais selvagem do reino, e a matasse.

Katoda, seu vassalo, foi obrigado a obedecer. De qualquer forma, temendo pela vida de Hase, ele viu que seria o plano mais sábio, fingir obediência na ausência do pai da menina. Então numa madrugada fria, sabendo que ela era inocente, colocou Hase-Hime num palanquim e acompanhou-a para o lugar mais solitário que se poderia encontrar no distrito selvagem, determinado a salvar sua vida. Com a ajuda de alguns camponeses logo ele construiu uma pequena cabana afastada, e dois bons idosos se prontificaram a fazer de tudo para proteger a princesa. Hase, informada sobre a perversa intenção de sua madrasta, acreditava que seu pai sairia em sua busca, assim que voltasse para casa e a encontrasse ausente.

Príncipe Toyonari, depois de algumas semanas, finalmente voltou para casa, e logo foi recebido por sua esposa que o informou que sua filha tinha feito algo horrível e fugiu por medo de ser punida, nenhum dos empregados sabiam o porquê e nem para onde Hase havia ido. Toyonari, por medo de um escândalo maior, manteve o assunto em segredo e procurou pela princesa por todo o reino e em todos os lugares que ele poderia imaginar.

Um dia, tentando esquecer sua grande preocupação, chamou todos os seus homens e disse-lhes para se prepararem para uma caçada nas montanhas Hibari. A comitiva seguiu para as montanhas com o príncipe à frente os liderando, e, finalmente, encontraram-se em um pitoresco e estreito vale.

Olhando em volta a admirar a paisagem, notou uma pequena casa em uma das colinas, e então ele ouviu claramente uma leitura em uma alta e bela voz. Apreendido com curiosidade a respeito de quem poderia estar estudando tão diligentemente em um lugar tão distante e solitário, deixou seu cavalo, e caminhou até a encosta, acercando a casa de campo. Enquanto se aproximava sua surpresa aumentou, pois ele podia ouvir que o leitor era uma jovem menina e sua voz, estranhamente, lhe soava  familiar. A cabana estava aberta e ela estava sentada de frente para a janela. Ele ouviu a leitura das escrituras budistas com grande devoção. Mais e mais curioso, ele apressou-se para o pequeno portão adentrando em um exuberante jardim,  olhando para cima no balcão da janela, viu extasiado, ninguém menos que sua amada filha desaparecida, a bela Hase.

“Hase!!!”, ele gritou: “É você, minha pequena Hase?”

Pega de surpresa, ela mal podia acreditar que era o seu próprio e querido pai que a chamava, e por um momento, mal pode falar ou se mover.

Correndo para seus braços, ela se agarrou a sua espessa manga, e escondendo o rosto explodiu em uma paixão de lágrimas. Seu pai acariciou seus longos cabelos negros, perguntando se não estava realmente a sonhar.

Então o velho e fiel servo Katoda saiu de dentro da velha cabana, e curvando-se ao chão, derramou toda a verdade sobre o ocorrido, dizendo-lhe tudo em detalhes.

O espanto e indignação do príncipe não conheciam limites. Desistindo da caçada, correu para casa com a filha. Uma das empresas galopou à frente para informar a família da notícia feliz, e a madrasta ao ouvir a notícia, com medo de encontrar o marido agora que sua maldade fora descoberta, fugiu do palácio  e retornou em desgraça a casa  de seu pai, e nada mais se ouviu falar dela.

O velho servo Katoda foi recompensado com a maior promoção a serviço de seu mestre, dedicado à princesinha, que nunca se esqueceu que devia sua vida a este retentor fiel. Ela já não mais estava preocupada com sua madrasta cruel, e os seus dias passaram-se ​​ tranquilamente na companhia de seu pai.

Como Príncipe Toyonari não tinha filho, ele escolheu um jovem  nobre da corte para se casar com sua filha Hase, tornando-o seu herdeiro, e em poucos anos, o casamento ocorreu. Hase-Hime viveu até uma idade avançada, e todos disseram que ela era a mais bela e sábia que já havia reinado na antiga casa do príncipe Toyonari. A virtuosa princesa teve a alegria de apresentar a seu pai,  seu filho, o futuro senhor da família.

Este dia foi retratado, um pedaço da obra tecido a agulhas é preservado em um dos templos budistas de Kyoto. É uma bela peça de tapeçaria, com a figura de Buda bordado nos fios sedosos extraídos do caule de lótus. Isto, é dito ter sido o trabalho feito pelas mãos da bela e doce Princesa Hase…

Fonte: Japanese Fairy Tales de Yei Theodora Ozaki, in Caçadores de Lendas

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Folclore Japonês (Tsurara Onna: A Lenda da Mulher de Gelo)

Essa é mais uma velha história de fantasmas do Japão. Tsurara Onna ou “A Mulher sincelo”, conta sobre um homem que vivia solitário em meio a floresta e, numa noite fria de nevasca, encontra uma mulher fantasmagórica tão alva e esbelta como um pingente de gelo. O antigo conto popular japonês é semelhante à outra lenda famosa:  Yuki-Onna “A Mulher da neve”.

A Lenda

Há muito tempo no Japão existiu um homem que nunca havia se casado. Ele morava sozinho em uma pequena casa, numa região desértica dentro da espessa floresta. O homem era muito solitário e ansiava por alguém que pudesse passar a vida a seu lado.

Uma manhã de inverno, ele estava olhando para fora da janela, quando passou a perceber alguns sincelos pendurados sob o beiral de sua casa.

Ele disse para si mesmo: “Eu gostaria de ter uma mulher tão alva e bela como esses pingentes”.

Naquela mesma noite, houve uma batida na porta da frente de sua casa. Quando o homem atendeu, surpreso, viu uma mulher de uma beleza estranhamente sobrenatural parada bem em frente a sua porta. O seu corpo era elegantemente longo e delgado e seu rosto estava pálido como a neve. Ele a convidou a sair do frio.

A bela e estranha mulher acabou por ficar e, conforme o tempo passava, o casal se apaixonou. Eles decidiram viver na pequena cabana como marido e mulher.

Houve apenas um pequeno problema. O homem percebeu que sua bela esposa tinha um estranho habito, ela nunca tomava banho. Sempre que tentava falar sobre isso, ela se recusava a discutir o assunto.

Um dia, o marido já cansado da situação, agarrou a mulher e arrastou-a para o banheiro. Ela gritava e chorava, tentando se esquivar para longe dele. Decidido, jogou-a na banheira de água quente, deixando-a lá e batendo fortemente a porta atrás de si.

Uma hora se passou e tudo o que o homem pode ouvir foi o silêncio. Não havia sons de salpicos d’água vindo do banheiro, nem nada. Pensando o quanto isso era estranho, ele abriu a porta e olhou para dentro.

Ele estava vazio. Sua esposa tinha desaparecido. Tudo o que ele viu flutuando na água, foi o pente de cabelo que sua mulher sempre usava.

O homem estava com o coração partido. Ele imaginava que sua esposa, aborrecida com o acontecido, o havia deixado, fugindo. Então, depois de muito procurar, mesmo contrariado, decidiu seguir em frente com sua vida.

Poucos meses depois, ele conheceu uma nova mulher e decidiram se casar. Em pouco tempo, sua nova esposa veio morar em sua cabana, e felizes, passaram os meses seguintes juntos. Até que o inverno aproximou-se novamente.

Após uma noite de forte nevasca, o homem olhou pela janela e viu um enorme pingente sob o beiral do telhado de sua casa. Aborrecido com suas lembranças, decidiu  sair para derrubá-lo mas, havia uma mulher do lado de fora parada estranhamente sobre a neve. Um calafrio o percorreu ao sentir seu gélido olhar, ele a reconheceu…  Era sua antiga esposa.

Dentro da casa, a nova mulher ouviu um grito de agonia terrível. Ela correu para fora e encontrou o homem já sem vida deitado sobre a neve. Ao redor de sua cabeça, o sangue quente tingia de vermelho os brancos cristais. A seu lado, um único e grande pingente de gelo que havia perfurado seu olho penetrando profundamente seu cérebro. O frio sincelo o atingira matando-o instantaneamente.

Fonte:

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Folclore Japonês (Hagoromo: O Manto Celestial)

Essa é uma antiga lenda sobre “Hagoromo”, o manto de penas das donzelas celestiais, as “Tennyos”. Existem várias versões do conto que se passa em Miho-no-Matsubara em Shizuoka, um dos lugares mais paradisíacos do Japão.  O local é conhecido como o extenso litoral de verdes pinheiros espalhados ao longo de sete quilômetros e, ainda, com vista panorâmica do Monte Fuji. Devido à sua beleza é designado como uma das três mais belas vistas do país. Em suas praias, existe o “Hagoromo no Matsu”, um velho pinheiro com mais de 650 anos, que dizem ser a árvore onde a donzela celestial depositou seu manto.

A lenda

Era uma vez, em uma época passada, um jovem pescador de Miho chamado Hakuryō.  Hakuryō sempre saia para tentar a sorte na pesca perto dos pinheiros de Miho-no-Matsubara. Ele estava muito acostumado com a deslumbrante paisagem da praia de areias brancas cercada pelo magnífico bosque de pinheiros.  Mas naquela manhã, a visão do Fujisan subindo acima das águas da baía era especialmente bela. Vindo do nada, um perfume requintado encheu o ar.

O perfume chamou Hakuryō em direção às árvores, e próximo de um dos pinheiros de matsu, batendo suavemente na brisa, pendia um manto diferente de tudo que ele já tinha visto.

“Que lindo”, disse o pescador para si mesmo. “Vou levá-lo para casa.”

Enquanto recolhia o manto, ele ouviu uma voz. “Esse manto pertence a mim”.

Hakuryō, surpreso, virou-se e deparou com uma bela mulher que saia da sombra da árvore.

“Eu sou uma donzela do céu. Meu manto de penas não tem nenhuma utilidade para você. Por favor, devolve-o a mim, pois eu não posso voltar para o céu sem ele.”

Hakuryō ficou chocado ao pensar que ele tinha em suas mãos um dos mantos Divinos, mas uma vez que ele viu a expressão de sofrimento na donzela, decidiu devolver-lhe o precioso traje.

“Eu vou dar-lhe de volta, mas, primeiro, dança para mim a Dança do Céu”.

A donzela celestial sentiu um grande alívio e concordou com o termo do pescador, mas disse: “Eu não posso dançar sem o meu manto. Devolve-o para mim primeiro”.

Hakuryō ficou nervoso. “Se eu der o Manto de Plumas primeiro, você vai voltar para o Céu!”.

A jovem olhou para o homem bruscamente e disse: “mentiras e enganos são criações humanas. Elas não existem no Mundo Acima”.

Hakuryō sentiu vergonha por essas palavras, e estendeu o manto com as mãos trêmulas.

A donzela celestial envolveu-se em seu manto de penas, e as mangas começaram a se agitar, vibrando, então ela deu início a uma dança suave e elegante. Mais uma vez o cheiro do perfume de rosas encheu o ar, e com ele veio o som de apitos e tambores.

Hakuryō estupefato com tamanha beleza, olhava admirado a donzela que girava e girava, seus pés delicados deixaram de tocar a areia, subindo no ar, mais e mais, as penas brancas de seu manto reluziam, até que ela finalmente desapareceu nas brumas das águas ao redor do Fujisan, ascendendo finalmente ao céu.

Fonte
http://www.cacadoresdelendas.com.br/japao/hagoromo-o-manto-celestial/#more-5428

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Folclore Japonês (O Cortador de Pedras)

Esta é uma história contada nas antigas aldeias e povoados da Terra do Sol Nascente. O velho conto do cortador de pedras e a cobiça, o confronto moral numa singela narrativa cheia de simbologia e ensinamento…

Era uma vez um cortador de pedras que morava em uma pequena aldeia entre as montanhas, um grande conhecedor de diferentes tipos de pedras e seus diversos propósitos, todos os dias percorria um longo caminho até as montanhas, por ser um trabalhador habilidoso e dedicado tinha muitos fregueses. Por um longo tempo esteve contente vivendo uma vida cheia de felicidade, e jamais imaginou pedir nada melhor do que aquilo que já havia conseguido.

Na aldeia onde vivia, diziam os boatos que alguns homens haviam visto na montanha um espírito que os trouxera riqueza e prosperidade. Um dia, o pedreiro levou uma  para a casa de um homem rico, e viu ali todos os tipos de coisas bonitas, das quais ele nunca tinha sequer sonhado. De repente, seu trabalho diário parecia crescer mais e mais pesado, e ele disse para si mesmo: “Ah, se eu fosse um homem rico, e pudesse dormir em uma cama com cortinas de seda e orlas de ouro, o quão feliz eu deveria ser?”.

E uma voz respondeu-lhe: “Seu desejo foi ouvido, e um homem rico, você deve ser!”.

Ao som da voz do cantante olhou ao redor, mas não viu ninguém. Ele pensou que era toda a sua fantasia, pegou suas ferramentas e foi direto para casa, já que não se sentia inclinado a fazer mais nenhum trabalho naquele dia. Mas quando chegou à pequena casa onde morava, ele completamente em espanto, viu que em vez de sua velha cabana de madeira, era, agora, um palácio imponente preenchido com um mobiliário esplêndido, e o mais esplêndido de tudo foi a cama, em todos os aspectos como a que ele tinha invejado. Ele estava quase fora de si de tanta alegria, e em sua nova vida o antigo logo foi esquecido.

Era agora o início do verão, e a cada dia que passava o sol brilhava mais intensamente. Certa manhã, o calor era tão intenso que o ex cortador de pedras mal podia respirar, ele determinou que deveria ficar em casa até anoitecer. O pedreiro se tornou uma pessoa bastante aborrecida, pois nunca se diverti. Ao tentar espiar através das cortinas fechadas para ver o que estava acontecendo lá fora, avisou uma  carruagem, acompanhada de muitos servos vestidos com elegantes uniformes azuis e pratas. No transporte sentava um príncipe, e sobre a sua cabeça um guarda-chuva de ouro para protegê-lo dos raios do sol.

“Oh, se eu fosse um príncipe!” disse o pedreiro para si mesmo, enquanto a carruagem desaparecida ao virar a esquina. “Oh, se eu fosse um príncipe, poderia ter a minha própria carruagem e um guarda-chuva de ouro para me proteger desse intenso sol, o quão feliz eu deveria ser?”.

E um príncipe ele se tornou. Acompanhando sua carruagem soldados montados a cavalo, muitos criados a seu dispor vestidos de vermelho e dourado, um guarda-chuva cobiçado foi erguido sobre sua cabeça, tudo o que seu coração poderia desejar era dele. Mas ainda não foi o suficiente.

Ele olhou ao redor, ainda pensando em algo a desejar, e quando viu que, apesar de ter derramado água sobre a grama os raios do sol a fizeram desaparecer, e que, apesar do reluzente guarda-chuva sobre a sua cabeça, a cada dia que passava seu rosto ficara mais coroado e mais coroado. O insatisfeito homem chorou na sua ira: “O sol é mais poderoso do que eu, oh, se eu fosse o sol!”.

E o espírito da montanha respondeu: “Seu desejo foi ouvido, e o sol você deve ser!”.

E o sol ele se tornou, sentiu-se orgulhoso em seu poder. Ele atirou seus raios acima e abaixo, na terra e no céu, ele queimou a grama nos campos e queimou os rostos dos príncipes os deixando como de gente mais pobre, mas em pouco tempo ele começou a se cansar do seu poder, pois não havia nada mais para ele fazer. O descontentamento mais uma vez encheu sua alma, e quando uma nuvem cobriu seu rosto, e escondeu a terra dele, ele chorou novamente na sua ira: “Será que a nuvem que mantém cativos os meus raios, é mais poderosa do que eu? Oh, se eu fosse uma nuvem, mais poderoso do que qualquer um eu seria!”.

E o espírito da montanha respondeu: “Seu desejo foi ouvido, uma nuvem você deve ser!”.

E uma nuvem ele se tornou, estava entre o sol e a terra. Ele cobria os raios do sol e realizou-se, e para sua alegria a terra cresceu novamente verde e as flores floresceram. Mas isso, ainda não foi o suficiente para ele, e por dias e semanas ele  chuva até os rios transbordarem suas margens e as lavouras de arroz ficar alagadas. Cidades e aldeias foram destruídas pela força da chuva, só a grande rocha na encosta da montanha permaneceu impassível. A nuvem foi surpreendida com a visão, e gritou com espanto: “Será que a rocha é mais poderosa do que eu? Oh, se eu fosse a rocha!”

E o espírito da montanha respondeu: “Seu desejo foi ouvido, a rocha você deve ser!”.

E a rocha se tornou, glorificada em seu poder. Orgulhosamente ele estava, e nem o calor do sol, nem a força da chuva poderia movê-lo. “Isso é melhor do que tudo!” disse para si mesmo.

Mas um dia ele ouviu um barulho estranho a seus pés, e quando ele olhou para baixo para ver o que poderia ser, ele viu um homem com ferramentas dirigindo-se em sua superfície. Quando ele olhou um intenso sentimento de tremor correu por todo seu corpo, e o grande bloco se partiu e caiu no chão. Então ele gritou em sua ira: “É apenas um ser da terra! Como pode ser mais forte do que uma rocha? Oh, se eu fosse apenas um homem!”.

E o espírito da montanha respondeu: “Seu desejo foi ouvido, um homem mais uma vez, você deve ser!”.

E um homem ele se tornou, com o suor escorrendo em seu rosto, ele trabalhava novamente em seu comércio de corte de pedras. Sua cama era dura e sua comida escassa, mas havia aprendido a se satisfazer consigo mesmo, e não fez muito para ser algo ou alguém. Por nunca mais ter pedido por coisas que não tinha ou desejado ser maior e mais forte do que as outras pessoas, ele fora um homem feliz. Depois de uma longa e infeliz caminhada, o pedreiro havia finalmente re encontrado a felicidade naquilo que havia deixado para trás, e nunca mais ouviu a voz do espírito da montanha.

Fonte:
Myths and legends of ancient Japan, in Caçadores de Lendas

domingo, 24 de julho de 2016

Folclore Japonês (A Lenda dos Mil Tsurus)

Considerado sagrado, o Tsuru é uma das aves mais apreciadas na cultura asiática, inspirou muitas lendas, crenças e a arte baseadas em sua beleza e história. Segundo a crença, esses pássaros podem viver 1000 anos, sendo o símbolo da longevidade e juventude. Ainda, segundo a lenda, se construir mil origamis de Tsurus, terá seus pedidos atendidos pelos deuses.

Segundo a crença, os Tsurus eram os pássaros companheiros dos monges eremitas que faziam meditação no alto das montanhas. Acreditava-se, que estes anciões possuíam poderes sobrenaturais que retardavam seu envelhecimento. Com o tempo, esses poderes místicos foram creditados as aves companheiras de peregrinação. Sendo consideradas talismãs de poder, conquistaram o título de “Pássaro da longevidade”.

Na Ásia, a crença da juventude perdura até os dias atuais, onde essas aves simbolizam a mocidade eterna e a felicidade plena. Pois, por serem monogâmicas, também são o símbolo do amor conjugal e a fidelidade, acredita-se que somente a morte os separa.

O pássaro, de plumagem branca está entre as mais belas aves do Mundo. Existem mais de 15 espécies de grous que habitam o planeta, porém o mais majestoso é o grou japonês (Grus japonensis), comum no leste asiático. Esta espécie, cujas penas são brancas e possui uma coroa vermelha no topo da cabeça e que podem chegar a cinco metros de altura e mais de seis metros de envergadura, estão entre as mais raras existentes. Estima-se que atualmente no Japão, existam apenas 1.000 de sua espécie.

TSURUS:  Arte do Origami 

Os Tsurus inspiraram muitas crenças, e estas, a arte. Uma de suas formas mais reconhecidas no Mundo é o “Origami”, arte de dobradura de papel. Tanto, que muitos também consideram o tsuru como o símbolo dessa arte japonesa. Até algum tempo atrás, era comum encontrar no Japão pedaços de barbantes amarrados com vários desses tsurus de papel, que eram pendurados no teto para distrair os bebês ou deixados nos templos para pedir proteção.
No Japão, acredita-se que ao fazer mil tsurus de papel, a pessoa terá seus desejos realizados pelos deuses. Baseados nessa crença, é comum muitos enfermos receberem tsurus de presente.

Mil Tsurus de Origami: A História de Sadako

Essa crença inspirou uma das mais belas e trágicas histórias japonesas, a da pequena Sadako, um exemplo de esperança e batalha pela vida.

Sadako Sasaki nasceu em Hiroshima e tinha apenas dois anos de idade quando os americanos lançaram a bomba atômica sobre a cidade. Ela vivia distante do epicentro da bomba, cerca de 2 quilômetros do centro da explosão, e juntamente com a mãe e o irmão, saiu quase ilesa do ataque. Mas, consta que durante a fuga, quando se aproximaram da ponte em uma área chamada Misasa, foram atingidos pela “chuva negra” (chuva radioativa, consequência da bomba) que caiu sobre Hiroshima ao longo daquele dia.

Tempos depois, a família Sasaki retornou à Hiroshima para reconstruir a casa depois da guerra. Sadako cresceu feliz e saudável, sem lembrar do dia em que a bomba atômica foi lançada, mas ciente que muitas pessoas foram mortas, incluindo sua avó.

 Sadako levava uma vida normal, em 1949 iniciou seus estudos na Escola Nobori-cho, era uma garota alegre, tinha muitos amigos e gostava de cantar e praticar esportes. Com onze anos, foi a corredora mais rápida da sua turma do ano. Ela fez parte da equipe vencedora na corrida de revezamento de bastão no Dia de Campo. A jovem Sadako sonhava ser uma atleta e um dia, professora de atletismo.

Mas, em janeiro de 1955, durante uma aula de educação física, Sadako, com então 12 anos, sentiu-se mal, com tonturas. Depois de alguns dias surgiram marcas escuras e caroços em seu corpo e o diagnóstico foi de “cancro”, leucemia, uma consequência da exposição a radiação, doença que já estava matando outras crianças expostas à bomba. Na época a leucemia era chamada de “doença da bomba atômica”. Ela foi internada em fevereiro de 1955, recebendo a previsão de apenas mais 1 ano de sobrevida.

Em Agosto deste mesmo ano, ela recebeu a visita de Chizuko Hamamoto, sua melhor amiga, que lhe contou a “Lenda dos Mil Tsurus”, a presenteando com um origami da ave sagrada .

Impressionada com a história, Sadako que desejava muito sua recuperação, resolveu confeccionar os tsurus, na esperança de que os deuses pudessem lhe conceder a cura. Então passou a fazer os origamis com ajuda de sua família e amigos que iam visitá-la no hospital. Mas a doença avançava rapidamente, sem entregar-se, Sadako cada vez mais debilitada, prosseguia esperançosa dobrando lentamente os pássaros, sem nunca falar sobre sua dor ou sofrimento. A menina compreendeu que sua doença era fruto da guerra e mais do que desejar apenas a sua própria cura, ela desejou a paz para toda a humanidade, para que nenhuma criança mais sofresse as consequências destes conflitos. Pensando nisso, ela disse para si mesma: “Eu escreverei PAZ em suas asas e você voará o mundo inteiro”.

Mas, por fim, na manhã de 25 de Outubro de 1955, Sadako montou seu último tsuru. Pouco tempo depois, com sua família a seu lado, Sadako Sasaki placidamente adormecera. Ela não conseguira completar os mil tsurus, mas sua dedicação tocara profundamente a todos e estes dobraram os tsurus que faltavam para que fossem enterrados com ela.

Inspirados por seu exemplo de coragem e força, seus amigos juntaram e publicaram um livro com uma coleção de cartas escritas por Sadako. Dando início ao sonho de construir um monumento em homenagem  a Sadako e a tantas outras vítimas da guerra. Muitos jovens japoneses, solidários a causa, passaram a arrecadar dinheiro para o projeto. Com doações de alunos de mais de 3000 escolas japonesas e de nove outros países, em 5 de Maio de 1958, exatamente no “Dia das Crianças” no Japão, foi erguido no Parque da Paz em Hiroshima o “Monumento das Crianças à Paz”, também conhecido como “Torre dos Tsurus”.

O monumento de granito simboliza o “Monte Horai”, local místico, onde os japoneses acreditam que vivem os Espíritos. Em seu cume, pousa uma estátua de bronze de Sadako segurando um tsuru dourado em suas mãos estendidas.  Em sua base, um desejo registrado para sempre: “Este é nosso grito, Esta é nossa oração: PAZ NO MUNDO!”

Hoje, todos os anos, milhares de Tsurus coloridos são enviados, tanto do Japão como de todo o Mundo, as cidades de Hiroshima e Nagasaki. Uma mensagem de todos que, assim como o Tsuru, querem viver por um longo tempo na Terra e, principalmente, em PAZ!

Fonte: 
https://en.wikipedia.org/wiki/Sadako_Sasaki/

sábado, 23 de julho de 2016

Folclore Japonês (Bake-kujira: A Baleia Fantasma)

Bake-kujira (baleia fantasma) é um mítico youkai do oeste japonês. Segundo a crença, são esqueletos fantasmagóricos de baleias que navegam perto da superfície do mar e habitam o litoral do Japão, seguidas por um séquito de misteriosos peixes e pássaros. Geralmente aparecem em noites de chuva, próximo a aldeias costeiras de baleeiros.

Em tempos antigos, avistar baleias era considerado uma bênção para os pescadores pobres das vilas costeiras. Era possível colher enormes riquezas a partir da carne e óleo de uma única baleia. Tal recompensa não veio sem um preço, muitos pescadores afirmam que as almas dessas baleias assombram os mares em busca de vingança contra aqueles que tiraram suas vidas. De acordo com a lenda “A Maldição da baleia” trará: fome, pragas, incêndios e outros tipos de desastres para as aldeias manchadas com seu sangue.

Há muito tempo atrás em uma noite escura e chuvosa, alguns pescadores testemunharam uma figura branca enorme na costa da Ilha de Okino, península de Shimane. Os pescadores decidiram tomar um barco a remo para conferir o que era e, sob a luz da lua na noite chuvosa, avistaram uma baleia com um tamanho fora do normal, as águas do oceano lampejavam com milhares de peixes a sua volta.

Animados para a grande pesca, reuniram os habitantes da cidade, armaram-se com lanças e arpões. Logo remaram em direção a enorme baleia, um dos pescadores lançou seu arpão, mas a arma passou direto através da massa branca sem feri-la. Ao se aproximarem, através da superfície de água escura salpicada de chuva, eles avistaram um monstruoso esqueleto.

Naquele exato momento, o mar tornou-se vivo com uma criatura aterrorizante nunca vista antes chicoteando sua águas, ao mesmo tempo, o céu foi tomado por pássaros misteriosos e ameaçadores. À distância, eles viram uma ilha que nunca tinha estado lá antes, como se tivessem remado rumo a algum país misterioso. Então, de repente, a baleia emitiu um som horripilante, virou-se bruscamente para o mar e, tão rapidamente quanto havia surgido, desapareceu em meio a corrente, junto aos peixes e pássaros sobrenaturais. Os moradores aterrorizados voltaram para casa, perceberam que a criatura só podia ser o fantasma de uma vingativa Bake-kujira. A baleia fantasma nunca mais foi vista.

Dizem, que outras aldeias em Shimane sofreram com a praga da vingativa Bake-kujira “A maldição da baleia”, sendo consumidas por incêndios e atormentadas por doenças misteriosas.

Em 1983, uma ossada de baleia intacta foi descoberta flutuando na costa de Anamizu, prefeitura de Ishikawa. Logo,  o esqueleto foi nomeado como a “Bakekujira  real.”

Fonte:
http://www.cacadoresdelendas.com.br/japao/bake-kujira-a-baleia-fantasma/#more-5473

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Folclore Japonês (O Samurai e a Raposa Encantada)

Uma tarde, em seu caminho para casa, passava ele pelo portal “Shujaku” do palácio Imperial,  quando ele viu uma jovem de figura extremamente graciosa, trajando um belo kimono de seda,  parada na avenida principal.

Ela lhe pareceu tão linda com seus cabelos negros, como as penas de um corvo flutuando na brisa gentil, que o jovem samurai ficou imediatamente fascinado pela imagem.  Ele se aproximou da garota e a convidou para entrar no jardim do palácio e conversar um pouco com ele. A menina, parecendo interessada no jovem samurai, concordou com grande alegria.

O jovem casal passou boa parte do tempo em um local tranquilo do jardim animadamente conversando. Logo as estrelas começaram a brilhar luzindo aqui e ali no céu e mesmo a silhueta da Via Láctea surgiu. Disse o jovem bem perto do ouvido da menina: “Nós nos encontramos aqui, eu devo dizer, por uma feliz graça da providência divina.  Por isso, você deve aceitar o que peço – de todas as formas. Nós devemos compartilhar os mesmos sentimentos. Eu sinto que te amo desde o momento em que a vi, e acho que você me ama também”.

O que lhe respondeu a garota enrubescida: “Se eu concordar com todos seus pedidos, pobre de mim! eu morrerei. Este será meu destino”.

“Seu destino morrer?” – as palavras dela ecoaram na cabeça do samurai – “isso é impossível. Você está simplesmente dizendo isso para evitar-me.”

E tentou segurá-la em seus braços. A garota se libertou de seu abraço e disse:

“Eu sei que você tem outra e está dizendo que me ama no calor do momento. Eu estou chorando porque eu sei que vou morrer por causa de um homem caprichoso.”

Ele negou tudo o que ela disse, de novo e de novo até que ela consentiu em acompanhá-lo.  Nesse meio tempo as estrelas e a Via Láctea estavam reluzindo com todo o brilho nos céus. Havia uma noite propicia ao romance no ar… Eles encontraram um lugar na vizinhança e passaram a noite juntos.

Um grilo solitário foi ouvido cantando através da noite… O sol de verão apareceu cedo. A garota com a tez pálida, então disse:

“Agora voltarei para casa – para morrer, como te avisei ontem à noite.  Quando eu me for, por favor, recite preces pelo descanso de minha penosa alma copiando o “Sutra de Lotus” e os oferecendo para o misericordioso Buda”.

O jovem apenas consentiu: “É à maneira do mundo que um homem e uma mulher fiquem assim tão próximos um do outro. Você não está destinada a morrer por causa disso.  Entretanto se você morrer, eu não vou falhar com você. Eu prometo”.

A garota disse tristemente, tentando ajeitar seu longo cabelo:

“Percebo que ainda não acredita em minhas palavras, mas, se você se importar em saber se o que falo é verdade ou não, vá até a vizinhança de “Butoku-den”  esta manhã”.

O jovem samurai não conseguia acreditar no que dizia a linda garota.

Ela terminou num tom pesaroso: “Deixe-me ficar com seu leque como uma boa lembrança dessa noite?”

Ele entregou o leque a triste menina. Tomou-lhe as mãos e olhou direto nos seus olhos embaçados. Então a seguiu até lá fora, e ficou parado até que a figura desapareceu no véu cinza da manhã cinzenta.

O jovem não conseguiu sequer cogitar sobre as trágicas palavras da garota . Entretanto, durante a manhã ele foi até aos lados de  “Butoku-den”, principalmente, porque estava muito ansioso para descobrir o seu verdadeiro destino.

Lá ele viu uma velha senhora sentada em uma pedra, chorando amargamente.

Consternado, aproximou-se da velha senhora: “Por que a senhora está chorando assim?  Qual o problema minha senhora?” perguntou a ela.

“Eu sou a mãe da jovem que você viu perto do portão de “Shujaku” na noite passada.  Ela está morta agora,” ela respondeu.

“Morta?” o rapaz respondeu com um olhar incrédulo. “Sim, ela está morta.  Eu fiquei aqui esperando por você, para lhe dar a triste notícia. O corpo dela está bem ali.”

Assim dizendo, a velha senhora apontou para um canto do grande salão, desaparecendo como mágica no momento seguinte.

O jovem  samurai, aproximando-se do lugar apontado, encontrou uma jovem raposa morta no chão, seu rosto coberto com um leque branco aberto, o leque dado por ele!

“Então essa raposa era a garota que encontrei noite passada, uma kitsune!” disse pesaroso por si mesmo.  Ele em nada podia ajudar, e sentiu muita pena pela pobre raposa fria ali deitada. Então retornou para casa sentindo o coração pesar no peito.

Profundamente tocado, começou a copiar imediatamente o “Sutra de Lotus”, assim como foi pedido pela raposa enquanto na forma da linda garota.  Ele achou a tarefa muito difícil de continuar. Porém, ele copiou um sutra por semana oferecendo-o a Buda, e rezou dia e noite pelo descanso da alma da raposa encantada morta.

Uma noite, cerca de seis semanas depois, o jovem samurai teve um estranho sonho no qual ele encontrava a linda jovem. Ela parecia tão nobre e divina que ele pensou que se tratava de uma ninfa celestial. Disse a jovem em seu sonho:

“Apesar do que aconteceu, você me salvou ao escrever o “Sutra de Lotus” e oferecer muitos deles ao generoso Buda. Através de seus esforços, renasci no “Paraíso” livre de pecado. Serei eternamente grata a você!”. Desaparecendo da mesma forma em seguida, e, deixando em paz e livre de seu pesar, o coração do jovem samurai.

Fonte:

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Folclore Japonês (Kitsune, O Noivo da Raposa Encantada)

Essa é uma antiga história que surgiu no século VIII, durante o reinado do imperador Kinmei no Japão. Conta a lenda que um rapaz que vivia em Mino-no-Kuni, atualmente prefeitura de Gifu, certo dia montou em um belo cavalo branco e decidido, saiu à procura de uma linda noiva para com ela casar. Depois de muito cavalgar, em uma grande planície, avistou uma linda jovem colhendo flores silvestres. Ele ficou admirado com a beleza da encantadora menina, que percebendo sua presença, abriu um belo sorriso. Seus olhares se cruzaram e ele sentiu um estranho brilho em suas pupilas, como intencionassem seduzi-lo…

O rapaz tomado de súbita coragem, aproximou-se educadamente com o coração cheio de alegria. Descendo de seu cavalo, dirigiu algumas palavras a ela: 

– O que faz tão bela donzela nesta planície florida? 

– Caminhando à procura, quem sabe, de alguém que possa preencher meu coração!

O rapaz levou um choque de encantamento e, timidamente, propôs: 

– Gentil menina queira eu poder ser essa pessoa! Aceita ser minha noiva?

Um tanto ruborizada, a garota abaixou os olhos e respondeu: 

– Eu aceito!

Poucos dias depois, o rapaz voltou para sua casa na companhia da bela garota. A vila inteira se reuniu e, então, foi realizada uma grande festa de casamento.

Assim, o tempo passou e o casal vivia muito feliz.  Tempo depois, a jovem esposa engravidou e no dia 15 de Dezembro, um filho saudável nasceu. Exatamente naquela data e hora, a cadela que o rapaz criava em sua casa, desde que era menino, também teve um filhote. Os dias foram passando e o cachorrinho, todas as vezes que via a bela mulher do lavrador, começava a rosnar irritado, mostrando-lhe os dentes. Por vezes, chegou ameaçar atacar, deixando-a tremendo de medo. Um dia, ela pediu ao marido: 

– Por favor, meu querido marido, livre-se desse filhote de cachorro que vive me atormentando. Porém, seu marido ficou com dó do cachorrinho.

O tempo foi passando, chegando meados de Fevereiro; época de pilar o arroz em casca para fazer o beneficiamento. Então, a bela esposa entrou na despensa onde estava o pilão e o almofariz, para preparar a refeição da tarde. De repente, a cadela, mãe do filhote, avançou rosnando e atacou a mulher saltando sobre ela enfurecida. Ela ficou paralisada de medo e tremendo de pavor. Ao ouvir os gritos, o marido correu em seu socorro. Mas o que ele viu o deixou ainda mais espantado.

Sua bela esposa estava se transformando em uma raposa. Imediatamente, a raposa subiu sobre um armário para fugir dos dentes afiados da cadela e disse ao marido: 

– Desculpe-me querido, a cadela quebrou meu encanto e, num momento de pânico, acabei por revelar minha forma original. Como pode ver, não sou humana, e sim uma raposa. Mas, creia, eu te amo como ninguém mais poderia amar nesse mundo! Tivemos uma bela convivência como marido e mulher. Embora por um período curto, nós fomos muito felizes. A prova da nossa felicidade é essa linda criança, ela é fruto de nosso amor. Sei que, conhecendo minha verdadeira origem, é impossível permanecermos casados, por isso retornarei a floresta – assim, saltando pela janela, a raposa desapareceu na mata.

A raposa encantada em forma de mulher foi chamada de kitsune. Dizem que a raposa voltava todas as noites para dormir com seu marido humano.  Mas, na realidade, ela voltava apenas nos sonhos do jovem lavrador. Certa ocasião, a raposa encantada veio visitar o marido trajando um lindo quimono. Seu longo traje tinha a cor rosa do alvorecer e uma elegância indescritível. Mas, tomada pelo vento, ela foi flutuando para um lugar distante e desconhecido.

Desde então, o jovem nunca mais sonhou com sua encantada. Porém, aquela visão ficou gravada em sua mente e ele não conseguiu esquecê-la. O saudoso marido passou a escrever poemas e recitá-los repetidamente em homenagem a sua amada. Com o passar dos anos, o garoto, filho do lavrador e da raposa, cresceu e se tornou um rapaz de força e rapidez sem igual. O jovem, muito popular na província, acabou se tornando o organizador dos Festivais da Primavera e da Colheita. E, por ele ser conhecido como filho da raposa encantada (kitsune), o cargo de organizador dos festivais, passou a ser chamado de Kitsune-no-atae.

Fonte: 
Myths and legends of ancient Japan