sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Malba Tahan (As Inconsoláveis de Hamadã)


A cidade de Niampur, na Índia, — conta-nos antiga lenda — vivia outrora um santo hindu que se tornou famoso pelos profundos conhecimentos que possuía acerca das leis, costumes e crenças de todos os povos do mundo.

Chamava-se Kavira, o Bhagavã  (1), esse grande e virtuoso sábio.

Um dia Kavira (Allah o tenha em sua glória!) e seu discípulo predileto Lahima Sen, como iam de peregrinação ao templo sagrado de Kasbin, caminhavam por uma larga e serpenteante estrada nos arredores de Hamadã, quando ouviram um alarido singular, que parecia provir do fundo da floresta.

Assustou-se o jovem discípulo com a inesperada bulha.

— Mestre — exclamou, dirigindo-se ao santo — alguma coisa de muito grave e extraordinário se passa na floresta! Ouço um barulho espantoso, como se uma legião de gênios infernais rompesse do seio da terra e viesse apupar o sagrado silêncio que dormia, há pouco, sob estas folhagens.

— Meu filho — respondeu o sábio — devemos procurar para os acontecimentos do mundo explicações simples e naturais. Por que atribuir a fatos mais correntes da vida origens milagrosas e fantásticas? Deus seja louvado! Tudo o que se passa na terra, repito, se prende a causas simples e naturais.

E como o discípulo continuasse a mostrar-se atemorizado com o ruído que ouvia, o mestre prosseguiu:

 — Esse grande ruído que perturba agora o silêncio da floresta não é causado nem por gênios malignos nem por demônios em legião. Trata-se simplesmente de um elefante domesticado que os lenhadores obrigam a arrastar um tronco cheio de ramos e folhagens, pela estrada que atravessa a floresta!

Poucos passos depois, realmente, mestre e discípulo viram vários homens que conduziam, aos gritos, moroso e gigantesco paquiderme.

— Eia! Upa! Upa! Kab! — e o hercúleo animal arrastava, na verdade, um grande tronco, cheio de ramagens que remexiam o cascalho do caminho, produzindo um barulho ensurdecedor.

— É tudo assim na vida — observou o bom do Kavira. — É tudo assim na vida! Ouve-se um grande ruído, a inexperta fantasia se apresenta em dar-lhe origens demoníacas. Afinal... não passa o caso de um velho elefante a arrastar ramos secos pelo caminho!

Tinha o famoso Bhagavã proferido estas judiciosas palavras, quando avistou, sentadas à beira da estrada, três mulheres que choravam.

— Eis ali, ó mestre! — exclamou o jovem Lahima — três mulheres debulhadas em pranto! Alguma coisa de muito grave e extraordinário por certo lhes aconteceu.

— Não julgueis assim pelas aparências, meu filho — retorquiu Kavira. — Aquelas mulheres choram, com certeza, por algum motivo muito simples e natural.

— Eis ali, ó Mestre! — Exclamou o jovem Lahima — Três mulheres debruçadas em pranto! Alguma coisa de muito grave e extraordinário por certo lhes aconteceu.

E tomados de viva curiosidade aproximaram-se das três mulheres.

O sábio dirigiu-se à primeira e interrogou-a:

— Por que choras, ó infeliz? Que infortúnio te feriu tão cruelmente para que aqui te entregues ao desafogo das lágrimas?

— Ah! Meu senhor! — respondeu a mulher, entre soluços. — Sou uma desgraçada! Meu marido cada vez que se encontra comigo, nega-se a maltratar-me, não quer espancar-me! Insiste em dispensar-me o maior carinho e bondade!

E de novo entregou-se a copioso e desfeito pranto.

— É incrível! É extraordinário! — exclamou Lahima, assaltado por indizível espanto. — Esta rapariga chora por um motivo singularíssimo, nunca visto! Chora porque o marido não quer espancá-la! Como podemos explicar isto, ó mestre?

O santo Kavira (com ele a oração e a paz!), entreabrindo um sorriso de tolerância e bondade, cifrou nele a sua resposta. Aquele fato que assumia aos olhos do discípulo a feição de um acontecimento absurdo e inconcebível, deveria ter uma explicação simples e natural.

— Vejamos o que diz essa jovem — volveu ele, apontando para outra mulher que também se entregava ao derivativo das lágrimas.

— Ah! Meu senhor — lamentou a interpelada entre soluços. — Allah tenha piedade de mim! Sou Iasmina, filha de Abdul Ben Hamed, a mulher mais infeliz do mundo. Amo apaixonadamente meu marido. Tenho-lhe afeição sem limites, e, no entanto, o ingrato insiste em não querer casar com outra mulher! Não quer escolher outra esposa.

E através do véu claro que ensombrava o rosto da jovem, viam-se as lágrimas a escorrer-lhe pelas faces.

— É espantoso! É inverossímil! — exclamou Lahima. — Esta mulher chora por uma razão que jamais a fantasia humana poderia conceber! Chora porque o marido, que ela tanto estima, sujeito ao seu afeto, não quer casar com outra mulher!

E voltando-se novamente para o sábio, perguntou:

 — Como explicas esta anomalia, ó tu que és sapientíssimo?

O piedoso mestre mais uma vez esboçou um sorriso que refletia toda a sua benevolência e brandura. Aquele fato, na aparência tão estranho, deveria ter, na verdade, uma explicação bem simples e natural.

Antes, porém, de justificar com palavras o seu elevado juízo sobre as estranhas razões de infortúnio alegadas pelas duas mulheres, aconselhou ao jovem que ouvisse também a terceira.

E esta, que era mais formosa que a flor azul do lótus, interrogada, assim falou:

— Sou uma infeliz, ó generoso príncipe! Sou a mulher mais desventurada do mundo! Casei unicamente por interesse, com um homem riquíssimo. Meu marido possui terras imensas, ricos palácios e numerosos escravos! Por sua morte todos os seus bens passarão para o meu poder. Há cinco ou seis dias, porém, foi meu marido assaltado por uma enfermidade gravíssima. Os médicos mais ilustres e famosos do país, chamados à consulta, declararam-no perdido, sem cura possível. Percebendo que ia ficar viúva, ajoelhei-me a seus pés e pedi-lhe que me repudiasse antes de morrer. Eu não quero ficar viúva, embora ambicione a riqueza que ele possui!

E, entre soluços, a pobre mulher prosseguiu:

— Meu marido, porém, penalizado com a sorte de minha família, insiste em não querer deserdar-me! Hoje ou amanhã morrerá e eu serei a sua única herdeira! Eis a minha enorme desdita, ó senhor! É por isso que eu choro!

— É positivamente espantoso! — observou Lahima, que mal podia exprimir-se de atônito que estava. — As razões de que se serve esta mulher para lamentar-se são na verdade inconcebíveis. Não quer ser viúva de um homem rico, ao qual se uniu unicamente por interesse! É positivamente absurdo!

Pela terceira vez o grande sábio hindu (Allah, porém, é mais sábio!), ao ouvir as exclamações do discípulo, deu mostras de branda alegria.

E como estivesse habituado a decifrar os mais complicados problemas da vida, falou desta sorte:

— Observei, raciocinei e posso, em conclusão, garantir com absoluta certeza, que estas três mulheres choram por motivos extremamente simples, frutos naturais da alma feminina! A primeira, pela maneira de falar e pelos grossos brincos de osso que traz, deixa perceber que é natural do Afeganistão. Ora, segundo uma antiga lei deste país, o marido que espanca a mulher é obrigado a dar-lhe, a título de indenização, jóias e vestidos novos! Ora, esta moça, como é muito vaidosa, chora porque o marido não a espancando de vez em quando não lhe dá o direito de exigir dele jóias custosas nem trajes vistosos. Chora, portanto, por um motivo simples e natural: chora por vaidade!

— E a segunda, ó mestre! Como explicar o caso desta Iasmina, a rapariga apaixonada?

— O caso de Iasmina, filha de Abdul Ben Hamed, ainda é mais simples de esclarecer. Trata-se, como facilmente pude observar — pelo véu, pelos trajes e pelo nome — de uma jovem árabe maometana. Como é notório, os muçulmanos podem ter até quatro esposas. Iasmina é, porém, a única. Sente-se, entretanto, cansada com os trabalhos caseiros e tem grande vontade de que seu marido tome uma segunda esposa, de modo que ela tenha mais descanso. Uma vida trabalhosa fará facilmente com que ela cedo venha a enfear e envelhecer. Quer, portanto, poupar-se, conservar--se formosa e sedutora para prender com seus encantos um marido que ela ama apaixonadamente.

E, ante o profundo pasmo do jovem, o grande sábio concluiu:

- Quanto à terceira mulher — que deseja ser repudiada pelo esposo moribundo — a explicação de suas lágrimas não oferece a menor dificuldade. Trata-se de uma hindu, cujas seitas religiosas são intolerantes. Segundo as crenças de sua gente, a viúva é obrigada a atirar-se à fogueira que consome o corpo do marido. Não se sentindo com coragem para tão grande sacrifício, por um homem que ela não ama, essa mulher prefere ser repudiada a ter de acompanhar o marido ao fogo! Que lhe poderá importar a herança do marido se os bens superabundantes não lhe hão de evitar a morte?

E Kavira, o santo hindu, concluiu, com um sorriso de bondade e candura:

— Esta, meu filho, chora porque tem medo da morte! E haverá coisa mais natural do que o instinto de conservação?

E ao longe no seio da mata sombria, ouvia-se, ainda, vagamente, o ruído que o elefante dos lenhadores fazia, arrastando a pesada carga pela estrada afora...

— É tudo assim na vida!

Uassalã!
_________________
Nota:
1- Bhagavã - Aquele que está salvo. Bem-aventurado.

Fonte:
Malba Tahan. Minha Vida Querida.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Professor Garcia (Trovas que sonhei cantar) 1



Amor de mãe, não se encerra,
nem jamais pode acabar!...
Sem seu amor sobre a terra,
tem sentido o verbo amar?...

Aos pés da antiga cascata,
a lua em jura secreta,
derrama gotas de prata
nas mãos do velho poeta!

A vida não se resume
aos ingratos sonhos vãos...
Fica sempre algum perfume
na mão que incensa outras mãos!

Foi diante do altar, meu filho,
que em preces, caindo aos molhos...
Vi luzes perdendo o brilho,
ante o brilho de teus olhos!

Foi contra a franga, a disputa,
que o frango "naquele" embalo...
Depois que perdeu a luta,
nunca mais cantou de galo! 

Foram-se os dias... Os anos...
E as lembranças desse adeus,
trago dos beijos profanos
que roubei dos lábios teus!

Gigantesco, o mar se alteia,
e sem ter vergonha alguma...
Cochila e dorme na areia
sobre arabescos de espuma!

Lágrima na despedida,
que embarga a voz e não sai;
a dor, é bem mais sentida,
quando em silêncio ela cai!

Não sou barão, nem sou nobre,
sou mendigo e viajor...
Minha riqueza é ser pobre
entre os mais ricos de amor!

Na parede, um quadro lindo,
antigo e tão sedutor...
Mostra-me meus pais sorrindo
na adolescência do amor!

Se o pôr do sol desconforta,
e a saudade é um desconforto,
mais triste é a saudade morta,
aos pés do seu dono morto!

Se tens tanto, e és indeciso
e crês, que o mal te consome,
busca a paz que há no sorriso
do rosto de quem tem fome!

Fonte:
Professor Garcia. Trovas que sonhei cantar. vol.2. Caicó: Ed. do Autor, 2018.  Livro gentilmente enviado pelo autor, recebido ontem (02 jan) à tarde.

Mário Quintana em Prosa e Verso 4


O MILAGRE

Dias maravilhosos em que os jornais vêm cheios de poesia... e do lábio do amigo brotam palavras de eterno encanto... Dias mágicos... em que os burgueses espiam, através das vidraças dos escritórios, a graça gratuita das nuvens...

EPÍGRAFE

As únicas coisas eternas são as nuvens...

OS VIRA-LUAS

        Todos lhes dão, com uma disfarçada ternura, o nome, tão apropriado, de vira-latas. Mas e os vira-luas? Ah! ninguém se lembra desses outros vagabundos noturnos, que vivem farejando a lua, fuçando a lua, insaciavelmente, para aplacar uma outra fome, uma outra miséria, que não é a do corpo...

O ESTRANHO CASO DE MISTER WONG

Além do controlado dr. Jekyll e do desrecalcado Mister Hyde, há também um chinês dentro de nós: Mister Wong. Nem bom, nem mau: gratuito. Entremos, por exemplo, neste teatro. Tomemos este camarote. Pois bem, enquanto o dr. Jekyll, muito compenetrado, é todo ouvidos, e Mister Hyde arrisca um olho e a alma no decote da senhora vizinha, o nosso Mister Wong, descansadamente, põe-se a contar carecas na plateia...

Outros exemplos? Procure-os o senhor em si mesmo, agora mesmo. Não perca tempo. Cultive o seu Mister Wong!

CHÃO DE OUTONO

Ao longo das pedras irregulares do calçamento passam ventando umas pobres folhas amarelas em pânico, perseguidas de perto por um convite-de-enterro, sinistro, tatalando, aos pulos, cada vez mais perto, as duas asas tarjadas de negro!

A VINGANÇA

Se eu fosse Deus, eu mandava os comendadores mortos (ah, como nos havíamos de rir, ó Walt Disney!), eu os mandava a todos, com as suas almas graves, encasacadas e de óculos, para o doido País das Sinfonias Coloridas.

PURÍSSIMA

As admiráveis instalações sanitárias que há na lua!

Tudo branco, tudo polido, tudo limpinho. Jorros d'água. Frescor. Alívio. Os anjos que o digam! Pois só aos anjos é permitido servirem-se do nosso higiênico satélite para as suas abluções e necessidades...

PROVÉRBIO

O seguro morreu de guarda-chuva.

HORROR

Com os seus OO de espanto, seus RR guturais, seu hirto H, HORROR é uma palavra de cabelos em pé, assustada da própria significação.

TRISTE ÉPOCA

Em nossa triste época de igualitarismo e vulgaridade, as únicas criaturas que mereceriam entrar numa história de fadas são os mestre-cucas, com os seus invejáveis gOrrOS brancos, e os porteiros dos grandes hotéis, com os seus alamares, os seus ademanes, a sua indiscutida majestade.

CRISE

Por causa dos ilusionistas é que hoje em dia muita gente acredita que poesia é truque...

Fonte:

Contos e Lendas do Mundo (China: A Lenda de Ch'ienniang)


(Um conto da dinastia Tang. Supõe-se que esta história tenha ocorrido em torno de 690 d.C.) 

Ch'ienniang era filha de Chan Yi, um oficial em Hunan. Tinha um primo chamado Wang Chou, rapaz inteligente e bonito. Tinham sido criados juntos desde a mais tenra idade e como seu pai gostasse muito do menino tinha dito que faria de Wang Chou seu genro. Ambos ouviram essa promessa e, como a menina fosse a única filha e estivessem sempre juntos, cada dia mais se afeiçoavam um ao outro. Já agora eram dois jovens e continuavam, entretanto, a se tratar como parentes íntimos. Infelizmente o pai da jovem era o único que nada percebia. 

Um dia, um jovem oficial veio pedir-lhe a mão da filha e ignorando, ou esquecendo sua promessa primitiva, ele consentiu fazendo com que Ch'ienniang, desesperada entre o amor e a piedade filial, quase morresse de dor, causando tal desgosto ao rapaz que ele resolveu sair para outras terras em vez de ficar ali e ver sua amada tornar-se a esposa de um outro. Assim, inventou um pretexto e informou o tio de que precisava ir para a capital. Como o tio não conseguisse persuadi-lo a ficar, deu-lhe dinheiro e presentes e preparou um banquete de despedida para ele. Wang Chou, triste por ter de separar-se da amada, pensou na partida durante toda a festa dizendo a si mesmo que era melhor partir do que viver ali vendo seus sonhos despedaçados. 

Assim, Wang Chou saiu num barco da tarde, e antes de estar a algumas milhas de distância já a noite caíra. Disse ao barqueiro que amarrasse o barco na praia e descansasse a noite. 

Não conseguiu dormir e, por volta da meia-noite, ouviu passos ligeiros que se aproximavam. Em poucos minutos o som pareceu bem perto do barco. 

Ergueu-se e perguntou: - "Quem pode ser a esta hora da noite ?" 

- "Sou eu, Ch'ienniang," foi a resposta. 

Surpreso e encantado, levou-a para o barco e ali ela lhe contou que esperara ser sua esposa. que o pai não tinha procedido bem para com ele e que ela não suportava a separação. Receava, outrossim, que ele, só e viajando por terras estranhas pudesse ser tentado a suicidar-se. Eis porque recaíra na censura da sociedade e na cólera dos pais e viera segui-lo para onde quer que fosse. Assim ambos ficaram satisfeitos e continuaram a viagem juntos para Szechuen. 

Passaram-se cinco anos de felicidade e ela o presenteou com dois filhos. Porém não tinham notícias da família e diariamente ela pensava nos pais. Era essa a única coisa que lhes empanava a felicidade. 

Ele não sabia se os pais ainda viviam e quais as condições e, certa noite, começou a contar a Wang Chou como se sentia infeliz e, por ser a filha única, como se considerava culpada de grande impiedade filial por ter deixado os velhos pais dessa maneira. 

- "Tem um coração cheio de amor filial e estou de acordo com você," disse-lhe o marido. "Já se passaram cinco anos, certamente não nos guardam rancor. Voltemos para casa." 

Ch'ienniang exultou ao ouvir isso e assim fizeram todos os preparativos para voltar para casa com os dois filhos. 

Quando o bote chegou à cidade natal, Wang Chou disse a Ch'ienniang: 

- "Não sei qual o estado de ânimo de seus pais. Será melhor que eu vá para verificar." 

Seu coração palpitava ao aproximar-se da casa do sogro. Ao vê-lo, Wang Chou ajoelhou-se pedindo perdão. 

Ao ouvir isso, Chang Yi surpreendeu-se e disse: - "De quem esta falando? Ch'ienniang jaz inconsciente em sua cama nesses últimos cinco anos, desde que você nos deixou. Ela jamais abandonou o leito." 

- "Não estou mentindo," disse Wang Chou. "Ela está passando bem e esperando por mim no barco". 

Chan Yi não sabia o que pensar, por isso, mandou duas servas ver Ch'ienniang. Elas a viram sentada, bem vestida e feliz e até disse às servas para que falassem com seus pais o quanto os amava. 

Amedrontadas, as duas servas correram para casa para dar essas novas e Chang Yi ainda ficou mais intrigado. Nesse ínterim, aquela que estava na cama ouviu as novidades e parece que sua enfermidade desapareceu e os olhos brilharam. Levantou-se da cama e vestiu-se, ajeitando-se diante do espelho. Sorrindo e sem proferir uma palavra, encaminhou-se diretamente para o barco. 

A que estava no barco, preparava-se para tomar o caminho de casa e assim encontraram-se nas margens do rio. Quando as duas chegaram perto uma da outra seus corpos fundiram-se num só, com roupas em duplicatas, e surgiu a antiga Ch'ienniang tão jovem e encantadora como nunca. 

Os pais ficaram satisfeitíssimos, porém pediram aos servos que guardassem segredo e nada dissessem aos vizinhos a respeito do que acontecera, a fim de que não houvesse comentários. Eis porque ninguém, exceto os parentes mais chegados da família Chang, jamais soube desse estranho acontecimento. 

Wang Chou e Ch'ienniang viveram como marido e mulher durante mais de quarenta anos antes de morrerem. 

Fonte:

Concursos de Trovas com Inscrições Abertas


CONCURSO MUNICIPAL DE TROVAS DA UBT PORTO ALEGRE

PRAZO: 31.01.19 

Tema: ALDEIA (Lírica/Filosófica)

Uma trova, inédita, por autor. 

Remessa (sistema de envelopes) para: 
Rua Otto Niemeyer, 2460 
CEP. 91910-001 – Porto Alegre – RS.

Por e-mail: flaviorstefani@gmail.com

Os vitoriosos receberão medalhas, diplomas e finos brindes, no dia 08 de março/2019, data comemorativa dos 50 anos da UBT Porto Alegre.

Obs. 1: O presidente da UBT, por ser o fiel depositário, não participará do concurso, estando à disposição de todos para auxiliar na construção das trovas.

Obs. 2: Podem participar autores residentes no município de Porto Alegre, associados ou não da UBT.
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LX JOGOS FLORAIS DE NOVA FRIBURGO

PRAZO: 31.01.19 – Temas

Concurso Nacional/Internacional: 

- Veteranos

CIÚME (Lírica/Filosófica) e 
PREGUIÇA (Humorística)

Máximo de 3 trovas. 

Remessa:
a/c de Elisabeth Souza Cruz 
Caixa Postal 96.935 
CEP 28610-974 – Nova Friburgo – RJ.

- Novos Trovadores: 

CIÚME (Lírica/Filosófica) 

Máximo de 3 trovas. 

Favor escrever 'categoria novos'. 

Remessa:
a/c de Elisabeth Souza Cruz 
Caixa Postal 96.935 
CEP 28610-974 – Nova Friburgo – RJ.

Para a trova humorística (Preguiça) não há distinção entre Novos e Veteranos

- CONCURSO PARALELO (Homenagem aos 60 anos de Jogos Florais em NF): 

FESTA (Lírica/Filosófica) 

Uma trova por participante. 

Remessa:
a/c de Elisabeth Souza Cruz 
Caixa Postal 96.935 
CEP 28610-974 – Nova Friburgo – RJ.

- CONCURSO PARALELO LOCAL (Homenagem aos 60 anos de Jogos Florais em NF):

Mesmo tema e regras, enviando as trovas para 
a/c de Renato Alves 
Rua Flamínea, 596 – Vila da Penha 
CEP 21221-240 – Rio de Janeiro – RJ.

- CONCURSO LOCAL (Moradores de Nova Friburgo): 

AMOR (Lírica/Filosófica) e BRIGA (Humorística). 

Máximo de 3 trovas.

Remessa: 
a/c de Renato Alves 
Rua Flamínea, 596 – Vila da Penha 
CEP 21221-240 – Rio de Janeiro – RJ.

- MAGNÍFICOS TROVADORES 

Conjunto de Trovas
SAUDADE (Lírica/Filosófica) 
CONFUSÃO (Humorística). 

Remessa: 
a/c Clenir Neves
Rua Gustavo Lira 103 – Sobrado – Olaria 
CEP 28623-390 - Nova Friburgo - RJ 

ATENÇÃO: Todas as modalidades, enviar pelo sistema de envelopes.
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VIII JOGOS FLORAIS DE CAMPOS DOS GOYTACAZES/RJ

PRAZO: 30.03.19 

Temas:

1. Nacional/Internacional – PROGRESSO (Lírica/Filosófica)

2. Estadual/Municipal – PLANÍCIE (Lírica/Filosófica)

3. Novos trovadores – trovadores de todo o Brasil e do exterior - NATUREZA (Lírica/Filosófica)

4. Humorística – trovadores de todo o Brasil e de outros países - CLIMA

Remessa pelo sistema de envelopes: 
A/c de Talita Batista 
Rua Câmara Júnior, 35/403- Centro 
CEP 28035-135 - Campos dos Goytacazes/RJ

Remessa pelo sistema eletrônico:
E-mail: ra.renatoalves@gmail.com
Assunto: VIII Jogos Florais da UBT-Seção Campos dos Goytacazes/RJ -2019
Mencionar no corpo do e-mail: O tema e a modalidade a que concorre, as trovas, o nome e o endereço completo do autor com o CEP, o telefone e o e-mail para contato.
(Obs: não serão aceitos anexos).

LIMITE: Duas trovas para cada tema.
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XXV JOGOS FLORAIS DE PORTO ALEGRE

Previsto para julho/2019.

- Temas para os concursos

OURO (L/F) para o concurso nacional/internacional, 
e BRONZE (H); 

PRATA (L/F) para o concurso estadual (somente Rio Grande do Sul), 
e JÓIA (H); 

ORO (L/F) para as trovas de língua hispânica; 

HONRA (L/F) para o Concurso Brigadiano, 
e OURO (L/F) também para os novos trovadores. 

Na Edição do Boletim Calêndula Literária de fevereiro o regulamento completo dos XXV Jogos Florais de Porto Alegre, que, mais uma vez, deverá ter o apoio da LIC – Lei de Incentivo à Cultura do Estado do RS. 

Não esqueçam: valem derivados e palavras cognatas.

Fonte:
Calêndula Literária. n. 487 - janeiro 2019

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Alda Lara (Poemas Avulsos)



CIGANA

quem me dera ser vagabundo
de um mundo 
qualquer!...

quem me dera ir,
pelos caminhos,
com a única saia que tivesse p'ra vestir...,
(nem curta nem comprida...)
... uma saia fora de moda, desgraciosa,
mas forte e vistosa!...

quem me dera ir...,
a comer as amoras dos valados,
a dormir sobre a grama, sem telhados
que não fossem os do céu!...
ser "eu"...
acenar aos que trabalham nos campos,
e parar,
a ouvir as canções populares!...
seguir sempre sozinha, comigo
e com o sol...
ver nascer o arrebol,
e caminhar... sem destino...
ao som não sei de que hino...
mas livre... livre!...

livre de ter que dizer
"muito prazer"
 a toda hora!...
livre dos compromissos, 
das etiquetas,
e de todas as tretas
que me acorrentam
 e me lançam névoa sobre os ideais!...
livre das exposições,
das reuniões,
das aulas do forjaz 
e outros que tais!...
livre de tudo!...
sem a ambição de possuir um "canudo",
sem educação!...
poder lamber as mãos,
e rir de troça,
dos que passam nas estradas,
de óculos escuros,
e grandes "espadas"!...

ah!... ser simples!...
não pensar na modista, 
nem no dentista, 
nem nas unhas por polir...
nem pensar na guerra
nem na pobreza...
saber só que a naturez
é bela e igual para todos!...
saber só, que caminho sozinha,
feliz com a minha liberdade!...
não conhecer a saudades
do que ficou para trás!...
e saber que há sempre,
um fruto maduro,
e uma estrela brilhante
para cada caminhante!...
seguir... seguir sempre!...
sem um fito... sem um fim...
mas caminhar mesmo assim...com o vento a bater-me
nas tranças do cabelo, às lufadas,
e a deixar-me beijar
todas as noite
pelo luar das estrelas!...

quem me dera ir...
sem pátria, nem lei...
abraçada aos sonhos que sonhei!...

ah! cigana perdida,
a sorrir
nas estradas da vida!...

CÍRCULO

todo o caminho é belo se cumprido.
ficar no meio é que é perder o sonho.
é deixá-lo apodrecer, no resumido
círculo, da angústia e do abandono.

é ir de mãos abertas, mas vazias,
de coração completo, mas chagado.
é ter o sol a arder dentro de nós,
cercado,
por grades infindas...

culpa de quem, se fiz o que podia,
na hora dos descantes
e das lidas?

ah! ninguém diga que foi minha!
Ah! ninguém diga...

minha a culpa,
de ter dentro do peito, 
tantas vidas!...

MUTILAÇÃO

meu corpo, lancei-o ao mar,
para que o mar o levasse,
e matasse aos peixes belos,
a fome dos meus anelos...

meu olhos, joguei-os longe!
atirei-os às estrelas solitárias
de uma noite...

doei meus lábios vermelhos
à criança prostituída...
mais! entreguei os meus nervos
aos violinos da vida...

e daqueles longos cabelos,
fiz agasalhos de tiras,
com que embrulhei, ressequido
os troncos das árvores velhas...

hoje p'ra além do meu cansaço,
só me resta o coração,
que continua a bater 
transfigurado, no espaço!

INTERMEZZO

do cais, partiram os navios
onde eu quis ir sempre,
e nunca fui...

no jardim, morreram as flores
que o meu olhar só beijou
através das grades brancas...

e pelos caminhos, 
passaram por mim,
sem olharem para trás uma só vez,
todos que tinham pressa de chegar...

só eu fui devagar...
cada vez mais devagar
quanto mais perto estava.

a desejar, as flores que morriam
por detrás das grades brancas...
os navios que partiam
envolvidos na bruma,
e os caminhos, nunca percorridos...

só eu fui devagar...

DE LONGE

Não chores Mãe... Faz como eu, sorri!
Transforma as elegias de um momento
em cânticos de esperança e incitamento.
Tem fé nos dias que te prometi.

E podes crer, estou sempre ao pé de ti,
quando por noites de luar, o vento,
segreda aos coqueirais o seu lamento, 
compondo versos que eu nunca escrevi...

Estou junto a ti nos dias de braseiro,
no mar... na velha ponte... no Sombreiro,
em tudo quanto amei e quis p'ra mim...

Não chores, mãe!... A hora é de avançadas!...
Nós caminhamos certas, de mãos dadas
e havemos de atingir um dia, o fim..

REVOLTA

Quero, e não quero!...
Creio... e desespero!...
Renego, mas aspiro,
E em cada viravolta,
Mais grito e mais me firo!...
Aonde esperei, não espero!...
Aonde desejei, já não desejo,
E se algum dia vi,
Hoje não vejo!...

Deus... Ó Deus!...
Para que lado ficam os teus céus?!…

Carlos Drummond de Andrade (A Cápsula)



Todo mundo foi ver a Gemini V no Passeio Público (até a enchente esteve lá, uma noite). Todo mundo, menos ele. Não que se colocasse fora da era espacial ou abominasse os Estados Unidos. Deixou de ir por preguiça. É daqueles que, para participarem de um acontecimento histórico, exigem que o acontecimento se verifique no bairro, de preferência na rua onde moram. Em horário cômodo. Mas chegou o neto de longes plagas, doido de vontade de ver a cápsula, e sem condições para ir sozinho ao centro da cidade. Pediu ao avô que o levasse.

— Nunca! Está um calor de lascar.

— A gente toma uns sorvetes e vai em frente.

— Sem um pingo d’água em casa!

— E daí? Pra ver a Gemini não precisa de água. Astronauta é que precisa de muita, pra não desidratar no espaço.

— Amanhã nós vamos, menino.

— Amanhã a cápsula sobe pra Petrópolis e não volta mais ao Rio. Você parece que não lê jornal!

Impossível resistir. Os dois se mandaram para o centro. Lá estava, no jardim, convidativa como um circo, a barraca de plástico encerrando a supermáquina.

“Que chateação!” — pensou o velho. O neto pensava exatamente o contrário. Tanto que, mal avistou a barraca, acelerou o passo, deixando o avô à distância. 

Em disparada entrou no recinto.

A progressão nas duas escadinhas laterais era lenta, porque os visitantes queriam ver bem a cápsula; alguns o faziam com ar entendido, de quem já entrou em órbita e é íntimo do Schirra e do Cooper. Certamente, para o garoto o ideal seria que todos fossem embora e ele tomasse posse da cápsula. Mal subiu o primeiro degrau, estendeu as mãos para o plástico da cobertura, alisou-o como quem faz carícia. Depois, os dedos passaram ao revestimento metálico. Apalpava a matéria com força, para testá-la, talvez para comunicar-lhe toda a sua emoção.

— Olhe para dentro, repare no painel, nos assentos do piloto e do co-piloto — sugeriu o visitante de trás, vendo que o garoto não desatava.

Mas ele não tinha tanto olhos de ver quanto mãos de pegar. O tato procurava convencer-se da materialidade da cápsula, esgotar a percepção; depois, a vista que entrasse com seu jogo. Meteu a unha no casco de titânio, querendo tirar uma lasquinha que fosse. Conseguiu uns fiapos, recolhidos imediatamente ao bolso da camisa. Depois arranhou a bandeira norte-americana pintada na fuselagem. Sem a menor intenção de desacato: para conseguir uns grânulos de tinta vermelha das listras, que serviriam, com os fiapos, de eterna recordação e comprovação do encontro, se os colegas duvidassem.

Pressionado pela fila, teve de descer do outro lado, mas avisou: “Vou subir muitas vezes”. E subiu e desceu tantas vezes, contornando a barraca, que mais parecia a própria cápsula, dando voltas à Terra. Já agora, eram os olhos que desfrutavam a viagem. Tiravam fotos retinianas de cada instrumento, cada botão, cada partícula prestigiosa do prestigioso conjunto.

E não descansou. Concluído o voo orbital, aterrissou junto ao funcionário incumbido de dar explicações a quem quisesse. Crivou-o de perguntas, discutiu pontos técnicos da próxima alunissagem. A certa altura, o funcionário coçou a cabeça:

— Isso eu não sei informar, me faltam dados… Desculpe.

Ao voltarem para casa, confidenciou ao avô:

— Soprei em cima do vidro, para deixar o meu hálito. E risquei como pude minhas iniciais.

De sorte que o avô regressou sem ter visto propriamente a Gemini V, mas ainda a está observando, perfeita, em pleno voo, na fisionomia grave do garoto, que ainda não regressou do cosmo.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas. 
São Paulo: Companhia das Letras, 2009.