quarta-feira, 24 de julho de 2024

Arthur Thomaz (O Excêntrico e o Sol)

– Olá, Sol.

– Olá, amigo.

– Antes que você me pergunte, lhe direi que demorei a contatar e a escrever sobre você porque tive que aguardar os momentos em que seus maravilhosos raios não fritassem meu cérebro, e que assim, pudéssemos conversar durante mais tempo.

Prossegui, dizendo:

– Adoraria poder dar-lhe um afetuoso abraço, mas você há de entender a impossibilidade.

Rimos dessa minha bobagem.

– Posso garantir que estou feliz por essa oportunidade de nos falarmos.

Ele disse que não poderia ter deixado de notar-me porque todos os dias me via sintetizando a vitamina D e a minha excentricidade, que tomando sol, conversava animadamente com plantas e animais.

– Sem dúvidas, seus raios ajudaram-me a passar incólume pela pandemia, mas não compreendo o porquê de considerar-me excêntrico.

E continuei:

– Só faço papel típico de um escritor.

Rimos e emendei:

– A respeito de conversar com animais, em minha defesa, vou lhe contar. As formigas, certo dia, vieram pedir-me uma orientação sobre questões trabalhistas. Elas eram obrigadas a cumprir uma carga horária de 7 dias na semana, sem folga nem adicional de fim de semana. Orientei-as a fazerem um pacífico protesto e ajudei a confeccionarem as faixas para a passeata.

“Elas ganharam a causa e todos os domingos vêm comemorar aqui comigo fazendo piquenique.

“Em relação às aves, elas sempre me pedem informação do local das árvores frutíferas aqui do condomínio. Também fiquei amigo de um simpático casal de urubus, embora nunca tenha podido orientá-los sobre o local onde havia os pútridos alimentos, mas elogio o trabalho deles na limpeza do planeta e digo que o voo que realizam é o mais bonito de todas as aves. O casal retribui realizando lindas acrobacias aéreas para que eu aprecie.”

Continuei explicando:

– As plantas e as árvores, sentindo-se solitárias e não podendo se locomover, agradecem pela boa conversa. Na ocasião, informo como são as árvores e plantas de outros lugares no planeta.

Concluí, então:

– Seria isso suficiente para você me classificar como excêntrico?

Gargalhou e nada comentou a respeito.

Eu disse que havia outros assuntos a tratar e dúvidas do tamanho dele. Ainda sorrindo, disse que os cientistas do planeta em que eu habitava, teimavam em classificá-lo como estrela anã.

 – Não penso assim, já estudei muito sobre você, meu amigo, grandão, afinal, são 5 bilhões de anos desde a sua formação.

– Sim, na unidade de tempo que vocês humanos criaram. Aliás, Chronos enlouquece quando ouve essa contagem de vocês.

– Sim, eu estive com Chronos em outro momento. Mas saiba que quando nasci, esta bobagem cronológica já existia há tempos.

Sorri também acompanhando-o. Pensei em brincar, chamando-o de poeira cósmica incandescente, mas não achei oportuno.

Ele prosseguiu, agora com um tom de seriedade:

– Vocês sabem o que estão fazendo ao planeta?

Envergonhado, respondi:

– Eu tenho noção e faço minha parte para que isto não aconteça, mas sei que é insignificante perante os abusos dos que se julgam humanos.

– Fico triste ao ver essa destruição toda e já antevejo minha solidão após a eliminação da raça de vocês. Como eu disse em momento também, divirto-me assistindo as patacoadas de vocês no dia a dia. Literalmente, pois à noite não as vejo.

Riu prolongadamente da própria piada e continuou:

– Levarei milhões de anos para ajudar a formar novos seres vivos. E esse intervalo de tempo será monótono e solitário demais para mim. Nesse momento, algumas nuvens, provavelmente constituídas de melancolia, formaram-se entre nós e decidimos adiar nossa amigável conversa.

Voltei para casa com uma enorme e persistente inquietação em minha alma.

Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor 

Vereda da Poesia = 65 =


Trova Humorística, de Belo Horizonte/MG

OLYMPIO COUTINHO

Eu não tenho o que queria, 
mas sou feliz mesmo assim:
faço a minha terapia
na mesa do botequim.
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Poema de Portugal

ANA HATHERLY
(Anna Maria de Lourdes Rocha Alves Hatherly)
Porto, 1929 – 2015, Lisboa

A Corrida em Círculos

I
O círculo é a forma eleita:
É ovo, é zero,
É ciclo, é ciência.
E toda a sapiência.

É o que está feito,
Perfeito e determinado,
É o que principia
No que está acabado.

II
A viagem que o meu ser empreende
Começa em mim,
E fora de mim,
Ainda a mim se prende.

A senda mais perigosa
Em nós se consumando,
Passamos a existência
Mil círculos concêntricos
Desenhando.
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Aldravia de Madri/Espanha

BEGOÑA MONTES ZOFÍO

impaciência
sexta-feira,
o
jornal
do
domingo?
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Soneto de São Paulo/SP

GLAUCO MATTOSO
(Pedro José Ferreira da Silva)

Confessional
 
Amar, amei. Não sei se fui amado,
pois declarei amor a quem odiara
e a quem amei jamais mostrei a cara,
de medo de me ver posto de lado.
 
Ainda odeio quem me tem odiado:
devolvo agora aquilo que declara.
Mas quem amei não volta, e a dor não sara.
Não sobra nem a crença no passado.
 
Palavra voa, escrito permanece,
garante o adágio vindo do latim.
Escrito é que nem ódio, só envelhece.
 
Se serve de consolo, seja assim:
amor nunca se esquece, é que nem prece.
Tomara, pois, que alguém reze por mim…
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Trova Premiada em Cantagalo/RJ, 2009

EDMAR JAPIASSÚ MAIA 
Miguel Couto/RJ

É na choupana esquecida
num cafundó no sertão,
que, em meio à terra batida,
também bate a solidão...
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Poema de Aloândia/GO

BRASIGÓIS FELÍCIO

Céu Peregrino
 
Quanto sonho
e quanta ilusão
hei empenhado
em perder para o futuro
o sopro dos dias
que tenho tido!
 
Tenho vivido
como Sísifo absurdo,
para tudo cair no olvido
em que tudo cai,
ao fim de tudo.
 
Hoje sou peregrino
do céu que posso ter
à luz de um sol que É.
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Trova Popular

Amor com amor se paga:
nunca vi coisa tão justa;
paga-me contigo mesmo
saberás quanto te custa.
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Soneto de Sorocaba/SP

DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Mutações

 Longe, no céu tão diáfano e sereno,
as nuvens brincam de fazer figuras;
traçam imagens, erguem esculturas,
 vivo painel sobre o horizonte ameno.

 Um cavaleiro em sólida armadura,
na torre de um castelo aguarda o aceno;
além, um monstro a baforar veneno,
aqui,  mansa ovelhinha toda alvura.

 Tal como as nuvens o destino é incerto,
em nossa vida as ilusões se agitam,
juntas, no tempo, às horas de amargura.

 Vento que insufla a areia no deserto,
mas cessa, enfim... e em nossa alma palpitam
os anseios de paz e de ventura.
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Trova de Caicó/RN

PROFESSOR GARCIA

Eu sempre quis numa trova
provar tudo quanto fiz;
mas nunca passei na prova,
nem fiz a trova que quis.
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Poema de Portugal

ANTÓNIO BOTTO
(António Tomás Botto)
Concavada/Abrantes, 1897 – 1959, Rio de Janeiro/RJ

Apontamento 

Para onde marcha o mundo? O que vai ser 
Do pobre que nasceu para servir? 
- Trocaram o sorriso pela espada 
E é latente a volúpia de agredir! 
O que é que os homens querem mais ainda 
Além da sua vil mediocridade? 
Incêndios, sangue, - ó cegos visionários 
Sem alma e sem noção da realidade! 
Tambores e metralhas e clarins 
Num cântico sinistro, sem beleza, 
- Embora a vida seja o hálito da morte, 
Uma ilusão de límpida saudade, - 
Deixai supor, deixai-vos iludir 
De que para viver 
Não é preciso matar 
Nem é preciso mentir!
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Trova Humorística de Pindamonhangaba/SP

JOÃO PAULO OUVERNEY

Que otário! Jamais saiu
de casa durante a vida,
porque sempre residiu
em um beco sem saída!
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

MANUEL BANDEIRA
(Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho)
Recife/PE, 1886 – 1968, Rio de Janeiro/RJ

Confissão

    Se não a vejo e o espírito a afigura,
    Cresce este meu desejo de hora em hora...
    Cuido dizer-lhe o amor que me tortura,
    O amor que a exalta e a pede e a chama e a implora.

    Cuido contar-lhe o mal, pedir-lhe a cura...
    Abrir-lhe o incerto coração que chora,
    Mostrar-lhe o fundo intacto de ternura,
    Agora embravecida e mansa agora...

    E é num arroubo em que a alma desfalece
    De sonhá-la prendada e casta e clara,
    Que eu, em minha miséria, absorto a aguardo...

    Mas ela chega, e toda me parece
    Tão acima de mim... tão linda e rara...
    Que hesito, balbucio e me acovardo.
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Trova de Garibaldi/RS

LACY JOSÉ RAYMUNDI
Sananduva/RS, 1938 – 2014, Garibaldi/RS

Das conquistas festejadas
nas searas dos amores,
restam fotos desbotadas,
penas, saudades e dores!...
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Glosa de Assis/SP

CLEIDE CANTON

Grito do silêncio

Mote:
Quando o sofrer é infinito
e a vida nos deixa a sós,
ao sufocarmos o grito,
grita o silêncio por nós.
Alonso Rocha
Belém/PA, 1926 – 2011

Glosa:
Quando o sofrer é infinito
e a febre mata a euforia
o luto descobre o mito
desvirginando a poesia.

Se o sonho se faz dormente
e a vida nos deixa a sós
o canto brota clemente
na saga da nossa voz.

Mel e fel nesse conflito
despejam métrica e rima
ao sufocarmos o grito
no fecho da obra-prima.

Versos se tornam lamentos
aos olhos do seu algoz.
Se barram nossos tormentos
grita o silêncio por nós.
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Trova de Juiz de Fora/MG

JOSÉ MESSIAS BRAZ

Até na igreja, meu Deus,
quando ela passa ante os santos,
em rondas os olhos meus
vão bebendo os seus encantos!...
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Soneto de Curitiba/PR

EMILIANO PERNETA 
Pinhais/PR, 1866 — 1921, Curitiba/PR

De um fauno

Acordaste mais cedo, em teu roupão de linho,
Nessa alegre manhã cor-de-rosada e fria.
Como foi belo o sol! o sol como floria!
Era uma só canção: o aroma, a luz, o ninho.

Esperavas teu noivo, oh! Ema! oh! cotovia!
E era tão forte o teu delicioso carinho
Que, ébrio contigo, tudo acordou, ébrio, um vinho
Espumava, a dourar, como os vinhos da Hungria.

Cega, no meio desse amplo esplendor sonoro,
Nada mais vias, cruel, senão teu sonho de ouro
Mais pomposo que um deus moço, numa equipagem...

Ao teu lado não viste um fauno, não me viste,
Ema! a sorrir, também, como uma nódoa triste,
Da Inveja — alteza real! — dissimulado pajem.
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Trova Premiada em Valença/RJ, 2005

FRANCISCO JOSÉ PESSOA 
Fortaleza/CE, 1949 - 2020

Lágrimas, gotas perfeitas
de orvalho por sobre a flor,
são saudades liquefeitas
nos versos do trovador!
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Poema de Belo Horizonte/MG 

CLEVANE PESSOA
(Clevane Pessoa De Araujo Lopes) 

Ciclo

A fonte murmurante 
O rio rumoroso
A cachoeira barulhenta
Todos errantes,
Participantes de uma orquestra
Cujo regente
Fica invisível à luz dos dias,
Oculto à luz do luar,
Torna-se dourado junto às luas claras...

Mais tarde, serão
Garoa
Neblina
Orvalho pranto:
Sutis presenças
Com lições de umidade,
De humildade,
De humanidade...
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Triverso de São Paulo/SP

CARLOS SEABRA

era uma vez
um sapo que beijado
poeta se fez
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Setilhas de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

Nosso Trânsito

O pedestre, todo dia, 
cumprindo a sua rotina 
esperava o coletivo 
numa parada de esquina, 
porém não tomou cuidado 
terminou atropelado, 
coitado; que triste sina! 

O ciclista, todo dia 
montava sua "magrela" 
e tomava a ciclovia 
para treinar, com cautela; 
de repente um motorista 
invadiu a sua pista; 
coitado; ninguém deu trela! 

O motoboy, todo dia 
disparava pela rua 
para fazer as entregas 
"urgentes", sentando a pua 
no acelerador, e não 
viu que entrou na contra-mão, 
coitado; ficou "na rua"! 

Por um "descuido" banal, 
olhando só pra "telinha" 
não "viu" fechar o sinal; 
sabe o que deu... adivinha? 
Avançou e foi trombado, 
saindo todo "quebrado", 
coitado: "caiu a linha"! 

Motoristas, todo dia, 
nós temos tido notícia 
de diversos acidentes, 
que são casos de polícia; 
as causas são: imprudência 
imperícia e negligência: 
até por pura "estultícia"! 

Prometa, a partir de agora, 
Condutor, mais consciência 
no trânsito, e seu veículo, 
conduzi-lo com prudência, 
pois você não é nem "rei", 
nem "juiz", em nossa grei; 
fica, pois, a advertência!
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Como eram belos os ninhos
outrora chamados lares!
Hoje há tocas de sozinhos,
escravos dos celulares...
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Hino de Cubatão/SP

Longos séculos emoldurada
de palmas tão brasileiras,
ao som das cachoeiras
prelúdio desta canção.

Eis o Nove de Abril,
rompe em canto viril,
a mostrar a todo Brasil
o valor de Cubatão.

Salve, Salve, Rainha das Serras,
Bem amada Cubatão
em tua história, encerras
paz, amor e tradição
em tua história encerras
paz, amor e tradição.

Ó magia de condão de fadas,
a bela região dominas
o ouro negro refinas
és fontes de força e luz.

E Anchieta, ao passar
a Caminho do Mar,
Sempre quis te abençoar
com o sinal da Santa Cruz.
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A Celebração de Cubatão em Versos e Melodia
O 'Hino de Cubatão - SP' é uma composição que celebra a cidade de Cubatão, localizada no estado de São Paulo, Brasil. A letra do hino destaca a riqueza natural e histórica da cidade, bem como sua importância industrial e cultural. O hino começa com uma referência ao passado distante da cidade, 'Longos séculos emoldurada de palmas tão brasileiras', sugerindo uma paisagem tropical e uma história que remonta a tempos antigos. As 'cachoeiras' mencionadas podem ser uma alusão às características naturais da região, que incluem a Serra do Mar e o Parque Estadual da Serra do Mar, conhecidos por suas cachoeiras e rica biodiversidade.

O 'Nove de Abril' mencionado na segunda estrofe é uma referência direta à data de fundação da cidade, que é celebrada como um momento de orgulho e afirmação da identidade local. A expressão 'rompe em canto viril' evoca a ideia de uma cidade que se levanta com força e determinação. A repetição das palavras 'paz, amor e tradição' reforça os valores que a cidade pretende transmitir e preservar.

A última estrofe faz menção ao 'ouro negro', que pode ser interpretado como uma referência à indústria petroquímica, uma das principais atividades econômicas de Cubatão. A cidade é conhecida por seu polo industrial, que inclui refinarias de petróleo. A menção ao padre José de Anchieta, um importante missionário jesuíta que teve papel significativo na história do Brasil, e ao 'Caminho do Mar', uma rota histórica, reforça a importância da fé e da história na construção da identidade da cidade. O 'sinal da Santa Cruz' simboliza a bênção e proteção divina sobre Cubatão. https://www.letras.mus.br/hinos-de-cidades/942202/ 
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Poetrix de São Paulo/SP

ARGEMIRO GARCIA

perfume de mulher

Um sortilégio antigo
deixaste, displicente,
teu perfume comigo.
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Poema de Goiás

CORA CORALINA
(Ana Lins do Guimarães Peixoto Brêtas)
Cidade de Goiás/GO, 1889 – Goiânia/GO, 1985

O Cântico da terra

Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranqüila ao teu esforço.

Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.

Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.

E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranqüilo dormirás.

Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos.
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Trova de São Simão/SP

THALMA TAVARES

Se tenho um amigo ao lado,
sinto menos solidão...
E me acho mais confortado
se este amigo for meu cão.
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O leão que vai à guerra

Tendo o leão na ideia certa empresa,
Fez conselho de guerra;
E a todos animais mandou aviso
Por seus régios alcaides.
Cada um, por seu teor, entrou no alvitre;
Às costas o elefante
Levar quantos apetrechos importasse,
E pelejar, como usa;
Para os assaltos, o urso, aparelhar-se;
Engenhar-se o raposo
A ter inteligências no inimigo,
E diverti-lo o mono
Com suas mogigangas. Alguém disse
Que despedidos fossem,
Por boto o burro, e por medrosa a lebre.
«Oh, não, — disse o monarca,—
Quero empregá-los: nem completo fora
Sem eles nosso exército.
De trombeta, que espante, sirva o burro;
E a lebre de correio.»

Do mais tênue vassalo o rei prudente
Tirar proveito sabe:
Todo o talento emprega; nada é inútil,
Onde o bom senso lavra.
(tradução: Filinto Elísio)

Recordando Velhas Canções (Casinha pequenina)


Tu não te lembras da casinha pequenina?
Onde o nosso amor nasceu?
Aí, tu não te lembras da casinha pequenina?
Onde o nosso amor nasceu?
Tinha um coqueiro do lado
Que coitado que saudade já morreu
Tinha um coqueiro do lado
Que coitado que saudade já morreu

Tu não te lembras das juras? Oh, perjura
Que fizeste com fervor?
Aí, tu não te lembras das juras? Oh perjura
Que fizeste com fervor?
Daquele beijo demorado
Prolongado que selou
O nosso amor
Daquele beijo demorado
Prolongado que selou
O nosso amor

Não te lembras, ó morena, da pequena
Casinha onde te vi, ai?
Não te lembras, ó morena, da pequena
Casinha onde te vi?

Daquela enorme mangueira
Altaneira onde cantava
O bem-te-vi

Não te lembras do cantar, do trinar
Do mimoso rouxinol, ai?
Não te lembras do cantar, do trinar
Do mimoso rouxinol?
Que contente assim cantava
Anunciava o nascer
Do flâmeo Sol
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Saudade e Memórias em 'Casinha Pequenina'
A música 'Casinha Pequenina', é uma ode à saudade e às memórias de um amor passado. A letra remete a um tempo de inocência e simplicidade, onde o amor floresceu em um ambiente bucólico e cheio de significados pessoais. A casinha pequenina, mencionada repetidamente, simboliza não apenas um lugar físico, mas um espaço emocional onde o amor nasceu e se desenvolveu. A repetição da pergunta 'Tu não te lembras?' enfatiza a dor da lembrança e a tristeza de perceber que esses momentos podem ter sido esquecidos pela outra pessoa.

A letra também faz uso de elementos da natureza para intensificar o sentimento de nostalgia. O coqueiro, a mangueira e o canto dos pássaros como o bem-te-vi e o rouxinol são símbolos de um tempo passado, de um cenário que testemunhou o amor dos protagonistas. Esses elementos naturais não são apenas decorativos; eles carregam consigo a essência das memórias e das emoções vividas. A morte do coqueiro, por exemplo, é uma metáfora para a passagem do tempo e a perda das lembranças.

Silvio Caldas, conhecido como 'O Caboclinho Querido', é um dos grandes nomes da música brasileira, especialmente no gênero seresta. Sua interpretação melódica e emotiva dá vida à letra, fazendo com que o ouvinte sinta a profundidade da saudade e da nostalgia. A música, portanto, não é apenas uma lembrança de um amor passado, mas também uma reflexão sobre a efemeridade dos momentos e a importância de valorizar as memórias que construímos ao longo da vida.

A modinha, o gênero mais lírico e sentimental de nosso cancioneiro, é também o mais antigo, existindo desde o século XVIII. E entre todas as modinhas surgidas nesse longo espaço de tempo, nenhuma seria tão cantada e gravada como a "Casinha Pequenina".

Lançada em disco por Mário Pinheiro em 1906, teria dezenas de gravações figurando no repertório dos mais variados intérpretes, de Bidu Sayão e Beniamino Gigli a Cascatinha e Inhana, de Sílvio Caldas e Nara Leão aos maestros Radamés Gnattali, Lírio Panicali e Rogério Duprat.

Atribuída a autor desconhecido, a "Casinha Pequenina" teve a origem pesquisada pelo musicólogo Vicente Sales, que acredita ser seu criador o paraense Bernardino Belém de Souza. Carteiro e pianista, Bernardino tocou durante algum tempo em navios que faziam a linha Rio-Manaus, aproveitando as viagens para divulgar suas composições no sul do país. Outra autoria possível, mas não comprovada, seria a dos atores Leopoldo Fróes e Pedro Augusto. Segundo Íris Fróes, biógrafa do primeiro, Leopoldo teria recebido de Pedro a letra da "Casinha Pequenina" pronta, e composto a melodia em 1902. A verdade é que nenhum deles jamais reivindicou a paternidade da canção, apesar do sucesso.
Fontes: