terça-feira, 2 de abril de 2019

Adelmar Tavares (1888 - 1963)


A imagem de nossas almas
está nas águas profundas,
quanto mais tristes, mais calmas;
quanto mais calmas, mais fundas.

A inveja tem seu castigo,
Deus mesmo é quem retribui;
enquanto o invejado cresce,
o invejoso diminui…

Alguém já disse, e é verdade,
que o sentimento do amor,
ou se faz eternidade,
ou então, não é amor…

A luz desse olhar tristonho
dos olhos teus, faz lembrar
essa luz feita de sonho
que a lua deita no mar.

A morte não é tristeza,
é fim, é destinação.
– Tristeza é ficar vivendo,
depois que os sonhos se vão.

Aos que me foram ingratos,
eu grato lhes hei de ser,
pelo bem que me fizeram
no bem que eu pude fazer.

A saudade é uma andorinha,
que ao morrer do sol a chama,
as asas tristes aninha
no coração de quem ama…

As penas em que hoje estou,
disse-as ao Sol, – fez-se triste.
Disse-as à noite – chorou.
Disse-as a ti, e sorriste…

Coração, fonte da Vida,
da vida a própria razão.
– E tanta gente eu conheço,
vivendo sem coração…

Dizer adeus nada custa,
alguém me mandou dizer.
Mas quem diz que nada custa,
queira bem e vá dizer.

Duvido que alguém no mundo,
olhe sem melancolia,
uma vela no horizonte,
lá longe… no fim do dia…

Encerram certos sorrisos
tristeza tão singular,
que, em se vendo tais sorrisos,
dá vontade de chorar…

É nossa alma uma criança,
que nunca sabe o que faz.
Quer tudo que não alcança,
quando alcança, não quer mais

Eu falei da “flor morena”
e entrou a rir quem me ouviu.
– Quem nunca viu flor morena,
foi porque nunca te viu…

Eu vi o rio chorando,
quando te foste banhar,
por não poder, te banhando,
dar-te um abraço, e parar. . .

Meu coração, pobre tonto,
que eu não entendo sequer,
fazes morrer quem te adora,
morres por quem não te quer!

Na janela do teu quarto,
a luz da manhã transborda.
Bem-te-vis estão gritando:
Preguiçosa, acorda, acorda!

Não quero na minha morte,
nem pompa, nem mausoléu.
Quero uma covinha rasa,
que abra os braços para o céu. . .

Não quero ouvir o teu nome,
nunca mais te quero ver!
– E passo a vida pensando,
a forma de te esquecer.

Neste mundo, a certas vidas,
a morte seria um bem,
mas até a própria morte
se esquece delas também.

Ninguém se queixe da Sorte,
que Deus de ninguém se esquece.
Cristo nasceu para todos,
cada qual, como o merece…

Do mundo quando te fores,
mais que outra glória qualquer,
deixa a sombra de tua alma,
num coração de mulher.

O laço de fita preta
dos teus cabelos, faceira,
parece uma borboleta
pousada numa roseira…

Ó meu amor! Ó saudade!
– E eu não sabia que amor
era uma felicidade
disfarçada numa dor.

Onde anda o corpo, é verdade,
vai a sombra pelo chão…
É assim também a saudade,
a sombra do coração.

O perfume do teu lenço
trago comigo na mão.
Mas o cheiro da tua alma,
dentro do meu coração.

Ora a Vida! … Deixa-a andar,
não queiras da vida ter
o que ela não possa dar,
nem tu possas merecer…

Os búzios guardam das águas
do mar, os fundos gemidos.
– Assim fossem minhas mágoas,
guardadas nos teus ouvidos…

Para definir o Poeta,
só mesmo em verso defino.
– É um homem que fica velho
com o coração de menino

Para esquecer-te, outras amo,
mas vejo, por meu castigo,
que qualquer outra que eu ame,
parece sempre contigo.

Para matar as saudades,
fui ver-te em ânsias, correndo …
– E eu que fui matar saudades,
vim de saudades morrendo.

Por que, pela humanidade,
só o eu, soa e ressoa? …
– É que há um sapo agachado,
dentro de cada pessoa.

Pouco me dá que se diga
meu verso fora da moda,
meu verso é apenas cantiga
de cirandas, e de roda …

Proclamas teu amor-próprio,
se alguém te diz minha dor.
– Essa questão de amor-próprio,
é muito imprópria no amor…

Quando eu morrer, levo à cova
dentro do meu coração,
o suspiro de uma trova,
e o gemer de um violão.

Quando vejo teu sorriso,
tudo se doira e aligeira.
Teu sorriso é na minha alma,
como o sol numa roseira.

Quanto amor me prometeste!
– Nas tuas cartas, que ardor!
Depois … tudo isto esqueceste,
– Coisas de cartas de amor…

Quem dera que minhas trovas
andassem pelos caminhos,
consolando os desgraçados,
dando pão para os ceguinhos…

Quem ri do poeta, não sabe,
o consolo que ele tem.
E o dia em que fosse triste,
faria versos também.

Quem tiver amor, esconda
faça por muito esconder,
que as coisas da alma da gente,
ninguém carece saber…

Que tens tu, que és tão sombrio,
e hoje a rir, alegre, assim? …
– Mal sabem que só me rio,
porque riste para mim .

Saudade – doce transporte
da alma adejante e ferida…
– É viver dentro da morte!
– É morrer dentro da vida!

Se eu pintasse minha infância,
pintava: num sol de estio,
a sombra de uma ingazeira,
debruçada sobre um rio.

Só peço o dia em que eu morra,
faça uma noite de lua,
todo troveiro descante,
todo violão saia à rua!

Sou nesta tarde da vida,
cheio de saudades minhas,
como um telhado de igreja,
todo cheio de andorinhas.

Todo rio na corrente,
busca um lago, um rio, um mar…
Mas o destino da gente,
quem sabe onde vai parar?

Trovas, trovas da minha alma!
Da vida quando eu me for,
sede o humilde travesseiro,
do sono de um sonhador.

Tu censuras de minha alma,
este alvoroço, este ardor…
Quem tem amor e tem calma,
tem calma… não tem amor…

Tu vais passando, orgulhosa!…
Nunca vi soberba assim.
– Ai de ti, por tanto orgulho.
Por tanto amar-te, ai de mim! …

Um cego me disse um dia,
que Poesia, inspiração,
era uma lua nascendo,
de dentro do coração.

Vivo triste, triste, triste,
que mesmo nem sei dizer.
– Desconfio que é saudade,
que é vontade de te ver.

Contos e Lendas do Mundo (Celta: A História da Caveira)


Era uma vez um granjeiro que tinha apenas um filho. Este filho morreu e o pai não quis ir ao enterro porque antes houve uma briga entre eles. Passado um tempo, morreu um vizinho e ele foi ao seu enterro. Depois da cerimônia e ainda estando o granjeiro no cemitério, olhando distraído ao redor viu uma caveira.

Juntou-a e disse, pensativo:

- Gostaria de saber alguma coisa sobre ti...

E a caveira falou:

- Amanhã irei passar a noite contigo, se vieres passar outra noite comigo.

- Assim farei - disse o granjeiro.

No caminho de volta, encontrou um sacerdote e comentou o que tinha ocorrido. O sacerdote lhe disse que deveria ter sonhado, posto que as caveiras não falam. O granjeiro lhe contou que na noite seguinte seria visitado pela caveira, e o sacerdote concordou em ir.

Assim, na noite seguinte, estavam o granjeiro e o sacerdote conversando quando, em seguida, chamaram à porta e apareceu a caveira. Ela subiu à mesa e comeu tudo que nela havia. Depois, saiu e desapareceu.

- Por que não falaste nada? inquiriu o granjeiro ao sacerdote.

- Por que TU não falaste? - respondeu o outro.

Na noite seguinte, como dia combinado com a caveira, o granjeiro foi até o cemitério e, não vendo nada, desceu os três degraus que estavam junto à  Igreja. De pronto se encontrou no meio de um campo, cheio de homens que lutavam entre si. Ao ver o granjeiro, perguntaram-lhe se procurava o crânio. Ao assentir, eles disseram:

- Acaba de ir para o campo ao lado.

No outro campo viu homens e mulheres que lutavam entre si. 

- Estás procurando um crânio? - perguntaram. Pois bem, acaba se ir ao campo do lado.

O granjeiro se foi ao campo do lado e viu uma grande casa. Ao entrar viu que era a habitação de uma dama e uma criada. A dama caminhava de um lado a outro da casa, e cada vez que chegava perto do fogo para se aquecer, a criada a empurrava. Também lhe perguntaram se buscava um crânio e que se era isso, que saíra pela porta esquerda da casa e por ali saiu o granjeiro.

Ao entrar na casa contígua, encontrou a caveira e esta lhe perguntou se queria cear, com o que assentiu o granjeiro. A caveira o conduziu à cozinha onde estavam três mulheres. A caveira pediu a uma delas que servisse a ceia, e esta serviu pão preto e uma jarra d'água, o que ele não conseguiu comer. Em seguida pediu à segunda mulher que fizesse o mesmo, e ela serviu pior ao granjeiro do que a primeira. Por fim a caveira pediu à terceira mulher, e esta serviu uma deliciosa refeição, com uma profusão de pratos e excelentes vinhos.

Depois de comer, perguntou ao crânio o que tinha sido aquilo.

- Os homens que viste no primeiro campo se dedicavam a lutar entre si enquanto estavam vivos, porque tinham terras próximas e se acostumavam a mover as estacas e agora precisam lutar entre si para sempre. Os homens e mulheres que viste eram casais casados que viviam a brigar e agora devem seguir eternamente em brigas. A senhora que viste na casa e que a criada não deixava se aquecer fez o mesmo com a criada, que um dia chegou molhada e com frio, e agora a criada faz o mesmo com ela, até o dia do Juízo Final. As três mulheres na cozinha foram minhas três esposas. Quando pedia à primeira que me preparasse a ceia, me oferecia pão preto e água, a segunda ainda coisa pior mas a terceira me servia o banquete que ceaste.

A caveira então olhou lugubremente o lavrador e disse:

- E quanto a ti? Foste trazido a este lugar por não querer ir ao funeral do teu filho, apesar de teres ido ao de um vizinho. Assim, sugiro que, se queres te salvar, vá onde enterraram teu filho e pede-lhe perdão e, caso o obtenhas, saiba que desde o dia que saíste de casa até chegar aqui se passaram 700 anos.

O lavrador ficou petrificado e, como despertando de um sonho, se viu caminhando pelos campos, por lugares que antes ele havia passado mas que haviam mudado de forma pelo tempo transcorrido. Ao fim chegou ao cemitério e conseguiu localizar a tumba do filho . Ali se ajoelhou e pediu perdão. O perdão a seu filho.

Por fim surgiu uma mão da tumba, que tomou a sua e ambos, pai e filho, subiram juntos ao céu.

Fonte:

Leon Eliachar (O Segredo da Propaganda é a Propaganda do Segredo)


Depois de tantos anos vendo televisão diariamente, chego a uma conclusão definitiva: é muito mais divertido e mais prático ver os anúncios. Enquanto as outras pessoas ficam aflitas tentando decorar os horários das novelas, das paradas de sucesso e dos chamados programas humorísticos, eu não tenho problema: ligo a televisão em qualquer canal e vejo os anúncios sem preocupação de horário.

Vocês talvez achem que é loucura ver os mesmos anúncios diversas vezes, mas posso garantir que os anúncios variam muito mais que as piadas e as músicas que são servidas todos os dias. Pelo menos os anúncios são bem bolados, alguns até inteligentes. A técnica é chatear tanto até ficarem em nosso subconsciente — se é que alguém consegue ter subconsciente assistindo televisão.

Os refrigerantes, por exemplo: quase todos fazem as garrafas dançar na nossa frente e tocam uma musiquinha que chega a dar sede. Aí a gente não resiste: vai à geladeira e bebe um copo de água.

Mas bom mesmo é anúncio de sabonete: aparece cada moça bonita que vou te contar. E com uma grande vantagem, as moças não falam, só aparecem, ligam o chuveiro e ficam noivas dentro da espuma. Por mais que a gente saiba que aquilo é anúncio de sabonete, fica sempre aquela dúvida se um dia eles não vão resolver dar o nome daquele chuveiro ou, quem sabe, o telefone da moça.

Geniais mesmo são as geladeiras que duram toda a vida. Mas muito mais geniais são os textos garantindo que cabe tudinho dentro delas, mas acho que não têm tanta certeza, pois fazem questão de botar uma moça bem bonita pra mostrar a geladeira — e a gente tem é vontade de comprar a moça, mesmo sem o "certificado de garantia".

E as televisões, baratíssimas, cada vez mais vendidas, dentro dos novos planos de venda. Ao invés de bolarem uma televisão mais perfeita, ficam é bolando planos de venda. No dia em que inventarem uma televisão que focalize a cara de um sujeito com menos de três orelhas, não precisam nem fazer anúncio: é só exibir, que esgota no mesmo dia.

Existe anúncio de todo tipo: tecidos que não amarrotam, tecidos que dão prêmios, tecidos que dão desconto, tecidos coloridos que são apresentados em preto-e-branco, tecidos brancos que ficam cada vez mais brancos à medida que vai surgindo um novo sabão em pó. Mas é o que eles pensam: o branco deles, lá em casa, todo mundo tá vendo que é cinza. O mais engraçado são os anúncios de inseticidas que matam todos os insetos, menos as moscas do estúdio.

Anuncia-se também muita banha, muito pneu, muito perfume, muito sapato, muito automóvel, muita calça, muita bebida e muita pílula pra dor de cabeça. Parece até que um anúncio depende do outro — é como se fosse uma novela, com a vantagem de a gente sempre saber qual o final de cada anúncio. E não pensem que sou o único a achar os anúncios mais interessantes que os programas: os donos das emissoras também acham — senão não ocupavam a maior parte do tempo com anúncios. Nos intervalos é que colocam alguns programinhas — por absoluta falta de mais anúncios.

Reparem só: os programas de humor mostram o lado negativo das pessoas, os personagens são quase todos fossilizados, gagos, surdos, cegos, velhos borocochôs ou sem sexo definido. As novelas exploram seres anormais dentro de um mundo de misérias e lágrimas. Já os anúncios apresentam um mundo de otimismo, onde tudo é bom e saudável, não quebra, dura toda a vida e qualquer um pode adquirir quase de graça, pagando como puder, no endereço mais próximo da sua casa. O único detalhe que nos deixa um pouco frustrados é que a moça que dá os endereços fala tão preocupada em não errar que a gente não consegue decorar nenhum endereço. Em compensação, sabe de cor a moça todinha.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

A. A. de Assis (Trovas Brincantes) I


01
Meu nome é Assis. Brasileiro.
Setenta e tantos completos.
A profissão?… jardineiro:
cultivo trovas e netos!

02
Quando, à noite, o Sol se deita,
a Lua, em grande escarcéu,
chama a poetada e aproveita:
Faz uma farra no céu!

03
Bate-papo de mulher,
nem mesmo seu Freud entende.
– Um assuntinho qualquer
vira um filme sem the end…

04
Que saudade, companheiro,
do tempo em que eu era bobo…
– Pensava que era cordeiro
quem não passava de lobo!

05
Antiguidade, doutor,
é coisa muito engraçada:
algo que cresce em valor
quando não vale mais nada…

06
Sobremesa preferida?…
Eu vos respondo, ora vede:
– é após a farta comida
me desmaiar numa rede…

07
“Feliz quem feliz se julga”,
diz um ditado antigão.
– Felicidade da pulga
é andar montada no cão…

08
Diz à macaca o macaco
logo ao café da manhã:
– Ou paras de encher-me o saco,
ou te devolvo ao Tarzã!

09
Tão boa é aquela senhora,
tão generosa e tão pura,
que nem passando a ter nora
perdeu jamais a ternura…

10
De biquini ou minissaia,
a verdade se revela…
Não há mentira na praia:
feia é feia, bela é bela!

11
Tenho um galo gozador,
que canta de madrugada…
Troco por despertador
que toque às dez a alvorada!

12
Vingança é coisa de gente
tresloucada ou matusquela…
– A lei do dente por dente
faz tempo ficou banguela!

13
Verde, amarelo, vermelho…
bi-bi… fon-fon… ron-ron-ron…
Mulher, sem pressa, ao espelho,
na esquina ajeita o batom…

14
Pipilam os pintainhos,
que terna a galinha afaga.
“Vamos fazer mais unzinhos?”,
o galo safado indaga…

15
“Filho de peixe é peixinho”,
é o que se diz por aí.
A menos que no escurinho
se entregue a peixa ao siri…

Continua…
Fonte:
José Fabiano & A. A. De Assis. Trovas brincantes. 2007.

Vinícius de Moraes (O delírio do óbvio)


Conheci-a num coquetel no seu apartamento em Roma: uma mulherzinha intensa, minúscula, arredondada. Pensei imediatamente em dar-lhe um lugar de destaque na coleção de gnomos humanos de jardim, que venho selecionando há um ano e já vai bem adiantada. Devia andar pelos 45, mas 45 bem cuidados, a julgar pelo fundo da pele, pelo dorso das mãos e pelo colo almofadado, dando apenas a entender. Um colo arfante, naturalmente.

Olhou-me com olhos úmidos e sua boca rasgada abriu um sorriso à anúncio. O tom com que me falou foi de um recolhimento quase religioso :

- Ah, é o poeta

Fiquei com vontade de engrossar de saída e responder: "Não, é o cobrador da Light!", mas me contive. Ela suspirou fundo - coisa que, aliás, deveria fazer num crescendo assustador - e sem mudar de tom, mas endurecendo ligeiramente as pupilas, voltou-se para minha mulher :

- Que coisa divina ser a companheira de um poeta, a sua musa inspiradora! E que responsabilidade... Porque os poetas, em geral, são pródigos de amor: não é, poeta?

Quis reagir, mas inutilmente. Sorrimos aquele sorriso, e enquanto minha mulher fingia procurar qualquer coisa na bolsa, eu balbuciei um "É!" que merecia ser gravado, pois jamais ouvi nada tão alvar. Ela acertou o vestido nas ancas, num gesto muito característico das mulheres que ainda não desistiram de todo, e aproximando o rosto do meu, segredou-me conivente:

- Aposto que já fez sofrer muitos corações femininos...

Assumi, sem saber bem o que dizer, um ar modesto de "mais ou menos", e já meio baratinado pela ação irradiante de tanto óbvio, respondi sem tirar nem pôr o que aqui vai:

-Qual nada ... A senhora está exagerando... São seus bons olhos... Eu até não sou disso ...

Ela fixou-me ardentemente, numa expressão só-eu-sou-capaz-de-compreender- a-alma-dos-poetas e logo, desviando o olhar do meu para ir perdê-lo na distância, arrematou:

- Dizer que os cientistas estudaram tanto para enviar ao espaço os cosmonautas... E estas mãos (ela tomou-me uma com infinita delicadeza) num simples dedilhar de algumas cordas, nos transportam logo ao céu!

Fiquei com vontade de protestar, de dizer-lhe que estava havendo um erro de pessoa, que ela queria provavelmente se referir a Baden ou Bonfá; mas ela num súbito arroubo que conseguiu elevar-lhe a estatura de dois centímetros, dirigiu-se a minha mulher não sem uma ameaça velada na voz:

- Você sabe a responsabilidade que tem, menina? ser a companheira de um poeta, de um compositor? Você sabe que ele não se pertence, é um patrimônio de todos nós? Você sabe o que é ser musa de um poeta?

Minha mulher, que é muito mais Manuel Bandeira, e tal já me fez ver, chegou a olhar-me com uma certa surpresa enquanto eu, no auge da covardia, procurava abrandar a sagrada cólera da Begum do Lugar-Comum, como a passamos a chamar depois:

- Ela é boazinha, ouviu...

E sem saber mais o que fazer, ofereci-lhe um cigarro, que ela declinou com seca compunção:

- O poeta vai me perdoar, mas uma mulher (e fuzilou a minha com os olhos) deve ter na boca um gosto de amor e não de fumo...

- Falou pouco, mas bem...

Era a rendição. Ela sorriu deliciada:

- Ah! poeta... As mulheres como eu só falam a linguagem do coração...

Na despedida tomou-me familiarmente o braço até a porta, sem dar a menor importância à "minha musa".

- Agora que já sabe o caminho, volte sempre. O ninho é pequeno mas o afeto é grande. Eu serei sempre... toda ouvidos...

A porta fechada, descendo as escadas para a rua, eu me surpreendi com horror dizendo à minha "companheira`.

- Que tal se fôssemos ao Alfredo, comer um fettuccini al triplo burro?

Geir de Campos (Poemas Escolhidos)


ANISTIA

Tantos lustros depois de tantos feios
eventos, volto a perlustrar as francas
paisagens a que afiz os meus passeios
num tempo sem arbítrios e sem trancas,

mas de várzeas macias que nem ancas
e outeiros caroáveis que nem seios
e oásis penteando areias brancas
e olhos d'água a servir cântaros cheios.

Limpos de culpa, os céus não choram mais
e é música de arcanjos que se faz
a cada novo som de pé na estrada:

revivo itinerários da lembrança
— como aos braços da mãe torna a criança
e o homem torna aos da mulher amada.

ANUNCIAÇÃO

De pássaros cadentes como estrelas
a amplidão de repente se povoa
e cada qual é uma notícia boa
da madrugada que vem vindo pelas

quebradas cordilheiras de uma espera
tanto procrastinada quão doída
entre pedaços de espelhos da vida
onde já a hora clara reverbera;

e são asas mais asas convidando
a crer nelas e a ir com elas quando
ruflam assim tão rente ao nosso rosto,

e ponto algum é perto ou longe, e há só
por horizonte uma nuvem de pó
que o sol espana ao retomar seu posto.

ENQUANTO O ESTRÔNCIO CAI

Estranho é estarmos todos sossegados
— o mineral, a planta, o bicho, o homem:
brincam boatos no ar, mas logo somem
sem mutação nos fatos — só nos fados.

Diz que no empíreo os numes aterrados,
sem atinar qual providência tomem,
em sobre-humana angústia se consomem
rolando o azar em seu copo de dados.

Enquanto isso, espantosos cogumelos
giganteiam nas nuvens e tão belos
que homem nem deus nenhum pensa impedi-los;

só na chuva é que vêm frias do alto
as cinzas do hidrogênio e do cobalto
sobre nós tão alheios e tranquilos.

ESPERA

De infinitas esperas confinadas
em angras de iminência, torço os fios
e vou tecendo para o meu navio
bujarronas de auroras almejadas,

contando o tempo de vê-las içadas
aos mastaréus de proa mais esguios,
ao vento panejando o desafio
de quem soubera tudo por um nada

trocar, quando de nada fora a vez
e de palavra ancorada na voz,
para não ir com afoitezas vãs

— por mais brilhantes, mais fáceis talvez —
turvando as águas em coalhos de nós
contra a navegação dos amanhãs.

INVENTÁRIO

Esta epiderme há muitos muitos anos
me cobre: guarda algumas cicatrizes,
outras não lembra mais, e até mistura
uns carinhos da infância a outros de agora.

As unhas não direi que são as mesmas
com que o seio nutriz terei vincado:
são mais duras, mais feias e mais sujas
— pois nem sempre de amor e entrega foi
o chão em que plantei, colhi nem sempre.

Se os dentes não gastei, gastei meus olhos
entrevendo paisagens, vendo coisas,
cegando-me ante sésamos de sombra.

A alma apanhou demais e vai pejada,
mas vão leves as mãos cheias de nada.

SONETO FABRIL

Parques, sim, mas parques industriais:
neles é que passeia o nosso amor
em bairros pouco residenciais
onde ronrona a máquina a vapor.

Das chaminés das fábricas saem mais
nuvens (claras, escuras) de vapor
e de fumaça, com a cor das quais
o azul do céu muda-se noutra cor.

Pairando entre esse céu assim mudado
e a terra onde prossegue a mesma a vida
com seu esquema aceito mas errado

retém-se o nosso olhar em bagatelas
— que de pequenas coisas é tecida
a glória de viver e achá-las belas.

SONETO DE PEQUIM

Cidade com milênios de abandono
fixa o presente acima do passado,
o olhar oblíquo vagamente inchado
de quem teve mau sonho em vez de sono.

Houve reis, mandarins... Agora o dono
de tudo é todo o povo despertado
que o seu trabalho enfim tem compensado
como quem troca o inverno pelo outono.

Os velhos bairros curvam-se em contraste
junto aos quarteirões novos que o guindaste
vai empinando além do antigo muro.

Não há pressa de máquina ou de gente:
quem mais corre é talvez o mais paciente
a contar com o presente do futuro.

UTOPIA

Abro meus olhos vagamente e vaga
mais do que meu olhar meu pensamento
num mapa que se acende e que se apaga
nas dobras dos palimpsestos do vento

parado ou disparado desdobrando
em cavaletes de ar à minha frente
paisagens de não sei onde nem quando
entre a ilha que sou e o continente

de uma fraternidade que procuro
e que sinto esboçar-se em minha espera
de alguma espécie nova de futuro

com os homens irmãos e companheiros
além do pão repartindo a quimera
que os últimos põem junto dos primeiros.

Mário Quintana em prosa e verso 9


Mentiras

Lili vive no mundo do Faz-de-conta... Faz de conta que isto é um avião. Zzzzuuu... Depois aterrissou em piquê e virou trem. Tuc tuc tuc tuc... Entrou pelo túnel, chispando. Mas debaixo da mesa havia bandidos. Pum! Pum! Pum! O trem descarrilou. E o mocinho? Onde é que está o mocinho? Meu Deus! onde é que está o mocinho?! No auge da confusão, levaram Lili para a cama, à força. E o trem ficou tristemente derrubado no chão, fazendo de conta que era mesmo uma lata de sardinha.
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Mentira?

        A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer.
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Topografia

Meu bonde passa por ali. Pela sua esquina, apenas. É uma ruazinha tão discreta que logo faz uma curva e o olhar não pode devassá-la. Não lhe sei o nome, nem nunca andei por ela. Mas faz anos que me vem  alimentando de mistério. Se eu fosse lá, encontraria alguns poetas: o Marcelo, o Wamosy, o Juca... todos mortos de há muito, todos no mesmo bar. Ah! ruazinha... ruazinha que leva à Babilônia, eu sei... au porto inventado de Stargiris... a regiões entressonhadas a medo.
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Cruel amor

Um dia, da ponta daquela mesa comum de hóspedes, dona Glorinha me interpelou:

- Seu Mario, o senhor ainda não leu o CRUEL AMOR?

Não, eu nunca tinha lido o CRUEL AMOR!... Pois tudo o que falta à minha vida, toda a imperfeição em que ainda me debato, vem de eu nunca ter lido o CRUEL AMOR... de ter achado ridículo o título… de ter achado ridícula a transcendental pergunta de dona Glorinha...
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As falsas recordações

Se a gente pudesse escolher a infância que teria vivido, com que enternecimento eu não recordaria agora aquele velho tio de perna de pau, que nunca existiu na família, e aquele arroio que nunca passou aos fundos do quintal, e onde íamos pescar e sestear nas tardes de verão, sob o zumbido inquietante dos besouros...
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Noturno da viação férrea

Ora, os fantasmas são viajantes noturnos. Se aboletam nos carros vazios e ficam (por que será que os fantasmas não fumam?) a olhar o mundo que desliza...

Mas sucede que as máquinas estavam manobrando apenas. E voltam todas para a gare deserta.        

E depois vem a luz crescente, a luz cruel, situando e ambientando as coisas.

É quando surgem, cabalísticos, os primeiros letreiros:

-        HOTEL SAVÓIA - Ao PENTE DE OURO - SAÚDE DA MULHER - os fantasmas, puídos de claridade, soltam um pífio suspiro e se desvanecem...

sábado, 30 de março de 2019

Odenir Follador (Ponta Grossa, Princesa dos Campos Gerais)


Salve, salve, oh! Querida Ponta Grossa,
 Princesa encantada dos Campos Gerais!
Das verdes campinas és a alma nossa.
Brancas asas, o início... Esquecer jamais!

De seus prédios e casarões alvissareiros,
das ruas seminuas no entorno da praça.
Onde havia até transporte de passageiros;
a Estação Saudades e a Maria Fumaça!

Havia também outro meio de transporte:
quatro linhas de ônibus no Ponto Azul
que ligava todos os bairros dando suporte,
num irrequieto vai e vem, de Norte a Sul.

E muito próximos, com porte magistral:
a fonte da Praça Barão do Rio Branco,
o Coreto e a nossa imponente Catedral;
magia dourada de um momento franco.

Indústrias Wagner com chaminé altaneiro,
da Cia. Adriática e da cerveja Original!
Nas ruas: cavalos, carroças e carroceiro
movendo e agitando o centro comercial.

As muitas lojas, comerciais e industriais
foram demolidas, sequer preservadas!
Só lembranças...  Hoje não existem mais!
Pela moderna construção, foram trocadas.

Oh! Querida Princesa dos Campos Gerais;
que saudades... Recordação e Nostalgia!
Lembranças que não apagarão jamais,
da candura e doçura que tivemos um dia.

Fonte: O poeta

Leon Eliachar (O Pileque)


Airton saiu da boate cambaleando, não viu quando um automóvel quase o pegou. Não viu, mas ouviu:

- Sai da frente, ó palhaço!

Riu sozinho, porque nem levou susto. Olhou para o alto, viu uma porção de janelas iluminadas, como se fossem manchetes da solidão que domina Copacabana, às quatro da madrugada. Queria ir pra casa, mas não se lembrava onde morava. Seus amigos quiseram colocá-lo num táxi:

- Deixa que sei ir sozinho.

Veio andando, andando, sem rumo certo, duas moças o abordaram:

- Está sem sono, meu bem?

Airton disse um palavrão, ouviu dois, saiu resmungando, esbarrou num guarda:

- Tem fogo aí, ô meu chapa?

O guarda acendeu seu cigarro, aproveitou pra filar um, tentou puxar um papo mas Airton preferiu continuar andando. Agora o dia já estava clareando, o sol vermelho esticava as sombras de algumas pessoas que começavam a sair e ele ainda nem tinha voltado. Sentou-se no degrau de um edifício, chegou um homem pra reclamar, dizendo que era contra o regulamento. Airton achou graça do regulamento, porque o homem era um lavador de automóveis e estava completamente nu. Levantou-se, sem discutir, levou de sobra os respingos da mangueira, mas não perdeu a pose:

- Quanto é a lavagem?

Continuou andando, entrou num boteco:

- Média, pão e manteiga.

Comeu devagarinho, pagou, misturou-se com a multidão de homens e mulheres apressados que tentavam condução para o trabalho. Sentiu-se diferente dos outros, quis ficar com pena deles, mas acabou com pena de si mesmo, quando percebeu que estava com um dia de atraso: os outros já estavam vivendo o dia seguinte e ele ainda estava no ontem.

- Táxi! Táxi!

Saltou na porta de casa, decidido de que este seria o seu último pileque. Abriu a porta com cuidado, entrou devagarzinho, sem fazer o menor ruído. A mulher já estava na cozinha, preparando o café das crianças:

- É você, Airton?

Não teve outro jeito:

- Sou eu. Tive de fazer serão novamente, acabei num bar com os amigos, juro que foi a ultima vez, meu bem.

A mulher não disse uma palavra, deu-lhe um copo de leite:

- Acho bom você dormir um pouco, deve estar muito cansado.

Ele passou pelo quarto dos meninos, deu um beijo na testa de cada um. O menorzinho acordou, bocejando:

- Você já vai trabalhar, papai?

Sentiu vergonha de ser marido, de ser pai, de ser chefe de família. Retirou-se para o seu quarto, vestiu o pijama, cerrou as cortinas, para que a escuridão envolvesse o seu drama. Ficou pensando em Nina, sua amante, comparou-a com a mulher. Há três anos que a conhecera e há duas semanas que havia decidido romper, definitivamente, para salvar o seu lar. Mas não conseguia esquecê-la, daí ter apelado para a bebida. Saía sozinho, todas as noites, voltava de madrugada, não sabia sequer se a mulher aceitava suas desculpas ou se o aceitava assim mesmo como era, porque o amava muito.

Não conseguia dormir, não conseguia trabalhar, não conseguia mais nada. Deitava-se às oito da manhã, levantava-se as duas. Há quinze dias não almoçava nem jantava em casa e sua família não merecia isso. No escritório, resistia a tentação de uma reconciliação com "a outra":

- Diz que não estou.

À noite era um desajustado, um homem incompatibilizado consigo mesmo, tentando lavar com a bebida um passado ainda recente. Entrava nas boates, juntava o seu drama a outros dramas semelhantes, na efervescência do álcool. Todos sorriam, mas ninguém levava o sorriso pra casa. Pior que o cansaço, a insônia. Levantou-se, trocou novamente de roupa, foi tomar café com a mulher:

- Você não vai dormir, meu bem?

Sentiu-se forte com a doçura e a compreensão da mulher:

- Não tenho sono, preciso decidir um negócio muito importante hoje.

Tomaram café, ele saiu apressado. À noite, trouxe balas para os filhos e flores para a mulher. Jantaram juntos, com luz de vela. De madrugada, ao lado de seis garrafas de champanha vazias, os dois estavam caídos, também vazios. Acordaram quase juntos, com o primeiro raio de sol. Ela apertou sua mão, com um sorriso feliz, ele disse, sem virar o rosto do chão:

- Meu Deus, já é dia claro, tenho de voltar pra casa!

Fonte:
Leon Eliachar. A mulher em flagrante, 1969.

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) III


AQUELE MEU BALÃO...

Levei o dia todo, a minha tarde inteira,
não joguei futebol e até nem quis brincar
de soldado e ladrão...
Ajoelhado na sala, a minha brincadeira
foi cortar os papéis de cores, e os juntar
fazendo o meu balão...

Só tarde, quando o céu, lá na altura se encheu
de outros muitos balões - eu o levei para a rua
entre grande escarcéu...
Nem sei como o fizera - era mais alto que eu!...
- havia de passar bem juntinho da lua
até tocar no céu!...

Olhando-o não cabia em mim minha alegria,
e a todos, um a um, apontava contente:
- vê? Fui eu que fiz...
Depois... Eu o acendi... Que bola ele fazia!...
- Foi inchando... crescendo... encheu completamente!...
Como fiquei feliz!...

Afinal... vendo-o cheio a vacilar... Soltamos!...
E ele ergueu-se no espaço... e em coro a garotada
gritou numa explosão:
Vai subir !... Vai subir !... Mas, logo nos calamos...
Na noite de luar, na noite enluarada
- pegou fogo o balão !...
.........

Hoje, às vezes, me lembro do balão queimado
e choro ao reviver as coisas do passado
que o  tempo sepultou...
- É que eu fiz, outra vez, depois daquela idade,
um balão bem maior: - o da Felicidade
que a vida incendiou !...

ASSIM...

Assim foi nosso amor... um sonho que viveu
de um sonho, e despertou na realidade um dia...
Um pouco de quimera ao léu da fantasia...
Um flor que brotou e num botão morreu...

Embora sendo nosso, este amor foi só meu,
porque o teu, não foi mais que pura hipocrisia,
- no fundo, há muito tempo, a minha alma sentia
este fim que o destino afinal já lhe deu...

Não podes, bem o sei  - sendo mulher como és,
saber quanto sofri, vendo esta flor desfeita
e as pétalas no chão, pisadas por teus pés...

Que importa ? Hás de sofrer mais tarde - a vida é assim...
Esse mesmo sorrir que agora te deleita
é o mesmo que depois há de amargar teu fim !...

AURORA SERTANEJA
Há silêncio na sombra, e o choro das ramadas
 é a música da noite em plena solidão...
 A lua se desmancha em luz na escuridão,
prateando a areia branca e fina das estradas...

As matas, raramente, aqui e ali, rasgadas
pelos raios do luar - deixam ver pelo chão,
- ora um curso de riacho em suave lentidão,
ora as cinzas e os paus no claro das queimadas

Na frescura do espaço há místicos perfumes,
e na noite sensual, como estrelas errantes,
cintilam, sem parar, milhões de vaga-lumes...

E em meio à natureza encantada e pagã,
no estojo azul do céu, bordado de brilhantes,
multicor vai se abrindo o leque da manhã!…

BAZAR DE RITMOS...

Nas vitrinas há luz!... Está em festa o bazar
de ritmos, de sons, estranhos e diversos,
- onde canta a minha alma dentro dos meus versos
como num búzio canta e ecoa a voz do mar!

Quantos versos compus!... E que diversidade
de momentos... de estado de alma... nos meus sons!
- traduz bem um bazar, a minha mocidade
na confusão febril das suas sensações...

Sensações que são minhas, por meu Ser sentidas,
mesmo aquelas talvez mais rubras... mais bizarras...
- sinfonia de uma alma onde há notas perdidas
de violinos, pardais, pandeiros e cigarras!

Violinos, - nos meus poemas vagos, doloridos...
pardais, - nos meus trinados de alegria e amor...
pandeiros, - na cadencia ruim de meus sentidos,
e cigarras, nos versos cheios de calor!

BAZAR DE RITMOS!

Há dentro do bazar a estranha sinfonia
que escrevi para o mundo em toda orquestração,
- é a música da vida, um ser de cada dia
a desdobrar os "eus" da minha multidão...

Há ritmos que riem! Ritmos que gritam!
- vibrações como guizos finos e estridentes...
- emoções como sinos brônzeos e soturnos...

E, assim, nessa alternância, no meu Ser se agitam
- pedaços de rapsódias vivas e contentes...
- trechos emocionais e tristes de noturnos!...

Nas vitrinas há luz!... Está em festa o bazar!
Há sonhos... ilusões... lembranças... e segredos...
Tudo isto para a vida criança vir comprar,
e insensível destruir meus últimos brinquedos!

BONECAS ... BONECOS ...
Uma vez, apanhei a boneca mais rica,
a boneca mais rica e mais graciosa
que a minha prima tinha...
Na Corte, só formada de bonecas,
minha prima a julgava a mais formosa
e a elegera a rainha...

Foi certa vez - ainda me lembro bem,
era um garoto assim pelos seis anos
e por ouvir falar em coração,
quis ver se na boneca tão bonita
existiria um coração também.

E se isso quis saber
e se eu assim pensava,
era porque essa prima me mostrava
um boneco vestido de palhaço,
alegre e folgazão,
por quem - dizia ela muitas vezes -
tinha a boneca um grande amor oculto
e uma grande paixão.

Um dia, apanhei a boneca, e escondido
rasguei o seu vestido
e furando-a no peito com a tesoura,
vi, com surpresa, em vez de sangue humano
só pedaços de pano...

Não achei no seu corpo o que queria
e vendo que a boneca era vazia
e o boneco também,
o que senti na minha alma de criança
explicar já não sei,
- lembro-me apenas, e isso com certeza.
- tenho bem vivo ainda na lembrança -
que não achando os corações no peito
dos bonecos...
- chorei...

II

Hoje. .. vai bem distante esse episódio
nos sem-fins da memória,
e por certo talvez o esqueceria
se você não entrasse em minha vida
transformando o episódio numa história...

Em meu viver, você representou
o papel da boneca;
- eu, simplesmente,
fiz a criança de novo, e ingenuamente
mais uma vez a vida me enganou . . .

Ao descobrir, no entanto, o meu engano
vendo-a tão fútil
linda, mas vazia,
- já não chorei minha desilusão...
Mas fiz - com que tristeza !... - esta poesia,
invejando o destino dos bonecos      
que nascem sem coração !

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.

Correção de Trova

Em José Maria Machado de Araújo, postado em 28 de março, a trova correta é:



Mesmo eu sem saber de nada
digo aos crentes e aos ateus:
a eternidade é a estrada
com o tamanho de Deus!


Havia sido postado o primeiro verso erroneamente com 8 versos: "Mesmo eu não sabendo de nada", e o segundo verso iniciado com letra maiúscula. Já corrigido na postagem original.

sexta-feira, 29 de março de 2019

José Feldman (Curitiba 326 anos)

Parque Barigui - Pintura de Jaqueline Braun Loewen
Poema para a Cidade de Curitiba, que completa 326 anos, hoje, 29 de março de 2019.

Curitiba, tu és saudade
de um tempo que se passou.
Como não amar esta cidade
onde minha jornada iniciou?

Lembro bem do Pilarzinho,
do Tanguá e do Tingui,
Bosque do Alemão no caminho
e claro também o Barigui.

No Largo da Ordem, a feira,
Big Pizza, Rua das Rosas,
também uma vida festeira,
sebos, barzinhos e muitas prosas.

Bairro de Santa Felicidade,
restaurantes... que delícia!
Enriquecem esta cidade
numa saudade vitalícia.

Mais um ano se completa,
trezentos e vinte e seis se passaram,
deixa no coração deste poeta
doces lembranças que nunca se apagaram.

Carlos Pelicer (1899 - 1977)


Carlos Pellicer Cámara nasceu em Villahermosa/Tabasco/México, em 1899 e faleceu em Ciudad de México, 1977. Poeta mexicano, considerado o poeta de maior registro e maior intensidade da primeira metade do século XX.

Estudou na Escola Nacional Preparatória de México e, posteriormente, fez estudos em Bogotá, Colômbia. Professor de literatura e de historia em escolas secundárias, foi um excelente periodista e crítico literário. Como promotor cultural, foi museógrafo e impulsionou as artes plásticas, e em sua faceta política exerceu a diplomacia e foi senador da República.

Integrante do círculo de criadores formado em torno da revista Contemporâneos (Jaime Torres Bodet, Salvador Novo, Xavier Villaurrutia, Gilberto Owen, Bernardo Ortiz de Montellano), diferentemente deles não se inclinou por uma poesia metafísica, centrada na consciência. Carlos Pellicer se interessou na exuberância da paisagem natural e os elementos que a integram (o ar, o vento, o fogo). Por isso que a crítica não considere racionalista sua poesia, mas um canto que celebra o mundo.

Destaca-se em sua obra: Colores en el mar y otros poemas (1921), a lírica amorosa de Hora de Junio (1931) y o aspecto religioso de Práctica de Vuelo (1937). Sua maneira singular de contemplar e interpretar a vida dá a seu verso perfis pessoais, que fale do amor humano ou se eleve a cantar ao amor divino. Inimigo férreo do nerudismo, que considerou uma praga para a América, foi um dos escritores mais populares de seu país. Em 1954 recebeu o Prêmio Nacional de Literatura.
 

quinta-feira, 28 de março de 2019

José Maria Machado de Araújo (1922 - 2004)

A água jorrando em cascatas
pelos penhascos da serra,
é o sangue puro das matas
enchendo as veias da terra!

A cruz que às costas tu levas
pesa mais que a minha cruz:
é que eu ponho luz nas trevas
e tu, pões trevas na luz.

Ama, sê bom, e terás
horas tranquilas e calmas...
O amor é um sol que desfaz
a neblina que há nas almas!...

Angústia é a pressão feroz
daquela tristeza ingente,
que é bem maior do que nós
e teima em caber na gente...

Ante as sandálias furadas
que entre cascalhos gastei,
não culpo o chão das estradas,
mas os maus passos que dei.

Ao candidatar-se a Alice,
a modelo, o secretário
deu-lhe uma tanguinha e disse:
- Preencha este formulário...

Ao dentista, todo dia,
vai a noiva do Ventura...
E o noivo nem desconfia
que ela usa dentadura...

Ao pôr-lhe a esmola no prato
pergunto ao surdo, baixinho:
- És mesmo surdo de fato?
E ele: - Surdinho, surdinho!...

Ao vê-la, cheia de encantos
nos braços de outro, não nego,
os meus ciúmes são tantos,
que preferia ser cego!

Após longa caminhada
meus pés, sangrando em ferida,
deixaram no pó da estrada
as reticências da vida...

Aprende, filho, a viver
com amor, paz e alegria,
e eu te juro que hás de ter
mais de um hoje em cada dia.

As crianças ao falar
inventam frases tão belas,
que a gente fica a pensar
que é Deus que fala por elas.

A trova com boa rima
Mas sem um bom pensamento
Lembra uma linda menina
Com cabecinha de vento.

Bendigo o trabalhador
que, sem febre de ambição,
constrói domínios de amor
num pedacinho de chão!

Cite a terceira pessoa
do verbo amar, por favor.
E a voz do aluno ressoa:
- O ciúme, professor!

Com treze pontos que fez
na loteca, o Zé Gambá
já pronuncia, em Francês:
Niterói - "Niteruá"!

Coração, nunca te iludas,
pode ser falso o teu pranto:
há muito santo que é judas...
e muito judas que é santo...

De meu coração cativo
que é fonte de amor imenso,
nascem mágoas - porque vivo;
nascem culpas - porque penso!...

Demitiram o Waldir
da chefia da seção,
por esquecer-se de rir
da piada do patrão!

Deus deposita a ventura
nas almas puras e mansas:
há domínios de ternura
no coração das crianças!

Disse: "Que trova bonita!"
Mas tu não ouviste bem
e logo indagaste aflita:
"Quem é que é bonita, quem?"

Dizes serem diferentes
nossos ciúmes, - convenho:
-Tu sabes por quem os sentes,
eu não sei de quem os tenho!

Dos grandes não tenhas medo
se a razão não te faltar:
olha que um simples rochedo
tem domínio sobre o mar.

Ela é boa e não se poupa...
Vive a limpar, sem mãos frouxas:
de dia – trouxas de roupa,
de noite – roupa de trouxas!...

Ela é tudo em minha vida!
Seu nome... seu nome... Bem,
quem ama mulher proibida
não diz o nome a ninguém!

"Ela voltará, descansa",
a esperança me dizia...
E eu não via que a esperança
por piedade me mentia...

Em cada abismo em que afundo,
eu sempre planto um jardim
para achá-lo mais fecundo
quem cair depois de mim...

Em conflitos e bonanças
nossos destinos se traçam:
nós somos duas crianças
que brigam, depois se abraçam!

Em meu peito amargurado
tantos conflitos abrigo
que, às vezes, fico arrasado
de tanto brigar comigo!...

Em te negar a ternura
que eu tinha e nunca te dei,
quantos anos de ventura
à minha vida roubei!...

Entre a tua e a minha idade,
filho meu, quanta distância! ...
- És a infância da saudade,
sou a saudade da infância. . .

Esses olhos que possuis,
cheios de encanto e calor,
são dois convites azuis
para uma festa de amor!

Estuda, criança, aprende,
te educa enquanto puderes,
que o teu futuro depende
da educação que tiveres!

É tão forte e tão perfeito
o teu olhar, doce e mudo,
que ao infiltrar-se em meu peito
toma o domínio de tudo...

Eu, com outra? - Que maldade!
E tu crês nessa tolice?
- Não houve nem a metade
do que o ciúme te disse!...

É uma loura de lascar
minha secretária, a Elisa.
Só não sabe trabalhar,
mas eu pergunto: e precisa?

Eu sempre soube enfrentar
os conflitos mais violentos:
um velho lobo do mar
não foge à fúria dos ventos!

"Eu sou, sim!"  Ela jurou...
E o rapaz casou com ela.
Não era o que ele pensou,
mas era o signo dela...

Eu tenho amor, tu pureza,
não temas um lar modesto:
a nossa fé põe a mesa
e Deus há de por-lhe o resto...

Feita a macumba, sisudo,
disse-me o velho orixá:
- Oxalá vai lhe dar tudo...
E eu respondi: - Oxalá!...

Finjo ter ciúme agora,
para matar a saudade
daqueles tempos de outrora
em que o tinha de verdade.

Fizemos, na vida ingrata,
do nosso amor um tesouro:
os filhos nos deram prata!
Os netos nos deram ouro!

Há, na vida, uma verdade
que é cumprida com rigor:
- Só se encontra com a saudade
quem teve encontros de amor.

Há nos pais tamanhos brilhos
de meiguices e de afetos,
que alforriados dos filhos,
tornam-se escravos dos netos!

Hoje, na mansão mais alta
do Céu, sem falta de nada,
o artista lamenta a falta
que tem feito à garotada!...

Já fui jovem, mas não pude
tal ventura perceber,
porque a minha juventude
passou por mim sem eu ver!

Lentamente cai a tarde...
E o medo da solidão
vai fazendo com que eu guarde
as tardes no coração.

Louvo os heróis e heroínas
que cruzam o mar da vida
por entre espessas neblinas
e encontram, sempre, saída!

Mesmo eu sem saber de nada
digo aos crentes e aos ateus:
a eternidade é a estrada
com o tamanho de Deus!

Mesmo morta, mãe querida,
a tua luz me alumia,
pois, não morre quem na vida
foi sempre uma estrela guia.

Minhas mãos cheias de amor,
plantam amor pelas ruas...
E mais não plantam, Senhor,
porque só me deste duas!...

Na ânsia de te encontrar
eu dominei mil fracassos,
e não pude dominar
meu coração em pedaços!...

Não a ofendi, "seu" Juiz!
Só disse àquela malvada
o que um motorista diz
quando leva uma fechada!...

Não busquem na vida o "além",
que a busca será perdida,
pois Deus não conta a ninguém
o que existe além da vida.

Não condenes, por favor,
estes ciúmes, meu bem:
- Já viste alguém sem amor
sentir ciúmes de alguém?

Não condenes, por favor,
os meus ciúmes, Maria.
Olha que os cegos de amor
também precisam de guia!

Não deixo, cheio de mágoa,
a esperança me faltar:
eu sei que sou poça d'água
mas tenho sonhos de mar.

Não foste a minha metade,
pois jamais me deste um "sim",
mas fizeste que a saudade
fosse a metade de mim!...

Não tive escola, é verdade,
na minha infância sofrida,
mas com força de vontade
cursei a escola da Vida.

Não tive, por ambição,
o mundo bom que eu queria,
e Deus deu-me um coração
onde esse mundo cabia!

Nascemos irmãos comuns...
Mas, a ambição e os engodos
puseram nas mãos de alguns
o mundo que era de todos!

Nasceu de um simples afeto
o mundo do nosso amor:
o sonho, - foi o arquiteto
e o desejo, - o construtor!

Na trilha do meu destino,
agora quase no fim,
ainda encontro um menino
brincando dentro de mim...

Na vidraça uma pedrada...
Corro à rua... e a raiva passa
ante a criança culpada:
- já quebrei tanta vidraça!...

Nosso amor, em desacerto,
e de mágoas tão coberto,
hoje não tem mais conserto
nem acerto que dê certo!...

Nosso outono é tão bonito
que ao sonho abrimos as portas,
e um amor quase infinito
põe vida nas folhas mortas.

Nunca ambiciones a fama
se não sabes merecê-la...
Quem sobe em cordas de lama
jamais chega a ser estrela.

O domínio mais profundo
deste mundo é o coração,
pois é maior do que o mundo
e cabe dentro da mão!...

O meu sonho mais bonito
é, de um dia, conquistar
esse domínio infinito
que há dentro de seu olhar!...

Os que devastam as matas
por prazer de devastar,
vão chorar quando as Cascatas
não puderem mais chorar!

O tempo é ladrão perfeito
mas a saudade o enganou,
escondendo no meu peito
o que o tempo me roubou...

Parece imenso, e é restrito
o saber que o Homem cultua:
quer conquistar o infinito
e, apenas, pousou na Lua.

Pelas sandálias furadas
que entre cascalhos gastei,
não culpo o chão das estradas,
culpo os maus passos que dei.

Perdoar, mesmo ofendido,
às vezes não custa nada:
cada conflito contido
é uma vitória alcançada.

Pesada cruz suportamos:
-de ciúmes os dois sofremos!
Por isso é que nos amamos
e nunca nos entendemos...

Pode o homem ser tacanho,
pode ser grande e perfeito,
que o seu mundo é do tamanho
do mundo que tem no peito.

Por crer em Deus e querer
voltar ao céu de onde vim,
eu comecei a fazer
outro céu dentro de mim!

Por ambição desmedida
muitos homens conheci,
que, sendo donos da vida,
não foram donos de si...

Por favor, doutor Gamboa,
dê-me um remédio bem quente:
marido de mulher boa
não pode ficar doente...

Por oito lustros inteiros,
nossos acertos, Maria,
foram como o dos ponteiros
de um relógio, ao meio-dia...

Por querer sempre o melhor
descobri, em meu labor
que o pão ganho com suor
tem muito melhor sabor!...

Por tuas culpas, eu minto
para ninguém te ferir,
mas só Deus sabe o que sinto
quando tenho que mentir...

Quando me ponho a brincar
com os netos que Deus me deu,
no domínio do meu lar
o dominado sou eu!...

Quando o homem prender as rédeas,
decisões precipitadas,
muitas das grandes tragédias
poderão ser evitadas...

Quanto pão, quanto agasalho,
ao suor estou devendo!
Sangue branco do trabalho
em minha pele escorrendo!...

Quem vive de alma iludida,
entre conflitos, não sente
que a gente não muda a vida,
a vida é que muda a gente!

Que o jardineiro da paz
nunca se dê por vencido...
Feliz aquele que faz
da vida um jardim florido.

Que tudo quanto a Deus peço
caiba no meu coração:
pois, o desejo em excesso
não é desejo, é ambição!

Que vontade de chorar
sinto na alma, certos dias
em que abro as mãos para dar...
mas encontro as mãos vazias!...

Quis ir além do que sou
e, apenas, colhi fracassos...
Meu limite ultrapassou
o tamanho dos meus braços!...

- Sabes quem morreu?  O Piassa.
E o amigo: - É brincadeira!
- Se é brincadeira, é sem graça,
o enterro foi quarta-feira!...

Se a estrada em que me confino
pelo destino é traçada,
sei que não mudo o destino,
mas posso mudar de estrada!

Sei que existes, sei que és linda,
sei que é doce o teu olhar...
Só não sei quem és ainda,
mas eu hei de te encontrar!...

Sejam grandes ou pequenas,
eu sinto muito mais medo
das culpas que têm, apenas,
o tamanho de um segredo...

Sempre desculpo e tolero
teu ciúme pertinaz.
Não vale o bem que te quero,
todo o mal que ele me faz.

Sem teu amor que é meu mundo,
a vida não faz sentido:
é como andar num mar fundo,
dentro de um barco, perdido.

Sendo a vida vela acesa
dos ventos maus te acautela,
que o destino, de surpresa,
apaga a chama da vela.

Sendo o amor um grande bem,
traz o mal que nos invade:
quem mais ama, menos tem
domínio sobre a saudade...

Seria a vida mais doce,
para os meus sonhos sem fim,
se o mundo, em que eu giro, fosse
o mundo que gira em mim.

Seria o mundo perfeito,
sem ódio, sem ambição,
se as mãos que batem no peito
batessem no coração!...

Se um domínio deslumbrante
vejo da serra mais alta,
vejo, também, mais distante
a terra que aos pés me falta...

Se vês em mim algum brilho,
também podes ser assim
pois foi a escola, meu filho
que fez um homem de mim.

Sofro um castigo pesado
e não quero que se abrande,
pois não fui injustiçado:
minha culpa é que foi grande!

Sonho de alma prevenida,
pois sei que, o sonho é quimera,
e em cada esquina da vida
uma surpresa me espera.

Também sou irmão, na dor,
da velha fonte entre abrolhos.
Quem tem ciúmes de amor,
tem duas fontes nos olhos.

Tendo a precaução por base,
a reticência é uma queixa
que a gente deixa na frase
quando a censura não deixa...

Tenho ciúme profundo
de todo mundo, porque
tenho medo que esse mundo
roube o meu mundo - você!

Tenho culpas e, realmente
muitas delas me consomem.
Cometo-as porque sou gente,
confesso-as porque sou homem.

Tive-a por mãe, que ventura
chamava-se Margarida.
E foi ela a flor mais pura
do jardim da minha vida.

Trovadores, meus irmãos,
vamos viver de mãos dadas.
Onde há correntes de mãos
não há mãos acorrentadas!

Tu dizes que eu sou perfeito
e eu nunca fui o que pensas:
nas alcovas do meu peito
se escondem culpas imensas!

Um reino em seu ventre cabe
e ela o governa sozinha ...
Só quem é mãe é que sabe
quanto custa ser rainha !...

Vejo, em conflitos amargos,
que a causa do meu revés,
foi subir em passos largos
sem ver onde punha os pés.

Vencendo fragas ingratas,
desde a montanha a cantar...
É que a água das cascatas
também tem sonhos de mar!...

Vive o pobre do Vicente
entre o pecado e a virtude,
a esposa muito doente
e a vizinha... que saúde!

Vivi a infância sem mágoa
de não ter Papai Noel:
eu tinha uma poça d'água
e um barquinho de papel...

Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG (Programação de 2019)


Sessões solenes e especiais da Academia de Letras de Teófilo Otoni e do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, programadas para o ano de 2019

18 de maio 2019:

Sessão especial da Academia de Letras de Teófilo Otoni em conjunto com o Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, destinada a entrega, anual, da Medalha de Mérito Cultural Dona Didinha.

Lançamentos literários e, homenagem aos diversos profissionais das artes plásticas, cerâmica, escultura, xilogravura, desenho e artesanato com outorga do Diploma e Medalha de Honra ao Mérito Albert Schirmer.

15 de junho de 2019:

Sessão especial da Academia de Letras de Teófilo Otoni em conjunto com o Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, em comemoração ao Dia do escritor teófilo-otonense (Lei nº 6.788, de 28 de outubro de 2006), com recepção e posse de membros para o quadro social e lançamentos literários.

17 de agosto de 2019:
Sessão solene do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, em comemoração ao Dia Nacional do Historiador (Lei nº 12.130, de 17 de dezembro de 2009) e, inauguração da Estrada de Rodagem Santa Clara-Filadélfia: primeira estrada de rodagem construída no Brasil, considerada data cívica municipal, pela Lei nº5.770, de 19 de outubro de 2007.

Outorga da Medalha de Reconhecimento Reinaldo Ottoni  Porto, aos professores de história e geografia que atuaram no ensino das disciplinas, no município e região e, do

Prêmio Frei Samuel Tetteroo, conferido a pessoas naturais ou jurídicas que hajam destacado na promoção de estudos e, na difusão de conhecimentos de história, geografia e ciências afins, assim como no fomento a cultura, defesa e preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural do vale do Mucuri.

21 de setembro de 2019:

Sessão solene da Academia de Letras de Teófilo Otoni em conjunto com o Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri para outorga da Medalha Conselheiro João da Matta Machado (Benfeitor do Município de Teófilo Otoni (Lei nº 5.505, de 06 de outubro de 2015) e, lançamentos literários.

09 de novembro de 2019:

Sessão especial da Academia de Letras de Teófilo Otoni em comemoração ao Dia Nacional da Cultura e da Ciência (Lei nº 5.579, de 15 de maio de 1970) e Dia Nacional da Língua Portuguesa (Lei nº11.310, de 12 de junho de 2006), homenagem a professores de língua portuguesa que atuaram no ensino da disciplina na cidade e região;

outorga do IV Prêmio Literário Gonzaga de Carvalho, recepção e posse para o quadro social e lançamentos literários.

14 de dezembro 2019:

22ª Noite do Café-com-Letras: lançamento do 17º número da Revista Café-com-Letras; entrega de Cestas Literárias a diversas instituições educacionais, sociais e culturais da cidade e região, lançamentos literários, recepção e posse para o quadro social e,

homenagem ao escritor e historiador Serafim Ângelo da Silva Pereira (centenário de nascimento:1919-2019).
___________________________
Local das sessões: Plenário da Câmara Municipal de Teófilo Otoni - Praça Tiradentes, 170 - Teófilo Otoni/MG

Horário: 19:00 horas


Fonte:
Prof. Wilson Colares da Costa
Secretário Geral da Academia de Letras de Teófilo Otoni

Pajo (Lançamento do livro “A Sinfonia das Estações”)

Em cordial visita e com efusiva alegria, venho apresentar-lhe meu novo livro que será lançado em maio próximo "A Sinfonia das Estações", em Formiga/MG.

Dê nos a alegria de sua adesão e aquisição antecipada. Divulgue aos seus também!

Conto com você!

Desde já, agradeço.

Att.,
Paulo José - Pajo - Amrit Prabhu
Paulo José de Oliveira
(37) 99923.8122
Formiga – MG – Brasil
Facebook: http://www.facebook.com/profile.php?id=1794442787
Twitter: https://twitter.com/Pajo121Oliveira

 

quarta-feira, 27 de março de 2019

Teresinka Pereira (Poemas Recolhidos)


EM TUMBAS DISTANTES

Agora sim, desejo
estar tranquila, sem
luzes nas paredes,
sem parques, nem jardins.

Agora reclamo
minha vazia solidão,
como uma chuva infinita
       para lavar
os pecados do mundo,
porque este cansaço
        que sinto
provém de um amor
        impossível,
de uma história
       que não foi dita,
um fio de vida em pedaços
que brotam do passado
como uma constelação acesa
     de cicatrizes
em tumbas distantes.

ENIGMAS

Uma vez saltei
de minha pele de rosa
e recatadamente
entrei na fonte
de cristalinos enigmas.

Ainda sou desconhecida,
mas tenho um ímpeto
de oceano solto
e as pupilas fosforescentes
para engendrar os mais
atrevidos sonhos.

HORA DE POESIA

poucas palavras
poucas linhas
o bramar
da mente
pede poesia.
lábios fechados
a distância acende
um jato de desejos.
perco-me na busca
da menor palavra…

LUZ NA RUA

Luz de prata
jogada sobre os sonhos
de quem caminha na rua.
Nem mesmo a chuva
estraga seu brilho...
O poeta olha o céu
e segue seu caminho
entres as árvores,
com sua canção
galopando na noite.

MEDO
Sem luz
sem sol
sem esperança,
a palavra
elabora o medo
no registro da alma.
Com o tempo,
a humildade
vai trazendo a razão:
não há motivos
para ter medo!

O BARCO

Muitas ilusões leva
o barco que faz indecisas
as soltas ondas do mar.

Ele vai ao seu destino
impulsionado
por asas invisíveis,
que dançam com lamentos
de saudades.

Sozinhos nos olhamos
do lado de cá do porto,
abandonados, sem saber
como amar em terra firme.

O COMPUTADOR

O computador
não é um animal
de estimação
ao qual a gente
se acostuma
a tolerar as manias
e se acomodar
com o que nos traz
de recompensa.
Mas, o que fazer
quando temos
um velho computador
e a escrivaninha
cheia de partes
e ninguém quer
levar essa coisa
já em desuso?
Deveria haver um
cemitério para os
queridos computadores...

POESIA

A poesia
tem vida e futuro,
é pele e alma,
esperança e nostalgia.
Eu suspiro
a cada instante
olhando
a imensidade do céu
que nos cobre
e me apodero
da noite.

SOLIDARIEDADE
 

Dou-lhe meu apoio
    incondicional
para derrocar
a vaidade e a fraqueza.
A vida é um labirinto
       de surpresas
e às más
temos que responder
com a determinação
de ser mais forte.

Façamos o empenho
de desfrutar
o amor e o ócio
que nos corresponde.
Além disso, há tempo...
a primavera já vem chegando...
Já sabem da minha
     solidariedade!

TRÊS VERSOS

Aprecia a vida e a poesia
como vês uma rosa:
não tentes entendê-las.

Fonte: A poetisa

Arthur de Azevedo (A Tia Aninha)


Ainda há poucos anos havia, numa das capitais do Norte, uma velhinha pobre, paupérrima que não mendigava, mas aceitava o agasalho que lhe davam algumas famílias compassivas, passando um mês aqui, outro ali, quinze dias acolá. Uma bela manhã chegava com sua lata de folha (tudo quanto possuía) e aboletava-se entre afagos e sorrisos de boas-vindas.

- Seja bem aparecida, tia Aninha! O seu quarto lá está, tem sua cama preparada! Mas desta vez demore-se mais tempo: você a ninguém incomoda nesta casa, nem aumenta a despesa: fique o tempo que quiser.

Mas a tia Aninha, quando suspeitava que a sua presença ia se tornando aborrecida, levantava o voo e partia, com a sua lata de folha, para alojar-se noutra parte.

Era uma velhinha alegre, mas de uma alegria que nenhum observador experimentado acharia natural e sincera.

As crianças adoravam-na, porque ela sabia contar-lhes muitas histórias bonitas de fadas e lobisomens - e aí está um dos motivos por que a tia Aninha, depois de prolongada ausência, era sempre bem recebida, com a sua lata de folha.
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Foi numa dessas casas hospitaleiras que a encontrei um dia (antes a não encontrasse!), rodeada de fedelhos boquiabertos e ofegantes. Interessou-me aquele rosto enrugado e macilento, em que julguei descobrir vestígios de um passado cheio de peripécias e vicissitudes.

A velha boêmia simpatizou comigo, pelo que, aliás nenhum merecimento me atribui, porque ela - coitadinha! - simpatizava com toda a gente. Nas suas palavras, nos seus gestos e nos seus olhares, que brilhavam ainda através de duas pequeninas frestas esquecidas entre as pálpebras, nunca ninguém descobriu a menor prevenção contra pessoa alguma.

Não pertencia ao tipo, muito comum no Brasil e creio que em toda a parte, da velha parasita, que anda de lar em lar, de alcova a alcova, trazendo e levando enredos, novidades e mexericos, dando fé do que se passa em casa de Fulano para chalrar em casa de Beltrano, adulando as donas e seduzindo as donzelas, embiocada e devotada.

Como lhe mentissem, dizendo que eu era romancista, a tia Aninha me declarou, sorrindo, que a sua vida tinha sido um verdadeiro romance, e essa declaração me levou (antes não levasse!) a revolver aquelas cinzas, curioso de se embaixo delas crepitavam ainda as derradeiras brasas.

Crepitavam; mas a história da tia Aninha era vulgaríssima, sem incidentes excepcionais nem grandes lances e surpresas do acaso. Se ela imaginava que aquilo daria um romance, não fazia mais do que fazem todos os indivíduos para quem o mundo não foi um mar de rosas. Não há criatura infeliz que não esteja persuadida que da sua existência se faria a mais interessante das novelas.

Nascera a tia Aninha pouco depois da independência. Era filha única de um negociante português, sofrivelmente apatacado. A sua vida correu pacifica e serena até os vinte anos. Foi nessa idade que o seu coração falou: ela apaixonou-se por um caixeiro do pai.

A mãe que desejava ser sogra de um príncipe, descobrindo um dia esses amores, que aliás duravam, havia já dois anos, foi ter com o marido e disse-lhe tudo.

O negociante enfureceu-se; pôs imediatamente no andar da rua o mísero subalterno que se atrevia a levantar os olhos tão alto, e andou por o todo bairro comercial a pedir de porta em porta que ninguém o arrumasse. O rapaz ficou, portanto, incompatibilizado com a praça, e resolveu partir para o Rio de Janeiro, procurando no Sul a fortuna que lhe fugia no Norte. Partiu.

Partiu, mas antes disso, prometeu, por intermédio de uma boa amiga da moça, guardar-lhe fidelidade, e voltar um dia, quando melhorasse de posição, e de haveres, para casar-se com ela.

Prometeu igualmente escrever-lhe por todos os correios, promessa que cumpriu, graças ainda ao gracioso intermédio da amiga, que recebia as cartas, embora endereçadas à tia Aninha.

Isto passava-se em 1844. Durante dois anos vieram cartas por todos os correios. Nas penúltimas, o moço queixava-se, em caracteres trêmulos, de que se sentia muito enfermo, e nas últimas que eram lacônicas, escritas sob um esforço violento e visível já não falava um doente mas um moribundo. "Talvez seja esta a minha última carta" escreveu ele um dia - e a moça não recebeu mais nenhuma.

Dois ou três meses depois o pai friamente, à mesa do jantar, deu-lhe a notícia da morte do noivo.

A pobrezinha contava já vinte e seis anos. Se até então repelira todas as propostas de casamento que lhe foram feitas pelo pai, dali por diante não admitiu que lhe falassem mais nisso.

O velho, depois de se meter imprudentemente numa arriscada especulação de açúcares, faliu em 1850, e alguns meses depois desaparecia, fulminado por uma congestão.

Mãe e filha ficaram reduzidas à pobreza extrema. Os amigos de outrora, sumiram-se, afugentados pelo aspecto da miséria.

Em 1855 redobraram ainda os infortúnios de Aninha, com a morte da mãe, vítima do cólera-morbo.

Datavam dessa época a sua vida de boêmia e a sua lata de folha. Tinha então apenas trinta e três anos, mas não lhe davam menos de cinquenta tais foram os estragos causados pelo sofrimento.
 __________________________________

Quando a tia Aninha acabou de me contar todas essas coisas, uma tarde em que por acaso nos achamos sozinhos, num dos seus asilos habituais, no jardim, à sombra de uma latada, não me atrevi a dizer-lhe que na sua existência de viúva-virgem não havia matéria para um romance, a menos que o talento e a imaginação do romancista suprissem o que lhe faltava. Entretanto, proferi esta frase, que continha uma fórmula de consolação:

- A sua vida é, na realidade, um verdadeiro romance, tia Aninha; mas creia que esse mesmo tem sido o romance de muitas mulheres.

- Oh! Se o senhor lesse as cartas que ele me escreveu! Só elas dariam páginas e páginas. Era um simples caixeiro, mas muito inteligente. Quer vê-las?

- O quê?

- As cartas!

- Ainda as conserva?

- Se ainda as conservo? São a minha fortuna. Vou buscá-las.

A velha ergueu-se, foi ao seu quarto, e pouco depois voltou trazendo a sua inseparável lata de folha.
__________________________________

Li algumas das cartas: nada havia nelas de extraordinário, mas tinham, relativamente, muito valor material, porque estavam todas seladas com os selos das nossas primeiras emissões postais: o "olho de boi", o "trezentos réis inclinados" e outros.

- Diz a senhora muito bem; a sua fortuna está nestas cartas! Saiba, tia Aninha, que cada um destes selos vale centenas de mil réis!

 A pobre velha, que ignorava a mania filatélica, não compreendeu: foi preciso que eu lho explicasse.

Ela protestou:

 - Desfazer-me das minhas cartas? Nunca!

 - Não se desfaça das cartas; desfaça-se dos selos.

 - Estes selos podem valer milhões! Não os venderei! Para que preciso de dinheiro?

 Deveria calar-me. Tenho remorsos de haver revelado ao dono da casa onde me achava a existência dos selos da tia Aninha. Ele foi o primeiro a querer comprá-los para negócio.

Pouco tardou que se espalhasse em toda a cidade a noticia de que a velha possuía uma riqueza encerrada na sua lata de folha. Por fim, já não se dizia que eram selos do correio, mas velhas moedas de ouro, joias raras e preciosíssimas, o diabo!

E era o seu tesouro tão cobiçado, tanta gente lhe falava nele e manifestava o desejo de examiná-lo, que a tia Aninha, mais ciosa da sua lata de folha que Harpagon do seu cofre, tinha pesadelos e alucinações terríveis, vivia num contínuo sobressalto, não podia dormir duas horas que hão despertasse aos gritos, sonhando que lhe roubavam a sua querida lata, o seu travesseiro.

Agora havia empenhos para hospedá-la; aconselhavam-na a fazer testamento, adulavam-na, perseguiam-na com uma solicitude que a desvairou, que lhe tirou lentamente o raciocínio e a saúde.

Mais do que nunca não esquentava lugar, aparecia e logo desaparecia; já não contava às crianças as suas bonitas histórias de fadas e lobisomens; já não falava a ninguém no seu romance, sem perceber, coitada! que o seu romance começava agora.

Os pequeninos, que dantes a adoravam, tinham medo dela, e os garotos apupavam-na quando a mísera passava, com a desconfiança no olhar, desgrenhada, andrajosa, descalça, faminta, apertando nos braços esqueléticos a sua lata de folha, o seu travesseiro, o seu tesouro.
__________________________________

Uma noite em que a tia Aninha, vagabundeando à-toa, atravessava uma praça deserta e silenciosa, foi assaltada por um malfeitor que a roubou, depois de atordoá-la com uma paulada. Conduzida, algumas horas depois, para um hospital, expirou pronunciando o nome do noivo, martirizada menos pela paulada assassina que pela ideia de haver perdido as suas cartas de amor.

Leon Eliachar (Dicionário de Bolso) Letras T até Z


T

Tatuagem
— mapa de recalques.

Táxi — é esse meio de transporte que só quer nos levar para o lado contrário de onde queremos ir.

Teatro — é esse lugar onde a gente está sempre desejando que os atores falem mais alto e os espectadores mais baixo.

Teatro — recinto onde algumas pessoas passam horas pigarreando no palco para uma multidão que fica tossindo na plateia.

Técnico — sujeito que se especializa em não entender nada de apenas uma matéria.

Telegrama — a única forma da gente dizer alguma coisa medindo as palavras.

Televisão — aparelho que se coloca no meio da sala para as visitas fingirem que estão vendo justamente na hora em que o dono da casa finge que está querendo conversar.

Ternura — massagem em long-play.

Tintureiro — equilibrista que anda montado numa bicicleta com um cabide de um lado e um ônibus do outro.

Túmulo — último buraco em que o indivíduo se mete.

U

Um quilo — são as 900 gramas de mercadoria que ficam no outro prato da balança.

Urna — caixinha onde uma porção de gente coloca um papelzinho para fazer sorteio e às vezes o azar é tanto que sai um presidente.

V

Vaga
— é esse espaço que um automóvel consegue fazer entre dois automóveis.

Velhice — infância fechando o círculo vicioso. -

Vício — o que sempre estamos fazendo pela última vez.

Vigarista — é esse camarada que resolveu industrializar a sua simpatia.

Voador, disco — objeto que ninguém identifica mas todo mundo fotografa.

Voto — papeleta que se coloca dentro da urna sem deixar ninguém ver o que está escrito, nem mesmo quem coloca.

X

Xerife — sujeito que passa a metade do filme limpando a estrelinha e a outra metade limpando o revólver, porque quem limpa a cidade é o mocinho.

Z

Zarolho
— sujeito que tira uma pequena para dançar e saem as duas.