sexta-feira, 13 de junho de 2008

Auto-publicação de um Livro (Como Funciona)

Introdução

Para um escritor, a auto-publicação é um conceito poderosíssimo e muito atraente. Primeiramente, é uma solução intrigante para um problema antiqüíssimo. Como levar suas palavras ao grande público - de preferência ganhando algum dinheiro ao fazê-lo? Em segundo lugar, é uma extensão singular do processo criativo. Além de colocar as palavras no papel, a auto-publicação permite ao escritor controlar todos os aspectos de ser autor de um livro - ele cria o livro e participa ativamente do processo de levá-lo ao público. É uma mistura harmoniosa, satisfatória e singular entre arte e comércio.

Obviamente não é fácil, mas hoje em dia a auto-publicação não é tão difícil como se pensa. Hoje, é possível produzir uma tiragem substancial de um livro de qualidade por aproximadamente R$12 mil.

O contexto geral

Qual o significado verdadeiro de auto-publicação?

Em sua essência, significa que, além de escrever, você cuida de tudo que uma editora cuidaria. Isso não quer dizer que você faz tudo literalmente sozinho - não vemos muitos escritores operando o prelo, por exemplo. Significa que você contribui com o necessário para ajudar a criar o livro e financia o projeto todo (com seu dinheiro ou com dinheiro emprestado).

Ou seja, auto-publicação significa que você produz e financia um pequeno empreendimento dedicado a produzir e comercializar um único produto: seu livro (ou livros, depois que você entende como funciona a coisa). Na maioria dos casos, a meta do empreendimento é ter lucro com o decorrer do tempo - criar um produto que venda bem o suficiente para cobrir os gastos de criá-lo e um pouco mais.

Esse empreendimento comercial se divide em três etapas:
1 - escrever, editar e ilustrar o livro;
2 - preparar o livro para impressão e imprimi-lo;
3 - vender o livro.

Cada uma dessas etapas engloba tomar muitas medidas e decisões individuais, como veremos.

Anatomia de um editor

Antes de falarmos da criação de um livro, vejamos os detalhes para se tornar um editor. Como auto-editor, você administra uma pequena empresa. Dependendo de onde você mora, começar um pequeno negócio significa passar por algumas etapas simples.

escolher um nome - obviamente, você precisa de um nome de editora que ninguém mais esteja usando, para evitar confusões. Você pode consultar livros e publicações para ver se há alguém usando nome escolhido. O nome deve incluir a palavra "publicação", a palavra "gráfica" ou a palavra "livros", para deixar claro aos futuros clientes o que você faz. Na maioria dos casos, você prefere algo que tenha uma certa flexibilidade, que dê margem a diversas interpretações - se o seu primeiro livro é sobre metralhadoras, não dê à sua empresa o nome de "Editora Metralhadora", porque talvez você deseje escrever sobre outro assunto no próximo livro;
obtenha uma licença comercial - No caso do Brasil, é preciso, então, abrir uma empresa em uma junta comercial como micro ou pequena empresa.
crie um logotipo - ou contrate os serviços de um ilustrador.

Além disso, você precisará de coisas fundamentais para a operação de uma empresa, por exemplo:
– uma conta bancária em nome da empresa; você não quer misturar contas empresariais com o seu orçamento pessoal; por isso, separe-os desde o início;
– papel timbrado, cartões de visita, etc;
– uma página na Internet. É preciso obter hospedagem e reservar um nome de domínio adequado;
– uma caixa postal na agência dos Correios, para que você possa receber correspondência.

Como empresário, é provável que você se enquadre em diversas deduções fiscais. Por exemplo, se você escreve em casa, parte de suas despesas domésticas são despesas de trabalho, bem como seu computador, espaço para armazenamento de livros, etc. Para obter uma lista completa do que você pode ou não deduzir, será preciso a orientação de um contador.

O início do livro

Na maioria dos casos, o primeiro passo na auto-publicação é ter uma idéia para o livro. Você pode auto-editar quase tudo que quiser, mas se deseja ter lucro, é bom considerar o seu livro não apenas como uma obra de arte, mas também como um produto vendável. Qual o público que mais se interessa pelo assunto e como chamar sua atenção?

Todos têm uma opinião sobre o que vende e não falaremos muito sobre isso aqui - faz parte do processo criativo individual pelo qual passam os auto-editores. O mais importante é que, como auto-editor, você tem que considerar as vendas como qualquer grande editora faria. A primeira etapa é ter uma abordagem para o livro que o torne valioso para o público. Entre outras coisas, isso significa quais os livros semelhantes que existem no mercado e como eles vendem.

Obviamente, o dinheiro não é tudo. Pouquíssimos livros serão campeões de venda e muitos auto-editores não estão nem um pouco preocupados em ganhar dinheiro. Mas mesmo deixando o lucro de lado, é fundamental ter um plano de negócios baseado no que você acredita que pode vender. Ou seja, não faz sentido imprimir 10 mil livros se livros como o seu costumam demorar três anos para vender mil cópias.

Além do assunto e da abordagem, um auto-editor precisa pensar sobre o livro como um produto físico real. Será um livro de capa dura ou brochura? Quantas páginas? Quanto custará? Todas essas perguntas estão inter-relacionadas, como veremos na próxima seção.

O assunto certo

É útil escolher um assunto que é sempre atual. Ou seja, as pessoas fazem filhos, isso nunca vai sair de moda. Bebês nascem o tempo todo, ano após ano; por isso, o público continua se renovando...

Quanto mais livros você tiver no mercado, mais fluxo de caixa você pode gerar. Minha idéia é continuar acrescentando livros, sem tirar nenhum. Todos são viáveis no mercado, todos geram dólares...

Ao escolher o assunto a ser publicado, além de ser importantíssimo que ele seja universal e chamativo para um enorme mercado-alvo, é também de grande relevância que os seus livros possam vender tanto nas livrarias quanto no varejo de especialidades. Nos meus livros, por exemplo, uma das boas coisas é que depois de meses tentando vendê-los, fui aceito por uma grande rede varejista em todo o país chamada USA Baby... Eles colocam meus livros ao lado do caixa e vendem muito bem ali.

Que tipo de livro?

Você não precisa saber exatamente quantas páginas seu livro terá antes mesmo de começar a escrevê-lo. Mas se você tem uma meta e sabe que tipo de livro vai criar, poderá planejar seu orçamento adequadamente.

Primeiro, a decisão mais abrangente: você quer um livro capa dura ou brochura? A impressão de livros de capa dura é bem mais onerosa e, por causa do preço de capa mais elevado, ele pode vender menos do que a brochura.

Depois de tomar essa decisão, você pode definir quantas páginas terá o livro. Pense no escopo do que você tem a dizer e verifique o número de páginas de livros com conteúdo semelhante. Mas também pense como você quer que o livro seja. Basta pegar um livro que tenha o mesmo tamanho e formato do que você tem em mente.

Quando você encontrar um bom modelo para seguir, conte o número de palavras por página. Multiplique-o pelo número de páginas. Depois, subtraia palavras das "páginas atípicas" - a primeira e a última de cada capítulo (essas não costumam ser cheias), páginas em branco numeradas e páginas no início e no final do livro. Isso lhe dará uma estimativa do número de palavras do livro. Se você calcular quantas palavras há em uma página de seu programa de processamento de texto (ou no papel, se você usar uma máquina de escrever ou se escrever à mão), você terá uma meta para o número de páginas.

Por que isso é importante? Porque é preciso pensar na psicologia do indivíduo que compra livros. Se você pretende criar um livro para presente, brochura, você não vai querer um volume de 500 páginas, porque ele ficará parecendo uma enciclopédia. Se o público-alvo tem um interesse mais casual, o livro deve ter uma aparência mais leve. Mas se você pretende lançar um manual, o futuro cliente não pensará que um livro de 100 páginas é vantajoso. Os leitores escolherão o livro mais grosso na prateleira ao lado do seu, porque ele parece mais substancial.

O preço também é importante. Mais páginas custam mais e certos múltiplos de páginas são menos onerosos do que outros. As gráficas imprimem um determinado número de páginas de cada vez - em geral, 32 páginas, frente e verso. Isso significa que é bem mais barato imprimir um livro de 320 páginas do que um de 321. Não é preciso tomar essa decisão logo no início, mas é algo a ser considerado quando você estiver com o livro quase pronto.

Tamanho é documento

Com o primeiro livro, Walter Roark reavaliou a sua escolha do tamanho do livro:
"Decidi que o primeiro livro ficou um pouco fino. O primeiro livro tem 160 páginas, ou seja, 5x32. E decidi que o segundo seria mais substancial porque o bebê de 1 a 3 anos é mais complicado do que o recém-nascido. Decidi que o livro teria 224 páginas - 7x32. Também tive a impressão de que se ele parecesse mais substancial - um pouco mais volumoso - as livrarias ficariam mais tentadas a vendê-lo. A Borders não quis pegar meu primeiro livro...

Uma coisa que entendi é que capas chamam a atenção, mas quando estão só com a lombada para fora eles somem. Por isso, pensei em fazer o livro um pouco mais volumoso - assim, ele teria uma lombada maior e não se perderia. Foi isso que eu fiz e a Borders pegou meu segundo livro
".

A criação do conteúdo

Depois que você escolhe o tipo de livro que deseja produzir, é hora de começar a escrevê-lo. A maneira mais óbvia é fechar a porta para o mundo, escrever o que você quiser e só se preocupar com a edição depois. Mostre-o à família e aos amigos quando você quiser mas, fora isso, faça do jeito que achar melhor. Você não tem que se preocupar com o editor.

Para muitos auto-editores, isso não funciona muito bem - e eles se perdem sem alguém com quem possam trocar idéias. Uma solução é contratar um editor assistente freelance. Ele tem a mesma função do editor que trabalharia com você em uma editora - você pode lhe mostrar rascunhos e esboços, e ele pode editar algumas partes para melhorar o livro. A diferença, é claro, é que você tem a palavra final e não ele. Teoricamente, a principal coisa que esses profissionais trazem para a publicação de livros é seu conhecimento especializado - um editor assistente precisa saber como criar um bom livro.

O custo de um editor assistente freelance entra em seu orçamento total para o livro. Dependendo do seu modo de trabalhar, a presença desse profissional pode lhe poupar tempo e ser um gasto que vale a pena.

Além disso, você talvez queira a ajuda de outros profissionais. Na próxima seção, falaremos das outras pessoas que você poderá incluir em sua folha de pagamento.

Solicite reforços

Além do editor assistente freelance, você pode conseguir mais ajuda durante o processo de criação do conteúdo. Talvez você precise de:
– Um ilustrador ou cartunista para as páginas internas do livro ou a capa.
– Um pesquisador de fotos para localizar fotos ilustrativas e obter permissão para usá-las.
– Um revisor para revisar o texto final, melhorar a redação e corrigir possíveis erros gramaticais ou de digitação.

A revisão é muito importante. Você pode confiar em sua própria revisão, com a ajuda de amigos e familiares, mas se quiser um texto coerente, relativamente sem erros, provavelmente terá de contratar um revisor experiente. Você ficará surpreso ao ver como é difícil encontrar todos os erros em um artigo de 1.500 palavras; imagine em um livro inteiro.

De modo geral, o período de criação diz respeito à redação, revisão e ilustrações. Mas se você estiver trabalhando no conteúdo de seu livro, também precisará fazer algumas coisas para que seu trabalho se transforme em um livro de verdade. Na próxima seção, analisaremos estas etapas simples.

Sobre a revisão

A revisão é uma parte importantíssima do processo final, porque por mais que você leia e releia o seu texto, você ficará surpreso com a quantidade de errinhos - pontuação, erros gramaticais - existentes em um manuscrito eletrônico. É incrível.

O que um livro de verdade precisa

Os componentes básicos de um livro são óbvios - páginas de texto e de desenhos, encadernadas entre as duas capas. Mas para que a sua obra seja um livro viável que possa ocupar as prateleiras de livrarias e de bibliotecas, ele precisa de mais algumas coisas. Antes de imprimi-lo, você precisa:
Obter um número ISBN - é como o número do CPF dos livros - todo livro impresso tem um número exclusivo, e as livrarias, atacadistas de livros e outros usam esse número para identificar determinados títulos. Para obter o ISBN, você preenche alguns formulários, pagar uma taxa. No Brasil, quem é responsável pelo número é a Fundação Biblioteca Nacional.
Obter um código de barras EAN - trata-se de um código de barras UPC que pode ser conseguido pela Associação Brasileira de Automação Comercial.
Definir um preço - você terá que imprimi-lo no livro; portanto, você precisa dele antes da impressão. Mas você precisará dele o mais cedo possível para que possa controlar o seu orçamento. O bom senso convencional diz que o seu livro deve custar, no mínimo, cinco vezes o valor de cada livro na produção inicial. Para calcular o preço certo, veja livros semelhantes. Na maioria dos casos, definir um preço menor do que o da concorrência não ajuda as vendas; por isso, escolha um preço médio.

Outras coisas a considerar:
– Talvez você queira solicitar comentários (aprovações) para a quarta capa de seu livro.
– Você terá que escrever o material pré e pós-textual para o seu livro - prefácio, sumário, a página sobre direitos autorais e os agradecimentos que costumamos ver no início ou no final dos livros. Veja livros publicados similares ao seu para ter uma idéia do que escrever.
– Você pode escrever uma biografia do autor para a quarta capa.

Depois que você terminar de escrever o conteúdo, é hora de colocá-lo na forma de livro. Na próxima seção, analisaremos esse processo.

Preparar para imprimir

Até agora, o seu "livro" ainda não é um livro propriamente dito - é apenas um manuscrito. A próxima etapa é converter esse manuscrito em uma forma pronta para ser impressa - a base para o que vai se tornar um livro real.

Isso é muito mais fácil hoje. Com um microcomputador de boa qualidade e o software adequado para editoração eletrônica, você pode criar um livro pronto para ser impresso na forma digital. Com esse software, é possível configurar margens e tamanho da letra para obter o número de páginas desejado.

Você não pode simplesmente enviar à gráfica um documento do Word formatado, porque esse tipo de programa de processamento de texto não é projetado para os drivers de impressão necessários para se usar uma impressora gráfica. Assim, é preciso formatar o livro usando alguns programas específicos: Quark Xpress (site em inglês) ou Adobe Pagemaker (site em inglês), por exemplo. O software não é barato, e não é fácil aprender a usá-lo, mas a pessoa versada em computação poderá compreendê-lo com relativa facilidade.

Além disso, você não pode usar uma das fontes que vem com o seu programa de processamento de texto. Para o material pronto para ser impresso, você precisa de uma fonte Postscript, além de drivers de impressão Postscript.

Para adicionar ilustrações, você precisará de um scanner de alta qualidade e um bom programa gráfico, como Adobe Photoshop (site em inglês), para que o texto fique pronto para a impressão.

Com o seu programa de editoração eletrônica, você pode montar cada página do livro. Depois, grave tudo em um CD - o arquivo de editoração eletrônica, o arquivo para a fonte que você usou e todos os arquivos gráficos. Eis o seu livro, na forma digital, pronto para a gráfica.

Para a gráfica

Depois que o seu livro estiver na forma digital, você precisa encontrar uma gráfica. Para isso, é preciso pesquisar um pouco o mercado. Faça pesquisas e encontre algumas gráficas especializadas em livros com as quais você possa trabalhar. Muitas gráficas costumam imprimir apenas folhetos - certifique-se de procurar gráficas especializadas em livros, que têm experiência no assunto.

Peça a cotação para algumas gráficas - um preço para a impressão, que a gráfica honrará por 30-90 dias - e solicite amostras de trabalhos similares feitos no local. Compare e veja quem oferece os melhores resultados com o melhor preço.

Para fazer uma cotação, você terá que decidir quantos livros deseja imprimir. Grande parte do custo da impressão está em preparar a gráfica para o trabalho. Por isso, você conseguirá um preço menor por livro se imprimir uma quantidade maior de uma só vez. Contudo, se você superestimar o número de livros que pode vender, acabará gastando muito dinheiro que não conseguirá recuperar em um período de tempo razoável. Essa é uma das decisões comerciais mais importantes que você terá que tomar, que influencia diretamente seus lucros imediatos.

Antes da gráfica imprimir o seu livro, ela deverá imprimir provas. Quando as provas ficarem prontas, é seu dever verificar cada página para que não haja erros. Qualquer coisa que não estiver em seu arquivo original é erro de impressão - a gráfica terá que consertar e arcar com as despesas. Qualquer erro que estiver em seu arquivo original é um ajuste do autor (AA), que significa que você terá que pagar por ele (embora a gráfica permita um determinado número de correções gratuitas). Depois de revisar as provas, você deve passá-las à gráfica para que façam as devidas correções.

Neste ponto, ou ainda antes, a gráfica pode imprimir provas de granel (as primeiras versões encadernadas do livro). Você poderá usá-las para começar a divulgar o livro.

Finalmente, a gráfica criará uma prova inteira do livro, e enviará as cópias à sua casa, o local de armazenamento dos livros ou qualquer outro lugar que você escolher (por exemplo, diretamente a um atacadista de livros para quem você vendeu). É hora da etapa final: divulgar e vender o livro.

Números e preço

A maioria dos auto-editores começam com uma produção de 1.000 a 5.000 livros.

Walter Roark comentou sua experiência: "Constatei que se eu quisesse imprimir 3 mil livros - que me parece um pouco ambicioso quando olho para trás, mas foi isso que eu decidi fazer, porque quanto mais livros impressos, menor o preço. Resolvi imprimir 3 mil e pedi que os enviassem ao meu escritório, no porão de casa. Foi um dia assustador.
Recebi cerca de 47 caixas com 72 livros cada, que minha mulher e eu carregamos da porta de casa até o porão. Pouco mais de dois anos depois, esvaziei a última caixa daquela primeira remessa. Já imprimi cerca de 10 mil livros até agora, desde a primeira vez, e isso aconteceu há pouco mais de três anos
".

Marketing inicial

Antes da data de publicação de seu livro, sua obra terá que chamar a atenção de algum crítico importante ou, pelo menos, começar a circular entre os formadores de opinião. Algumas etapas possíveis de marketing:
– Procure sites ou blogs que divulgam o tipo de material que você está publicando.
– Faça uma assessoria de imprensa própria, divulgando, mesmo antes do lançamento, para algumas publicações que tem um perfil de leitores semelhante ao que leria seu livro.

O marketing continuará enquanto você estiver vendendo livros. O marketing se divide em duas áreas: promover o seu livro para revendedores (por exemplo, livrarias ou feiras) e para o público real para que as pessoas possam encomendá-lo e procurá-lo nas lojas. Há dúzias e dúzias de truques e estratégias para fazer o marketing nas duas áreas. Você encontrará muitas idéias nos livros e links que aparecem na página "Mais informações", no final deste artigo.

Marketing criativo

A experiência de Walter Roark' foi que o marketing aconteceu, de certo modo, na base da tentativa e erro - algumas coisas funcionaram, outras não. Ele deu algumas orientações:

"Constatei que gastar o tempo de maneira abrangente é melhor do que trabalhos detalhados, tentando vender um livro de cada vez. Quando aloco os meus dólares para o orçamento promocional, tomo o máximo cuidado e sigo aquilo que funciona. Constatei que enviar postais é muito bom. É uma ótima opção de mala direta, com custo razoável; por isso, eu os envio aos bibliotecários.

Eis uma coisa que não valorizei muito no início - o mercado das bibliotecas. Um livro na biblioteca é lido por muitas pessoas; por isso, um único exemplar chega a diversas pessoas
".

Vendas

Quando finalmente chega a data de publicação, você tem apenas uma tarefa: fazer com que as pessoas comprem o seu livro. Para compradores individuais de livros, isso é simples. Eles pagam o preço de capa, você registra a transação e envia ou entrega pessoalmente o livro. Mas os compradores individuais de livros formam o menor grupo de sua base de clientes. Os seus principais clientes são:
– livrarias independentes;
– atacadistas, que recebem pedidos de muitas livrarias; eles só compram o que precisam ou que esperam precisar;
– distribuidores, que compram livros para revendê-los às livrarias;
– distribuidores exclusivos, que cuidarão de tudo que a venda de seu livro engloba em troca do direito exclusivo de distribuição;
– vendedores de livros virtuais.

Dois novos fatores entram na questão com esses clientes - descontos e devoluções. Para garantir o lucro, os vendedores de livros sempre compram livros bem abaixo do preço de capa, e a maioria se reserva o direito de devolver os livros que não consegue vender. Se os livros não estiverem danificados, você tem de devolver o dinheiro ao comprador. Há também quem venda em consignação, ou seja, você entrega o livro e só recebe se o livro for vendido.

Você precisará de um contrato de termos e condições que defina, com detalhes, como você administrará a transação - quais os descontos que você oferece, como você lida com as devoluções, como você faz a cobrança, etc. Os seus termos e condições dependem apenas de você, mas você terá que tratar determinados tipos de compradores de certa forma para fazer negócios. Por exemplo:
– as livrarias individuais geralmente têm 40% de desconto do preço de capa;
– atacadistas e distribuidores em geral têm 50 - 55% de desconto do preço de capa;
– distribuidores exclusivos têm 62 a 67% do preço de capa.

Vender é um processo contínuo que pode durar anos (sem tomar muito tempo). Quando a sua primeira remessa de livros acaba, e ainda há demanda, você volta à gráfica para pedir a próxima remessa. Se o seu livro realmente fizer sucesso, talvez você consiga um bom negócio com uma editora maior capaz de aumentar o nível de suas vendas. No decorrer dos anos, muitos autores bem-sucedidos usaram esse caminho para entrarem na tela de radar das editoras.

O melhor momento de escrever um livro costuma ser no início do processo - quando estamos sentados ao computador, transformando nossas idéias em palavras. Por outro lado, o melhor momento da publicação acontece depois que fazemos todo o trabalho - quando recuperamos nossos custos iniciais, e cada livro vendido é dinheiro que entra em nosso bolso. Essa é a recompensa máxima de um auto-editor.

Fonte:
Como funciona a auto-publicação. por Tom Harris - traduzido por HowStuffWorks Brasil
http://empresasefinancas.hsw.uol.com.br/auto-publicacao4.htm

XXI Jogos Florais e IX Jogos Florais Estudantis de Ribeirão Preto

Promoção:
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Secretaria Municipal da Cultura
Secretaria Municipal da Educação
Instituto do Livro de Ribeirão Preto
União Brasileira de Trovadores – UBT – seção de Ribeirão Preto
*******************
Ribeirão Preto formosa,
calor, trabalho, cultura,
rosa vermelha mimosa,
sonho, progresso, ventura.
Ivan Augusto de A. Teixeira
*******************
XXI Jogos Florais
Tema Nacional: Inclusão
Vencedores (Troféus)

1º lugar
Tenham todos terra e teto,
sem preconceito ou fronteira
e que haja amor, não decreto,
para a inclusão verdadeira!
Therezinha Dieguez Brisolla (São Paulo-SP)

2º lugar
Para que o mundo, em projeto,
possa alcançar seu maná,
falta a inclusão desse afeto
que você tem...mas não dá!
José Ouverney (Pindamonhangaba-SP)

3º lugar
Uma ovelha desgarrada,
o pastor traz pela mão;
não a deixa abandonada,
dando o exemplo da inclusão
Marina Gomes de Souza Valente (Bragança Paulista-SP)

4º lugar
Inclusão... um laço estreito,
que ao unir duas metades,
deixa de fora o defeito
para exaltar qualidades!
Neide Rocha Portugal (Bandeirantes-PR)

5º lugar
Meu Deus, que eu não seja omissa
na luta pela inclusão,
pois quem clama por justiça
é Teu filho...e é meu irmão.
Therezinha Dieguez Brisolla (São Paulo-SP)

Tema Nacional: Inclusão
Menções Honrosas (Medalhão Dourado)

1º lugar
Que maravilha a utopia
Do Profeta da Inclusão:
– Lobo e cordeiro, algum dia,
juntos e em paz viverão!
Antônio Augusto de Assis (Maringá-PR)

2º lugar
Que um dia eu tenha a certeza
da inclusão de algum roceiro
(que põe fartura na mesa)
à mesa... do fazendeiro!.
Neide Rocha Portugal (Bandeirantes-PR)

3º lugar
A inclusão dos excluídos
fará desta humanidade
terra dos enriquecidos,
paraíso da igualdade.
Alfredo Barbieri (Taubaté-SP)

4º lugar
Cada letra é uma semente
e cada livro um rosal,
que leva toda esta gente
a uma inclusão social.
Walneide Fagundes de Souza Guedes (Curitiba-PR)

5º lugar
Esta inclusão social,
não é se dar uma esmola;
é auto-estima pessoal,
documento, emprego, escola.
Francisco Neves de Macedo (Natal-RN)

Tema Nacional: Inclusão
Menções Especiais (Medalhão Prateado)

1º lugar
A caridade é inclusão
no mais profundo sentido...
e a inclusão é o coração
que quer o irmão... “incluído”.
Héron Patrício (São Paulo-SP)

2º lugar
É urgentíssima a inclusão
dos deserdados da vida,
dai-lhe a terra e a certidão,
identidade e guarida.
Francisco Neves de Macedo (Natal-RN)

3º lugar
Realiza meu ideal,
aceita minha inclusão,
não no campo social,
mas, neste teu coração!
Francisco Neves de Macedo (Natal-RN)

4º lugar
Inclusão é tema quente
uma questão bem falada
na boca de toda gente,
mas ninguém resolve nada.
Antônio José Barradas Barroso (Parede-Portugal)

5º lugar
O talento é a garantia
da natural inclusão;
sobretudo se se alia
ao trabalho e à educação.
Antônio Augusto de Assis (Maringá-PR)

Tema Municipal: Respeito
Vencedores (Troféus)

1º lugar
Na trova, mais que respeito
quero rima definida,
para dizer do meu jeito
tudo de bom que há na vida.
Sueli Tornici

2º lugar
Respeito, grande valor,
hoje está quase em desuso,
jovens carentes de amor,
dele nunca fazem uso.
Wanda Duarte da Silva

3º lugar
Nos lares onde há respeito
brota a paz, cresce a união
num clima de amor perfeito
da família em construção.
Rita Marciana Mourão

4º lugar
Na poesia que componho,
O que me importa é o respeito
Em transmitir o meu sonho,
Por um mundo mais perfeito.
Sueli Tornici

5º lugar
Se no lar mora o respeito,
Há paz nele certamente,
Esse valor é perfeito,
Para se unir toda gente.
Wanda Duarte da Silva

Tema Municipal: Respeito
Menções Honrosas (Medalhão Dourado)

1º lugar
Num lar pobre, mas honrado,
meu pai feliz a seu jeito
humilde, sem ser letrado,
me ensinou o que é respeito.
Rita Marciana Mourão

2º lugar
Respeito pela criança,
pelo ambiente e pelo idoso,
devolve-nos a esperança
num futuro mais ditoso.
Fátima R. F. Starling

3º lugar
Quando falo de respeito...
quanto choro derramei,
sozinha, triste no leito,
traída, por quem amei!
Elisa Alderani

4º lugar
Vejo falta de respeito
em todo lugar que ando;
gente que tem preconceito
vai existir até quando.
Leda Pereira

5º lugar
O respeito é uma virtude
que, devemos cultivar
em cada gesto e atitude,
presente ele deve estar.
Elza Mora

Tema Municipal: Respeito
Menções Especiais (Medalhão Prateado)

1º lugar
Respeito é o trato sutil
que o ser humano cultiva
e se torna mais gentil
em tudo que faça ou viva.
Nilton Manoel

2º lugar
“Respeito é bom e eu gosto”
é um adágio popular;
nesse valor sempre aposto,
o mundo vai melhorar.
Wanda Duarte da Silva

3º lugar
Nossa luta pela paz
começa com o respeito
do cidadão que é capaz
de buscar o seu direito.
Sebastiana Cangussu Parente

4º lugar
Quando o homem é de respeito
todos sentem segurança,
ele emana do seu jeito
o perfume da confiança.
Elisa Alderani

5º lugar
A melhor coisa na vida,
é manter sempre o respeito,
pela pessoa querida.
vivendo bem e direito.
Eliane Aparecida Pereira

XXI JOGOS FLORAIS ESTUDANTIS
Tema: Escola
Vencedores (Troféus)

1º lugar
Tenho lá na minha escola
professor bom pra valer
quem não pensa só em bola
vai conseguir aprender.
Jório Luiz Silva Maciel / 5ª E.M.E.F. "Eponina de Brito Rossetto”

2º lugar
No Maracanã tem bola,
São Paulo poluição
Ribeirão Preto a Escola
que me deu educação
Vitor Raimundo / 7ª E.M.E.F. "Eponina de Brito Rossetto”

3º lugar
Se quiser uma homenagem
então tem que merecer
quer dicas de aprendizagem
na escola você vai ter.
Natália de Moraes Reis Martinez / 6ª E.M.E.F. "Eponina de Brito Rossetto”

4º lugar
Escola parte de casa,
escola para aprender,
escola que nos dá asa,
escola para viver.
Laura Cacheta / SESI

5º lugar
Na escola vou estudar
aprender ler e escrever
mas eu vou me dedicar
que eu aprendo a aprender
Jean Mário Shuzi Nogueira / 8ª E.M.E.F. “Geralda de Souza Espin”

Menções Honrosas
(Medalhão Prateado)

1º lugar
Em busca da aprendizagem
na faculdade eu irei
em busca de uma viagem
na escola me formarei
Alexandre Luis F. M. Júnior/ E.E. “Prof. Walter Ferreira”

2º lugar
Uma escola diferente
e que eu gosto muito juro
eles ensinam a gente
a ser alguém no futuro
Vivianne Pozzer Batista / 8ª E.M.E.F. “Dr. Paulo Montserrat Filho”

3º lugar
Penso na escola que traz
o futuro dessa gente
penso no aluno que faz
tudo delicadamente
Quésia Carrenha da Silva / E. E. “Prof. Walter Ferreira”

4º lugar
A escola é a melhor lição
onde se ensina o saber
por isso de coração
eu estudo e com prazer
Hendrich Gustavo L. Filho / 5ª E.M.E.F. "Eponina de Brito Rossetto”

5º lugar
Na escola posso adquirir
Bastante conhecimento
Assim eu vou possuir
um pouco de entendimento
Bruna Thais R. M. de Souza / 6ª “E.M.E.F. Eliza Duboc Garcia”

Menções Especiais
(Medalhão Dourado)

1º lugar
A escola é o melhor lugar
onde vou para aprender
para depois me formar
na vida poder vencer.
Ingrid Priscila Gandini / E.M.E.F. "Eponina de Brito Rossetto”

2º lugar
Eu quero um belo futuro
sempre irei aquela escola.
Para não ser vagabundo,
para não pedir esmola.
Fagner Guimarães Oliveira / E.M.E.F. “Geralda de Souza Espin”

3º lugar
A Escola Walter Ferreira
é uma coisa sem igual,
lá tem muita brincadeira
é uma escola bem legal.
Juliana Zonato Camillo / E.E. “Prof. Walter Ferreira”

4º lugar
Na escola muita atenção
ter amigos de verdade
tratando com emoção
sem nenhuma falsidade.
José Vitor dos Santos Serrano / (8ª série) E.M.E.F. “Alcina dos Santos Heck”

5º lugar
Pela escola amor profundo
aprendemos a lição
posso ter até o mundo
quando tenho educação!
Rejane Jesus Brito - E.M.E.F. / “Geralda de Souza Espin”

Fonte:
Colaboração de A. A. de Assis com
Livro dos Jogos Florais de Ribeirão Preto – 2008
Patrocínio Cultural: COC – Sistema de Ensino

Cesídio Ambrogi (1893 - 1974)

Cesídio Ambrogi (Natividade da Serra, 22 de maio de 1893 — Taubaté, 27 de julho de 1974). Considerado um dos maiores nomes da intelectualidade valeparaibana do século XX.

Foi professor, escritor e jornalista. Poeta eclético, sonetista emérito, além de notável trovador. Fundador de diversos periódicos, foi também um dos fundadores da "Sociedade Taubateana de Ensino" e considerado presidente perpétuo da União Brasileira de Trovadores (UBT-Taubaté).

Como trovador fez jus a vários troféus e menções honrosas. Colaborou assiduamente nos diversos órgãos da imprensa do Vale do Paraíba e de São Paulo.

Biografia

Filho dos comerciantes Bernardo Ambrogi e de Marianna Nardi, imigrantes italianos vindo para o Brasil, estabelicidos em Natividade da Serra no final do século XIX. Nasceu e passou sua infância em Natividade da Serra onde amava pássaros. Em 1905 sua família se transferiu pra Taubaté onde fez seus preparatórios e ingressou no tradicional ginásio “Nogueira da Gama” de Jacareí, no qual concluiu o curso secundário. Tentou estudar engenharia na Escola Politécnica de São Paulo, mas sem êxito. Foi pra Itália, onde se matriculou na Universidade de Pisa, como aluno do curso de Engenharia e Letras Clássicas que se graduou. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial interrompeu os estudos e regressou ao Brasil em companhia do primo Dante Cicchi.

Algum tempo depois tentou colocação no alto comércio do Rio de Janeiro onde o pai desfrutava de boas relações comerciais. Sua mãe não vendo vocação do filho para trabalhar com comércio, trouxe-o de volta para Taubaté e através da influência dos amigos da família Puccini, foi nomeado para o cargo de coletor federal, que lhe fora oferecido.

Mais tarde aceitou o convite para exercer as funções de fiscal federal, junto à antiga escola de comércio de Taubaté. Em meados da Década de 20, Cesídio Ambrogi já dispunha de uma apreciável bagagem literária (Prosa e Verso) o que lhe valeu o convite para figurar no primeiro corpo docente do recém criado ginásio do estado, em Taubaté.

Casou-se duas vezes com mulheres de descendência italiana. Seu primeiro casamento em 22 de maio de 1920 com Petronilha Chiaradia, falecida em 26 de julho de 1933, teve um casal de filhos nascidos em Taubaté: Bernardo Ambrogi Neto nascido no dia 21 de abril de 1927 e Teresa Maria Ambrogi conhecida como Tita nascida no dia 28 de julho de 1928.

Depois de ter ficado viúvo, Cesídio Ambrogi em 21 de fevereiro de 1938 casou-se com sua segunda esposa, a talentosa professora, advogada e trovadora Lygia Teresinha Fumagalli, com quem teve os seguintes filhos nascidos em Taubaté: Elisa Mariana Ambrogi nascida no dia 21 de maio de 1939, Cesídio Ambrogi Filho, nascido no dia 25 de julho de 1941, Walfrido Ambrogi nascido aos 04 de setembro de 1943, Anabela Ambrogi nascida aos 20 de julho e 1945 e Lygia Mara Ambrogi nascida aos 19 de fevereiro de 1947.

Por várias décadas, como mestre e poeta, o grande Cesídio Ambrogi honrou o seu mister, dedicando-se ao magistério com amor e dignidade, tendo lecionado lingua portuguesa e literatura brasileira, exercendo notável influência na formação de professores, muitos dos quais, pontificam hoje na Universidade de Taubaté.

Cesídio Ambrogi faleceu no dia 27 de julho de 1974, às 19h e 15min no Hospital Santa Isabel de Taubaté, vítima de insuficiência respiratória aguda e de carcinoma broncogênico. Está sepultado no Cemitério Municipal de Taubaté, Quadra 19, túmulo 102.

Cesídio Ambrogi e Monteiro Lobato

Cesídio Ambrogi foi amigo íntimo do escritor Monteiro Lobato de quem recebeu o apelido de "jacaré". E entre as inúmeras correspondêcias trocadas, a famosa frase escrita por Monteiro Lobato ao amigo Cesídio Ambrogi: " As coisas mais belas que um leitor encontra num livro não são o que pomos nele – são as que estão dentro do leitor e nós apenas sugerimos".

Durante o período que Monteiro Lobato esteve no comando literário das editoras Monteiro Lobato & Cia e Companhia Editora Nacional, ele apresentou e publicou algumas obras do amigo Cesídio Ambrogi.

Obras Literárias

Livros
O Caboclo do Vale do Paraitinga, São Paulo, 1943.
O opúsculo satírico “Janíadas”, publicado com o pseudônimo de K. Mões de Araque, 1945.

Livros de Poesia
As Moreninhas 1943.
Os Poemas vermelhos 1947.
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Fonte:

Felipe Conrado (As cartas de Lobato para Cesídio Ambrogi)

Escritos íntimos de Monteiro Lobato que estudiosos sabiam existir, mas que permaneciam guardados a sete chaves vão vir à tona em breve. O pesquisador Pedro Henrique Rubim e os jornalistas Vladimir Sacchetta e Márcia Camargos vão utilizar 57 cartas de Lobato enviadas ao escritor Cesídio Ambrogi entre 1919 e 1945 para revelar fatos desconhecidos e a relação de Lobato com Taubaté.

Após conseguirem convencer a viúva de Ambrogi, Lygia, que tinha as cartas e recusou inúmeros pedidos de estudiosos anteriormente para cedê-las, o grupo partiu para a confecção de um livro, que está sendo negociado com editoras e está previsto para ser lançado no segundo semestre deste ano, em que são comemorados os 120 anos do nascimento do taubateano.

O projeto '120 Anos de Monteiro Lobato', que também conta com uma exposição, tem cartas escritas entre 1919 a 1924, e de 1942 a 1945, tidas como os únicos textos inéditos do escritor por sua filha Martha.

Nelas, o escritor fala sobre tudo e, sem papas na língua, destila sua irreverência (leia trechos nesta página). "As cartas esclarecem pontos de vista de Lobato sobre a cidade. Achavam que ele odiava Taubaté em certo momento", disse Rubim.

Segundo ele, as cartas trazem informações curiosas sobre o início da carreira. "A primeira crítica de arte de Lobato foi sobre a namorada Georgina Andrade, que depois se tornou a pintora Georgina Albuquerque, que teve grande sucesso", afirmou.

A partir das cartas, os autores iniciaram uma pesquisa aprofundada sobre as origens e infância de Lobato, mostrando desde a vida de seu avô, o Visconde de Tremembé até a amizade com os três jacarés (Gentil de Camargo, Urbano Pereira e Cesídio Ambrogi), passando pelo início de sua carreira e até os métodos de conquista utilizados por ele na juventude.

ORIGENS - Para Vladimir Saccheta, que foi um dos autores do livro 'Monteiro Lobato -Furacão da Botocúndia', as cartas possibilitam uma melhor compreensão de determinadas posições tomadas por Lobato.
"Descobrimos que o interesse e preocupação com o petróleo teve origem nas pesquisas com xisto betuminoso feitas em Taubaté. As cartas também mostram bastidores da política taubateana. É uma material que vai surpreender", afirmou.

Segundo ele, os 57 textos devem representar cerca de 20% das cartas entre os escritores, mas provavelmente não é o único material inédito sobre Lobato. "Ele é uma fonte inesgotável, sempre há algo novo sobre Lobato. Como a memória cultural do país, o material sobre ele está disperso", completou.
MUDANÇA DE IDÉIA - A viúva de Cesídio Ambrogi, Lygia Fumagalli Ambrogi, de 87 anos, disse que mudou de idéia em relação à publicação das cartas há pouco tempo, incentivada pelos pesquisadores.

"Meu marido não admitia a possibilidade de publicar as cartas. Elas são íntimas, revelam detalhes da vida de Lobato e ele respeitava a Dona Purezinha (mulher de Lobato). Mas essas cartas estavam se perdendo e podem completar o Lobato. Não custa mostrá-las agora", afirmou.

Segundo ela, as cartas ficaram intocadas durante décadas e muitas se perderam quando sua casa teve problemas estruturais, nos anos 90, quando o material foi perdido.

Lygia disse que Lobato e Cesídio costumavam passar tardes inteiras em sua casa falando sobre política e literatura. "Lobato era um homem de muita fé no Brasil, irreverente e franco", afirmou.

Além das cartas entre os dois, Lygia também guarda correspondências do marido com personalidades como Adhemar de Barros, Luís Carlos Prestes, Paulo Setúbal, Plínio Salgado e Cassiano Ricardo. Mas isso é assunto para outro livro.

Trechos das cartas de Lobato para Ambrogi

"E a verdade é que a Argentina prospera progressivamente, vai subindo como um balão, e o nosso pobre Brasil desce, rola por uma ladeira, empurrado pelas duas maiores forças da estupidez humana: o militarismo e o clericalismo. E como essas duas forças, na sua atuação, no Brasil, são incoercíveis e incontratáveis, o nosso destino está escrito na parede de Baltazar: Bancarrota, desastre, miséria cada vez maior, penúria do povo, hospital, hospício."
Buenos Aires, 15 de fevereiro de 1947

"Essa história do Prêmio Nobel só serve para uma coisa: botar contra mim todos os literatos do Brasil. A inveja é um fato, meu caro. O ano passado tive prova disso no Jurandir Campos (pintor, casado com a filha do escritor, Martha Lobato). Como é um pintor que vende todos os quadros que pinta, na exposição do ano passado os pintores que não vendem ou vendem mal, concentraram no rabo dele os raios da inveja- e em plena exposição produziram-lhe uma hemorróide terrível. O coitado teve de deixar o salão e ir a um sanatório operar-se. (...) Meu rabo ainda está virgem de hemorróides; mas se você e outros insistem tal Prêmio Nobel, não dou nada para essa virgindade."
Buenos Aires, 15 de fevereiro de 1947

"Hoje dizem que criança é tudo, falam em s.m. da criança- mas falam só. A não ser na Rússia e nos EUA, a criança não passa dum tema para belas dissertações em salas de conferências elegantes. E entre nós ninguém quer saber das crianças, ou então tornam-na como 'material político'... A nossa ordem social é uma coisa tão suja e sórdida que meu consolo hoje é um só: saber que vou morre e afastar-me ab aeternitate da sujeira. Quando meus filhos morreram senti uma grande satisfação íntima que nem aqui em casa compreenderam. É que os vi livres da Sordície Reinante. E invejo-os, e anseio para que também me chegue a hora de escapar deste imenso campo de concentração de Estupidez Dominante aqui e em toda parte."
São Paulo, 20 de dezembro de 1943

"Mas o grande prazer da literatura está justamente no contrário: ser lido pelo maior número de pessoas e ser entendido por crianças, velhos, sábios, e imbecis. E para isso meu caro, o remédio é escrever vitaminadamente, com tintas vivas, vivíssimas- e não empastar. Não sobrecarregar. Nunca dizer demais. Nunca, nunca dizer tudo. Já fiz está grande descoberta. As coisas mais belas que um leitor encontra num livro não são os pomos nele- são a que está dentro do leitor e nós apenas sugerimos.
São Paulo, 1943

Fonte:
http://jornal.valeparaibano.com.br/

Cesidio Ambrogi (Trovas e Sonetos)

Produziu inúmeras Trovas, como esta que é conhecida no meio trovadoresco em todo Brasil:

"Sempre em lágrimas, tristonhos,
são os olhos das rendeiras,
que a tecer rendas de sonhos
envelheceram solteiras!

Morro de inveja do mar,
felizardo, vagabundo,
que não se cansa em beijar
as praias de todo o mundo!

Em Taubaté não me arrisco
a afirmar, mas acredito,
que em terra de São Francisco,
quem manda é São Benedito!

Do bairro a mulher mais bela
mora na esquina, a Gioconda.
-- Rondam tanto a casa dela
que a esquina ficou redonda...”.

"...Penso em ti. Mas a esperança,
de ver-te minha, se trunca:
- Meu sonho sempre te alcança,
mas eu não te alcanço nunca..."

O seu romântico Soneto, em homenagem à sua terra natal Natividade da Serra, é de uma "Poesia lírica" talvez um dos únicos da nossa língua, sem Verbo:

Minha terra
Meu vilarejo um cromo estilizado.
O Largo da Matriz. Uma palmeira.
A cadeia sem preso nem soldado.
Calma em tudo. Silêncio. Pasmaceira.

Andorinhas em bando no ar lavado.
O rio. O campo. Além de uma porteira,
Um velho casarão acaçapado.
Nossa casa tranqüila e hospitaleira.

O Cruzeiro lá em cima, em plena serra,
Braços abertos para a minha Terra...
E, eu criança e feliz. Que doce idade !

Hoje, porém meu Deus, quanta emoção!
Do meu peito no triste mangueirão,
Cavo e soturno, o aboio da saudade...”.

Fonte:
http://pt.wikipedia.org

Cesídio Ambrogi (Lenda: Cruz de Ferro)

No mais alto da serra, junto à estrada,
no ermo sertão, na paz silenciosa,
por crentes mãos, um dia ali plantada,
a Cruz de Ferro se ergue majestosa.

E cansado de longa caminhada,
ante a cruz solitária e misteriosa,
o viandante, ao passar, susta a jornada,
orando aos céus, em prece fervorosa.

E a grande Cruz de Ferro,
negra e muda, insensível aos tempos,
a ação ruda, serena,
sempre a mesma olhando o mar...

E - milagre! - em abril, contam viajores,
se lhe enroscam nos braços rubras flores,
como se fossem rosas a sangrar...
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Alfredo Ciuffi Neto (Noite de Lua Cheia)

Na fazenda reinava um clima de muita alegria naquele dia ensolarado de tarde de verão. O sol mansamente se punha atrás da montanha que ficava a pouca distância do seleiro e do curral, onde ficavam os cavalos e as vacas. O galinheiro situava-se no lado oposto, muito bem cercado e mantinha as galinhas poedeiras confinadas até que pusessem seus ovos. Outros animais como patos e gansos ficavam soltos e livres nadando no lago de águas mansas. Deslizavam suavemente num clima de muita paz.

As crianças brincavam no quintal correndo soltas numa algazarra simplesmente infernal. Liberavam toda a sua energia demonstrando muita saúde e vontade de viver.

Sempre que a tarde ia chegando, José e Maria, proprietários daquelas paragens, tomavam seus lugares na linda varanda cheia de vasos com samambaias pendentes do forro, através de pequenas correntes que as mantinham suspensas, dando um toque todo especial na decoração. Ali ficavam por horas em suas cadeiras de balanço apreciando as brincadeiras das crianças. Enquanto Maria tricotava ou bordava, seu José pitava em longas baforadas o seu cigarro de palha.

À medida que a tarde ia avançando o céu tornava-se cada vez mais escuro; pontos brilhantes cintilavam no infinito distante; e por detrás da montanha surgia devagarinho a lua com sua luminosidade clara, prateava e envolvia tudo ao redor. Era noite de lua cheia.

Todos se recolheram para o descanso. A noite já ia alta e lá fora o luar continuava maravilhoso e inigualável, banhando toda a vegetação, que assumia uma paisagem simplesmente esplendorosa pelo reflexo dos raios nas águas límpidas do lago.

Meia noite. O silêncio foi quebrado pela uivada ensurdecedora e enervantes dos cães, cujas vozes lamentosas imitavam os lobos, insistiam no seu grito prolongado e agoniante. Ladravam, ganiam de maneira desesperada. Os outros animais se punham inquietos demonstrando um total desassossego; as vacas mugiam; os cavalos relinchavam amedrontados. Um barulho estranho provocava aquela reação nos animais.

Seu José levantou-se assustado com a espingarda na mão, procurava saber o que estava acontecendo lá fora; e enquanto isso, Maria tratava de acalmar as crianças que estavam visivelmente apavoradas. Nada foi visto. No restante da noite seguiu-se tranqüila embora ninguém mais pudesse conciliar o sono.

Pensativo, seu José questionava-se sobre o que poderia ter acontecido; morava na fazenda há trinta anos e nunca tinha visto ou escutado nada igual. Isso não poderia estar acontecendo, não agora que seus netos passavam as férias com ele. Tudo havia de estar bem, as crianças não podiam ficar assustadas, pois atrapalharia as suas férias, o que pensariam seus pais quando viessem buscá-los, pensava preocupado.

Logo cedo levantaram e reunidos à mesa do café matinal, comentavam sobre o ocorrido ainda com resquícios de medo e sinalizando a noite mal dormida em suas faces. Foi quando notaram que o menino mais velho que contava com apenas onze anos ainda estava deitado. Preocupada Maria foi até seu quarto procurando averiguar se estava bem. Marcos achava-se encolhido sob seu lençol com os olhos arregalados e ainda um tanto amedrontado. Sua avó o aconchegou em seus braços acariciando sua cabecinha de menino assustado até que, se recuperando, levantou e foi ter com os demais à mesa do café.

Durante o dia o clima na fazenda era normal, os animais estavam sossegados e as crianças brincavam como sempre, exceção de Marcos que continuava apreensivo e divagando num canto. Até certo ponto aquilo era normal numa criança atemorizada, e por ser o mais velho, tinha mais consciência das coisas que se passaram na noite anterior, só quem conhece o perigo tem medo, mas mesmo assim, não deixava de ser criança, pensava o seu avô, inspirando-lhe maior cuidado.

Quando a noite foi se aproximando, todos se recolheram mais cedo, trancaram bem as portas procurando maior segurança, caso aqueles barulhos estranhos voltassem a acontecer.

A noite avançou depressa, a lua, redonda e brilhante, com seus raios luminosos não tardou a aparecer nas montanhas, embelezando e clareando a tudo que envolvia. O lago assumia um aspecto prateado e deixava refletir parte das árvores e outras vegetações circundantes, como se fosse um grande espelho de cristal polido.

Meia noite, o silêncio foi quebrado de maneira repentina, outra vez os animais se agitaram. Ouvia-se um grunhido ensurdecedor que agitava os cães. Parecia que o barulho vinha de dentro da própria casa. Seu José levantou-se com a espingarda na mão, indo diretamente para o quarto das crianças, pareceu-lhe que havia qualquer coisa lá, pois as crianças gritavam desesperadamente por socorro.

Assim que abriu a porta do quarto notou que a janela estava aberta, e por ela uma criatura de estatura mediana fugia. Era um monstro meio homem meio animal, possuía uma cabeça grande e peluda, mãos compridas tinham unhas pontiagudas como a de um felino. Era algo jamais visto. Inacreditável.

Seu José foi até a janela e viu a criatura correndo em direção ao lago. Ainda da janela do quarto apontou sua arma e disparou um tiro certeiro. O corpo rolou pelo gramado e permaneceu inerte, deixando escorrer o sangue que se esvaia fervilhando pelo buraco perfurado pela bala.

Todos apressadamente foram até o lago. Quando lá chegaram viram o que jamais queriam ter visto. Estirado ao chão estava sem vida o seu neto, o menino Marcos, que ainda tremia o corpo agonizante.

A lua no alto do céu azul, começava agora a ficar encoberta por nuvens negras que ofuscavam a claridade e o brilho que lhe conferia tanta beleza. Dali a algumas horas um novo dia iria começar.

Fonte:
CIUFFI NETO, Alfredo. Contando contos. http://tutomania.com.br/file.php?cod=8165

Noticias Rápidas (São Paulo)

PROJETO DOSE DE LEITURA
Projeto “Dose de Leitura” abre inscrições para doação de três mil livros para 15 hospitais em todo o país. Com o objetivo de incentivar o hábito da leitura e levar entretenimento aos pacientes, o projeto “Dose de Leitura” do escritor Laé de Souza, em execução desde 2004, com o apoio do Ministério da Cultura, abre inscrições pelo site http://www.projetosdeleitura.com.br/ para 15 hospitais em todo o país receberem gratuitamente livros de sua autoria, que ficarão disponíveis nos quartos e recepções para os pacientes, acompanhantes e visitantes durante a permanência no local.
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HORIZONTES DA POESIA, DE EUCLIDES CAVACO
Este livro de Euclides Cavaco – “Horizontes da Poesia” – suscita reflexões ou abordagens heurísticas que, ao longo dos últimos anos, tive oportunidade de exprimir no contexto da Lusofonia, sua expansão e divulgação.
http://www.joaquimevonio.com/prosa_1.htm#horizontes
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PNLL: BIBLIOTECAS E MEDIADORES PELA LEITURA NO BRASIL
12/5/2008 - Equipe PNLL
O Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), dos Ministérios da Cultura e da Educação, com o apoio da Bienal do Livro de Minas Gerais e da Fagga Eventos, tem o prazer de convidar para o encontro
PNLL: Bibliotecas e Mediadores pela Leitura no Brasil
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LYGIA FAGUNDES TELLES FALA SOBRE CAPITU
A romancista Lygia Fagundes Telles, cujo livro "A Ciranda de Pedra" é pela segunda vez novela da Globo, falará esta semana, na Academia Paulista de Letras, sobre "O Enigma de Capitu". A conferência de Lygia será às 18 horas de 12 de junho, quinta-feira, na sede da Academia, com entrada franca. A APL fica no Largo do Arouche, 324, 2º andar.
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CAFÉ FILOSÓFICO
O psicólogo Marco Heleno Barreto é o convidado para mais um Café Filosófico. Ele falará sobre “Individuação: entre destino e liberdade”. Quando: sexta-feira (13), a partir das 19 horas, Onde: Auditório da CPFL Piratininga. A entrada é gratuita.
http://www.vejosaojose.com.br/sorocabadiaenoite.htm
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RODA MUNDO E RODAMUNDINHO SERÃO LANÇADOS EM JULHO
O Rodamundinho é uma antologia infanto-juvenil idealizada que reúne textos de jovens de sete a 15 anos. (vejam as capas)
http://www.itu.com.br/noticias/detalhe.asp?cod_conteudo=14109
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IMIGRAÇÃO JAPONESA
Os 100 Anos Imigração Japonesa é tema de exposição que acontece de 13 a 22 de junho no Esplanada Shopping. Informações: 3332-9933.
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BONADIO NO PROGRAMA 'TRANSPARÊNCIA', NA TV SOROCABA AO VIVO
O presidente da Associação Sorocabana de Letras, o escritor e jornalista Geraldo Bonadio, será o próximo entrevistado do programa 'Transparência' transmitido pela web-tv Sorocaba ao vivo (www.sorocabaaovivo.com.br) todas as terça-feira, às 19h30.
Com apresentação de Helio Rubens, o programa Transparência semanalmente coloca em exposição pública, da maneira mais transparente possível, ao vivo, uma grande personalidade da cidade de Sorocaba ou da Região.
fonte: http://www.itapedigital.com.br/rol/index.php?option=com_content&task=view&id=3037 ======================
4ª SEMANA DO ESCRITOR RECEBE INSCRIÇÕES
Estão abertas as inscrições para autores que desejam divulgar suas obras durante a 4ª Semana do Escritor de Sorocaba, que será realizada de 22 a 27 de julho na Fundação de Desenvolvimento Cultural de Sorocaba - Fundec. (As inscrições vão até o dia 18 de julho).
http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/1027036
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Fonte:
Douglas Lara. In
www.sorocaba.com.br/acontece

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Milton Hatoum (Leitores incomuns)

O observador sabe que lá no alto, sentado num galho, alguém olha para um livro

Há tanta diferença entre a “atitude” de quem lê e a de quem escreve? Um dos problemas cruciais do leitor e do escritor é a falta de tempo, decorrente da pressão do dia-a-dia.

Os escritores que vivem de sua pena não podem escolher uma hora do dia ou da noite para trabalhar. Mesmo os que tiveram ou têm a sorte de não depender do trabalho da escrita, revelam-se compulsivos, ávidos para narrar. O que deve ser escrito é inadiável. Deixar para escrever mais tarde, amanhã ou outro dia qualquer só atrapalha o andamento da narrativa. Adiar um trabalho pode ser um alívio para um burocrata, não para um escritor. Ainda assim, há momentos de pausa e reflexão, de pesquisa e anotações, e, às vezes, de interrupções forçadas, um verdadeiro castigo para quem escreve. E há também pausas para leitura: a urgência de escrever não é menor nem menos intensa do que a urgência de ler.

“Escrevo porque leio”, afirmam alguns escritores. Mas um leitor poderia dizer: não escrevo nada, mas é como se a leitura fosse um modo de escrever, de imaginar situações, diálogos e cenas que a memória registra no ato da leitura.

O pior leitor é o passivo, resignado, que aceita tudo e lê o livro como uma receita ou bula para o bem viver. Este é o não-leitor. Porque o texto de auto-ajuda é um compêndio de trivialidades, palavras que não questionam, não intrigam nem fazem refletir sobre o mundo e sobre nós mesmos.

II

Um bom leitor reescreve o livro com a imaginação de um escritor. Alguns vão mais longe. Com os olhos no texto e um lápis na mão, eles fazem anotações nas margens das páginas, sublinham frases, cravam aqui e ali pontos de interrogação. Há os que elaboram fichas com resumos ou esquemas do enredo, árvores genealógicas, comentários sobre o tempo da narrativa, posição do narrador, personagens, idéias, metáforas, ambiente político, social etc. Esse leitor incansável seria o leitor ideal, mencionado por Umberto Eco no ensaio Seis passeios pelo bosque da ficção.

No Tempo redescoberto – último volume do Em busca do tempo perdido –, o narrador de Proust faz uma reflexão sobre esse tema. Um livro, diz o narrador proustiano, pode ser sábio demais, obscuro demais para um leitor ingênuo. A imagem que Proust evoca é a de uma lente embaçada entre o olhar e as palavras: um anteparo à leitura. Mas o inverso também acontece quando o leitor astucioso revela capacidade e talento para ler bem. De acordo com o autor francês, “cada leitor é, quando está lendo, o leitor de si próprio”. Ou seja, uma obra literária permite ao leitor discernir tudo aquilo que, sem a leitura dessa obra, ele não teria visto ou percebido em sua própria vida.

No quarto capítulo de seu belo ensaio O último leitor, o argentino Ricardo Piglia lembra a figura de um leitor incomum: o revolucionário e guerrilheiro Ernesto Guevara. O comandante Che sonhava ser escritor, mas o compromisso político-social o conduziu a outras veredas. No entanto, ele escreveu diários de viagem, textos sobre técnicas e estratégias de guerrilha, relatos inspirados diretamente em sua experiência revolucionária em Cuba, na África e na América do Sul. O que não falta em suas incansáveis viagens – inclusive a última, pouco antes de morrer – é o livro, a leitura.

III

“A marcha, escreve Piglia, supõe leveza, agilidade, rapidez. É preciso desprender-se por completo, estar leve e andar. Mas Guevara mantém um certo peso. Na Bolívia, já sem forças, carregava livros. Ao ser detido em Ñancahuazu, quando é capturado depois da odisséia que conhecemos, uma odisséia que supõe a necessidade de movimento incessante e de fuga ao cerco, a única coisa que ele conserva (porque perdeu tudo, não tem nem sapatos) é uma pasta de couro, que leva amarrada ao cinturão, sobre a ilharga direita, onde guarda seu diário de campanha e seus livros. Todos se desfazem daquilo que dificulta a marcha e a fuga, mas Guevara continua mantendo seus livros, que pesam e são o oposto da leveza exigida pela marcha.” (pág. 103)

A capa do livro (da autoria de Angelo Venosa) foi inspirada numa fotografia de Ernesto Guevara lendo no alto de uma árvore. É uma imagem notável do guerrilheiro – homem de ação – que faz uma pausa para ler. Armas e letras, dois temas medievais explorados no Dom Quixote, parecem reviver nessa imagem em que o leitor, significativa e simbolicamente, situa-se no alto. Longe de ser uma posição de quem se sente elevado, a altura, aqui, é uma posição precária, que denota perigo e instabilidade. O inimigo pode estar por perto, pode surgir a qualquer hora e matar o guerrilheiro-leitor. Na fotografia é impossível reconhecer com nitidez a figura de Guevara, mas o observador sabe que lá no alto, sentado num galho, alguém olha para um livro. O fundo da fotografia é alaranjado, de uma tonalidade que evoca o fogo crepuscular: começo ou fim do dia. Ou luz que se esvai, anunciando a noite, o enigma do que vem por aí. Não sabemos se este livro é o último que Guevara leu. O último leitor é a metáfora de uma atitude diante da leitura: alguém que não pode viver sem livros.

IV

Narrar para não morrer é a mensagem de Sherazade ao rei Shariar (e ao leitor) em cada conto do Livro das mil e uma noites. Ernesto Guevara lê para viver. Ou suportar a vida: fado de um homem que vivia perigosamente à beira da morte. Mas ler é também o destino de tantos outros seres que não se lançam à aventura utópica de transformar o mundo por meio da ação revolucionária. Esse leitor apaixonado forma o duplo do escritor. E ambos justificam a literatura.

Fonte:
Revista Entrelivros. edição 28. agosto 2007.
http://www2.uol.com.br/entrelivros/

Derotheu Gonçalves da Silva (Padre Zico)

I.

Era dia de festa em Bororó. Festa grande. Depois de quatro longos anos, chegava o novo padre. Pouco se sabia a seu respeito. O bispo fora breve na notícia. Era o seu jeito de lidar com Bororó. Breve nas notícias e demorado nas decisões. Aquela sempre fora uma paróquia problemática. Sua primeira e última visita ao local foi marcante. Ocorrera havia mais de dez anos mas continuava inesquecível. Por mais que tentasse se livrar das impressões daquele dia, não conseguia. Todo o povo de branco na estação ferroviária. No lugar das habituais bandinhas municipais, o inédito som dos atabaques. Em vez de hinos religiosos ou cívicos, apenas os famosos “pontos de umbanda”. E regidos por uma senhora de pele escura e idade muito avançada. Lá atrás, muito atrás, o tímido padre Bento, com seus oitenta e tantos anos, ao lado do prefeito.. Batina batida pelo uso diário e noturno, sorriso infantil – talvez até meio divertido. Podia jurar que até ele estava cantarolando “...chegou o Pai Ubá, Nosso Pai Ubá chegou...”. Pai Ubá ! Tanto na Itália, como burocrata no Vaticano, quanto nesta terra abençoada, primeiro como sacerdote de uma capital e agora como bispo daquele fim de mundo, já recebera vários títulos, honoríficos ou não. Mas “Pai Ubá” nunca havia imaginado. Com aquela inédita recepção, procurou rapidamente apressar a volta para o refúgio de seu confortável palácio episcopal. Mas os horários do trem, apenas a cada dois dias, estavam acima de seu poder temporal. E foram dois longos, longos dias... Talvez por isso, com a morte, havia mais de três anos, de padre Bento, apenas agora decidira pela nomeação de padre Zico para aquele recanto, onde o tratamento de Sua Excelência fora reduzido a um simples “PAI UBÁ”.
.
II.
Quando o trem chegou conduzindo padre Zico, a cidade parou de novo. A curiosidade era geral. Quem o grande Pai Ubá teria enviado para substituir o querido padre Bento ?

Os atabaques, como sempre, se puseram a trabalhar. Mãe Lena logo fez os últimos reparos na comitiva de recepção. Essa parte também era com ela. Na frente as crianças, depois os jovens e por último a ala dos velhos. Todos de branco e, bem ensaiados, mostrando seus cânticos antigos, herdados dos antepassados escravos.

Padre Zico era jovem. E inexperiente. Recém-saído do seminário, aquela seria sua primeira paróquia. No vagão, ao lado de poucos passageiros, procurava relembrar todos os rituais de etiqueta e convívio social que aprendera. Cumprimentar primeiro o prefeito, os vereadores, depois as damas. Manter sempre um sorriso de poucos dentes e semblante sereno e de poder. Sabia pouco de seu novo rebanho. O bispo fora muito vago nas informações. Cidade pequena, antiga colônia de escravos libertos. Enfim, almas boas. Dissera ainda alguma coisa sobre um pequeno sincretismo religioso que imperava no local. Quando quis saber mais a respeito, não obteve resposta. Ficou com a impressão de que Sua Excelência demonstrara certa pressa, talvez até mesmo um pequeno nervosismo. Atribuiu à sua própria inexperiência de jovem, demonstrando insegurança ante a primeira paróquia. Enfim, achou normal. Enquanto relembrava esse rápido encontro, pareceu-lhe ouvir o som intermitente de atabaques. Talvez algum músico da banda municipal, um pouco mais empolgado, afinando seu instrumento de percussão. Olhou pela janela enquanto o trem lentamente parava e viu... foi quando percebeu que fora nomeado não para uma paróquia, mas para um grande centro de umbanda.
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III.
A manhã fora longa. Primeiro o discurso de Mãe Lena. É bem verdade que ele não acompanhou o significado de palavras como “zurungudun e zurungunde”, mas pareceram-lhe palavras elogiosas à sua pessoa. Também não entendeu muito bem tanta referência ao grande “Pai Ubá”. Com certeza, reminiscências de alguma distante língua tribal. Uma coisa, contudo, ficou clara: Mãe Lena era a autoridade maior na cidade. Depois dela falou o prefeito, que lhe pareceu estar levemente embriagado. Ficar em pé sob o sol escaldante foi a prova mais difícil. Quando finalmente chegou sua vez, padre Zico falou pouco para uma platéia que reagia conforme ditava o corpo volumoso de Mãe Lena. Quando ela começou com alguns bocejos, sabiamente percebeu que era hora de interromper sua fala. No início da tarde, finalmente conseguiu ficar só para conhecer a nova morada. Igrejinha antiga, construída em pedras, com um pequeno quarto e cozinha num anexo. Quando entrou ali no final da manhã, conduzido por aquela improvisada procissão ainda ao ritmo dos atabaques, não conseguiu ver muita coisa. Agora fazia o reconhecimento. Nos fundos minúsculo quintal com uma horta bem cuidada. O quarto, com pequeno guarda-roupa, não era muito diferente de sua antiga cela no seminário. Foi quando desfazia a única mala que o viu pela primeira vez. Não precisou muito para sentir que ele era o dono do quarto. Com miados firmes, parecia acariciar as paredes, roçando aquele bolo de pêlos nelas. Imaginando tratar-se de um gato comum, enxotou-o batendo com os pés no chão. Em vão. Miando com certo desdém, de um salto empoleirou-se na antiga escrivaninha. Era seu velho dilema, sentia que os animais gostavam dele, embora o sentimento não fosse recíproco. Aliás, sempre se perguntava por que virara franciscano, já que nunca simpatizara muito com os amigos prediletos de São Francisco. Quando foi inspecionar melhor o interior da igreja, fez de conta que não o viu seguir na sua frente. O altar estava em perfeitas condições, toda a indumentária sagrada nos devidos lugares. Enquanto examinava uma estola corroída pelo tempo, foi surpreendido por um sonoro “- ‘tarde’, seu padre”.
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IV.
Surpreso, viu aquela figura retornando de um sono profundo no último banco. Barba de cinco anos e chinelão nos pés, idade de ancião, que logo lhe trouxeram à mente a figura de Antônio Conselheiro, por sinal filho daquela região. O gato logo pulou no mesmo banco, demonstrando tratar-se de amizade antiga.

- O povo daqui estava rezando muito pela sua chegada.
- Sei, sei – mas é melhor que nos apresentemos primeiro. Sou o padre Zico e estes bancos parece-me que foram feitos para os fiéis rezarem.
- Ah ! seu padre. Não leve a mal não, é que eu moro aqui. Fiquei cuidando da casa de Deus depois da partida do padre Bento. Mas pode ficar tranqüilo que nunca dormi naquela cama lá dentro. Faz mal para a minha coluna. Colchão muito macio. Sabe como são estas coisas. Prefiro dormir por aqui mesmo.
- Disse que mora aqui !? Na igreja ?
- É. O padre Bento deixava e Deus também nunca reclamou.
- Respeito com as coisas sagradas, por favor.
- Não falo por mal, seu padre, mas dizem que é a casa Dele, não é ?
- Tá bom, tá bom... Mas vamos dizer que agora Ele mudou de idéia. Não quer mais você nem o gato morando por aqui.
- Vai dar não, seu padre. Eu o Mialzão aqui somos do tempo do padre...
- Já sei, já sei. Do bondoso padre Bento.... Mas agora precisamos reorganizar as coisas. Além de ser alérgico a gatos, não gostaria de ter também o senhor morando em tempo integral em minha igreja.
- Sua não, seu padre. De Deus...
- Pois é. Mesmo assim, aqui é lugar para oração e não moradia.
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V.
Mialzão e Profeta – este era o nome do morador clandestino – eram daqueles que não tinham muita paciência para discutir sobre as propriedades de Deus na terra. Antes de terminar a conversa, um voltou a dormir, agora acompanhado pelo outro, no mesmo banco. Padre Zico, vendo que não tinha jeito, ignorou suas presenças e passou parte da tarde conferindo cada detalhe da bela igrejinha. Chamou sua atenção o fato de estar tudo estranhamente muito limpo e arrumado. Notou que até os canteiros da horta estavam bem cuidados, com várias hortaliças plantadas. Exausto, tinha decidido que sua primeira missa ali seria no dia seguinte, por ser domingo. Um forte cheiro de comida, vindo da pequena cozinha, lembrou-lhe que ainda não tinha pensado a respeito de sua logística doméstica. Qual foi sua surpresa quando deparou com o “morador” trajando enorme avental, com várias panelas já no fogão.

- Vejo que o senhor também se apossou de minha cozinha.
- Sua não, padre. De Deus. E estou cozinhando para o Mialzão. Às vezes ele permite que eu também coma com ele. Talvez hoje ele abra esta exceção para nós dois... vamos esperar para ver o seu humor.
- Sei. A propósito, quem vem cuidando tão bem das coisas por aqui ? Tudo tão limpo, tão organizado. E também tenho curiosidade em saber sobre a despensa, de onde vêm os mantimentos.
- Quem cuida das coisas de Deus por aqui sou eu, padre. E os gêneros alimentícios para as refeições de Mialzão vêm da prefeitura e da nossa pequena horta. Por falar nisso, amanhã preciso visitar o prefeito de novo. O azeite e toucinho de que o Mialzão tanto gosta estão pelo final.
- É, agora ele vai ter um convidado a mais diariamente, não é verdade ?
- Não sei, padre. Como disse, vai depender dele. Com essa conversa da tarde sobre isto ser de Deus, aquilo dos fiéis, aquilo outro do padre... Não sei não. Acho que ele deve ter ficado meio ofendido.
- Por falar nisso, não estou vendo o felpudo folgado por aqui. Será que ele levou minha recomendação a sério e já se mudou ?
- Fique tranqüilo, padre. Ele só aparece quando a mesa já está servida. É impaciente. Não gosta de esperar no pé do fogão como os outros gatos.
- Tá, tá. Já vi que minha alergia vai ter uma séria recaída para o futuro. Mas, apenas por curiosidade, qual é o cardápio do... como é mesmo o nome dele?
- Mialzão.
- É, qual o cardápio do Mialzão para hoje ?
- Rosbife, acompanhado de uma salada com legumes frescos e algumas gotinhas de vinho.
- Bom gourmet esse Mialzão. Vinho também via contrabando da prefeitura ?
- Não, padre. Vinho de Deus. Daquele bom mesmo. Ainda do estoque do falecido padre Bento. Mas, como o Mialzão anda bebendo um pouquinho a mais ultimamente, acho que nosso estoque vai durar pouco... Ainda mais agora, com um convidado a mais diariamente.

Quando o último talher foi posto na mesa, Mialzão materializou-se janela adentro. Rosnou para Profeta, miou com indiferença para o padre e foi direto para sua tigela de suculento rosbife, ao lado do fogão. Padre Zico não se conteve e começou a rir sozinho daqueles dois personagens. Verdade seja dita, o cozinheiro do gato conhecia bem de culinária.
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VI.
Enquanto jantavam, Mialzão, já saciado com duas pequenas tigelas cheias de rosbife, fazia a digestão dormindo embaixo da mesa. Padre Zico começou a observar então que Profeta tinha uma inquestionável sofisticação. Sabia lidar com destreza com os talheres, apanhava o guardanapo pela ponta correta, e – quando não estava satirizando – era eloqüente e com uma erudição que procurava ocultar. Mas não falou nada de sua vida pregressa. Apenas morava ali, era também o sacristão e responsável pelo convites para as missas. “Convite para as missas ?”. “É, padre, aqui é assim. As pessoas só vêm à igreja quando são convidadas. Têm outra fé, entende ?” “Não, e nunca tinha visto isso ! Quer dizer que amanhã cedo eles não virão à missa dominical ?”. “Só se forem convidados”. E foi o que aconteceu. Ou melhor, não aconteceu. A primeira missa de padre Zico ali foi celebrada apenas com a presença de Profeta, que atuou como sacristão. Mialzão postou-se em seu banco predileto e ali dormiu para não incomodar ninguém... nem ser incomodado. Mas outro fato intrigou o padre. A forma como Profeta atuava como sacristão. Era como se fosse alguém escondendo um grande treinamento com a prática litúrgica geral. Sabia cada movimento da ritualística. Vez ou outra parecia captar até as mínimas falhas cometidas pela inexperiência do celebrante. O problema da freqüência à missa logo se resolveu. Profeta encarregou-se de ser o embaixador junto a Mãe Lena, dizendo que aquele convite era permanente. Missas três vezes por semana e domingo cedo e à noite. Uma visita ao Terreiro foi cobrada de padre Zico, que ele sempre negou ter feito, mas que Profeta com sua sabedoria fez chegar ao conhecimento do mundo profano como tendo ocorrido. E os anos foram passando...
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VII.
Mialzão não abria mão de seus direitos. Não houve vassoura forte o suficiente para expulsá-lo dos pés da cama. Padre Zico, quando viu que não tinha jeito, cedeu. Não era como demonstração de amizade felina não. Apenas uma questão de direito adquirido. Sempre dormira ali, desde os tempos do padre Bento e não era agora que iria sair. Simples assim. E acabou sendo bom, pois com isso padre Zico descobriu que nunca tivera alergia a pêlos coisa nenhuma. Aliás, apegou-se tanto a Mialzão que, contava Profeta, chegava a sair pelas proximidades da igreja, à sua procura, nas noites em que ele não aparecia para o jantar. Profeta, embora muito a contragosto, acabou cedendo aos apelos do padre e passou a dormir num pequeno retirado, construído ao lado da cozinha. Mas nunca falava a seu respeito. Sempre respondia a essas perguntas com evasivas. Até que um dia foi surpreendido lendo um livro em latim enquanto cozinhava. Dizem que então, em confissão, afirmou se tratar de um bispo que encabeçara um cisma na igreja católica da França e, proscrito de sua pátria e do clero, exilara-se naquele local isolado de nosso país, onde fora recebido fraternalmente pelo bondoso padre Bento. Depois dessa revelação, Profeta viveu pouco tempo. Tempos depois, quando foi transferido de Bororó, padre Zico entrou no trem levando sua única mala e um gato muito velho embaixo do braço. Mialzão, apesar de desconfortável na coleira de pano improvisada por Mãe Lena, parecia feliz por não ser abandonado pelo amigo que cativara. E naquele dia os atabaques voltaram a tocar...

Fonte:
Academia de Letras de Maringá
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Hulda Ramos Gabriel (Casa da Saudade)

Em época não muito distante, uma casa foi construída na esquina de um quarteirão do bairro nobre de uma próspera cidade paranaense. Retratava todo o brilho e imponência do poder aquisitivo da família. A casa era palco do conto da vida real, comum de cada morador, onde crianças brincavam alegres desde o dia da mudança para casa nova, no apossar de cada um do seu aposento.

Carlos o irmão mais velho, de estilingue sempre pendurado no pescoço, representando toda a molecagem existente no bairro. Juntamente com outros moleques, procuravam armar as brincadeiras para depois que chegassem da escola. Como não podia deixar de ser, o Marcos, o irmão mais traquina dos três, engendrava as brincadeiras mais complicadas para se debandar o resto dia.

Logo pela manhã, no aposento de Carlos e Marcos que ficava com a janela virada para o lado do Sol nascente, pela fresta, um raio da luz atravessa o ambiente chegando até a porta. O intenso brilho reflete do piso de madeira ao alto do forro, trazendo beleza e encantamento ao lugar. No vai e vem dos meninos da sala de jantar ao aposento, na pressa de se arrumar para ir à escola, as roupas são espalhadas pelo chão atravessadas entre a luz e a sombra. Ouve-se ao longe a voz da mãe Júlia, recomendando para evitar a bagunça. Enquanto lá fora a passarada fazia a maior festa nos galhos da laranjeira. Da mesma forma que impera o amor na casa nova.

Gisela a bonequinha mais nova dos três irmãos, atrasada como sempre em se arrumar para ir à escola, brinca alheia em seu quarto menor com suas bonecas, não dando a mínima atenção para os chamados aflitos da mãe para se apressar. Em sua mente viaja para um mundo que só ela tem acesso juntamente com seus brinquedos.

Por conseqüência natural da vida, um bando de morcegos vieram morar no sótão da nova casa, entraram por um buraco tão pequeno que mal cabia o corpo macabro daqueles bichos que ao mesmo tempo, parecem pássaros. Pronto! Foi o suficiente para alvoroçar a molecada do bairro. O convite partiu do Marcos, que ao anoitecer viessem atirar pedras, sem parar, fazendo guerra aos morcegos. Sob o olhar de João, para que não quebrassem as vidraças, a perseguição foi tanta que os morcegos desistiram do novo esconderijo, batendo em retirada. Também os pardais eram vigiados para não se apossarem de algum pequeno buraco que pudessem achar na casa, e lá, construíssem seus ninhos.

Tudo era novidade para aqueles meninos cheios de saúde, que chegavam esfomeados das redondezas da Fazenda do Riacho, onde gostavam de ir para caçar tico-tico, causando terror à passarada. Gisela, muitas vezes integrava-se ao grupo de meninos com as demais irmãs dos amigos, realizando peripécias por dentro da rede de esgoto que estava sendo construída, chegando a se perder no túnel escuro. Enfim, achava saída.

A noite a resmungação era generalizada: todos queriam que a mãe ajudasse na tarefa escolar. Enquanto, o pai seu João ficava sentado numa cadeira próximo a porta de entrada, fumava um cigarro, depois de um dia cansativo de trabalho, em silencio observava o burburinho em volta da mesa, sem ajudar no ensino, mas não dava palpites. Todas as noites eram a mesma coisa, a meninada brincavam a tarde e deixava a tarefa para fazer a noite. Porém, durante o dia Júlia não podia ajudá-los pelo trabalho na casa grande.

Por ironia do destino, o tempo passou... os filhos da dona Júlia e do Seu João, cresceram. Já não havia mais ninguém para ensinar a tarefa. Seu João continuava sentado perto da porta todos os dias ao anoitecer. Mas a mesa estava vazia e, o silêncio reinava. E os filhos, onde estão? Partiram. Até a Gisela casou-se e foi embora, só deixou saudades. O Carlos e o Marcos também foram para longe com suas famílias. Vem ver os pais uma vez por ano, quando conseguem férias para viajar com a família. Dona Julia sente muita saudade dos filhos e dos netos. Mas o que fazer, o destino os levou. Ela pediu para Deus abençoar a vida de cada um.

Um dia Seu João também partiu. Ficou a saudade. Dona Júlia olha para o casarão silencioso, parece ouvir o barulho dos filhos, reclamando alguma coisa. Discutindo entre eles... Não. Não há mais ninguém. São apenas lembranças. Dona Júlia se recolheu em sua tristeza... na solidão. Passa os dias em companhia do pequeno Tigre, um cachorro vira-lata que por lá apareceu. É a companhia inseparável, que deita sobre seus pés quando está sentada na cadeira na varanda, vendo o tempo passar, com o pensamento vago no infinito, esperando sua hora chegar.
O casarão imponente do bairro nobre perdeu seu brilho, está envelhecido e abandonado. O silêncio reina absoluto. O tempo passou.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá
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Aninha Calijuri (O Grande Amor de Anitinha e Lazzini)

O calendário assinalava o ano de 1953.

Anitinha com apenas onze anos de idade e o Lazzini vinte anos mais velho que ela. Na cidadezinha onde residiam, o céu testemunhava aquele amor tão grande e parecido ao de Julieta e Romeu.

O Lazzini, que havia tido inúmeras namoradas, cantor, boêmio, de repente encontrara-se demasiadamente apaixonado pela menina, que a todos encantava pela sua sensibilidade. Ele confessava aos seus amigos mais íntimos que deixara de lado a boêmia, seu ritmo antigo de vida, para ser feliz com sua namoradinha tão criancinha, sua paixãozinha!

Certa vez, numa noite linda, um baile abrilhantava a Festa de Formatura dos alunos daquele tradicional Colégio. O Lazzini era cantor da famosa Orquestra de uma cidade paulista, que percorria várias cidades do Brasil. Pelo fato de ser ele cantor, ser bem mais velho que ela e haver tido muitas namoradas, o pai dela era desesperadamente contra aquele namoro, ainda mais por ela contar somente com onze anos.

Naquele único Clube da cidadezinha, o baile avançava pela noite adentro. Anitinha sabia que lá ele estaria cantando com sua Orquestra. A tia dela, então, levara-a ao Clube. Ele, no palco cantando, não tirava os olhos daquela mesa, onde ela estava ao lado de sua tia Maria.
Aquela noite foi uma triste despedida, porque no dia seguinte, logo de manhã, o Lazzini e sua família estariam seguindo de mudança, para o interior do Rio de Janeiro. Ele prometera-lhe que voltaria sempre para revê-la... Assim passaram-se oito anos!...
*******

Na nova cidade, onde ela passara a residir, juntamente com sua família, no primeiro semestre do ano de1961, ela já estava com dezenove anos, quando pela vez primeira, ele pisara aquele chão e, também a última!...

- Anitinha, jamais irei esquecê-la, porque você é a minha pequenina namorada, uma Julieta tão criancinha. Sei que nunca mais conhecerei alguém tão doce igual a você! (Ela realmente era doce e meiga e o tempo encarregara-se de mudar bastante aquele belo aspecto).
- Lazzini, com o coração partido, deixo-o, porque meu pai não simpatiza com você e assim, com essa barreira enorme, jamais conseguiremos ser felizes.

Havia lágrimas nos olhos dele e nos olhos dela. Os olhos dele de cantor romântico, sensível, pleno de esperanças, que durante aqueles oito anos ofertara-lhe flores, cartões coloridos e cartas apaixonadas, perdera naquele momento todo o brilho. Ele, que nascera numa cidade do Estado de Minas Gerais e, menino ainda chegara com sua família ao Norte do Paraná, encontrara-se naquele momento, com seu semblante tomado de imensa tristeza.

O rosto de Lazzini (parecido com o rosto do cantor Plácido Domingo), o rosto de Lazzini, tão amado por ela, a paixão dele por ela, o Tempo encarregara-se de guardar, no mais profundo e refrigerado verde recanto da alma dela!... Nunca, jamais alguém a amaria daquela maneira. Como ele adorava aquela menininha!...

A primeira mão de um homem em sua mãozinha, fora a do Lazzini. O primeiro abraço de um homem, em seus delicados braços, fora o do Lazzini. E o primeiro beijo de um homem, nos lábios dela tão doces, fora o do Lazzini.

- Anitinha, minha menina meiga, doce flor, nosso amor é igual ao de Julieta e Romeu. É terrível estarmos separando-nos hoje. É uma dor lancinante. Ouça bem, nunca acabarei por unir-me a outra mulher, porque creio firmemente que, se um dia, você decidir-se chamar-me de volta, quero estar totalmente livre para você!

A partir do ano de 1961, quarenta e cinco anos passaram-se. No silêncio da alma dela, seus pedidos de perdões como em preces para ele. - Perdoa-me, Lazzini, meu querido cantor tão amado, meu primeiro namorado, meu único e verdadeiro grande amor, perdoa-me, por deixá-lo um dia! Ainda estou a ouvi-lo no longe do Tempo, cantando as famosas canções: “Caminhemos”, “Mis noches sin ti”, “El dia que me quieras”!... Saiba querido Lazzini, as minhas doçuras, meiguices guardadas, estão no mais profundo de meu âmago. Perdoa-me, meu querido cantor, porque é bem verdade que nunca mais alguém me amará como você me amou! Por essa razão, minha doçura e minha meiguice, estão bem escondidinhas, no cantinho especial, precioso de meu coração!...

*******

Vésperas de maio de 2006. O Tempo passara demais. Onde estaria o Lazzini, na hora presente? Será que ele já terá partido para o Outro Lado da Vida, deixando terrivelmente órfã a alma dela?... Ou será que ainda vive?... Estará só ou com alguém?...

Dizia para si mesma que aquele sonho lindo de unir-se a ele nunca se realizaria!... E ela sabia que morrera imensamente, por dentro de sua alma, naquele dia tão triste, quando se separaram para sempre!...
- Oh, Lazzini, meu primeiro namorado, meu único e verdadeiro amor!...

Sim, são lembranças que a Vida não desfaz e ao redor dela, apenas subsiste o vazio, da grande ausência dele. Só restara para ela, lágrimas, muitas para chorar!... Chorar demais e desconsoladamente!... E apesar de tudo saber que Amanhã será um outro dia e ela tem que forçosamente continuar vivendo. Assim é a Vida!... Mas também, por outro lado, mesmo dentro de todas as machucaduras em seu coração, a plena certeza do amor dele, naquela época, já bem distante. Como ele a amara!... Aquela verdade tão rica acompanha-a, porque não houve somente perdas. Ele amara-a muito! E isso é tudo para Anitinha!...

Fonte:
Academia de Letras de Maringá
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Agenir Leonardo Victor (Amor de um poeta)

O amor de um poeta é como as estrelas,
que possuem sua própria luz, a iluminar
o espaço do mundo.
Sonha em abraçar o luar
numa noite de inverno.
Lágrimas rolam em meu rosto...
O palhaço, que chora no picadeiro do destino,
faz transparecer em seu semblante
as angústias e preocupações, e tenta
fugir mesmo quando elas o perseguem.
Ama o belo e exalta com carinho
a flor da inocência.
Planta paz nos corações machucados
e faz nascer na humanidade um canto de saudade.
Procura resplandecer na
primavera da vida raios de luz
a brilhar no coração a flor da esperança.
É na inocência de criança que brota
em seu ser o perfume que enobrece
e ajuda a viver.
Paira muitas vezes com o destino incerto,
e leva consigo as marcas do tempo que
não volta mais.
Seus sentimentos são como vento
a balançar as folhas das árvores e acariciar
os cabelos embaraçados que esvoaçam pelo ar.
Entre poesias e sonhos, luta contra
os preconceitos e as injustiças.
Fala do amanhã num gesto de preocupação.
Sonha com o futuro e recorda o passado,
num soluço de dor.
Na certeza de um novo amanhã
sempre tendo como sua maior arma, o amor,
somente o amor.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá
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Lygia Fagundes Telles (A chave na porta)

A chuva fina. E os carros na furiosa descida pela ladeira, nenhum táxi? A noite tão escura. E aquela árvore solitária lá no fim da rua, podia me abrigar debaixo da folhagem mas onde a folhagem? Assim na distância era visível apenas o tronco com os fios das pequeninas luzes acesas, subindo em espiral na decoração natalina. Uma decoração meio sinistra, pensei. E descobri, essa visão lembrava uma chapa radiográfica revelando apenas o esqueleto da árvore, ah! tivesse ela braços e mãos e seria bem capaz de arrancar e atirar longe aqueles fios que deviam dar choques assim molhados.

— Quer condução, menina?

Recuei depressa quando o carro arrefeceu a marcha e parou na minha frente, ele disse menina? O tom me pareceu familiar. Inclinei-me para ver o motorista, um homem grisalho, de terno e gravata, o cachimbo aceso no canto da boca. Mas espera, esse não era o Sininho? Ah! é claro, o próprio Sininho, um antigo colega da Faculdade, o simpático Sininho! Tinha o apelido de Sino porque estava sempre anunciando alguma novidade. Era burguês mas dizia-se anarquista.

— Sininho, é você!

Ele abriu a porta e o sorriso branquíssimo, de dentinhos separados.

— Um milagre, eu disse enquanto afundava no banco com a bolsa e os pequenos pacotes. Como conseguiu me reconhecer nesta treva?

— Estes faróis são poderosos. E olha que já lá vão quarenta anos, menina. Quarenta anos de formatura! Aspirei com prazer a fumaça do cachimbo e que se misturava ao seu próprio perfume, alfazema? E não parecia ter envelhecido muito, os cabelos estavam grisalhos e a face pálida estava vincada mas o sorriso muito claro não era o mesmo? E me chamava de menina, no mesmo tom daqueles tempos. Acendi um cigarro e estendi confortavelmente as pernas, mas espera, esse carrão antiquado não era o famoso Jaguar que gostava de exibir de vez em quando?

— O próprio.

Fiquei olhando o belo painel com o pequeno relógio verde embutido na madeira clara.

— Você era rico e nós éramos pobres. E ainda por cima a gente lia Dostoievski.

— Humilhados e ofendidos!

Rimos gostosamente, não era mesmo uma coisa extraordinária? Esse encontro inesperado depois de tanto tempo. E em plena noite de Natal. Contei que voltava de uma reunião de amigos, quis sair furtivamente e para não perturbar inventei que tinha condução. Quando começou a chuva.

—Acho essas festas tão deprimentes, eu disse.

Ele então voltou-se para me ver melhor. Dei-lhe o meu endereço. No farol da esquina ele voltou a me olhar. Passou de leve a mão na minha cabeça mas não disse nada. Guiava como sempre, com cuidado e sem a menor pressa. Contou que voltava também de uma reunião, um pequeno jantar com colegas mas acrescentou logo, eram de outra turma. Tentei vê-lo através do pequeno espelho entortado, mas não era incrível? Eu me sentir assim com a mesma idade daquela estudante da Academia. Outra vez inteira? Inteira. E também ele com o seu eterno carro, meu Deus! na noite escura tudo parecia ainda igual ou quase. Ou quase, pensei ao ouvir sua voz um tanto enfraquecida, rateando como se viesse de alguma pilha gasta. Mas resistindo.

— Quarenta anos como se fossem quarenta dias, ele disse. Você usava uma boina.

— Sininho, você vai achar isso estranho mas tive há pouco a impressão de ter recuperado a juventude. Sem ansiedade, ô! que difícil e que fácil ficar jovem outra vez.

Ele reacendeu o cachimbo, riu baixinho e comentou, ainda bem que não havia testemunhas dessa conversa. A voz ficou mais forte quando recomeçou a falar em meio das pausas, tinha asma? Contou que depois da formatura foi estudar na Inglaterra. Onde acabou se casando com uma colega da universidade e continuaria casado se ela não tivesse inventado de se casar com outro. Então ele matriculou o filho num colégio, tiveram um filho. E em plena depressão ainda passou por aquela estação no inferno, quando teve uma ligação com uma mulher casada. Um amor tão atormentado, tão louco, ele acrescentou. Vivemos juntos algum tempo, ela também me amava mas acabou voltando para o marido que não era marido, descobri mais tarde, era o próprio pai.

— O pai?!

— Um atroz amor de perdição. Fiquei destrambelhado, desandei a beber e sem outra saída aceitei o que me apareceu, fui lecionar numa pequena cidade afastada de Londres. Um lugar tão modesto mas deslumbrante. Deslumbrante, ele repetiu depois de um breve acesso de tosse. Nos fins de semana viajava para visitar o filho mas logo voltava tão ansioso. Fiquei muito amigo de um abade velhíssimo, Dom Matheus. Foi ele que me deu a mão. Conversávamos tanto nas nossas andanças pelo vasto campo nas redondezas do mosteiro. Recomecei minhas leituras quando fui morar no mosteiro e lecionar numa escola fundada pelos religiosos, meus alunos eram camponeses.

— Você não era ateu?

— Ateu? Era apenas um ser completamente confuso, enredado em teias que me tapavam os olhos, os ouvidos... Fiquei por demais infeliz com o fim do meu casamento e não me dei conta disso. E logo em seguida aquele amor que foi só atormentação. Sofrimento. Aos poucos, na nova vida tão simples em meio da natureza eu fui encontrando algumas respostas, eram tantas as minhas dúvidas. Mas o que eu estou fazendo aqui?! me perguntava. Que sentido tem tudo isto? Ficava muito em contato com os bichos, bois. Carneiros. Fui então aprendendo um jogo que não conhecia, o da paciência. E nesse aprendizado acabei por descobrir... (fez uma pausa) por descobrir...

Saímos de uma rua calma para entrar numa travessa agitada, quase não entendia o que ele estava dizendo, foi o equilíbrio interior que descobriu ou teria falado em Deus?

— Depois do enterro de Dom Matheus, despedi-me dos meus amigos, fui buscar meu filho que já estava esquecendo a língua e voltei para o Brasil, a gente sempre volta. Voltei e fui morar sabe onde? Naquela antiga casa da rua São Salvador, você esteve lá numa festa, lembra?

— Mas como podia esquecer? Uma casa de tijolinhos vermelhos, a noite estava fria e vocês acenderam a lareira, fiquei tão fascinada olhando as labaredas. Me lembro que quando atravessei o jardim passei por um pé de magnólia todo florido, prendi uma flor no cabelo e foi um sucesso! Ah, Sininho, voltou para a mesma casa e este mesmo carro...

Ele inclinou-se para ler a tabuleta da rua. Empertigou-se satisfeito (estava no caminho certo) e disse que os do signo de Virgem eram desse jeito mesmo, conservadores nos hábitos assim no feitio dos gatos que simulam um caráter errante mas são comodistas, voltam sempre aos mesmos lugares. Até os anarquistas, acrescentou zombeteiro em meio de uma baforada.

Tinha parado de chover. Apontei-lhe o edifício e nos despedimos rapidamente porque a fila dos carros já engrossava atrás. Quis dizer-lhe como esse encontro me deixou desanuviada mas ele devia estar sabendo, eu não precisava mais falar. Entregou-me os pacotes. Beijei sua face em meio da fumaça azul. Ou azul era a névoa?

Quando subia a escada do edifício, dei por falta da bolsa e lembrei que ela tinha caído no chão do carro numa curva mais fechada. Voltei-me. Espera! cheguei a dizer. E o Jaguar já seguia adiante. Deixei os pacotes no degrau e fiquei ali de braços pendidos: dentro da bolsa estava a chave da porta, eu não podia entrar. Através do vidro da sua concha, o porteiro me observava. E me lembrei de repente, rua São Salvador! Apontei para o porteiro os meus pacotes no chão e corri para o táxi que acabava de estacionar.

— É aqui! Quase gritei assim que vi o bangalô dos tijolinhos. Antes de apertar a campainha, fiquei olhando a casa ainda iluminada. Não consegui ver a garagem lá no fundo, mergulhada na sombra mas vislumbrei o pé de magnólia, sem as flores mas firme no meio do gramado. Uma velhota de uniforme veio vindo pela alameda e antes mesmo que ela fizesse perguntas, já fui me desculpando, lamentava incomodar assim tarde da noite mas o problema é que tinha esquecido a bolsa no carro do patrão, um carro prateado, devia ter entrado há pouco. Ele me deu carona e nessa bolsa estava a minha chave. Será que ela podia?...

A mulher me examinou com o olhar severo. Mas que história era essa se o patrão nem tinha saído e já estava até se recolhendo com a mulher e os gêmeos? Carro prateado? Como esqueci a bolsa num carro prateado se na garagem estavam apenas os carros de sempre, o bege e o preto?

— Decerto a senhora errou a casa, dona, ela disse e escondeu a boca irônica na gola do uniforme. Em noite de tanta festa a gente faz mesmo confusão...

Tentei aplacar com as mãos os cabelos que o vento desgrenhou.

— Espera, como é o nome do seu patrão?

— Doutor Glicério, ora. Doutor Glicério Júnior.

— Então é o pai dele que estou procurando, estudamos juntos. Mora nesta rua, um senhor grisalho, guiava um Jaguar prateado...

A mulher recuou fazendo o sinal-da-cruz:

— Mas esse daí morreu faz tempo, meu Deus! É o pai do meu patrão mas ele já morreu, fui até no enterro... Ele já morreu!

Fechei o casaco e fiquei ouvindo minha voz meio desafinada a se enrolar nas desculpas, tinha razão, as casas desse bairro eram muito parecidas, Devo ter me enganado, é evidente, fui repetindo enquanto ia recuando até o táxi que me esperava.

O motorista tinha o rádio ligado numa música sacra. Pedi-lhe que voltasse para o ponto.

Já estava na escada do edifício quando o porteiro veio ao meu encontro para avisar que um senhor tinha vindo devolver a minha bolsa:

— Não é esta?

Fiz que sim com a cabeça. Quando consegui falar foi para dizer, Ah! que bom. Abri a bolsa e nela afundei a mão mas alguma coisa me picou o dedo. Fiz nova tentativa e dessa vez trouxe um pequeno botão de rosa, um botão vermelho enredado na correntinha do chaveiro. Na extremidade do cabo curto, o espinho. Pedi ao porteiro que depois levasse os pacotes e subi no elevador.

Quando abri a porta do apartamento tive o vago sentimento de que estava abrindo uma outra porta, qual? Uma porta que eu não sabia onde ia dar mas isso agora não tinha importância. Nenhuma importância, pensei e fiquei olhando o perfil da chave na palma da minha mão. Deixei-a na fechadura e fui mergulhar o botão no copo d'água. Agora desabrocha! pedi e toquei de leve na corola vermelha.

Debrucei-me na janela. Lá embaixo na rua, a pequena árvore (parecida com a outra) tinha a mesma decoração das luzes em espiral pelo tronco enegrecido. Mas não era mais a visão sinistra da radiografia revelando na névoa o esqueleto da árvore, ao contrário, o espiralado fio das pequeninas luzes me fez pensar no sorriso dele, luminoso de tão branco.

Fonte:
Invenção e Memória. RJ: Editora Rocco, 2000, pág. 89. Disponível em http://www.releituras.com/