sábado, 11 de janeiro de 2014

Aluízio Azevedo (Vida Literária) Gasparoni

Ora, até que afinal apareceu um livro de literatura amena. E' o primeiro que surge depois que O Combate existe.
 
CONTOS DE UM DILETTANTI
por Alexandre Gasparoni

Seja benvindo!

O autor é um bom rapaz, simpático e honesto; inteligente e trabalhador, que, em vez de dar as suas horas de descanso à pândega ou à preguiça, entendeu de aproveitá-las escrevendo contos para diversas folhas; e agora, depois de reuni-las em volume, oferece-os ao público.

Como declara logo no prólogo, o Sr. Gasparoni não tem pretensões artísticas e não tem filiação literária. Faz contos, como o Sr. Taunay faz música e como o espirituoso escritor França Júnior fazia pintura, por gosto, para matar o tempo e divertir os amigos.

Nada mais natural e mais de direito. Eu, porém, é que não vou com semelhante sistema. A arte é cousa muito séria e respeitável para ser cultivada assim, nas horas vagas, descansando de outros trabalhos.

A vida inteira de um artista é muito pouco ainda para a sua obra. Na arte, seja literatura, música, pintura ou estatuária, não há meios termos - ou é arte ou não é arte!

Se é arte pertence ao público, pertence à nação, pertence ao mundo, se não é arte pertence ao dono ou dona da prenda, e não deve sair de casa do autor; deve ficar na sala de visitas, sobre os consolos, entre os bibelots e os bordados da família.

Se é arte, pertence à crítica que a julgará, sem nunca tirar nem pôr do seu merecimento. Forte, ela atravessará os séculos, marcando eternamente na história a época em que veio ao mundo; fraca, morrerá logo ao nascer, desconhecida de todos e esquecida até pelo próprio autor.

A arte é honesta e só se entrega a quem a ama mediante rigoroso casamento. Não quer amantes passageiros. É egoísta e cruel: não admite que o seu idólatra volva uni só momento os olhos para outro ideal; quer que ele se dê todo inteiro, todo de corpo, todo de alma; quer beber-lhe a existência, gota a gota, instante a instante, até deixá-lo totalmente vazio, seco, inutilizado para todas as outras aspirações da vida.

O artista não vive: o artista trabalha. O artista não descansa: o artista pensa. Deitado, passeando, comendo, enquanto as mãos deixaram o pincel, ou o escopro ou a pena, o pensamento continua a executar a obra interrompida.

Dormindo, ele trabalha ainda. Não é raro vê-lo levantar-se ao meio da noite, no meio do sono, e, esquecido da mulher que tem ao lado na cama, ir, como um sonâmbulo, acender a vela e correr ao seu quadro, ou à sua estátua, ou ao seu poema, para modificar uma linha ou corrigir uma frase.

A obra concebida nestas condições, o filho legítimo dessa união indissolúvel do artista com n sua arte estremecida, não pede desculpas quando aparece, nem aparece ao público enquanto não se sente capaz de impor a sua passagem.

A arte nunca deve pedir; deve sempre surgir de pé, armada e pronta, altiva, superior, e seguir tranquilamente o seu destino, sem olhar para trás, nem para os lados, nem para o chão.

Como, por conseguinte, aceitar, no prólogo de um livro de contos, esta confissão do autor: "Sou apenas um dilettanti" o que quer dizer: "não sou um artista; não sou um escritor"?

Mas, valha-me Deus! se não é escritor, não escreva! Se não é pintor, não pinte! Se não é flautista, para que se mete a tocar flauta fora de casa, em concertos públicos?

Isto faz-me lembrar certos quadros que às vezes se expõem por aí com esta declaração por baixo: "O autor não aprendeu desenho!"

Como se fosse preciso semelhante declaração, quando o quadro aí está para não deixar dúvidas a esse respeito.

E, no entanto, a declaração mais necessária não a faz o autor, explicando por que diabo é que ele pinta e expõe quadros, tendo consciência de que não está habilitado para isso.

Mas o Sr. Gasparoni, apesar de pregar por debaixo do seu quadro um letreiro em que declara não passar de simples dilettanti despretensioso e sem preocupação de escolas literárias, diz-nos também que, para escrever, se inspirou "na encantadora simplicidade de linguagem destes três mestres da literatura francesa: Alfonse Daudet, Guy de Maupassant e Paul Bourget".

E' caso para dizer: Bem lembrado! Unicamente convém notar que a chamada simplicidade desses três escritores parisienses, que nada têm de comum com as nossas letras, é resultado de muita arte, de muito esforço e de longos anos de trabalho e de estudo.

Qualquer desses três artistas para alcançar essa bela simplicidade sedutora, de que fala o Sr. Gasparoni, deu em troca, durante uma vida de calceta, tudo o que de melhor possuíam: a sua força cerebral e a sua força física. Daudet está moribundo em conseqüência de esgotamento nervoso, e Maupassant está perdido e louco para sempre; de Bourget nada me consta por enquanto, mas não dou muito pela integridade dos seus músculos e dos seus nervos.

Tome cuidado o Sr. Gasparoni e mude de mestres enquanto é tempo! Além de que, não há necessidade de pedir esmolas à literatura francesa, tendo a quem recorrer na própria, e até aqui mesmo, em nossa querida pátria. Volva o Sr. Gasparoni as vistas para Machado de Assis, para Lúcio de Mendonça, para Raul Pompéia, para Artur Azevedo e para os nossos outros bons narradores de contos e me dirá se o engano!

E é isso principalmente o que não perdôo ao estimável autor dos Contos de um dilettanti, é a sua pretensão de ser discípulo daqueles três escritores franceses. Não perdôo, porque além de tudo, não é verdade. O seu livro, onde figuram mulatinhas parafinas, das que gostam de ser beliscadas na festa da Glória, e de primos Jojocas, nenhum parentesco tem com a doentia, preciosa e amorfinada literatura parisiense; o seu livro é um netinho franzino dos nossos velhos e engraçados escritores; descendo do Pena, do Mace do, do França Júnior, e um pouco também do diletantismo alegre e burguês de Ferreira de Araújo.

Que isso que fica dito não seja traduzido por má vontade contra o autor; que sirva antes para lhe chamar o apetite de trabalhar forte e rijo nas letras, porque no seu livro há revelações de bons qualidades, que, uma vez cultivadas a sério, podem desabrochar em trabalho de arte.

Será com o maior prazer que um belo dia, falando de Alexandre Gasparoni, em vez de "Bom rapaz", tenha eu que dizer "Bom escritor".

O comércio e a bolsa perderão um dos seus agentes mais esperançosos, mas as letras pátrias rejubilarão de gozo.

O Combate, 12 de março de 1892.

Fonte:
Biblioteca Virtual de Literatura
Imagem = Aluizio de Azevedo, por William Medeiros

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Arlindo Tadeu Hagen (Saudade... Eterna Saudade)


2º Concurso da UBT de San António/Texas (Resultado Final)

Tema: Honestidade
para Trovadores Brasil e Portugal

TROFÉU A. A. DE ASSIS

Vencedores:

 1º Lugar


Para viver sigo o rastro
dos que acreditam e entendem,
que a honestidade é o lastro
dos homens que não se vendem.
MESSIAS DA ROCHA

2º Lugar


Durante a candidatura,
honestidade é bandeira.
Eleito, nova postura:
mostra a face verdadeira.
EDWEINE LOUREIRO DA SILVA

3º Lugar


Sonho um mundo diferente
em que sempre a Humanidade
possa  vestir toda gente,
com traje de Honestidade! ....
IVONE TAGLIALEGNA PRADO

4º Lugar


Seria o viver bem doce
sem o amargo da maldade,
se toda ação do homem fosse
pautada na honestidade!...
LUCILIA TRINDADE DE CARLI

5º Lugar


Valorize a honestidade
e guarde a lição de cor:
quem fala sempre a verdade
constrói um mundo melhor.
OLYMPIO DA CRUZ SIMÕES COUTINHO

Menção Honrosa

1º Lugar


HONESTIDADE é a conduta
de quem escolhe na vida
a liberdade, absoluta,
de andar de cabeça erguida.
 WANDIRA FAGUNDES QUEIROZ

2º Lugar


Agir com honestidade,
sem pecha de hipocrisia
é princípio, na verdade,
de muita sabedoria.
JOSEL HIRENALDO

3º Lugar


Só quem respeita a verdade
pode mesmo compreender
que agir com honestidade
é ter paz para viver!
GLÓRIA TABET MARSON

4º Lugar


De olhos nos olhos, sem pressa,
cumprimenta os teus Irmãos,
que a honestidade começa
já nesse aperto de mãos!
CAROLINA RAMOS
 
5º Lugar


Quem fala sempre a verdade
cultiva em seu coração
um rosal de honestidade
que o conduz à perfeição.
MARINA VALENTE

Menção Especial

1º Lugar
 

Honestidade, na essência,
é compostura, altivez,
é ter verdade, decência,
ter probidade, honradez!
FABIANO DE CRISTO MAGALHÃES WANDERLEY

2º Lugar
 
Ergo os olhos para o céu
e agradeço, de verdade,
pois eu tiro meu chapéu
em louvor à honestidade.
  DARI PEREIRA

3º Lugar


Se quer ter felicidade
e na vida se dar bem,
haja com honestidade
não prejudique ninguém.
 IGNEZ FREITAS FONSECA

4º Lugar


Que eu ponha, na honestidade,
a minha razão de ser,
fazendo da dignidade
o orgulho do meu viver!
DELCY CANALLES

5º Lugar


Hoje em dia, a honestidade
é difícil de encontrar
pois a tal impunidade
tem ensinado a roubar.
CECY BARBOSA CAMPOS

 Trovas Destaque


Não é somente a fartura
que faz rica a sociedade.
– É o alto grau de cultura,
sobretudo a honestidade.
A. A. DE ASSIS

A liberdade prospera
onde existe honestidade.
Muito mais que uma quimera,
ela é a expressão da verdade.
 AGOSTINHO RODRIGUES

Longe de todas as críticas,
feliz a sociedade,
se o Governo tem políticas
pautadas na honestidade.
DODORA GALINARI

 Unir laços de irmandade
entre todas as nações
se faz com honestidade
na mais grata das missões!
ABILIO KAC

De que vale ter riqueza,
no lodo da improbidade ?
O tesouro da pobreza
¡é a joia da honestidade !
ALBA HELENA CORRÊA

Se naquela ou nesta idade,
tanto fez ou tanto faz;
vale sempre a Honestidade
no tempo que a vida traz.
 JOSE CACILDO

 O homem, ainda..., sonha
com um "mundo de verdade",
onde não haja a vergonha
de se ter a honestidade!!!
ROBERTO TCHEPELENTYKY

Toda honestidade tem
o grande e forte poder
que faz o brio de alguém
bom crédito merecer.
RUTH FARAH NACIF LUTTERBACK
 

Vendo em crise a honestidade,
lanço ao mundo o meu protesto,
ensinando à mocidade:
- Morra pobre,... mas honesto!!!
ERCY MARIA MARQUES DE FARIA

 Viver com honestidade
enobrece o cidadão...
Pois quem vive na verdade
tem amor no coração.
NEIVA FERNANDES

 A “ erosão “, em andamento,
compromete a humanidade:
- Honestidade é o “cimento “,
que dá liga à sociedade...
DARLY O.BARROS

 A honestidade devia
ser integrante do ser,
ela nos traz alegria
e faz feliz o viver!
GISLAINE CANALES

 Sendo a ganância o defeito
que seduz a humanidade
merece grande respeito
quem conserva a honestidade.
ARGEMIRA FERNANDES MARCONDES

 Dos atos de honestidade
brota uma íntegra pessoa
que expande com dignidade
os valores que apregoa.
MARIA CRISTINA CACOSSI CAPODEFERRO

 Quando ajustamos o passo
com o próximo, primeiro,
honestidade é o abraço
da paz com o travesseiro.
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA

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Comissão Julgadora para 2º Concurso Internacional de la UBT de San António  Texas-2013-
Tema: HONESTIDADE- para Trovadores Brasil e Portugal
Dorothy Jansson Moretti
José Lucas de Barros
Amilton Maciel Monteiro
Clênio Borges
Alice Brandão
Ari Santos de Campos
Thalma Tavares

Fonte:
Messias da Rocha

Irmãos Grimm (A Duração da Vida)

Quando Deus tinha criado o mundo e decidiu fixar o tempo de vida de cada criatura, o asno veio e perguntou:

— Senhor, quanto tempo viverei?

— Trinta anos, Deus respondeu, isso está bom para você?

— Ah, Senhor, respondeu o asno, — isso é muito tempo. Pense na minha existência penosa! Carregando cargas pesadas de manhã até a noite, arrastando sacos de milho até o moinho, para que outros possam comer o pão, não ser consolado ou reanimado com nada exceto com socos e pontapés. Liberte-me de uma parte desta longa vida.

Então Deus teve piedade dele e o libertou de dezoito anos. O asno saiu consolado e o cachorro apareceu.

— Quanto tempo gostarias de viver?, disse Deus a ele.

— Trinta anos é muito tempo para o asno, mas tu ficarias contente com isso?

— Senhor, respondeu o cachorro, - seria essa vossa vontade? Leve em consideração como terei de correr, meus pés não aguentariam tanto tempo, e quando eu tiver perdido a minha voz de tanto latir, e meus dentes de tanto comer, o que restará para eu fazer, a não ser correr de um canto para outro, e ficar rosnando?

Deus viu que ele tinha razão, e o libertou de doze anos de vida.

Em seguida veio o macaco, — Tu certamente viverás trinta anos com alegria? Disse o Senhor a ele. Não tens necessidade de trabalhar como o asno e o cachorro precisam fazer, e sempre estarás feliz contigo mesmo;

— Ah!, Senhor, respondeu ele, — pode ser que esse pareça ser o meu caso, mas é totalmente diferente. Quando sobra mingau, eu não tenho colher. Devo sempre brincar alegremente, e fazer caretas para que as pessoas riam, e se eles me dão uma maçã, e eu a mordo, ela é sempre azeda! Quantas vezes a tristeza se oculta por trás da alegria! Jamais conseguirei suportar trinta anos.

Como Deus teve muita pena do macaco, lhe tirou dez anos.

Finalmente o homem apareceu, alegre, saudável e vigoroso, e pediu a Deus que lhe dissesse quanto tempo iria viver.

— Viverás trinta anos, disse o Senhor. — Isso basta para ti?

— Porquê um tempo tão curto, reclamou o homem, — quando eu tiver construído a minha casa e o meu fogo estiver queimando na minha própria lareira; quando eu tiver plantado árvores que florescem e dão frutos, e estiver pretendendo desfrutar a minha vida, eu tenho de morrer! Oh, Senhor, aumente o meu tempo.

— Eu te darei os dezoito anos que o asno recusou, disse Deus.

— Isso é pouco, respondeu o homem. — Terás então os doze anos do cachorro.

— Ainda é muito pouco!

— Bem, disse Deus, — eu te darei também os dez anos do macaco, porém, mais que isso não será possível.

O homem foi embora, mas não estava satisfeito.

É por isso que o homem vive setenta anos. Os primeiros trinta anos são os anos que Deus lhe deu, os quais passam rápido; depois ele fica saudável, feliz e trabalha com prazer, e tem alegria em viver.

Depois seguem-se os dezoito anos do asno, quando uma carga atrás da outra é posta sobre ele, ele precisa levar o milho que alimenta os outros, e tapas e pontapés são a recompensa por seus serviços de fidelidade.

Depois vem os doze anos do cachorro, quando ele fica num canto, resmunga e não tem mais dentes para comer, e decorrido este tempo os dez anos do macaco terminam sua vida.

Nesse período, o homem é fraco da cabeça e tolo, comete doidices, e imita os gestos das crianças.

Fonte:
Wikipedia

Hernando Feitosa Bezerra Chagall (Cantares) X

URBANOS

O silêncio nos ensina
Que o caos
É nossa rotina.

PROVOCAÇÃO
 

Cultivo inimigos
Porque deles retiro
A veracidade do ser humano.

POR QUÊ?

Sabendo-se a razão do meu desejo
Teu corpo foge a galope
Dos meus beijos.

QUESTIONS
 

Acabamos nos esquecendo
De que somos perguntas
Que a vida vai respondendo.

BOOOMMM!
 

Falar é bom
Calar é om
Amar é mmmmm...

PAZ

O sol equilibra o dia.
O fôlego sustenta a vida.
À noite é melhor amar.

BOÊMIOS

Rua lua bar...
Para alguns, boêmia;
Para muitos, lar.

POETA
 

É poeta
Aquele que colhe sol
Num simples brilho de luar.

DOCE LOUCURA

Amar é um risco louco
Traçado no caminho de poucos
E felizes “anormais”.

PIETÁ

A sensibilidade muitas vezes
Transforma pedra bruta
Em reluzentes deuses.

TEMPESTADE

Relâmpagos avisam
É hora de arrumar
Os móveis do céu.

HÁ! HÁ! HÁ!

A vida cria abismos
Quando destruímos
A antiga ponte do humor.

FUGAZ

Se a fuga
For inevitável
Fuja com Bach.

HUMANOS
 

Aos sonhadores o viço das flores
Aos racionalistas
O cadáver da florista.

ENGANO
 

Pensei ter visto
Um sinal verde
No brilho dos teus olhos.

LIBERDADE

Mãos postas, educação imposta
Porta transposta
Como é bom voar!!!

OURIVES

Enquanto palavras inúteis
Prometiam-me tesouros eu lapidava
Um silêncio de ouro.

VELHO
 

Quem não muda
Não cresce
Estagnado apodrece.

MATEMÁGICA

Amar conta salutar
Onde a gente soma e divide
Para se multiplicar.

E = M.C

Depois de Einstein
Tudo
É relativo.

HANGAR

O pensamento parado movimenta
Um sentimento abandonado
Na tormenta.

PINÓQUIO

E agora o que faço
Com esse sorriso triste
Esculpido na minha cara de pau?

ULTRALEVE
 

Vi uma criança com o crucifixo na mão
Não rezava não chorava
Simplesmente brincava de avião.

ALCOVA

Cama
Altar maior
De quem ama.

ONDE CANTA O SABIA?

Nos falta carinho
Quando prendemos em gaiolas
O canto dos passarinhos.

EGOISTA
 

Quem não sabe dividir
O encanto de ser livre
É simplesmente só.

P.A.L.A.V.R.A
 

A palavra
Não paga a bebida
Porém é meu exercício de vida.

POETAÇO

Com presteza de cirurgião
Sua caneta escreve
Toda frieza do coração.

DENTRO

Quebrado o espelho
Vejo-me
Por inteiro.


 

Confiante e ateu
Sofro paciente
As demoras de Deus.

JOGO

A sorte é uma linda virgem
Que foge desesperada
Para ser agarrada.

SAMURAI
 

Experimente!
Experiente
Leminsk-se.

À SOMBRA
 

Água fresca
Cântaro de barro
Dou-me a beber.

PRENÚNCIO

Cheiro de chuva no ar
Jeito de noite
O céu vai chorar!

Fonte:
Hernando Feitosa Bezerra. Cantares.  Universidade da Amazônia – NEAD.

Heloísa Crespo (Folia de Reis)

No Palácio da Cultura
assisti uma folia.
Não me lembrava como era
e nem como se vestia.
Revivi no meu passado
um medo que eu trazia.

Não era bem mais um medo,
era lembrança ruim.
Eu nunca me animava
nem nunca estava a fim
de ver nenhuma folia
ou cantoria assim.

Descobri que associando
a figura do palhaço
ao compasso de um bumbo,
ritmando todo o passo .
Pra criança apavorada
era mesmo que estilhaço.

Na minha mente infantil
aquela alegoria
era tão horripilante
que um monstro mais parecia.
Guardei a impressão errada
do artista e da magia.

Foi tão gostoso ouvir
agora o bumbo bater,
anunciando a chegada,
cumprindo o seu dever,
o grupo de foliões
representando o que crê.

O apito diz avisando:
Olha a Folia de Reis.
Formada por personagem
com farda nada burguês,
simples em azul e branco,
dançando com altivez.

Os homens enfileirados
tocando acordeão,
tambor, viola, pandeiro,
o bumbo e violão.
Também andando e dançando,
cantando uma canção.

Na frente uma bandeira
abrindo o lindo cortejo,
trazendo no interior
os magos, reis do festejo.
Vendo seu Rei pequenino
realizando um desejo.

A linda luz da bandeira
iluminando o Cristo,
Maria e o bom José
e tudo o mais sendo visto,
as flores tão coloridas
e a Ceia de Jesus Cristo.

O palhaço Ventania
de cabelo colorido,
na mão levava uma cobra
com seu jeito divertido.
Um monstro mais parecia.
Monstro nada, bem sabido!

Escondido atrás da mascara
um homem letrado é,
fazendo, dizendo versos,
um brasileiro de fé,
criticando a política,
cheia de Nando e Mané.

- Toca a sanfona, ah, ah!
Grita para o sanfoneiro,
após dizer a quadrinhas
em tom meio zombeteiro,
as trovinhas de cordel,
parece um benzedeiro.

Benze tudo que encontra,
critica o que puder.
Pede  arrecada dinheiro,
a quantia que se der.
De maneira irrequieta
canta, dança o que vir.

Se a folia acontecesse
na casa de um morador
seria bem mais completa
um verdadeiro esplendor,
ocupando a casa toda
e benzendo o morador;

os quartos, sala, cozinha,
banheiro e corredor,
seguindo um ritual
com respeito e calor
ao entrar e ao sair,
licença pede com amor.

Pede a Deus, Nosso Senhor,
pelos donos da tal casa
e por todos os presentes
e com oração arrasa.
Dali só parte pra outra
onde já foi convidada.

Essa folia tão rara
que no Café Literário,
a convite do poeta,
com seu rico vestuário
e os seus vinte componentes,
todos eles necessários.

Vieram de São Fidélis,
um município vizinho,
onde nasceu os Antônios
Roberto e Agostinho.
Roberto o nosso poeta,
o folião, Agostinho,

que com essa turma toda,
é único na cidade
com a folia brincar,
Estrela Belém do Norte,
que nunca deve acabar
e tem que ficar mais forte.

Parabéns e obrigado
a todos os foliões
que levam muito a sério,
passando de gerações
essa Folia de Reis,
mantendo as tradições.

Fontes:
A Autora
Imagem = http://www.robertomoraes.com.br

Simões Lopes Neto (Casos do Romualdo) Quinta de São Romualdo

Compre chácara quem quiser; eu, por mim, estou farto, e jurei nunca mais!...

Cansado de viagens e de caçadas, e desejando repousar, comprei uma bonita quinta, com muito arvoredo frutífero, boas águas, casa cômoda. Uma pechincha! Pra não estar debalde, resolvi fazer uma plantação de abóboras, para vender as pevides, que, informaram-me, é remédio infalível para a solitária.
 
Cada abóbora produz mais de cento e cinquenta pevides; e bastam três destas para expelir uma solitária; cada uma destas a cinco mil-réis, eram duzentos e cinqüenta mil-réis que eu apurava, só em solitárias, afora a massa das abóboras... de que eu faria goiabada.
 
Era ou não era negócio?... Ora bem:
 
Comprei - não me lembro bem - se sete ou quinze sacos de semente, da melhor; virei as terras, encanteirei-as e semeei as minhas solitárias, digo, as minhas abóboras, numa lua nova, para grelarem com força.

Pois, passado um mês... a lavoura era pura barba-de-bode!... Dura, empenachada, parecia uma plantação de vassouras de piaçava, verdes!.... Briguei, e forte, com o vendedor das sementes, que desculpou-se dizendo ter havido troca de volumes: a semente de barba-de-bode era para um armazeneiro, que vendia-a - e caro - como tempêro estrangeiro, de luxo; que o homem tinha-se dado ao diabo, quando pelo engano tinha recebido as pevides de abóbora, mas que afinal agradou-se e havia já pedido segunda remessa, para jorrar e misturar ao café, para dar-lhe mais gosto de café.
 
Não achei graça nenhuma à esfarrapada explicação; o que era certo é que estava com a minha lavoura perdida,inçada daquela praga. Ensinaram-me então que para destruir barba-de-bode, para nunca mais nascer, o único remédio era... a preá.
 
Comecei pois a comprar preás a torto e a direito; mandei preás a todos os rumos, escrevi a amigos e conhecidos, encomendando preás. Foi então unia chuva dos tais bichinhos, recebia-os em sacos, em gongás, em caixões, e até tocados por diante, como tropa.
 
Contava, pagava e soltava, logo, na lavoura. Realmente:uma maravilha!
 
Ao cabo de duas semanas não havia mais um fio de barba-de-bode.
 
E eu, satisfeitissimo!
 
Mas logo em seguida, as preás, acossadas pela fome, deram na roça do milho e do feijão; foram-me as hortaliças, aos alegretes do jardim; treparam às laranjeiras, tudo devoraram - menos marmelos. Uma devastação!
 
Refleti um momento; e para extinguir as preás, resolvi meter... gatos.
 
Nova trabalheira; vieram-me gatos de todos os tamanhos e sexos e idades, gatos mimosos - roubados - e gatos ladrões - escorraçados - e rabões, pelados e peludos, e desorelhados, queimados, gordos, sarnentos. Foi um jorro, uma inundação de gatos, sobre a minha quinta.
 
Contava, pagava e soltava-os, logo, às preás.

Efetivamente, um assombro!

Em menos duma semana não havia mais uma preá, para remédio. Liquidadas. E eu, esfregando as mãos. Mas - nem tudo lembra! - os bichanos, já sem pitança, miavam que era um desespero... e quando menos eu sonhava...

Olha a gatalhada no galinheiro E não me ficou viva uma só ave, desde os pintos até os galos de rinha!

Uma calamidade!

Nem por isso dei parte de fraco; pensei, e para acabar com os gatos, resolvi soltar-lhes... cachorros!

E vá! Na estrada!

A peonada andava numa contradança, trazendo cachorros e logo voltando a buscar mais; pelas estradas só se via passarem andantes conduzindo matilhas, e trelas de até vinte cachorros. Apareceram-me perdigueiros, veadeiros, paqueiros, onceiros, rateiros, tatuzeiros; e galgos, d'água, terras-novas, crespinhos; e grandes e pequenos, brigadores, ranhentos.

Eram centos e centos de cachorros!

Contava, pagava e soltava-os logo, aos gatos!

Indiscutivelmente: um sucesso.

Em poucos dias não se acharia nem mais um único gato, um só que fosse, para salvar um condenado da forca!

E eu, assobiando, satisfeito.

Mas - é que andei precipitado... - a cachorrada sem mais gatos... gania de jeito, que só a chumbo! E como eu não tivesse mais gatos. -. os cães, uma bela noite, atiraram-se às ovelhas, e com tal gana, que nem as maçarocas ficaram!

Um cataclismo!

Aí, meio que desanimei; mas depois de coçar-me forte, durante uns minutos largos pensei, e para acabar com os cachorros, resolvi contratar gringos, tocadores de realejo!...

Custou-me um pouco a organizar o batalhão: mas a notícia de que a paga era boa correu, e começaram a aparecer-me gringos, vindos até de onde o diabo perdeu as botas!...

Cachorro tem um terror doudo pelo realejo; é tocar-se um desses moinhos de música e o cão, mesmo preso na corrente, uiva, chora, apavora-se..., e não bá nada que o detenha na fuga; nem água fervendo, nem tição de fogo, nem comida, nem pau... só outro realejo, que o faça mudar de rumo!

Quando botei a gringalhada a manobrar os realejos, toda ao mesmo tempo, marchas, polcas, funerais, o miserere, o caranguejo, a Esteia confidente, o bitu, valsas, o solo Inglês... o maxixe quando tudo isso estrondeou nos ares... Oh! Deus do céu!...

Senhor S. Pedro!... Meu anjo da Guarda!... cachorro houve, que tão desnorteado de horror ficou, que até sobre os próprios gringos atirou-se... atirou-se..., e caiu, estrebuchando, espumando, rilhando os dentes, como danado! ...

O cachorrio pegou numa uivaçada tão espantosa que chegou a abafar o barulho dos realejos: mas logo desatou a disparar... a disparar... a disparar... e foram-se, campo fora, para os lados da rosa-dos-ventos, como assombrados!

Inegavelmente: soberbo!

E eu, cheguei a fazer uns passos de gavota, rejubilando-me; sim, senhor! Mas - e aqui tive um baque no coração.. - os gringos, sem mais cachorros para espantar, pediam comida. E eu, que não contava com a rapidez do negócio, havia-os contratado por três dias, calculando que com três dias de realejo não haveria cachorro - nem morto! - capaz de resistir...

E errei feio, porque os próprios buldogues não chegaram a agüentar nem uma hora...

E eles a pedirem comida!

E a chegarem mais gringos, que pelas estradas tinham tido notícias do meu anúncio; outros que eram ainda mandados expressamente pelos meus amigos e conhecidos e comissionados!

E cada desgraçado que chegava, como saudação, tocava-me uma peça de realejo; e quando foi de noite, todos eles, de combinação - eram cento e cinqüenta e três - resolveram fazer-me uma surpresa, e todos a um tempo, como um furacão que desaba, manobraram uma serenata sem fôlego, que durou da uma às três horas da madrugada.

Comecei a deitar sangue pelo nariz, pelos ouvidos, pelas gengivas, e desmaiei.

Ao clarear do dia recobrei os sentidos; chamei os capatazes, a peonada, uns hóspedes que tinha, e armei-os de revólveres, de davinas, de pistolas, de bacamartes; meti em quadrado os gringos, com os realejos; todos nós, armas engatilhadas, facas reluzindo, prontos a matar, tocamo-los porteira fora, aos gritos imperiosos de - silêncio! silêncio! silêncio!

Passei então um dia delicioso; sesteei regaladamente!

Mas - sempre aparece cada uma! - logo começaram a aparecer-me em casa advogados, escrivães, meirinhos, autoridades.

Ora dá-se! Um homem quieto na sua quinta, sem se preocupar da vida alheia e a vida alheia atrapalhando a sua! ...

Eram os vizinhos, queixosos, que me processavam, pediam indenizações, reclamavam contra prejuízos de que eu era causante!

Estes, porque as preás que conseguiram escapar-se haviam-se-lhes entocado nas plantações; aqueles, porque, gatos danados - dos meus - tinham-lhes mordido as criações; outros, porque os cachorros corridos comiam-lhes os rebanhos.., e até um violento protesto do cônsul, acusando-me de tentativa de morte sobre trezentos e sete gringos e meio!...

E eram citações, requerimentos, autos, contrafes, termos, inquirições.., um inferno!

Chamei advogados para a minha defesa, estes pegaram-se a discutir com os contrários: então é que a complicação complicou-se mesmo!

Os peões despediram-se medrosos os capatazes foram saindo, por causa das dúvidas...

Fiquei sozinho, na quinta solitária.

Então adoeci.

Veio um doutor para salvar-me. Mostrei-lhe a língua, tateou o pulso, rufou-me na barriga e... chamou um colega. Depois os dois chamaram um terceiro, os três, um outro; os quatro, um quinto... Já era uma dúzia deles; vieram mais ainda: cheguei a contar um quarteirão!

Desde a nuca até a sola dos pés, o meu corpo era um mapa geográfico de manchas e vergões; estava todo sanado e empolado de ventosas, inflamado dos sinapismos, lambuzado dos ungüentos, queimado dos vesicatórios, encorrilhado das embrocações, cruzado das pinceladas...

Na casca consenti tudo: no miolo, nada. Engolir, isso sim, isso é que nem à mão de Deus-Padre nenhum deles foi homem para me obrigar!

Certo dia, por doze votos fui considerado ainda vivo, e por treze dado por morto.

Venceu o um da maioria: passaram atestado de óbito e foram-se... e veio o defunteiro tomar as medidas do caixão... Que cena, esta, da tomada das medidas ... que cena!..

Dormi... até acordar-me; depois levantei-me, fiz um churrasquinho, chupei dois mates e pitei um cigarro de fumo crioulo. Sol alto montei a cavalo, para ir-me embora, de vez.

Tinha vencido sete pragas: bastava de combate.

Mas, ao sair a cancela do terreiro, vi o que nunca imaginei mais ver! ...

Vi a barba-de-bode renascendo na lavoura, algumas preás roendo ervas, três gatos em cima do telhado; dois cachorros coçando as pulgas; um gringo de realejo à sombra de um moirão, um meirinho que chegava a trote..., e um doutor que apeava-se da carriola!...

Amigo!

Cerrei pernas ao baio e só parei... quando vendi a quinta.

Pagas as contas, sobraram-me três patacas, em cobre: comprei as espoletas, pólvora e balas, e ganhei, outra vez, no sertão!

Tenha chácara quem quiser: eu, Romualdo, é que nunca mais!

Nem atado!
======================
continua… mais casos

Fonte:
http://pt.wikisource.org/wiki/Casos_do_Romualdo/III

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.° 18 – 13 de maio de 1887

Não neguei Bahia ou Minas,
Nem nunca fora capaz
De negar Crato ou Campinas...
Neguei, é certo, Goiás.

Pois que Goiás eu supunha
Uma simples convenção,
Sem existência nenhuma,
Menos inda que ilusão.

E achava uma prova disto
Naquele caso sem par,
Nunca dantes, nunca visto,
Nem por terra nem por mar:

O caso do presidente
Que por dez anos ficou
Presidenciando... Ó gente!
Dez anos! Quem tal sonhou?

Dez meses, vá; é costume,
E ninguém pode exigir
Que um homem perca o chorume
A trabalhar e a delir...

Ou, se é lícito em matéria
De tanta ponderação
Tão avessa ao chasco e à léria,
Ter alguma opinião,

Digo que nem dez semanas...
Dez dias podia ser.
Traduziria em bananas
O chegar, ver e vencer.

Não se impõe aos nossos climas
Ars longa... É abreviar,
Como eu abrevio as rimas;
Não coser, alinhavar.

Quem podia, em nossa terra,
A não ser entre galés,
Como os comuns de Inglaterra?
Trabalhar dez horas, dez?

Os nossos comuns gastaram
Três dias em eleger
Mesa e comissões; e andaram
Perfeitamente, a meu ver.

Não vamos crer, porque temos
Sistema parlamentar,
Que só copiar devemos
Os costumes de além-mar,

Mas, voltando à vaca fria...
Que vaca? Onde íamos nós?
Que diabo é que eu dizia?
A digressão, vício atroz.

Não era a dívida, creio,
Lamberti chamada, uns mil
Contos de papo e recheio,
Contos ou contões com til.

Também não era o desfalque
Do Recife... ai, uma flor
De esperanças... ai, não calque,
Não calque nisso, leitor!

Eu, que tinha o meu bilhete,
Pronto para enriquecer,
Estou como se um cacete
Me houvesse dado a valer.

Mas, com todos os diabos,
Que era então? Não eras tu,
Nariz dos grandes nababos;
Nem tu, céu de Honolulu.

Ah! Goiás... Goiás existe;
E tanto que, a vinte e dois
De março, saiu um triste
E longo bando de grous,

Como os de que fala o Dante,
Que van cantando lor lai;
Mas cá o pio ora ovante,
Era só: quebrai, quebrai!

Um dos grous é delegado,
Outros dizem que juiz;
E tudo foi arrasado,
Ou ficou só por um triz.

Defuntos, lavras do Abade,
Mulheres, que ora gemeis
De dor e necessidade,
Justiça esperar deveis.

Mas eu daquela ocorrência
Tiro uma lição vivaz:
Goiás tem certa a existência,
Goiás existe, Goiás.

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

Nilto Maciel (Restos de Feijoada)

Depois do almoço, Alexandre dormiu. E logo se viu rei. Sim, rei de verdade, rei negro, rei ardente. Seu corpo ardia como nunca, mais do que nos dias de muito calor, de muita febre. Punha a mão no espaldar da cadeira real e logo os súditos gritavam: tire a mão daí, rei nosso, senão o trono pega fogo. Por onde passava, tudo se queimava. O chão se fazia vermelho, feito brasa. Ninguém ousava se aproximar dele. A rainha se esquivava a todo momento. Longe do pai, os príncipes corriam pelos campos, aos gritinhos. Alexandre se irritava com tanto medo. “Têm medo de morrer, desgraçados?” Furioso, agarrava até a morte os súditos mal-educados, mentirosos, impiedosos, desleixados, vaidosos... Aos prantos, os mais covardes se ajoelhavam aos seus pés, pedindo misericórdia. E mais ele os abraçava, ardorosamente. Amarrados pelos pés, os inimigos tremiam ao vê-lo. “Aproximem-se de mim.” Eles não saíam do chão, como se pregados. Os algozes os arrastavam. Os inimigos choravam, berravam, pediam clemência. Porém, o rei os atraía e, vagarosamente, os ia queimando. Os inimigos viravam montes de carne assada. “Joguem tudo nas panelas. Hoje teremos feijoada para todo o reino.” Os cozinheiros do castelo haviam posto à sua frente panelões de água temperada. Para que isto, majestade? Para cozinhar os perversos, os maus, os inimigos do nosso reino. Fabricassem grandes caldeirões. Cozinharia todos os inimigos. Faria grandes feijoadas. Plantassem mais feijão preto, engordassem os porcos. Trouxessem feijão, água, toucinho, linguiça, paio, orelhas e pés de porco, todos os ingredientes da melhor feijoada. E ria, gargalhava, bebia, enchia-se de cachaça, água, ardente como sempre. Súbito alguns de seus melhores amigos, conselheiros e parentes o agarraram e ameaçaram lançá-lo ao fogo ou dentro de um dos caldeirões. Iriam comê-lo com arroz, farofa e cachaça. E gargalhavam.

Então Alexandre acordou, aos gritos, o corpo em brasa. Assustada, Maria correu para junto dele, mãos na cabeça, olhos esbugalhados. Estava doido? Parasse de gritar. Talvez estivesse doido mesmo. Porém, sentia muita febre, o corpo em chamas. Assim desde o começo do dia. Havia acordado tarde, a cabeça doendo, o corpo moído. Então voltasse a dormir. “Vou fazer um chá.” Não, não podia ficar em casa, enquanto o carnaval fervilhava na cidade. “Eu sou sambista, minha negra.” E pôs-se a cantar um samba medonho. Maria se irritou. Só podia ser a bebida. Andava bebendo muito. “Eu queria ser jogador de futebol, negra. Queria ser outro Pelé. Jogar no Flamengo. Virar estrela no Maracanã. Não deu certo, não me quiseram.” E os meninos? Ora, os meninos não comiam, não brincavam, não estudavam? Mal, muito mal. “E eu mais mal ainda.” Vivia fazendo faxinas nas casas das grã-finas, por uma ninharia. E ele se embriagando, sambando, sonhando com samba e fama. Acordasse enquanto era tempo. Os meninos se chegaram, chorando.  Alexandre se meteu no banheiro. Somente um banho frio, gelado, para aplacar o fogo do corpo. Sentiu tonturas. Febre, muita febre. Maria se apavorou. Nunca um banho. Queria morrer? Fosse direto para a cama. E Alexandre se abraçou aos lençóis. E logo se viu rei. Por onde passava, tudo se queimava.

Um bloco de sujos desfilava pelos becos. Vamos, Alex. É carnaval, negrão. Ele pulou da cama e saiu porta fora. E gritava: eu sou o rei do fogo, eu sou o rei do fogo. Os foliões não paravam de pular, dançar, cantar. Maria gritava: volta, Alexandre, volta, você está doente. Ele dançava, se retorcia, se requebrava. E subitamente caiu, a contorcer-se no chão. Os foliões se puseram a dançar ao redor dele, como num ritual macabro. A mulher e os meninos acorreram e agarraram-lhe pernas e braços. Os dançarinos sumiram. Maria e seus filhos depuseram o corpo no chão da sala. O rei morria, a vomitar pequeninas cabeças, minúsculas mãos, despedaçados corações humanos – restos de feijoada.

Fonte:
MACIEL, Nilto. A leste da morte. Editora Bestiário, 2006.

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Geraldo Markan

Geraldo Markan Ferreira Gomes (Fortaleza, 1929 - 2001) é autor dos livros de conto O Mundo Refletido nas Armas Brilhantes do Guerreiro, Edições Siriará, 1979, e Canoa Quebrada – Oniricrônicas, 1980, além de peças de teatro. Reuniu-se a outros contistas em O Talento Cearense em Contos, com “Primeira Rosa para Norma Jean”, e Antologia Literária (1.º Prêmio Domingos Olímpio de Literatura, 1998, Sobral), com “Quem Resiste ao Tango?” (2º. lugar).

Dias da Silva, no artigo de título igual ao do livro, integrante do volume III de Da Pena ao Vento (2001), enuncia: “De começo, devo dizer que não é tão simples determinar-se o gênero da obra. Livro de contos? Livro de crônicas? Momentos de puros devaneios da imaginação sensível? Textos fantásticos? De gênero maravilhoso? De gênero estranho?”

Uma das características da prosa de Markan é a diluição do enredo. Os dramas se desenrolam ao longo de dias e dias. O narrador onisciente manipula os personagens e acompanha seus passos, como se fossem bonecos, ou conduzisse ele uma câmera, um gravador e um aparelho de captar pensamentos e emoções. Alberto, na peça que dá título à coleção, caminha por ruas, entra em lojas, vai para casa, segue o irmão. No entanto, a locomoção do personagem é mero pretexto para a narração de ações interiores nele. Assim, os verbos de ação (“saiu do cinema”, “tomou uma condução”, “viu um rosto”) assumem nele posição subalterna, enquanto os verbos inativos ou neutros conduzem o fluxo das frases. Às vezes os próprios verbos de ação se vestem de inatividade: “Fugia da realidade, buscava um signo que a revelasse diferente”. Em “Deborah” a protagonista fala para si mesma e não se movimenta. Ou suas ações são apenas imaginadas: “Súbito chegara àquela conclusão”; “Deu uma importância ciclópica ao conteúdo da frase” (...); “Um novo susto a percorreu” (...). A trama é toda “imaginada”. Em razão disso, não há diálogo. Entretanto, há composições em que predominam as falas, como em “Suzana, o Gramophone e a Comunhão dos Santos ou A Reinvenção do Amor”. Em diversos quadros, Suzana e Alberto, tia e sobrinho, dialogam. Entre um quadro e outro, o narrador onisciente faz uso do flashback e de comentários a fatos.

Na maioria das composições as cenas são fragmentadas, mas unidas entre si. Em “Ecidujerp, ou seja, Otiecnocerp” (prejudice, inglês, e preconceito, se escritas ao contrário), o narrador aciona os irmãos Cristina e Lula. No primeiro quadro desenha os dois protagonistas e apresenta outros personagens. No segundo, os irmãos mantêm curto diálogo, seguido de comentário do narrador, que pode ser entendido também como monólogo interior dela. Segue-se outra cena com falas. E assim até o desenlace, composto de três linhas: “Um dia ele disse sério: – Cristina, que vida louca a nossa. – A deles. Ecidujerp. Ou seja, otiecnocerp”.

Geraldo Markam é escritor urbano. Entretanto, a urbe é apenas o palco de seus dramas. E o espaço é secundário, porque essenciais são os personagens e seus dramas interiores. Os seres fictícios de suas obras têm as mais diversas origens. Uns vêm da velha aristocracia rural nordestina, como Suzana. Rica, solteirona, vive numa fazenda perto de Sobral, a tomar leite mugido, bater bolo, enfeitar os santos, levar mangas para a vaca Flor do Campo e a sonhar com o jovem sobrinho em estudos na capital. Cristina mora em Recife; Lula, no Rio de Janeiro. A família de Alberto também vive na antiga capital federal. Mas há ainda os mais pobres, como Fogoió, o de cabelos de fogo, ajudante de mecânico, “independente, doido, sozinho no mundo”, em São Luís, Maranhão. Ou Manuel, o empregado doméstico de “Os Angorás ou Uma noite, talvez, em Alexandria”. Retirante do sertão, torna-se tratador de jardim, limpador de piscina de mansão. Faz-se personagem, interlocutor de doutor, de ricaço. Acostumado a beber cachaça, é convidado a beber uísque com o patrão. E a ouvir confidências.

Raras vezes, um diálogo menos artificial ou uma narração de fatos. Talvez porque o interlocutor está sempre indo embora, fugindo, escorregadio ou inacessível. E o protagonista termina só, ruminando seu desespero. Isso se reflete no próprio corpo das narrativas. Nas peças menores, Geraldo Markan faz poesia ou crônica leve, apesar de se dizer o nunca-poeta. Termina fazendo markanices, ele também personagem.

O Mundo Refletido nas Armas Brilhantes do Guerreiro é título poético e metafórico, porque, na verdade, o mundo refletido naquilo que simboliza o poder: à época de Alexandre e companhia, as armas brilhantes do guerreiro; hoje, o ouro, a moeda, o carro, a piscina – adereços e o próprio ser, a um só tempo. O mundo refletido no ouro do burguês.

Passeiam, pelas páginas quase sempre de uma delicadeza e uma pureza clássicas, personagens de voz amena, alguns falando inglês ou citando Baudelaire, Fernando Pessoa e o lírico Camões. Remoendo seus vazios, tateando os muros escuros de seus labirintos pegajosos. Vez por outra, um deslize imperdoável ante a poesia a minar de cada palavra. E surge quase uma historinha de fotonovela: “Ecidujerp, ou seja, Otiecnocerp”. Apesar disso, um ranço bom de naturalismo ainda inexplorado – a nostalgia do domínio holandês no Nordeste.

Geraldo Markan não se satisfaz com as aparências, os perfis, as biografias. Interessam-lhe muito mais o oculto, a invisível, o impalpável, o incontável. Em vez de olhar para a topografia e a arquitetura, prefere ouvir/sentir as emoções, os sentimentos, os pensamentos dos seres. Glória, de “Plict”, atravessa o “longo subterrâneo, impaciente, como se este fosse sua própria vida”. Solitária, “virgem por vício”, anda pelas ruas à procura de corpos e almas. Os narradores, se é que narram, de algumas peças mais parecem ascetas, místicos. O de “Beta Splendens ou O Sétimo Dia” faz elocubrações, diante de um aquário, um peixe. Em razão disso, não há desfechos, pelo menos os tradicionais.

Markan não permanece na superfície. Seus personagens são muito mais do que cidadãos: são seres que voam ou se afundam no chão. Vão às nuvens e descem aos abismos de si mesmos. Sondam-se, como se se martirizassem ou buscassem a salvação. O insondável, o incognoscível, o fundo do abismo.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Titina Palmieri Brandão (Mistérios)

Fontes:
CÁPUA, Cláudio de (editor). Itinerário Poético II (coletânea). SP: EditorAção, 1996.
Formatação do poema com imagem obtida em http://lysminhalma.zip.net, por J.Feldman

Jangada de Versos do Ceará (3)

NATÉRCIA ROCHA
(Natercia Carmen de Sales Rocha)
Fortaleza, 1971
-
Carcará

-
 Um Pássaro Azul me visitou esta noite.

Displicente, em minha janela,
Cantou dos campos por onde tem voado:

Entoou a força das flores
O mel das marés
A larva das matas
A grandeza dos vulcões

E cantarolou mistérios de serenos e tempestades.
Voou para perto da cama, a certa altura da madrugada.
E, de sua cabeça perfumada,
Refletiam cores em arco-íris.
Entrei em seus olhinhos redondos, encantados
E fui embora por sua retina dourada
Passear pelo elo do tempo que nunca acaba.
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MAVIGNIER DE CASTRO
(Antonio Mavignier de Castro)
(1895 - 19721 )
-
Luar Amazônico

-
 Verão, Rio em deflúvio. A lua cheia
alonga  perspectivas pela mata;
só a fauna da noite ali vagueia
à sombra errante que o luar dilata...

Álgido, estreito igarapé serpeia,
Qual sinuosa lâmina de prata...
Que melopeia o urutauí flauteia
Na solidão lunar da terra grata!

Amanhece; mas imitando um rito
Sobre a mata flutua um véu de neve...
E o sol – pátena de ouro do infinito.

Espera que no altar da selva nua,
O Sacerdote imaterial eleve
A imagem eucarística da lua!
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DIMAS MACEDO
Lavras de Mangabeira,1956
-
Mistério

-
 Não sei por que destino vago
ou se vegeto.
Minha vida é qual um livro aberto
que atravesso a nado.
Minha solidão tem bases de concreto
e as minhas ânsias claras intenções.
Com as lições da dor eu teço
uma canção ao vento
e reinvento a vida.
A morte é um vendaval e em tudo
o cosmos é uma interrogação.
Meu corpo a fuga. Meu prazer o medo.
E a minha dúvida uma alucinação.
Se vago ou se vegeto, escrevo:
Minha vida é qual um livro aberto.
==============================

DOM HELDER CÂMARA
(Helder Pessoa Câmara)
Fortaleza 1909 – 1999 Recife
-
Escuridão Total

-
 A noite estava tão escura,
tão sem um ponto de luz,
tão noite,
que cheguei a me angustiar,
apesar do amor profundo
que sempre tive à noite...

Foi quando ela me segredou:
quanto mais noite é a noite,
mais bela costuma ser
a aurora
que ela carrega no seio!

Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/ceara/ceara.html

Folclore do Rio Grande do Sul (Lenda Obirici)

Augusto Porto Alegre, na sua história da "Fundação de Porto Alegre", recolheu esta lenda da formação do Passo da Areia, IBICUIRETÃ, que significa "rio de areia", ou seja, um pequeno arroio que corria nos arredores da capital do Rio Grande.

Nos tempos em que os brancos não haviam ainda penetrado até o Rio Grande do Sul, habitavam a região, os índios Tupi-mirins, da nação de Tapes. Como o amor sempre constituiu uma singela tradição indígena, houve, ali, uma contenda amorosa que ficou na recordação dos silvícolas, chegando até nossos dias sob a forma de uma encantadora lenda:

Conta-se que um belo cacique chamado Abaetê, em pleno apogeu da mocidade, foi alvo de grande amor, por parte de duas irmãs índias: Paraí e Obiricí, ambas filhas do poderoso feiticeiro Guaporé.

Abaetê gostou mais de Paraí, mas não tinha coragem de contar a ninguém, pois não queria magoar Obiricí. Um dia, o guerreiro suplicou a Tupã que lhe desse muito entendimento, para que facilmente pudesse resolver o difícil caso.

Então, durante o sono, recebeu a visita da graciosa Sumá, uma deusa guerreira, que envolvida em leve manta tecida de cipó imbé, deu a Abaetê todos os conselhos necessários, por ordem de Tupã.

Na manhã seguinte, foi imediatamente falar com as jovens e disse:

-"Foi Tupã que me mandou, desejo avisar que todas as duas serão submetidas a uma prova com arco e flechas. Quem acertar o alvo, será minha esposa."

As índias apaixonadas recebendo o aviso de sua resolução, imediatamente se prontificaram a iniciar a disputa. O cacique desejado muito belo e forte, era o grande incentivo.

Obirici, a mais ardente das duas índias, ficou muito nervosa, com medo de perder a competição e ficar sem o amor da sua vida, não teve a mesma destreza da outra. Errou o alvo. Foi portanto, vencida e viu-se obrigada a deixar que a vitoriosa levasse para as terras de Jatobá o jovem príncipe cacique. Ficou só no local onde ocorreu a contenda, a olhar o par abraçado e feliz que se distanciava.

Sufocando soluços, amargurando-se, não teve ânimo de abandonar aquele pedaço de terra, onde ocorrera sua desventura. Em vão desceram as Parajás, deusas da piedade, do alto do Ibiapaba, para consolar a bela guerreira. A divina Paré, deusa da fé veio na forma humana para dar-lhe alegres conselhos e suave esperança.

-"Pobre de mim abandonada"", dizia ela, e nenhuma palavra mais lhe saiu do peito em profundos soluços.

O próprio Tolori, deus da coragem, mas inimigo das mulheres, tão compadecido ficou, que veio dizer algumas palavras de consolo para a índia.

Abatida e tristonha, coração sangrando, alma voltada para o infortúnio e para a morte, hora a hora, pedia que Tupã lhe cortasse os dias de sua vida tão amargurada. E a formosa indígena, com a desventura a povoar-lhe a mente, só implorava o fim, como repouso que lhe era necessário, estendia seus braços de cintilações de bronze, para o céu, mudo ante suas súplicas sinceras e ardentes...

No desespero da dor, as lágrimas brotaram dos olhos de Obirici em uma abundância desoladora. O choro abriu-lhe fundos sulcos no rosto e as lágrimas de suas pálpebras continuaram dia e noite a cair cristalinas e luminosas e, correndo por terra, deixaram nela, para sempre cravado o regato chamado Passo da Areia ou Ibicuiretã...

Decorridos alguns dias, Deus Tupã, apiedando-se da pobre índia, veio buscá-la. As águas de suas lágrimas, porém continuaram a rolar, marcando para sempre na terra dos pampas, a angústia infinita de sua dor.

O Ibicuiretã, esse córrego de lágrimas, não existe mais, pois o Passo da Areia, hoje é um bairro urbanizado da cidade de Porto Alegre. As obras de urbanização canalizaram o riachinho que a princípio, tornou-se um valão. Depois, foi soterrado para construção do Shopping Center da zona norte.

Mas, a bela Obirici não foi apagada do coração dos gaúchos e em sua homenagem, próximo a um viaduto que leva seu nome, foi imortalizada em uma escultura, que a representa com os braços estendidos aos céus, pedindo em imprecações que Tupã acabe com seus dias de tão intensa dor...

Bibliografia:
LESSA, Barbosa. Estórias e Lendas do Rio Grande do Sul. SP: EDIGRAF. 

Fonte:
http://clerioborges.com.br/sirleikaszuba.html

Hernando Feitosa Bezerra Chagall (Cantares) IX

COVARDIA

Cada vez que troco
A timidez pela arrogância
Mato em mim a criança.

MANHÃ

Teus cabelos dourados
Raios de sol
Encaracolados.

SABER

Livro fechado
Pássaro morto
Aberto, vôo certo.

ADÃO

Sou terra, barro
Lama e argila
Com sopro de sonho nas narinas.

SURDA MUSA

Não sei porque
Ainda sussurro Chopin
Aos teus ouvidos Bethoveen!

SCORPIONS

O mundo é uma roda de fogo
Onde provamos
Do nosso próprio veneno.

SAUDADE

A noite ladra pelas ruas
Tua lembrança espanta o sono
Escrevo.

PLUG & PLAY

À noite
Conectados
Ascendemos estrelas.

FESTA

Quando corpos
Nus convida
É hora de celebrá-la, Viva!

BRAZIL S/A

Nesta sociedade anônima
Vive-se melhor
Em companhia limitada.

CIDADANIA

Criança brinquei absorto
Adulto rejeito
Ser tratado como aborto.

ETERNIDADE

Eterna...
Inspiração-vida-expiração
...Idade.

SORTE

Escrevo
Como quem acha
Um trevo.

DELEITE

Indo ou vindo
Teu corpo
É um delicioso sorriso.

MAKTUB

Olhando alguém que morreu
Não gosto do que vejo nele
Eu!

DEUSAS

Deus rascunhou o homem até
Chegar à perfeição
Num corpo de mulher.

CHORINHO

Lamento de cordas
Em harmonia com as batidas de um coração
Que choraminga feliz.

PLEBEU

Que nobre que nada!
Felicidade é caminhar anônimo
E livre pelas calçadas.

FRAQUEZA

Solidão é coisa imposta
Para quem acredita
Que a vida é uma bosta.

NIETZSCHE

Nada além da arte
Nada aquém
Nada à parte.

CONSTRUÇÃO

Palavra a palavra
Vou erguendo
Meu edifício invisível.

PINGENTE

Na tua orelha
Falo língua
Diamante.

AMAZÔNIA

Sobre árvores mortas inútil espera
Das borboletas
Pela primavera.

PRAZER

Teus olhos brilhantes
Dois simultâneos instantes
De cumplicidade.

RISO POLUÍDO

Sempre rio triste
Apesar da alegria
Da nascente.

CANETA

Não sou o príncipe de Gales
Mas trago sempre comigo
O sangue azul dos poetas.

MONGE

Meu rumo é o passo
Na direção que estou
Sou tempo espaço e não sou.

MAESTRO

Nosso som
Só é bom
Se o Tom for Jobim.

OLHAR NUBLADO

Janelas abertas
Tempo nublado
Chuva dentro de mim.

QUEBRA-CABEÇA

Palavra difícil esquema
Monto me desmonto
A cada poema.

ZEN

Passo ponte incerta
Indefeso caminho
A meta.

ESPELHO

Em ti mulher a beleza
Torna-se consciente
De si mesma.

SINA

Abunda em mim
Todo mal comum aos homens...
Sou mais um canalha útil.

MERCADÃO

Aqui vejo, ouço, cheiro
Toco, provo exercíto
Todos os meus sentidos.

FEELING
 

Só o amor faz assim
A estrada dessa vida
Não ter fim.

VOAR

Os pássaros
planam
nossos sonhos.

Fonte:
Hernando Feitosa Bezerra. Cantares.  Universidade da Amazônia – NEAD.

Aparecido Raimundo de Souza (Caminho sem volta)

ANA ANGÉLICA SENTIA SUA ALMA RÉS AO CHÃO.

A cabeça rodopiava por fronteiras indistintas numa bagunça incontrolável. Parecia cindida em mil pedaços. As vistas estavam enfermas embaixo dos óculos de grau vencido. No peito, o coração teimava acelerar descompassado como se alguma coisa anormal o agitasse. As pernas bambeavam, os dedos dos pés doíam apertados dentro dos sapatos de coriáceo vagabundo. Até as roupas que lhe cobriam a nudez pesavam sobre o corpo magro. Atrelado a isso, estranho mal súbito insistia dominar o ambiente como se o universo conspirasse contra e fosse acabar no próximo minuto.

Perguntas sem respostas objetivas afloravam em sua mente como água jorrando em nascente. Por que a modorra apática, o medo, a insegurança e a desagradável sensação de fadiga lhe transformando a carcaça em estrupício? Se fosse alguém de idade bastante avançada, até  se entenderia... Mas ela, só contava poucos anos de idade...

Desde a manhã o dia transcorrera pesado e frio, com a mesma miscelânea circense de sempre. As horas lhe enterraram num sepulcro hostil e inviolável, tal como se a vida lhe tivesse tamponado num buraco fundo e sem retorno. E aquele maldito quarto de pensão desgraçadamente iluminado completava o quadro dantesco da triste e malfadada sina. Tentara, por diversas vezes, dominar o astral e escapar da turbulência repulsiva que pesava sobre seus costados. Pensara fugir da alienação inconcebível e poderosa, mas o espírito perturbado a colocava em inferioridade estrema, deixando-a totalmente sem forças e carente de carinho e aconchego. Queria colo, atenção e amor. Uma gota de ternura seria o bastante para lhe devolver a felicidade entristecida. As outras ninfetas, nesse meio tempo, zombavam da sua cara, escarneavam pontos frágeis, motejavam de sua posição ridícula. Na verdade, todas elas aguardavam pacientemente a sua entrada nos labirintos obscuros da neurastenia.

Com os pensamentos embaralhados e em tumulto desordenado, se questionava aflita, como caíra tão rapidamente naquela incúria, se deixando levar pelo injustificado das incertezas e das horas tediosas da solidão? Onde ficara a vontade de vencer os obstáculos, transpor barreiras e saltar infortúnios inesperados?

Sem réplica à altura dessas indagações, Ana Angélica lamentava ter deixado uma nuvem negra pairar sobre sua cabeça, a ponto de dominar sua existência e vegetar ao deus-dará. Afinal de contas, qual o motivo, ou melhor, o que ensejou toda aquela transformação meteórica em sua tão curta jornada?

Pôs-se, de repente, a lembrar o passado. Fazia pouco tempo, seu pai lhe colocara no olho da rua. Motivo? Uma indesejável gravidez. Até então, Ana Angélica era a melhor filha do mundo. Com a revelação do exame laboratorial feito às pressas, perdeu a posição de “princesa” para aquele cidadão que gozava de elevada reputação na cidade. Na verdade, a autoridade máxima do judiciário local: o juiz!

Como representante da lei, o cidadão precisava dar exemplo. Assim, ao tomar conhecimento da prenhez, o velho genitor virou-lhe as costas mostrando a porta da rua e escancarando a crueldade que começava do portão que se abria para os infortúnios e contratempos da sorte. A decadência se tornou maior, se agigantou no exato momento em que decidiu procurar abrigo na casa do namoradinho que lhe jurara amor eterno. Contudo, Leandro, descendente de tradicional família na cidade, ao saber da novidade (para ele cruel novidade), jogou para o alto a medicina, o consultório, a clínica cardiológica e o comodismo de viver às expensas paternas. Na calada da noite o doutorzinho deixou o lugarejo a horizontes ignorados.

Em povoados de extensão limitada não é preciso muito esforço para cair na boca do povo. Envergonhada, sem comida e teto, e, ainda, com a agravante da fuga inesperada do pai da criança, a solução plausível foi embarcar no primeiro trem. Aportou, então, em São Paulo, ou mais precisamente na Estação da Luz. Sem condições de sobrevivência, não demorou a encontrar os guetos do submundo da prostituição. E neles, Ana mergulhou de cabeça, num voo cego.

Bonita, formosa e gentil, não lhe faltavam noitadas regadas a cervejas e bebidas baratas. Os fregueses variavam: ora saia com um marginal, outra carregava para a cama um gringo desses bem nojentos. Às vezes dormia com almofadinhas elegantes, casquilhos vestidos a rigor ou efeminados. A maioria deles drogados e viciados em crack, maconha e cola de sapateiro. O espaço que mediava entre a concepção e o nascimento não interrompia a hora derradeira, ao contrário, diminuía, diminuía, diminuía...

Nessa pressa de vida fácil o tempo sempre corre com rapidez impossível. Voava, para Ana Angélica como um Pégaso desgovernado, trotando atabalhoadamente na direção do precipício fatal. Atiçada pela elevada valorização do corpinho esbelto e garboso, a matrona, dona do bordel, não perdia clientes. Longe disso, multiplicava o conjunto de paroquianos como fieis num culto religioso.

Os que frequentavam a casa só queriam desfrutar daquela elegante bem proporcionada e sensual, caída dos céus, como um anjo em forma de gente. Por essa razão, a cafetina, conhecida pela alcunha de “Maria Padilha”, em menos de três semanas adquiriu dois bons apartamentos quitinetes num edifício do tipo “balança mas não cai”, quase ao lado da antiga rodoviária e, de lambuja, comprou  um carro novo para desfilar com uma dezena de pupilos que bancava em busca de prazeres carnais.

Com a mente ainda em desalinho, e sem um policiamento ostensivo para conter a avalanche de desgraças que atormentava, Ana Angélica continuava a se questionar dessas mudanças bruscas, quando, entrementes, lembrou da arma que a colega de quarto guardava numa cômoda do tempo do ronca. Resoluta, caminhou até ela. Precisava agir rapidamente. Logo a parceira chegaria do programa que saíra para fazer.

Abriu a gaveta. Um trinta e oito cano curto, cabo em madre pérola, municiado, descansava entre as calcinhas, sutiãs e uma caixa de sapatos cheia de preservativos. Apanhou o revolver, decidida, firme, resoluta, feições contraídas, o coração quase a saltar peito a fora. Lentamente se acomodou na banqueta diante do espelho com um pedaço de vidro faltando numa das extremidades:

— Adeus, mundo — disse entre palavras entrecortadas de solidão e agonia. — Adeus, vida. Pai, mãe, me desculpem!..

Num envolvente ímpeto materno alisou a barriga de modo carinhoso. Cinco meses. Cinco longos meses...

Seria um menino ou uma menina? Sem assistência médica e condições de visitar um ginecologista, o feto sobrevivia a trancos e barrancos. Que nome lhe daria? Como seria o rostinho? Com quem pareceria? Talvez, quem sabe, com ela, ou...

Nesse instante amargo, dos seus olhos de menina mulher, rolaram rosto abaixo, lágrimas ligeiras. Lembrou-se do pai, e da ultima conversa que tiveram antes de acontecer toda essa bagunça em sua vida: — Filha, — disse ele a certa altura — “aequam memento rebus in arrudas servare   mentem”(*).    E,  em  seguida,  concluiu:  — Aconteça o que acontecer jamais entregue os pontos. Seja forte, lute pela vida, brigue, esperneie, mesmo que todo seu eu interior transpire solidão e agonia...

Todavia, agora, era tarde demais. Das palavras sábias do velho pai, só recordações distantes agonizando no peito despedaçado.

— Perdoe a mamãe, meu neném querido, seja você quem for. Não é certo o que pretendo fazer. Sei que não tenho o direito de decidir pela sua vida. Sei que você não vai entender esse gesto, mas... Será melhor... Será melhor que você não conheça esse lado mau e negro. Saiba que mamãe ama você... Mamãe ama você... Mamãe aaa...

O tiro ecoou forte. A bala viajou certeira em busca do alvo fácil. Num instante dolorido, o estampido se assemelhou a uma espécie de míssil teleguiado, ao explodir tremendamente perverso dentro do aposento parcamente iluminado. Pessoas danaram a gritar. “Maria Padilha” esmurrou a porta com vigor. Um cliente que chegava na hora berrou para que alguém acionasse a polícia.

Lá  dentro, dobrada sobre si mesma, deixando escapar desejos mal resolvidos e envolta numa enorme possa de sangue, Ana Angélica, a querida e desejada dama da noite, metida, agora, numa via de mão única e sem retorno, soltava o derradeiro e lancinante grito de estertor.
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(*) “Lembra-te de manter o ânimo justo nos momentos difíceis”.
Nota do autor


Fonte:
SOUZA, Aparecido Raimundo de. Havia uma ponte lá na fronteira. São Paulo: Ed. Sucesso, 2012.