quarta-feira, 12 de março de 2008

Edgar Allan Poe (1809 - 1849)

Este famoso escritor americano se celebrizou, no século XIX, por suas histórias mórbidas e fantásticas. Edgar Allan Poe nasceu em Boston, em 19 de janeiro de 1809, filho de pais atores,

Edgar Allan Poe nasceu no seio de uma família escocesa-irlandesa, filho do actor David Poe Jr., que abandonou a família em 1810, e da actriz Elizabeth Arnold Hopkins Poe, que morreu de tuberculose em 1811. As crianças foram recolhidas por pessoas da família e Edgar acabou encontrando abrigo na casa de um tio rico, Francis Allan e o seu marido John Allan, um mercador de tabaco bem sucedido de Richmond, que nunca o adotou legalmente, mas lhe deu o seu sobrenome (muitas vezes erroneamente escrito "Allen"). No entanto, as dificuldades do início da vida provocaram um permanente pessimismo e um espírito macabro que o acompanharam até sua morte.

Poe estudou na Inglaterra durante sua juventude, mas logo voltou aos Estados Unidos, onde frequentou as Universidades de Charlotteville e Virginia. Porém, não conseguiu se enquadrar nos rígidos padrões da época e acabou expulso da Universidade de Virginia. Por ter um espírito aventureiro e rebelde, foi para a Grécia lutar contra os turcos. Na sequência de desentendimentos com o seu padrasto, relacionados com as dívidas de jogo, Poe alistou-se nas forças armadas, sob o nome Edgar A. Perry, em 1827. Alistou-se no Batalhão de Artilharia e acabou conseguindo uma indicação para a Academia Militar de West Point. No entanto, nessa época, sua cabeça estava voltada para a poesia e após publicar o seu primeiro livro de poemas , Tamerlane and other poems, by a Bostonian decidiu abandonar a carreira militar. Em 1833, ganha o prêmio do jornal Philadelphia Saturday Visitor com o seu conto Manuscript found in a bottle. O diretor do jornal, com pena da miséria e da depressão em que o escritor vivia, consegue-lhe um emprego no Southern Literacy , onde ele fica pouco tempo pois se tornara num alcoólatra.

O casamento com sua prima Virgínia, de apenas13 anos, faz Edgar ficar mais confiante. Ele começa a trabalhar em diversos jornais em Nova Iorque e Filadélfia. Em 1837, Poe mudou-se para Nova Iorque, onde passaria quinze meses aparentemente improdutivos, antes de se mudar para Filadélfia, e pouco depois publicar The Narrative of Arthur Gordon Pym. No verão de 1839, tornou-se editor assistente da Burton's Gentleman's Magazine, onde publicou um grande número de artigos, histórias e críticas. Nesse mesmo ano, foi publicada, em dois volumes, a sua colecção Tales of the Grotesque and Arabesque (traduzido para o francês por Baudelaire como "Histoires Extraordinaires" e para o português como Histórias Extraodinárias), que, apesar do insucesso financeiro, é apontada como um marco da literatura norte-americana.

Em 1840, publica sua primeira coleção de contos, Tales of grotesque and arabesque e Os crimes da rua Morgue, apresentando a figura do detective Dupin, antecessor de Sherlock Holmes.

Durante este período, Virginia Clemm sofre de tuberculose, que a tornaria inválida e acabaria por levá-la à morte. A doença da mulher acabou por levar Poe ao consumo excessivo de álcool e, algum tempo depois, este deixou a Burton's Gentleman's Magazine para procurar um novo emprego. Regressou a Nova Iorque, onde trabalhou brevemente no Evening Mirror, antes de se tornar editor do Brodway Journal. Se relaciona com Frances Osgood, para tentar esquecer sua dor familiar. Em 1847, com a morte de sua mulher, Poe se afunda num estado de profundo desespero e passa a viver em constante embriaguez e abuso de ópio. Aos 40 anos, numa taberna, em Baltimore, Edgar Allan Poe passa mal sofrendo de delirium tremens em virtude do consumo exagerado de ópio. Acaba assim falecendo três dias depois num hospital. Era sete de outubro de 1849.

Poe escreveu novelas, contos e poemas, exercendo larga influência em autores fundamentais como Baudelaire, Maupassant e Dostoievski. Admite-se hoje que a culminância de seu talento dá-se no gênero conto. Suas histórias curtas podem ser classificadas tematicamente em dois grupos principais:
a) contos de horror ou “góticos”.
b) contos analíticos, de raciocínio ou policiais. Escreveu também contos de humor e contos que anteciparam o que hoje se chama “ficção científica”.

Os contos de horror ou “góticos” apresentam invariavelmente personagens doentias, obsessivas, fascinadas pela morte, vocacionadas para o crime, dominadas por maldições hereditárias, seres que oscilam entre a lucidez e a loucura, vivendo numa espécie de transe, como espectros assustadores de um terrível pesadelo. Muitos destes relatos ainda causam calafrios nos leitores modernos. Entre eles destacam-se O gato preto, Ligéia, O coração delator, A queda da casa de Usher, O poço e o pêndulo, Berenice e O barril de Amontillado.

Os contos analíticos, de raciocínio ou policiais entre os quais figuram os antológicos Assassinato de Maria Roget, Os crimes da Rua Morgue e A carta roubada, ao contrário dos contos de horror, primam pela lógica rigorosa e pela dedução intelectual que permitem o desvendamento de crimes misteriosos. É o início do que se convencionou chamar de literatura policial.

Poe não foi apenas um notável contista. Foi também o primeiro grande teórico do gênero, ressaltando no conto três elementos básicos: a estrutura centrada num efeito único, o valor dominante do clímax (o desfecho do conto) e o despojamento da expressão. Aliás, a linguagem das histórias curtas de Poe é elevada, porém direta, apresentando diálogos de grande força dramática que conduzem o leitor por um mundo labiríntico e asfixiante.

Enquanto os demais autores se concentravam no terror externo, no terror visual se valendo apenas de aspectos ambientais, Poe se concentrava no terror psicológico, vindo do interiorde seus personagens.

Estes sofriam de um terror avassalador, fruto de suas próprias fobias e pesadelos, que quase sempre eram um retrato do próprio Poe que sempre teve sua vida regida por um cruel e terrível destino. Não há conto algum de Poe narrado em terceira pessoa e é sempre "ele" que vê, que sente, que ouve e que vive o mais profundo e escandente terror. São relatos em que o delírio do personagem se mistura de tal maneira à realidade que não se consegue mais diferenciar se o perigo é concreto ou se trata apenas de ilusões produzidas por uma mente atormentada.

Numa época em que começava a se desenvolver o espiritismo na América do Norte, Poe se valhe desses argumentos e povoa suas obras com novas sensações e angústias onde reencarnação, hipnotismo ou mesmerismo eram quase sempre presentes. Mas em todos os contos, ou em quase todos, sempre há um mergulho, em certas profundezas da alma humana, em certos estados mórbidos da mente, em recônditos desvãos do subconciente. Por isso mesmo a psicanálise lança-se com afã ao estudo da obra de Poe, porque nela encontram exemplos em grande quantidade para ilustrar suas demonstrações. Independentemente, porém, desses aspectos, o que há nela é um talento narrativo impressionante e impressivo, uma força criadora monumental e uma realização artística invejável, que explicam o ascendente enorme que até os nossos dias exercem os contos de terror de Edgar Allan Poe.

Fontes:
http://www.beatrix.pro.br/literatura/poe.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Edgar_Allan_Poe

Edgar Allan Poe (O Gato Preto)

Não espero nem peço que se dê crédito à história sumamente extraordinária e, no entanto, bastante doméstica que vou narrar. Louco seria eu se esperasse tal coisa, tratando-se de um caso que os meus próprios sentidos se negam a aceitar. Não obstante, não estou louco e, com toda a certeza, não sonho. Mas amanhã posso morrer e, por isso, gostaria, hoje, de aliviar o meu espírito. Meu propósito imediato é apresentar ao mundo, clara e sucintamente, mas sem comentários, uma série de simples acontecimentos domésticos. Devido a suas conseqüências, tais acontecimentos me aterrorizaram, torturaram e instruíram.

No entanto, não tentarei esclarecê-los. Em mim, quase não produziram outra coisa senão horror - mas, em muitas pessoas, talvez lhes pareçam menos terríveis que grotesco. Talvez, mais tarde, haja alguma inteligência que reduza o meu fantasma a algo comum - uma inteligência mais serena, mais lógica e muito menos excitável do que, a minha, que perceba, nas circunstâncias a que me refiro com terror, nada mais do que uma sucessão comum de causas e efeitos muito naturais.

Desde a infância, tomaram-se patentes a docilidade e o sentido humano de meu caráter. A ternura de meu coração era tão evidente, que me tomava alvo dos gracejos de meus companheiros. Gostava, especialmente, de animais, e meus pais me permitiam possuir grande variedade deles. Passava com eles quase todo o meu tempo, e jamais me sentia tão feliz como quando lhes dava de comer ou os acariciava. Com os anos, aumentou esta peculiaridade de meu caráter e, quando me tomei adulto, fiz dela uma das minhas principais fontes de prazer. Aos que já sentiram afeto por um cão fiel e sagaz, não preciso dar-me ao trabalho de explicar a natureza ou a intensidade da satisfação que se pode ter com isso. Há algo, no amor desinteressado, e capaz de sacrifícios, de um animal, que toca diretamente o coração daqueles que tiveram ocasiões freqüentes de comprovar a amizade mesquinha e a frágil fidelidade de um simples homem.

Casei cedo, e tive a sorte de encontrar em minha mulher disposição semelhante à minha. Notando o meu amor pelos animais domésticos, não perdia a oportunidade de arranjar as espécies mais agradáveis de bichos. Tínhamos pássaros, peixes dourados, um cão, coelhos, um macaquinho e um gato.

Este último era um animal extraordinariamente grande e belo, todo negro e de espantosa sagacidade. Ao referir-se à sua inteligência, minha mulher, que, no íntimo de seu coração, era um tanto supersticiosa, fazia freqüentes alusões à antiga crença popular de que todos os gatos pretos são feiticeiras disfarçadas. Não que ela se referisse seriamente a isso: menciono o fato apenas porque aconteceu lembrar-me disso neste momento.

Pluto - assim se chamava o gato - era o meu preferido, com o qual eu mais me distraía. Só eu o alimentava, e ele me seguia sempre pela casa. Tinha dificuldade, mesmo, em impedir que me acompanhasse pela rua.

Nossa amizade durou, desse modo, vários anos, durante os quais não só o meu caráter como o meu temperamento - enrubesço ao confessá-lo - sofreram, devido ao demônio da intemperança, uma modificação radical para pior. Tomava-me, dia a dia, mais taciturno, mais irritadiço, mais indiferente aos sentimentos dos outros. Sofria ao empregar linguagem desabrida ao dirigir-me à minha mulher. No fim, cheguei mesmo a tratá-la com violência. Meus animais, certamente, sentiam a mudança operada em meu caráter. Não apenas não lhes dava atenção alguma, como, ainda, os maltratava. Quanto a Pluto, porém, ainda despertava em mim consideração suficiente que me impedia de maltratá-lo, ao passo que não sentia escrúpulo algum em maltratar os coelhos, o macaco e mesmo o cão, quando, por acaso ou afeto, cruzavam em meu caminho. Meu mal, porém, ia tomando conta de mim - que outro mal pode se comparar ao álcool? - e, no fim, até Pluto, que começava agora a envelhecer e, por conseguinte, se tomara um tanto rabugento, até mesmo Pluto começou a sentir os efeitos de meu mau humor.

Certa noite, ao voltar a casa, muito embriagado, de uma de minhas andanças pela cidade, tive a impressão de que o gato evitava a minha presença. Apanhei-o, e ele, assustado ante a minha violência, me feriu a mão, levemente, com os dentes. Uma fúria demoníaca apoderou-se, instantaneamente, de mim. Já não sabia mais o que estava fazendo. Dir-se-ia que, súbito, minha alma abandonara o corpo, e uma perversidade mais do que diabólica, causada pela genebra, fez vibrar todas as fibras de meu ser.Tirei do bolso um canivete, abri-o, agarrei o pobre animal pela garganta e, friamente, arranquei de sua órbita um dos olhos! Enrubesço, estremeço, abraso-me de vergonha, ao referir-me, aqui, a essa abominável atrocidade.

Quando, com a chegada da manhã, voltei à razão - dissipados já os vapores de minha orgia noturna, experimentei, pelo crime que praticara, um sentimento que era um misto de horror e remorso; mas não passou de um sentimento superficial e equívoco, pois minha alma permaneceu impassível. Mergulhei novamente em excessos, afogando logo no vinho a lembrança do que acontecera.

Entrementes, o gato se restabeleceu, lentamente. A órbita do olho perdido apresentava, é certo, um aspecto horrendo, mas não parecia mais sofrer qualquer dor. Passeava pela casa como de costume, mas, como bem se poderia esperar, fugia, tomado de extremo terror, à minha aproximação. Restava-me ainda o bastante de meu antigo coração para que, a princípio, sofresse com aquela evidente aversão por parte de um animal que, antes, me amara tanto. Mas esse sentimento logo se transformou em irritação. E, então, como para perder-me final e irremissivelmente, surgiu o espírito da perversidade. Desse espírito, a filosofia não toma conhecimento. Não obstante, tão certo como existe minha alma, creio que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano - uma das faculdades, ou sentimentos primários, que dirigem o caráter do homem. Quem não se viu, centenas de vezes, a cometer ações vis ou estúpidas, pela única razão de que sabia que não devia cometê-las? Acaso não sentimos uma inclinação constante mesmo quando estamos no melhor do nosso juízo, para violar aquilo que é lei, simplesmente porque a compreendemos como tal? Esse espírito de perversidade, digo eu, foi a causa de minha queda final. O vivo e insondável desejo da alma de atormentar-se a si mesma, de violentar sua própria natureza, de fazer o mal pelo próprio mal, foi o que me levou a continuar e, afinal, a levar a cabo o suplício que infligira ao inofensivo animal. Uma manhã, a sangue frio, meti-lhe um nó corredio em torno do pescoço e enforquei-o no galho de uma árvore. Fi-lo com os olhos cheios de lágrimas, com o coração transbordante do mais amargo remorso. Enforquei-o porque sabia que ele me amara, e porque reconhecia que não me dera motivo algum para que me voltasse contra ele. Enforquei-o porque sabia que estava cometendo um pecado _ um pecado mortal que comprometia a minha alma imortal, afastando-a, se é que isso era possível, da misericórdia infinita de um Deus infinitamente misericordioso e infinitamente terrível.

Na noite do dia em que foi cometida essa ação tão cruel, fui despertado pelo grito de "fogo!". As cortinas de minha cama estavam em chamas. Toda a casa ardia. Foi com grande dificuldade que minha mulher, uma criada e eu conseguimos escapar do incêndio. A destruição foi completa. Todos os meus bens terrenos foram tragados pelo fogo, e, desde então, me entreguei ao desespero.

Não pretendo estabelecer relação alguma entre causa e efeito - entre o desastre e a atrocidade por mim cometida. Mas estou descrevendo uma seqüência de fatos, e não desejo omitir nenhum dos elos dessa cadeia de acontecimentos. No dia seguinte ao do incêndio, visitei as ruínas. As paredes, com exceção de uma apenas, tinham desmoronado. Essa única exceção era constituída por um fino tabique interior, situado no meio da casa, junto ao qual se achava a cabeceira de minha cama. O reboco havia, aí, em grande parte, resistido à ação do fogo - coisa que atribuí ao fato de ter sido ele construído recentemente. Densa multidão se reunira em torno dessa parede, e muitas pessoas examinavam, com particular atenção e minuciosidade, uma parte dela, As palavras "estranho!", "singular!", bem como outras expressões semelhantes, despertaram-me a curiosidade. Aproximei-me e vi, como se gravada em baixo-relevo sobre a superfície branca, a figura de um gato gigantesco. A imagem era de uma exatidão verdadeiramente maravilhosa. Havia uma corda em tomo do pescoço do animal.

Logo que vi tal aparição, pois não poderia considerar aquilo como sendo outra coisa, o assombro e terror que se me apoderaram foram extremos. Mas, finalmente, a reflexão veio em meu auxílio. O gato, lembrei-me, fora enforcado num jardim existente junto à casa. Aos gritos de alarma, o jardim fora imediatamente invadido pela multidão. Alguém deve ter retirado o animal da árvore, lançando-o, através de uma janela aberta, para dentro do meu quarto. Isso foi feito, provavelmente, com a intenção de despertar-me. A queda das outras paredes havia comprimido a vítima de minha crueldade no gesso recentemente colocado sobre a parede que permanecera de pé. A cal do muro, com as chamas e o amoníaco desprendido da carcaça, produzira a imagem tal qual eu agora a via.

Embora isso satisfizesse prontamente minha razão, não conseguia fazer o mesmo, de maneira completa, com minha consciência, pois o surpreendente fato que acabo de descrever não deixou de causar-me, apesar de tudo, profunda impressão. Durante meses, não pude livrar-me do fantasma do gato e, nesse espaço de tempo, nasceu em meu espírito uma espécie de sentimento que parecia remorso, embora não o fosse. Cheguei, mesmo, a lamentar a perda do animal e a procurar, nos sórdidos lugares que então freqüentava, outro bichano da mesma espécie e de aparência semelhante que pudesse substituí-lo.

Uma noite, em que me achava sentado, meio aturdido, num antro mais do que infame, tive a atenção despertada, subitamente, por um objeto negro que jazia no alto de um dos enormes barris, de genebra ou rum, que constituíam quase que o único mobiliário do recinto. Fazia já alguns minutos que olhava fixamente o alto do barril, e o que então me surpreendeu foi não ter visto antes o que havia sobre o mesmo. Aproximei-me e toquei-o com a mão. Era um gato preto, enorme - tão grande quanto Pluto _ e que, sob todos os aspectos, salvo um, se assemelhava a ele. Pluto não tinha um único pêlo branco em todo o corpo - e o bichano que ali estava possuía uma mancha larga e branca, embora de forma indefinida, a cobrir-lhe quase toda a região do peito.

Ao acariciar-lhe o dorso, ergueu-se imediatamente, ronronando com força e esfregando-se em minha mão, como se a minha atenção lhe causasse prazer. Era, pois, o animal que eu procurava. Apressei-me em propor ao dono a sua aquisição, mas este não manifestou interesse algum pelo felino. Não o conhecia; jamais o vira antes.

Continuei a acariciá-lo e, quando me dispunha a voltar para casa, o animal demonstrou disposição de acompanhar-me. Permiti que o fizesse - detendo-me, de vez em quando, no caminho, para acariciá-lo. Ao chegar, sentiu-se imediatamente à vontade, como se pertencesse a casa, tomando-se, logo, um dos bichanos preferidos de minha mulher.

De minha parte, passei a sentir logo aversão por ele. Acontecia, pois, justamente o contrário do que eu esperava. Mas a verdade é que - não sei como nem por quê - seu evidente amor por mim me desgostava e aborrecia. Lentamente, tais sentimentos de desgosto e fastio se converteram no mais amargo ódio. Evitava o animal. Uma sensação de vergonha, bem como a lembrança da crueldade que praticara, impediam-me de maltratá-lo fisicamente. Durante algumas semanas, não lhe bati nem pratiquei contra ele qualquer violência; mas, aos poucos, muito gradativamente, passei a sentir por ele inenarrável horror, fugindo, em silêncio, de sua odiosa presença, como se fugisse de uma peste.

Sem dúvida, o que aumentou o meu horror pelo animal foi a descoberta, na manhã do dia seguinte ao que o levei para casa, que, como Pluto, também havia sido privado de um dos olhos. Tal circunstância, porém, apenas contribuiu para que minha mulher sentisse por ele maior carinho, pois, como já disse, era dotada, em alto grau, dessa ternura de sentimentos que constituíra, em outros tempos, um de meus traços principais, bem como fonte de muitos de meus prazeres mais simples e puros.

No entanto, a preferência que o animal demonstrava pela minha pessoa parecia aumentar em razão direta da aversão que sentia por ele. Seguia-me os passos com uma pertinácia que dificilmente poderia fazer com que o leitor compreendesse. Sempre que me sentava, enrodilhava-se embaixo de minha cadeira, ou me saltava ao colo, cobrindo-me com suas odiosas carícias. Se me levantava para andar, metia-se-me entre as pernas e quase me derrubava, ou então, cravando suas longas e afiadas garras em minha roupa, subia por ela até o meu peito. Nessas ocasiões, embora tivesse ímpetos de matá-lo de um golpe, abstinha-me de fazê-lo devido, em parte, à lembrança de meu crime anterior, mas, sobretudo apresso-me a confessá-lo , pelo pavor extremo que o animal me despertava. Esse pavor não era exatamente um pavor de mal físico e, contudo, não saberia defini-lo de outra maneira. Quase me envergonha confessar – sim, mesmo nesta cela de criminoso –, quase me envergonha confessar que o terror e o pânico que o animal me inspirava eram aumentados por uma das mais puras fantasias que se possa imaginar. Minha mulher, mais de uma vez, me chamara a atenção para o aspecto da mancha branca a que já me referi, e que constituía a única diferença visível entre aquele estranho animal e o outro, que eu enforcara. O leitor, decerto, se lembrará de que aquele sinal, embora grande, tinha, a princípio, uma forma bastante indefinida. Mas, lentamente, de maneira quase imperceptível – que a minha imaginação, durante muito tempo, lutou por rejeitar como fantasiosa -, adquirira, por fim, uma nitidez rigorosa de contornos. Era, agora, a imagem de um objeto cuja menção me faz tremer... E, sobretudo por isso, eu o encarava como a um monstro de horror e repugnância, do qual eu, se tivesse coragem, me teria livrado. Era agora, confesso, a imagem de uma coisa odiosa, abominável: a imagem da forca! Oh, lúgubre e terrível máquina de horror e de crime, de agonia e de morte!

Na verdade, naquele momento eu era um miserável, um ser que ia além da própria miséria da humanidade. Era uma besta-fera, cujo irmão fora por mim desdenhosamente destruído... uma besta-fera que se engendrara em mim, homem feito à imagem do Deus Altíssimo. Oh, grande e insuportável infortúnio! Ai de mim! Nem de dia, nem de noite, conheceria jamais a bênção do descanso! Durante o dia, o animal não me deixava a sós um único momento; e, à noite, despertava de hora em hora, tomado do indescritível terror de sentir o hálito quente da coisa sobre o meu rosto, e o seu enorme peso , encarnação de um pesadelo que não podia afastar de mim pousado eternamente sobre o meu coração!

Sob a pressão de tais tormentos, sucumbiu o pouco que restava em mim de bom. Pensamentos maus converteram-se em meus únicos companheiros, os mais sombrios e os mais perversos dos pensamentos. Minha rabugice habitual se transformou em ódio por todas as coisas e por toda a humanidade e enquanto eu, agora, me entregava cegamente a súbitos, freqüentes e irreprimíveis acessos de cólera, minha mulher - pobre dela! - não se queixava nunca convertendo-se na mais paciente e sofredora das vítimas.

Um dia, acompanhou-me, para ajudar-me numa das tarefas domésticas, até o porão do velho edifício em que nossa pobreza nos obrigava a morar, O gato seguiu-nos e, quase fazendo-me rolar escada abaixo, me exasperou a ponto de perder o juízo. Apanhando uma machadinha e esquecendo o terror pueril que até então contivera minha mão, dirigi ao animal um golpe que teria sido mortal, se atingisse o alvo. Mas minha mulher segurou-me o braço, detendo o golpe. Tomado, então, de fúria demoníaca, livrei o braço do obstáculo que o detinha e cravei-lhe a machadinha no cérebro. Minha mulher caiu morta instantaneamente, sem lançar um gemido.

Realizado o terrível assassínio, procurei, movido por súbita resolução, esconder o corpo. Sabia que não poderia retirá-lo da casa, nem de dia nem de noite, sem correr o risco de ser visto pelos vizinhos.

Ocorreram-me vários planos. Pensei, por um instante, em cortar o corpo em pequenos pedaços e destruí-los por meio do fogo. Resolvi, depois, cavar uma fossa no chão da adega. Em seguida, pensei em atirá-lo ao poço do quintal. Mudei de idéia e decidi metê-lo num caixote, como se fosse uma mercadoria, na forma habitual, fazendo com que um carregador o retirasse da casa. Finalmente, tive uma idéia que me pareceu muito mais prática: resolvi emparedá-lo na adega, como faziam os monges da Idade Média com as suas vítimas.

Aquela adega se prestava muito bem para tal propósito. As paredes não haviam sido construídas com muito cuidado e, pouco antes, haviam sido cobertas, em toda a sua extensão, com um reboco que a umidade impedira de endurecer. Ademais, havia uma saliência numa das paredes, produzida por alguma chaminé ou lareira, que fora tapada para que se assemelhasse ao resto da adega. Não duvidei de que poderia facilmente retirar os tijolos naquele lugar, introduzir o corpo e recolocá-los do mesmo modo, sem que nenhum olhar pudesse descobrir nada que despertasse suspeita. E não me enganei em meus cálculos. Por meio de uma alavanca, desloquei facilmente os tijolos e tendo depositado o corpo, com cuidado, de encontro à parede interior. Segurei-o nessa posição, até poder recolocar, sem grande esforço, os tijolos em seu lugar, tal como estavam anteriormente. Arranjei cimento, cal e areia e, com toda a precaução possível, preparei uma argamassa que não se podia distinguir da anterior, cobrindo com ela, escrupulosamente, a nova parede. Ao terminar, senti-me satisfeito, pois tudo correra bem. A parede não apresentava o menor sinal de ter sido rebocada. Limpei o chão com o maior cuidado e, lançando o olhar em tomo, disse, de mim para comigo: "Pelo menos aqui, o meu trabalho não foi em vão".

O passo seguinte foi procurar o animal que havia sido a causa de tão grande desgraça, pois resolvera, finalmente, matá-lo. Se, naquele momento, tivesse podido encontrá-lo, não haveria dúvida quanto à sua sorte: mas parece que o esperto animal se alarmara ante a violência de minha cólera, e procurava não aparecer diante de mim enquanto me encontrasse naquele estado de espírito. Impossível descrever ou imaginar o profundo e abençoado alívio que me causava a ausência de tão detestável felino. Não apareceu também durante a noite _ e, assim, pela primeira vez, desde sua entrada em casa, consegui dormir tranqüila e profundamente. Sim, dormi mesmo com o peso daquele assassínio sobre a minha alma.

Transcorreram o segundo e o terceiro dia, e o meu algoz não apareceu. Pude respirar, novamente, como homem livre. O monstro, aterrorizado fugira para sempre de casa. Não tomaria a vê-lo! Minha felicidade era infinita! A culpa de minha tenebrosa ação pouco me inquietava. Foram feitas algumas investigações, mas respondi prontamente a todas as perguntas. Procedeu-se, também, a uma vistoria em minha casa, mas, naturalmente, nada podia ser descoberto. Eu considerava já como coisa certa a minha felicidade futura.

No quarto dia após o assassinato, uma caravana policial chegou, inesperadamente, a casa, e realizou, de novo, rigorosa investigação. Seguro, no entanto, de que ninguém descobriria jamais o lugar em que eu ocultara o cadáver, não experimentei a menor perturbação. Os policiais pediram-me que os acompanhasse em sua busca. Não deixaram de esquadrinhar um canto sequer da casa. Por fim, pela terceira ou quarta vez, desceram novamente ao porão. Não me alterei o mínimo que fosse. Meu coração batia calmamente, como o de um inocente. Andei por todo o porão, de ponta a ponta. Com os braços cruzados sobre o peito, caminhava, calmamente, de um lado para outro. A polícia estava inteiramente satisfeita e preparava-se para sair. O júbilo que me inundava o coração era forte demais para que pudesse contê-lo. Ardia de desejo de dizer uma palavra, uma única palavra, à guisa de triunfo, e também para tomar duplamente evidente a minha inocência.

- Senhores – disse, por fim, quando os policiais já subiam a escada –, é para mim motivo de grande satisfação haver desfeito qualquer suspeita. Desejo a todos os senhores ótima saúde e um pouco mais de cortesia. Diga-se de passagem, senhores, que esta é uma casa muito bem construída... (Quase não sabia o que dizia, em meu insopitável desejo de falar com naturalidade.) Poderia, mesmo, dizer que é uma casa excelentemente construída. Estas paredes – os senhores já se vão? – , estas paredes são de grande solidez.

Nessa altura, movido por pura e frenética fanfarronada, bati com força, com a bengala que tinha na mão, justamente na parte da parede atrás da qual se achava o corpo da esposa de meu coração.

Que Deus me guarde e livre das garras de Satanás! Mal o eco das batidas mergulhou no silêncio, uma voz me respondeu do fundo da tumba, primeiro com um choro entrecortado e abafado, como os soluços de uma criança; depois, de repente, com um grito prolongado, estridente, contínuo, completamente anormal e inumano. Um uivo, um grito agudo, metade de horror, metade de triunfo, como somente poderia ter surgido do inferno, da garganta dos condenados, em sua agonia, e dos demônios exultantes com a sua condenação.

Quanto aos meus pensamentos, é loucura falar. Sentindo-me desfalecer, cambaleei até à parede oposta. Durante um instante, o grupo de policiais deteve-se na escada, imobilizado pelo terror. Decorrido um momento, doze braços vigorosos atacaram a parede, que caiu por terra. O cadáver, já em adiantado estado de decomposição, e coberto de sangue coagulado, apareceu, ereto, aos olhos dos presentes.

Sobre sua cabeça, com a boca vermelha dilatada e o único olho chamejante, achava-se pousado o animal odioso, cuja astúcia me levou ao assassínio e cuja voz reveladora me entregava ao carrasco. Eu havia emparedado o monstro dentro da tumba!

Fonte:
Edgar Allan Poe. Histórias Extraordinárias. (Tradução de Brenno Silveira e outros). São Paulo: Nova Cultural, 1993. p.41-51.

terça-feira, 11 de março de 2008

Literatura Russa

Literatura dos povos eslavos do Leste, escrita em língua russa.

PERÍODO DE KIEV

O início da expressão literária na Rússia pode ser situado em torno do século IX, quando os missionários e eruditos bizantinos Cirilo e Metódio escreveram em dialeto eslavo-macedônio que, mais tarde, passaria a se chamar eslavo-litúrgico. A primeira grande época da civilização russa desenvolveu-se em Kiev e o eslavo-eclesiástico antigo foi usado durante vários séculos como língua literária para a qual se traduziram textos de caráter religioso e semi-religiosos escritos em grego.

Os monges chegaram a dominar estas formas literárias importadas e produziram uma literatura própria: Sermão sobre a lei e a graça (c. 1050), do religioso Hilarion, e o mais conhecido, Profissão de fé, que, talvez, seja texto de um monge e esboça uma história dos povos eslavos. Uma das obras mais extraordinárias deste período, o Cantar das hostes de Igor (1185), aborda uma comovedora epopéia anônima, apelando para a unidade dos eslavos contra os invasores nômades asiáticos.

PERÍODO MOSCOVITA

Após a expulsão dos invasores tártaros, no século XV, Moscou tornou-se a nova capital da Rússia. A chegada das idéias renascentistas refletiu-se na autobiografia do religioso Avvakum, A vida do arcebispo Avvakum (1672-1675).

PERÍODO PETERSBURGUÊS

Durante o reinado do czar Pedro I que, em 1713, mudara a capital de Moscou para San Petersburgo, o isolamento cultural da Rússia chegou ao fim. Os escritores russos, então, adaptaram as influências ocidentais, como o neoclassicismo francês, ao âmbito russo. Dois escritores do final do século XVIII constituem um exemplo claro da crescente independência da literatura russa em relação aos modelos estrangeiros: o autor teatral Denis Fonvizin e o poeta Gavriil Romanovich Derzhavin. O Iluminismo teve um de seus principais defensores na figura do cientista e poeta Mikhail Vassilievitch Lomonossov. Destacam-se, além deste, o jornalista satírico Nikolai Ivanovich Novikov e Alexandr Nikolaievich Radishchev.

SÉCULO XIX

A Idade de Ouro da literatura russa surge com o poeta e prosista Aleksandr Sergeievitch Puchkin que aderiu, com entusiasmo, ao Romantismo. Em seus últimos anos tendeu para o nascente Realismo.

Entre os mais destacados escritores encontram-se o brilhante fabulista Ivan Yrievich Krilov, o dramaturgo Alexandr Sergeievich Griboiedov e o poeta e romancista Mikhail Iurievitch Lermontov. Nesta crescente preferência russa pela prosa, em detrimento da poesia, existem duas exceções: os poetas Afanasi Afanasievich Fet e Fiodor Ivanovich Tiutchev.

O romance, o conto e o teatro foram as formas preferidas durante este fértil período. O termo Realismo foi constantemente utilizado para descrever estas obras por críticos literários radicais como Vissarion Grigorievich Belinski, Nikolai Gravilovitch Tchernichevski e Nikolai Alexandrovich Dobroliubov que apoiavam urgentes programas de reforma social. Desta forma, o romancista e dramaturgo Nikolai Vasilievitch Gogol, primeiro escritor em prosa realmente destacável da literatura russa, sucumbiu ao apelo messiânico em prol da melhora das condições de vida de seu povo. A figura do romancista e contista Ivan Sergeievitch Turgueniev ascende como figura literária central desta época.

O romancista e filósofo Lev Tolstoi esforçou-se para descobrir e propagar verdades essenciais sobre a natureza da existência humana. Em contraste com esta atitude, a obra do grande romancista Fiodor Mikhailovitch Dostoievski discorreu pelos terrenos do irracional, explorou as profundidades das experiências mais díspares e encontrou suas situações dramáticas nos extremos do comportamento humano, como o assassinato, a rebelião e a blasfêmia.

À mesma época pertencem outros autores como o romancista Ivan Aleksandrovitch Goncharov, N. Shchedrin - que descreveu a sociedade russa de maneira satírica e mordaz - Serguei Timofeievich Axakov que expressou, com grande sensibilidade, a vida familiar da alta burguesia russa, estilo que influenciou muitos autores posteriores. O romancista Nikolai Semionovich Leskov e o autor de relatos curtos Alexandr Nikolaievich Ostrovski contribuíram, de maneira decisiva, para a criação de um repertório teatral russo com obras centradas na vida da classe média.

Na obra do dramaturgo e contista Anton Pavlovich Tchekhov, o realismo em prosa alcançou grande refinamento.

Outros escritores russos do final do século XIX agruparam-se em movimentos complexos, cuja característica foi a recusa dos valores estéticos e da prática literária da época imediatamente anterior. Este movimento inspirou o Ressurgimento, em torno da metade do século, de idéias e atitudes românticas e do Simbolismo francês em toda a Europa Ocidental.

SÉCULO XX

No início do século XX, um considerável número de escritores russos - entre os quais, Aleksandr Aleksandrovitch Blok, Valeri Yakovlevich Briusov, Konstantin Dmitrievich Balmont, Boris Nikolaievich Bugaiev e Zinaida Nikolaievna Gippius - dedicou-se à poesia.

Enquanto isto, os escritores simbolistas insistiam em alterar as propriedades tradicionais do romance. O poeta, romancista e crítico literário Dimitri Sergeievich Merezhkovski empenhou-se em escrever estudos históricos, enquanto Fiodor Sologub descrevia fatos fantásticos ocorridos, paralelamente, aos acontecimentos da existência doutrinária.

Numerosos escritores trabalharam independentes de qualquer escola ou movimento. O dramaturgo e contista Leonid Nikolaievich Yreyev, o romancista Alexandr Ivanovich Kuprin e o poeta e romancista Ivan Alekseievitch Bunin - primeiro escritor russo que recebeu o Prêmio Nobel (1933) - enriqueceram a prosa russa com obras bastante pessoais.

O romancista, dramaturgo e ensaísta Maksim Gorki realizou uma síntese literária pessoal a partir de suas experiências e é considerado o fundador do movimento denominado Realismo Socialista.

Durante o período de relativa calma que se seguiu à fundação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, surgiu uma nova escola de pensamento, segundo a qual a cultura proletária substituiria as formas herdadas do passado. Segundo esta escola, a literatura seria a ferramenta de conscientização e transformação da sociedade. Os escritores Futuristas, encabeçados pelo poeta Vladimir Vladimirovitch Maiakovski, propuseram uma drástica mudança nas formas, nas imagens literárias e na textura da linguagem. Outro grupo mais conservador, conhecidos como os Irmãos Serapion, preferiu manter-se fiel às tradições clássicas russas.

Boris Leonidovitch Pasternak tornou-se uma das vozes poéticas mais individualizadas de nossa época. Pasternak realizou, através de seus poemas líricos e narrativos, amplas explorações em torno da percepção. Por outro lado, Anna Akhmatova e Osip Emilievitch Mandelstam - associados ao grupo Acmeísta surgido no período pré-revolucionário - também alcançaram certa celebridade.

A narrativa desta época gravita em torno da doutrina oficial do Realismo Socialista e caracterizou-se pela grande dificuldade que encontraram os escritores da época em descrever a revolução e a guerra civil que a seguiu. Um dos romances mais populares deste período, Chapaiev (1932), de Dimitri Furmanov, oferece uma transcrição de acontecimentos pessoais e históricos. No outro extremo, situam-se as histórias breves de Isaac Babel nas quais os acontecimentos extraídos do diário do autor falam de irônicas discrepâncias e surpreendentes analogias entre fatos e pessoas nos anos da guerra civil. Nesta linha, destacam-se os romances de Konstantin Alexandrovich Fedin, Leonid Maximovich Leonov e Alexandr Alexandrovich Fadeiev.

No período imediatamente posterior à guerra, a curiosa combinação entre o ardor revolucionário e o afã comercial aparecem refletidos na narrativa de Valentin Petrovich Kataiev, nos ácidos relatos curtos e apontamentos de Mikail Zoshchenko e nas sátiras de Ilia Arnoldovich Ilf e Yevgeni Petrovich Petrov.

Os melhores escritores deste momento adaptaram-se às fórmulas políticas do Realismo Socialista, entre eles Leonov, o dramaturgo e romancista Konstantin Simonov e Mikhail Aleksandrovitch Cholokhov.

Com a morte de Josef Stalin, em 1953, os escritores começaram a se questionar sobre a vida na União Soviética, ao mesmo tempo em que dirigiam seus olhares para as viviam nos lugares mais distantes do país. O renomado poeta Ievgueni Aleksandrovitch Ievtuchenko voltou a injetar paixão em uma moribunda tradição poética e seu contemporâneo, Yrey Voznesenski, contribuiu para vitalizar a linguagem da poesia.

Doutor Jivago (1957), de Boris Pasternak, não pode ser lido em russo até 1987. Em 1958 foi concedido o Prêmio Nobel de Literatura a seu autor. Pasternak, submetido à poderosas pressões oficiais, não o aceitou.

No começo da década de 1960, o crítico e erudito Yrey Siniavski publicou várias obras sob o pseudônimo de Abram Tertz. Entre elas encontrava-se um artigo em tom irônico, O que é o Realismo Socialista?, no qual atacava os fundamentos intelectuais desta doutrina. Em 1966, sob a acusação de difamar a União Soviética, Yrey Siniavski foi condenado, junto com o também escritor Yuli Markovich Daniel, a trabalhos forçados.

O renomado romancista Aleksandr Isaievitch Soljenitsin ultrapassou, constantemente, a linha que separava o permitido do proibido, não conseguindo livrar-se da censura. Em 1970, Solzhenitsin recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. Seu gesto foi duramente condenado pelo governo e pela União dos Escritores Soviéticos.

Durante o período pós-stalinista, o termo "literatura ilegal" (samizdat) foi usado, repetidas vezes, para qualificar as obras de Mikail Bulgakov, do poeta Joseph Brodsky, Prêmio Nobel de Literatura em 1987, além de muitos outros escritores e pensadores, entre eles, Valerii Tarsis. Após o colapso da União Soviética, em 1991, iniciou-se uma nova era na literatura russa.

Fonte:
http://www.historiadomundo.com.br/russa/literatura-russa/

Anton Pavlovitch Tchékhov (1860 - 1904)

Anton Pavlovitch Tchékhov, em alfabeto cirílico Анто´н Па´влович Че´хов, (Taganrog, 29 de Janeiro de 1860 — Badenweiler, 14 de Julho ou 15 de Julho de 1904) foi um importante escritor e dramaturgo russo, considerado um dos mestres do conto moderno. Era também médico, exercendo a Medicina durante o dia e frequentemente escrevendo à noite.

Era filho de Pavel Egorovic Tchékhov e de Evgenija Jakovlevna. Teve quatro irmãos, Aleksandr (1855), Nikolaj (1858), mais velhos, Ivan (1861), Michail (1865) e uma irmã, Marija (1863). Uma segunda irmã nascida em 1869, Evgenija morreu com dois anos de idade.

As origens da família são humildes. O avô de Tchékhov, Egor Tchékhov, foi um servo que comprou a sua liberdade do Kreopostnoje Pravo. Pavel tinha então dezesseis anos.

Pavel Tchékhov fez um estágio de três anos num comerciante. Tornou-se depois servente e contabilista. Em 1857 tornou-se dono de uma mercearia. Comprou por um bom preço mas num momento inoportuno. A Guerra da Criméia tinha sido perdida e como consequência tinha sido imposta a desmilitarização do Mar Negro, pelo que os marinheiros e militares que tinham sido os principais clientes até então, tinham deixado estas paragens.

A mercearia do pai tinha um pequeno bar, tolerado pelas autoridades.

Numa carta de 1889 ao seu irmão Aleksandr, Anton Tchékhov resume a sua infância na seguinte frase, plena de ironia: "Filho de um servo, ... servente de loja, cantor na igreja, estudante do liceu e da Universidade, educado para a reverência de superiores e para beijos de mão, para se curvar perante os pensamentos alheios, para a gratidão por qualquer pequeno pedaço de pão, muitas vezes sovado, indo à escola sem galochas".

O pai, marcado pelo estigma de um ex-servo, educou os filhos de forma autocrática, habituando-os a obedecer. Deu-lhes no entanto o acesso à educação. Possibilitou aos filhos a frequência de um dos melhores liceus da cidade. Tiveram aulas de música e francês.

Anton foi acólito. No entanto, pouco lhe ficou da inspiração religiosa (que a propósito era muito marcante no pai, dirigente do coro da Igreja). Como Anton disse a este respeito: "o coração está como que varrido".

Na escola, Anton não foi um bom aluno. Chegou a reprovar. Um padre que lhe deu aulas de religião chamava-o com menosprezo de "Cech" onte (cech significa servo). A mensagem: tu não passas de filho de servo. Mais tarde, quando publicava os primeiros contos em jornais, Tchékhov usou o pseudônimo "Antosa Cechonte" com ironia.

A partir dos seus treze anos, ficou fascinado pelo teatro da cidade, que dado o pouco dinheiro que tinha não frequentava tantas vezes como queria. Como era proibida a entrada a crianças não acompanhadas de adultos e sem a autorização do liceu, chegou a "disfarçar-se" de adulto, usando uma barba postiça.

Em 1874, Pavel, o pai de Anton, decide comprar uma casa maior. Ao mesmo tempo alugou uma segunda loja. O seu desejo de ascensão social suplantou a sua prudência económica. Suas dívidas cresceram e em breve ficou incapaz de as pagar. Em Abril de 1877 esteve quase a ser preso. Pavel fugiu ilegalmente para Moscovo, onde os filhos Aleksandr e Nikolaj estudavam. A esposa ficou para vender a casa e pagar as dívidas. Depois juntou-se ao marido em Moscovo. Anton (17 anos de idade) e Michail (16) ficaram em Taganrog, para acabar o liceu. Michail foi depois para Moscovo, enquanto que Anton ficou em Taganrog, onde deu aulas particulares para ganhar dinheiro (o que ele relatou depois num conto). Passou dois anos e meio, sozinho em Taganrog. A mãe escreveu-lhe de Moscovo: "vende a cómoda e as coisas, depressa, não nos deixes morrer de angústia!". Suas leituras nesta fase da sua vida eram Shakespeare, Cervantes, Victor Hugo, Ivan Turgeniev, Goncarov, Harriet Beecher Stowe, Friedrich Spielhagen e Leon Tolstoi. Em 1876, tinha sido inaugurada a primeira biblioteca pública em Taganrog. As notas de Anton no liceu melhoraram nos anos em que viveu sozinho. A 27 de Junho de 1879 concluiu o liceu.

Em Agosto de 1879, beneficiando de um subsídio de 25 rublos mensais da cidade de Taganrog, Anton vai para Moscovo, onde reencontra a família. A família encontra-se numa situação financeira precária. O pai está desempregado há meses, a família tem sempre dificuldades em pagar a a renda da casa e foi forçada a mudar de casa 12 vezes entre 1876 e 1879. Meses depois da chegada de Anton, o pai encontra um emprego nos arredores de Moscovo e para a sua felicidade é-lhe dada a oportunidade de dormir no local de trabalho, o que alivia a casa onde a família vive, absolutamente a abarrotar. O pai vem apenas aos fins de semana visitar a família. Anton partilha durante os seus estudos, o seu quarto de dormir com os irmãos Nicolai e Michail.

Em 1880, Tchekov envia um drama, escrito nos últimos tempos em Taganrog, com o título "os sem-pai", também conhecido como o "Platonov" (nome da figura central) a uma famosa actriz de teatro em Moscovo, Marija Ermolova, que o devolveu sem comentários. Depois disso, Tchekov desistiu de tentar trazer uma encenação do drama para o palco.

Anton estudou Medicina, tendo-se licenciado em Maio de 1884. Já mesmo durante os seus estudos (que duraram 4 anos e meio) publicou centenas de artigos em vários jornais e revistas das metrópoles russas (Moscovo e São Petersburgo). Ele dependia desta fonte de receitas para se sustentar a si e a sua família. Entre os jornais e revistas onde publicou encontram-se o Budilnik, Strekoza, Zritel, Svet i teni, Svertcok ou o Sputnik. A partir de 1882 publicou também no Oskolski.

Em Março de 1888 surge publicado na revista Severnyi vestnik o seu romance A estepe.

Em 1889, os sintomas da tuberculose agravaram-se, fazendo-o mais pessimista sobre o seu estado de saúde. Em junho desse ano morre o seu irmão Nikolaj, vítima de tifo e tuberculose, possivelmente infectado pelo irmão. Anton sentiu remorsos por não ter estado presente nos últimos dias de vida do irmão. Em Junho, o irmão Aleksandr chegou e rendeu-o na vigília ao irmão, tendo Anton decidido fazer uma viagem com os amigos até Poltava. Fugiu da mesma morte que o esperava, assim o descreveu.

Após o enterro do irmão, ("a nossa família viu um caixão pela primeira vez") decidiu iniciar uma viagem sem rumo. Vive em viagem permanente nos meses seguintes. Em janeiro de 1890 escreve à família que tenciona viajar até à distante Sacalina, a ilha do desterro, no longínquo leste da Rússia. A família fica estupefacta.

Após meses de preparação, Tchékhov partiu em 21 de Abril de 1890 para a longa viagem. Suvorin deu-lhe um "avanço" de 1500 rublos para a viagem. A 11 de Julho de 1890 chega finalmente a Fort Aleksandrovsk, na Ilha Sacalina. Passou dois meses no norte da ilha e três meses no sul da mesma. Quis conhecer as gentes da ilha, fez quase mesmo um levantamento das visitas que fazia, escrevendo notas em cerca de 10.000 cartões individuais, um trabalho exaustivo. A ilha Sacalina era usada como zona de desterro, tal como muitos territórios na Sibéria. A partir de 1860, o número de "criminosos" (incluindo por "delitos" políticos) enviados para a Sibéria era de cerca de 20.000 por ano. Entre os desterrados inclui-se o amigo de Tchékhov, Vladimir Korolenko, um escritor, que foi enviado para a Sibéria pela polícia, sem qualquer julgamento. A 13 de Outubro parte para Vladivostok. Um mês depois, chega à ilha de Ceilão. A 1 de Novembro chega a Odessa. A 8 de Dezembro está de regresso a Moscovo. Traz dois mangustos na bagagem.

Em 1891, escreve O duelo, que é publicado no "Novo tempo" de Suvorin, por capítulos. Neste livro, fluíram as impressões que Tchékhov teve das conversas que teve com um zoólogo nas férias de Verão desse ano em Bogimovo, perto de Aleksin. Vladimir Vagner, recém-licenciado em zoologia, e um defensor do social-Darwinismo, do direito dos mais fortes, da seleção social.

O Verão de 1891 foi particularmente seco no leste da Rússia, contribuindo para uma onda de fome. Tchecov mobilizou-se pessoalmente para combater a catástrofe, contribuindo directamente com os honorários do conto "A minha mulher", participando nas campanhas de recolha de fundos. Em Janeiro de 1892, viajou até Niznij Novgorov, uma cidade afectada. Relatou as suas vivências na imprensa, contribuindo para o debate sobre a catástrofe e a necessidade de reunir fundos para as vítimas.

Em 1892, Tchekhov decidiu instalar-se com parte da família numa quinta em Melichovo, 60 kms a sul de Moscovo. A ideia já era um sonho desde a década de 1880, mas em 1892 Tchekhov dispunha do dinheiro necessário, que resultava em parte das primeiras encenações. O acesso à quinta a partir de Moscovo era razoável: uma hora e meia de viagem em combóio até Lopasnja e uma hora de carroça a partir dali.

A compra da quinta foi um mau negócio, gastou 13 000 rublos, mais do dobro do que pretendia gastar inicialmente. O anterior dono, um pintor, aproveitou-se da ocasião. Tchecov passa a ter agora uma casa, 60 cerejeiras e 80 macieiras e pode saborear aquilo que desejava: a vida no campo. Tornou-se um elemento bem-vindo na comunidade dos lavradores das redondezas, em especial por ser médico e praticar a profissão sem exigir pagamento.

Entre as muitas visitas na nova casa conta-se Lidija Mizinova com quem Tchecov teve uma relação afetiva mais ou menos íntima e mais ou menos passageira. Foi uma figura inspiradora de personagens de suas obras.

No Verão de 1892 grassa agora uma epidemia de cólera na Rússia. Como no passado, Tchecov mobiliza-se para angariar fundos ("mostrei-me um bom mendigo"), participa na construção de barracas para a quarentena, trabalhou na administração local. Felizmente, porém, Melichovo não foi afetada pela cólera.

Em 1893 volta a surgir a cólera. Tchecov volta a mobilizar-se, participando em campanhas de informação sanitária e trabalhando como médico. Foi membro da zemstvo local.

Em 1894 faz uma viagem pela Europa ocidental.

A partir de 1895 Tchecov comprou livros para oferecer à biblioteca de sua terra natal, Taganrog. Uma prática que ele manterá nos próximos anos. Mesmo em viagem pela Europa lembrou-se de comprar livros para a bibliioteca da sua terra.

O seu envolvimento na comunidade local mantém-se muito ativo nos anos seguintes. Em 1894 torna-se membro da zemstvo de Serpuchov. Em Dezembro desse ano torna-se curador de uma escola em Talez. Em 1896 financia pelos seus próprios meios a construção de uma nova escola em Talez. Em 1897 é a vez de financiar a construção da escola numa aldeia chamada Novoselki. Apoia também uma sociedade de beneficência que trata de pacientes que receberam alta dos hospitais. Ainda em 1897 torna-se também curador da escola da aldeia de Cirkovskoje.

Em 1896 surge o romance "a minha vida", em 1897 "os camponeses". São obras que testemunham a ruptura com as visões utópicas e românticas tão comuns nestes anos na Rússia: o ideal da vida no campo faz alguns intelectuais russos, os Narodniks, premonitores da revolução soviética, sonhar com uma saída para todos os problemas: o regresso ao passado, o regresso à agricultura. Tchecov, que vive ele próprio no campo e assiste à vida rural in loco, tem acesso a uma perspectiva que a elite intelectual das cidades não adivinha: alcoolismo, ignorância, brutalidade, maldade. Para Tchechov os homens do campo não são nenhum modelo, ao contrário do que um Leon Tolstoi possa pensar.

Esta visão, contrária aos ideais da maioria da "intelectualidade" russa, espelhada naquelas obras, irá tornar Tchecov impopular. Michajlovski acusa Tchecov de falsificar a (gloriosa) vida dos camponeses devido à sua ignorância.

Após a produção com êxito de "A Gaivota" pelo teatro de arte de Moscou, escreveu três outras peças para a mesma companhia: "O Tio Vânia", "As três irmãs", e "O pomar de cerejas" (traduzido em Portugal como "O Ginjal").

Em 1901, casou com Olga Leonardovna Knipper (1870-1959), uma atriz que foi intérprete nas suas peças.

A influência do naturalismo no teatro que se fazia sentir por toda a Europa atingiu o seu expoente artístico na Rússia em 1898 com a formação do Teatro Artístico de Moscou (mais tarde chamado de Teatro da Academia das Artes de Moscou). O seu nome tornou-se um sinónimo de Tchekhov, cujas peças acerca da vida quotidiana da aristocracia possuidora de terras adquiriram um delicado realismo poético que estava anos à frente do seu tempo. Konstantin Stanislavsky, o diretor do teatro, tornou-se porventura o mais importante teórico da arte de representar do século XX.

Tchékhov visitou a Europa Ocidental na companhia de A.S. Suvorin, um rico proprietário de um jornal e o editor de muitos dos trabalhos de Tchékhov. A sua longa e íntima amizade foi motivo de alguma impopularidade para Tchékhov, uma vez que o jornal de Suvorin, Novoye vremya (O novo tempo) era tido por muitos dos russos como de carácter conservador e reaccionário. Anton acabou por cortar relações com Suvorin por causa da posição do jornal em relação ao Caso Alfred Dreyfus em França, tendo Tchékhov sido um defensor de Dreyfus.

Anton morreu vítima da tuberculose em Badenweiler, 14 de Julho ou 15 de Julho de 1904. Foi sepultado no cemitério Novodevichy.

Obras
Seus livros mais conhecidos são: Contos e narrativas, Um duelo, A Estepe, A Minha Vida, A sala número seis, Uma história sem importância. Escreveu para o teatro, primeiramente a farsa, depois o drama. Entre as suas peças, destacam-se: A Gaivota, Tio Vânia, As três irmãs, O canto do cisne, Um trágico à força, Ivanov, etc.

Fonte:
http://pt.wikipedia.org

Anton Pavlovitch Tchekhov (O Caçador)

Um meio-dia quente e sufocante. No céu, nem uma única nuvem... As ervas, queimadas pelo sol, apresentam um aspecto triste e desolado: já não recuperarão mais o seu viço, mesmo que chova... A floresta queda-se muda, imóvel, parecendo que as copas das árvores observam qualquer coisa ao longe e esperam.

Pela orla do bosque caminha, preguiçoso e gingão , um homem de uns quarenta anos, alto, de ombros estreitos, camisa vermelha, botas altas e calças herdadas do patrão, já cobertas de remendos. Arrasta-se ao longo da estrada. À direita, verdeja a moita; à esquerda, ocupando todo o espaço até ao horizonte, estende-se um mar dourado de centeio maduro... O homem está vermelho e transpira. Na sua cabeça bonita, de cabelos louros, leva um boné posto à banda, branco e de pala direita, de jóquei, provavelmente oferecido por algum jovem ricaço num arroubo de generosidade. Ao ombro leva um bornal, com um tetraz aí metido às três pancadas. Nas mãos, uma espingarda de dois canos, engatilhada, e não desprende o olhar do velho e escanzelado cão que corre à frente, farejando arbustos. Em volta, apenas o silêncio... Todos os seres vivos fugiram do calor para os esconderijos.

- Egor Vlassitch - ouve subitamente pronunciar, em voz baixa.

Sobressaltado, olha à roda e fica de cenho carregado. Tem diante de si, como que caída do céu, uma camponesa dos seus trinta anos, de tez pálida e com uma foice na mão, que lhe procura ver o rosto e sorri timidamente.

- Ah, es tu, Pelagueia! - diz o caçador, detendo-se e desengatilhando a arma. - Hum!... O que andas a fazer por aqui?

- Estou aqui a ceifar com as da nossa aldeia... Andamos à jorna.

- Pois é... - resmunga Egor, e põe-se de novo a andar com lentidão.

Pelagueia segue-o. Dão, em silêncio, uns vinte passos.

-Há já muito que não o vejo, Egor Vlassitch... - diz Pelagueia, acompanhando com um olhar afetuoso os movimentos dos ombros e das costas do homem. - Desde aquele dia, na Semana Santa, que foi à nossa casa pedir um copo de água, nunca mais lhe pusemos os olhos em cima. Entrou só e saiu, e ainda assim... muito borracho... Armou uma bulha, deu-me uma sova e foi-se embora... E eu que o esperei tanto, a olhar a todo o instante para a janela, a ver se aparecia... Ai, Egor Vlassitch, Egor Vlassitch! Por que não quer dar um salto a casa?

-Para fazer o quê?

- Nada, é claro, mas aquilo sempre é propriedade sua... Podia dar uma olhadela, ver como é que andam as coisas. O dono é você... Ena! Matou um tetraz! Por que não se senta e descansa um bocado?

Ao dizer isto, Pelagueia ri, feita uma parva, erguendo os olhos para o rosto de Egor Vlassitch. A sua cara respira felicidade.

- Pois bem, descansemos... - anuiu o caçador em tom indiferente e escolhendo um lugar entre dois abetos. - Por que estás aí de pé? Senta-te também.

Pelagueia senta-se um pouco afastada ao sol, e, envergonhada da sua alegria, tapa com a mão a boca sorridente.

- Se ao menos passasse um dia pela casa - diz em voz baixa.

-Para quê? - Egor suspira, descobrindo-se e limpando a testa vermelha a uma manga. - Não há necessidade. Se fico uma hora ou duas, .é perder tempo e desarranjar-te, e quanto a fixar-me para sempre na aldeia, isso é-me insuportável. Sabes que sou um homem mimado. Quero ter cama, bom chá, trato delicado e tudo o mais, e lá na tua aldeia só há miséria, imundície...

Não agüento ali nem um só dia. Se me obrigassem, pela força, a viver contigo, ou pegava fogo à casa ou suicidava-me. Sou assim de pequeno, buliçoso. Não tem cura.

- E onde é que mora agora?

- Em casa do patrão, Dmitri Ivanitch, como caçador. Levo caça para a cozinha dele... Mas é antes por prazer que me mantém.

- Não é séria a sua ocupação, Egor Vlassitch... Para os outros, é um divertimento, para ti, é como um ofício... um verdadeiro emprego...

- Não compreendes nada, pateta - diz Egor, fixando no céu um olhar sonhador. - Nunca compreendeste e nunca compreenderás que espécie de homem sou eu... Na tua opinião, sou um estróina, um desatinado, mas, para quem sabe, sou o maior atirador de todo o concelho. Os senhores que me conhecem sentem-no, e até referiram o meu nome numa revista. Não há quem se compare comigo na arte da caça... Se não aceito a vossa labuta de campo, não é por leviandade, nem por orgulho. Sabes, desde criança que não conheço outra coisa além da espingarda e dos cães. Se me tiravam a espingarda, pegava na cana de pesca, se me tiravam a cana, servia-me das mãos. Quando tinha "massa", também me metia em negócios de cavalos, corria as feiras. Sabes, o camponês que se dedicar ao ofício de caçador ou se ocupar de cavalos já não pega mais no arado. Se um homem ganhou o gosto pela liberdade, já ninguém lho tira. Assim como o senhor que envereda pela carreira de ator ou artista, sei lá, nunca mais será funcionário ou rendeiro. E tu, que és uma pacóvia, não tens cabeça para compreender estas coisas.

- Eu compreendo, Egor Vlassitch.

- Se compreendesses, não estavas agora quase a chorar.

- Não, não choro - retorquiu Pelagueia, voltando a cabeça. - Mas assim não dá, Egor Vlassitch. Se ficasses comigo pelo menos um dia... Há já doze anos que nos casamos e ainda nem uma só vez fizemos amor... Não, não, estou a chorar.

- Qual amor! - resmunga Egor, coçando uma mão. - Não pode haver amor nenhum entre nós. Somos um casal só no papel, mas corresponde isso à realidade? Tu achas-me um selvagem, e eu acho-te uma simplória sem entendimentos. Como podemos dar-nos? Sou um homem livre, mimado, folgazão, e tu és uma jornaleira, uma campônia, vives na lama, trabalhas de sol a sol. Considero-me um caçador sem igual, e tu lastima-me... Diz-me, que raio de casal é o nosso?

- Mas sempre estamos unidos pelo casamento!... - contrapõe Pelagueia num soluço.

- Não por nossa vontade... Ou já te esqueceste? A culpa foi tua e do conde Serguei Pavlovitch. O conde, que tinha inveja de não saber atirar tão bem como eu, andou um mês a encher-me de vinho, e a um bêbado é fácil casá-lo, ou até convertê-lo a outra fé. Pois então desforrou-se, casando-me contigo... Um caçador com uma ordenhadora! Ora, se vias perfeitamente que eu estava bêbado, por que não te opuseste? Não és serva nenhuma, ninguém te podia forçar! É claro que, para uma ordenhadora, casar com um caçador é a sorte grande, mas também, é preciso pôr a cabeça a trabalhar. Agora estás aqui a sofrer as conseqüências, a verter lágrimas. O conde ri-se e tu choras, martirizas-te...

Silêncio. Três patos bravos aparecem e sobrevoam a moita. Egor segue-os com o olhar até que eles se transformam em três pontos quase invisíveis e pousam muito para além da floresta.

- De que vives?-pergunta ele, passando os olhos dos patos para Pelagueia.

- Agora, ando à jorna, no inverno costumo ir ao orfanato buscar um bebê e criá-lo em casa a biberão. Pagam um rublo e meio por mês.

-Pois...

Outra pausa. Do campo de centeio chegam sons duma canção, que logo se interrompe. O calor não deixa cantar.

- Ouvi dizer que construiu para Akulina uma casa nova -diz Pelagueia.

Egor não responde.

- Sendo assim, gosta dela...

- Bom, é assim a tua sina! Paciência, órfã - diz o caçador, espreguiçando-se.. - Pronto, já me demoraste muito na cavaqueira. Antes que anoiteça, tenho que estar em Boltovo...

Egor ergue-se, espreguiça-se e põe a arma ao ombro. Pelagueia levanta-se também.

- Quando passa então pela aldeia? - pergunta baixinho.

- Para quê? Se não estiver com pinga, nunca lá vou, e bêbado em nada te serei útil. A bebida torna-me raivoso. Adeus!

- Adeus, Egor Vlassitch...

Egor enfia o boné na cabeça e, assobiando ao cão, põe-se novamente a caminho. Pelagueia fica no mesmo sítio, a observá-lo pelas costas. Enquanto contempla os ombros e o pescoço forte de Egor, que se afasta num passo preguiçoso e lasso, os seus olhos irradiam tristeza e carinho. O seu olhar acaricia, afaga toda a figura do marido, alto e magro. Ele parece sentir esse olhar, pois detém-se e volta a cabeça...

Embora continue calado, vê-se pela sua cara e ombros alteados que quer dizer alguma coisa. Pelagueia aproxima-se timidamente e fita-o com um olhar implorador.

- Toma! - diz Egor, sem olhar para ela e estendendo uma nota de um rublo, muito usada. E, afasta-se a passo rápido.

- Adeus, Egor Vlassitch! -diz ela, aceitando maquinalmente a nota. Ele vai caminhando pela estrada comprida e reta como um cinturão. Pálida e imóvel como um monumento, Pelagueia acompanha com o olhar os passos dele. Por fim, o vermelho da camisa de Egor acaba por fundir-se com o cinzento das calças, os passos tornam-se imperceptíveis e é já impossível distinguir o cão das botas. Vê-se apenas o boné. De repente, Egor volta à direita, mete pela moita dentro e o boné desaparece entre a verdura.

- Adeus, Egor Vlassitch! - murmura Pelagueia, pondo-se nos bicos dos pés e procurando avistar, ainda uma vez mais, o boné branco.

Fonte:
http://www.gargantadaserpente.com/coral/contos/at_cacador.shtml

O Anão e o Gigante

Um anão que media apenas dois palmos e era mais terrível do que a fome, certo dia saiu em busca de trabalho, pois estava muito necessitado. Procurou por toda parte, mas ninguém queria lhe dar emprego. Por fim, encontrou um gigante, que disse:
– Vou contratar seus serviços, mas com uma condição.
– E que condição é essa?
– Você terá que fazer as mesmas coisas que eu. Se não fizer, será morto. Se fizer, ficará rico.
– De acordo. Se eu me sair bem, serei um homem próspero. Se não, você me matará.
– Isso.
Na manhã seguinte, o gigante convidou o anão para roubar lenha numa fazenda cujo dono tinha fama de ser violento, sobretudo com aqueles que ousavam invadir sua propriedade. E os dois lá se foram.
Ao chegar à fazenda, o gigante começou a trabalhar. Juntou um imenso feixe de lenha e o ergueu nos ombros. Mas o anão, sem se impressionar com a façanha do gigante, pegou uma corda muito comprida e estendeu-a no chão. Depois começou a recolher gravetos, arrumando-os cuidadosamente, um ao lado do outro, sobre a corda.
O gigante, curioso, perguntou:
– O que você está fazendo?
O anão, sem interromper sua meticulosa tarefa, respondeu:
– Ora, esse feixe que você está levando não é nada.
– Não? Pois quero ver você carregar um igual.
– Farei muito melhor – respondeu o anão. – Enquanto não colocar sobre a corda toda a madeira que há neste bosque, não sairei daqui.
– Mas, homem, você está maluco! – o gigante exclamou assustado. – Desse jeito, o dono da fazenda vai nos descobrir e nos matar!
– Pouco me importa – disse o anão. – Já decidi e não volto atrás: ou levo o bosque inteiro ou não levo nada.
– Então, deixe estar. Esta você ganhou. Mas vamos sair daqui, rápido.
E lá se foram, o gigante com seu grande feixe, o anão com as mãos nos bolsos.
No dia seguinte, o gigante convidou o anão para buscar água.
A alguns quilômetros de distância havia uma nascente que, com suas águas límpidas e puras, supria os habitantes do povoado.
– Vamos lá – disse o gigante, pegando dois baldes enormes.
– Eu não carrego baldes – disse o anão. – Para mim, bastam uma picareta e uma pá.
– E para que diabos você quer essas ferramentas?
O anão nada respondeu. Os dois caminharam em silêncio até a nascente. Lá chegando, o gigante repetiu a pergunta, dessa vez num tom ameaçador. Muito calmo, o anão disse:
– Para mim não tem graça carregar baldes. O que eu quero mesmo é desviar toda essa água para sua casa. Assim, você poderá viver tranquilamente, sem pensar mais nesse assunto.
Pegando a picareta e a pá, o anão começou a cavar, enquanto dizia:
– Talvez eu demore um pouco, mas vou fazer o fluxo de água mudar de rumo.
O gigante reagiu assustado:
Você ficou maluco, homem! Se o pessoal do povoado descobrir isso, estaremos perdidos.
– Pouco me importa – respondeu o anão, sem interromper o que fazia. – Ou levo toda a água da nascente para casa ou não levo nada.
– Já chega de cavar – disse o gigante, entregando os pontos. – Você também ganhou esta.
No dia seguinte, os dois foram ao centro do povoado. No pátio da prefeitura, alguns homens treinavam para um torneio de lançamento de dardos, que aconteceria em breve. O gigante resolveu entrar no jogo. Pegou um dardo e lançou-o muito longe, bem mais do que todos os outros jogadores. Voltando-se para o anão, disse:
– Agora é a sua vez.
O anão escolheu um dardo, examinou-o com atenção e ordenou:
– Afastem-se, pois preciso de espaço para jogar.
Todos recuaram, mas o anão insistiu:
– Para trás! Muito mais para trás, minha gente!
– Mas aonde você pretende atirar este dardo? – perguntou o gigante.
Apontando uma casa, no topo de uma colina, o anão respondeu:
– Está vendo aquela janela, a mais alta? Pois é lá que vou atirar.
– Mas o que há com você, homem?
– Nada, oras. Só que me deu vontade de acertar lá, que com certeza é a janela do sótão.
– Mas aquela é a casa do prefeito. E se você jogar mesmo esse dardo, iremos parar na cadeia.
– Pois ou acerto a janela, ou não jogo mais.
– Então, vamos parar por aqui – disse o gigante.
– E como ficam nossas contas?
– Você também ganhou esta.
Na manhã seguinte, o gigante carregou um burro com dois alforjes cheios de dinheiro. Chamou o anão e disse-lhe que podia ir embora, pois o trato estava terminado. O anão montou o animal, despediu-se de seu ex-patrão e partiu.
A mulher do gigante, que estava a par de tudo, repreendeu-o severamente:
– Como você é estúpido! Nem percebeu que aquele anão trapaceou o tempo todo. E ainda por cima saiu ileso, levando seu burro e seu dinheiro.
Caindo em si, o gigante respondeu:
– Tem razão. Agora mesmo vou acabar com aquele salafrário.
O anão já ia longe, quando viu que o gigante se aproximava furioso. Então escondeu o burro atrás de uns arbustos e colocou-se bem no meio da estrada, a cabeça jogada para trás, a mão em concha sobre os olhos fixos no céu, como se procurasse algo.
Logo o gigante chegou e disse:
– O que é que você está olhando?
E o anão, calmo como sempre, respondeu:
– Nada…É que o burro que você me deu não estava podendo com a carga e começou a empacar. Então, dei-lhe um pontapé com tanta força, que ele foi parar lá no alto e até agora não caiu. Estou só esperando que chegue aqui embaixo para lhe dar outro. E com esse, garanto, ele nunca mais vai descer.
Ao ouvir isso, o gigante correu de volta para casa muito assustado:
– Meu Deus, Nossa Senhora, que todos os santos do Céu me protejam! Se me descuido, ele fará isso comigo também.
E assim o anão retomou a viagem em paz, com seu burro, seu dinheiro, suas artes, suas manhas.

Fonte:
Contos Populares Espanhóis. Tradução e seleção Yara Maria Camillo. São Paulo: Landy Editora, 2005. p. 13-16.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Antonio Facci (15/2/1941 - 10/03/2008)


O escritor Antonio Facci é natural de Cedral, Estado de São Paulo, nasceu no dia 15 de fevereiro de 1941 e faleceu em Maringá, PR, a 10 de março de 2008. É o sétimo filho de Vergílio Facci e de Maria Morroni, o qual, somado aos três que vieram após seu nascimento, faz parte da prole de dez descendentes de colonos italianos.

Serventuário da Justiça, cidadão benemérito de Maringá, cidadão honorário de Floresta e Sarandi e menção de homenagem do Estado do Paraná. Vereador (Maringá). Deputado estadual (Paraná) Presidente da Academia de Letras de Maringá. Publicou 14 obras. Secretário do Distrito LD-6 do Lions Internacional. Autor de Mantenha acesa a chama da vida, Ex-passos, Do cio ao sombrio, Alento, Governadores 30 anos, O soldado, Memórias de prata, Queixas, Grafiteiro, Sem palavras, Parlamentar e Meus passos no leonismo.

· Membro fundador da Academia de Letras de Maringá, titular da Cadeira nº 20, que tem como patrono Humberto de Campos.

· Titular da Cadeira nº 6 da Academia Brasileira de Leonismo.

· Titular da Cadeira nº 20 da Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias.

· Patrono da Cadeira nº 8 da Academia Umuaramense de Letras e Artes.

· Sócio da UBT – seção de Maringá.

· Medalha de Ouro - Concurso Nacional de Contos, promovido pela Revista Brasília, com o texto “Alípio e Isabel”.

· Medalha de Prata – Concurso Nacional de Poesia, promovido pela Revista Brasília, com o poema “Poros”.

· Diploma de Honra ao Mérito, pelos serviços prestados à literatura nacional, outorgado pela Academia Goiânia de Letras.

· Medalha de Mérito Acadêmico, pelos serviços prestados à literatura, outorgada pela Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias.

· Medalha Juscelino Kubstchek de Oliveira, outorgada pela Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias.

· Medalha de Mérito Cultural Arcádico – Euclides Pery Rodrigues, outorgado pela Arcádia de Artes e Ciências Estéticas do Rio de Janeiro.

Fonte:
http://www.afacci.com.br/autor.php

Antonio Facci (Entrevista concedida em junho de 2005)

Entrevista concedida pelo escritor Antonio Facci à estudante e escritora Suelen Ariane Campolo Trevizan, do Colégio Marista de Maringá, série 3ª B, no dia 7 de junho de 2005.

1. Como o senhor iniciou na literatura?
R. Construindo os primeiros textos poéticos ainda na adolescência, sem publicá-los. Durante minha vida pública, fiz editar dezenas de pronunciamentos e pareceres produzidos como parlamentar. Tais documentos deram origem ao mais recente livro publicado, intitulado “Parlamentar”.
Quando da fundação da Academia de Letras de Maringá, em 1997, o poeta Antonio Augusto de Assis, que tinha entre seus guardados diversos poemas de minha lavra, incentivou-me a editar um livro para preencher os requisitos de ingresso como fundador da novel entidade. Veio à luz “Ex-passos” e daí para frente aventurei-me, trazendo a lume mais dez títulos.

2. Qual o escritor a quem o senhor mais admira?
R. Humberto de Campos, patrono da Cadeira nº. 20 da qual sou fundador, mas não apenas pelo seu talento literário. Mas também por sua luta pela vida e pelas causas sociais que sempre nortearam seu talento como homem publico. Desde seu magnífico “Poeira” até seu famoso “Diário Secreto” publicou 40 títulos, entre contos, crônicas e poesias, dos quais onze sob o pseudônimo “Conselheiro XX”.

3. Já aconteceu de o senhor receber uma crítica desconcertante? Se sim, como reagiu? Se não, o senhor acha que a crítica impiedosa amedronta o escritor de se expor?
R. Sim, várias vezes. A que mais marcou aconteceu por ocasião do lançamento do livro “Ex-passos”, minha primeira aventura na área da literatura, após algumas incursões com a publicação de textos leonísticos (relativo a Lions Clube Internacional) e políticos. Partiu de uma convidada, escritora conhecida e com bons serviços prestados à literatura, a qual comentou em voz alta com um interlocutor, também escritor: “Isso aqui não vale nada. Não são trovas e tampouco poemas. Apenas algumas quadrinhas rimadas e outras bobagens”. Confesso que senti um “friozinho na barriga”, porém providenciei para que ela fosse servida com distinção. Parece que percebeu que seu comentário fora por mim ouvido e logo se retirou da festa. Não guardei mágoa ou ressentimentos. Procurei, isto sim, conhecer a obra dessa autora e passei a elogiá-la toda vez que posso.
Quanto à crítica impiedosa, não me amedronta. Escrevo o que posso produzir, sempre pensando no leitor e não no crítico. Cada um de nós entende literatura a sua maneira e isso me basta.

4. Quais são suas metas enquanto escritor?
R. Sem muita ambição. Em meus onze títulos publiquei poesias, contos, crônicas, coletâneas, os quais simplesmente chamo de “textos livres”. Sonho em escrever um romance, ao menos.

5. O senhor saberia distinguir o seu eu-escritor do seu eu longe da literatura?
R. O meu eu-escritor é fruto da constante dedicação à leitura, apesar de dedicar poucas horas em cada semana a esse mister. Longe da literatura, são aproximadamente dez horas de serviço diário, adicionando-se ainda participação efetiva na vida comunitária e na defesa da cidadania.

6. Quais são as compensações de sua profissão?
R. Lá se vão quarenta anos na profissão como Serventuário da Justiça... A principal compensação é haver ingressado nela muito jovem, e os frutos desse labor, haver–me proporcionado condições de dar a minha família conforto e possibilidade de boa formação acadêmica.

7. O senhor acredita que os livros feitos para vender – os best-sellers – estão distanciando a leitura da literatura?
R. A arte e a literatura estão inseridas nesse contexto, e não sobreviveriam sem “os livros feitos para vender”. Os grandes nomes da literatura escolhem temas e desenvolvem suas tramas, mesmo as poéticas, de forma a atingir o grande público. Dizem até que, se quisermos conhecer um escritor, devemos ler seu primeiro livro. Esse sempre nasce verdadeiramente de seu “eu” interior.

8. Considerando que a sociedade vigente prega a cultura da imagem, quais são as estratégias da Academia para que o público prefira ler a assistir a televisão, por exemplo?
R. A mídia eletrônica não pode ser considerada inimiga dos livros. Ela, na verdade, é uma aliada. O que se faz necessário é a constante orientação aos jovens na escola, nas igrejas, no lar, para que se utilizem da mídia para conhecer superficialmente a universalidade da cultura, e, a seguir, criar condições de acesso aos livros. Nada substitui a leitura de um livro impresso, a alegria em acariciá-lo folha-a-folha, em reler cada texto e enfim adormecer tendo-o sobre o peito. É a intimidade plena com o autor!

9. Na Internet há inúmeros sites em que escritores amadores expõem seus trabalhos protegidos por pseudônimos. Por que é tão difícil sair do anonimato mesmo quando se tem talento?
R. A utilização de pseudônimos não se restringe à era da Internet. Respondendo a sua segunda pergunta, informo que Humberto de Campos – o mais jovem escritor a ingressar na Academia Brasileira de Letras – fez editar onze títulos sob o pseudônimo de “Conselheiro XX”. Muitos adotam essa prática desde o início da atividade literária, enquanto outros o fazem em busca de uma melhor identificação com o público leitor.

10. O senhor acha que o Brasil já proclamou sua independência literária?
R. Associo-me ao pensamento de que “A escola nacionalista, filha da Semana de 1922, alcançou seu clímax após 1945 quando procurou rebater a enxurrada de escritores estrangeiros. Xenófoba, conseguiu manter incólume uma literatura já definida em termos de brasilidade. Foi, aquela obsessão nacionalista em prol do folclore, do regionalismo, de um palavrear que identifica-a as áreas do país, a mais benéfica influencia por que passou a literatura. Se, por outro lado, o alcance dessa formação nacionalista não atingiu todos os escritores modernos, por motivos particulares a cada um, a verdade que a atmosfera cultural foi criada e vicejou, fazendo escola e estabelecendo um importante marco na trajetória em prol de uma cultura própria, definida, bem brasileira. (in Literatura Brasileira Contemporânea – Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias -)”

11. E Maringá?
R. Maringá talvez seja a cidade que conta com o maior número de títulos retratando sua história. Na ficção, em prosa e em verso, estão catalogados mais de 200 escritores, segundo estudo realizado na Universidade Estadual de Maringá. Podemos afirmar, porém, que não se trata de um relatório incontestável ou completo. Na catalogação não consta, por exemplo, Jorge Ferreira Duque Estrada e seus dois títulos: “Terra Crua” e “Isto é você, Maria”: o primeiro relata os movimentos políticos iniciais em nossa terra, e o segundo é o mais belo romance tendo como cenário o período de colonização da região norte/noroeste de nosso estado.

12. A Prefeitura dá algum tipo de incentivo à atividade literária?
R. No que compete ao poder público, sim. Disponibiliza infra-estrutura, tais como teatro Callil Haddad para grandes eventos; recursos financeiros por meio de alocação de verbas atendendo ao determinado pela Lei de Incentivo à Cultura; convida e aceita convite para parcerias em diversos eventos. É preciso ressaltar que a literatura e a arte sempre foram apoiadas e/ou financiadas por Mecenas.

Fonte:
http://www.afacci.com.br/autor.php

Antonio Facci (Ode à Maringá)

Ode a Maringá

Caminhemos todos,
caminhemos por nossa Maringá.
Admiremos seus edifícios
permaneçamos em silêncio
perante nossos templos,
observemos os ensinamentos
de nossas escolas,
apliquemos as técnicas desenvolvidas
em nossa Universidade.

Cantemos nossos bosques
nossos parques
nossos jardins
nosso verde,nossas flores.
Respiremos profundamente...
Sintamos os eflúvios positivos
de nossa terra, de nossa gente.
Visitemos o Maringá velho
berço da nossa civilização,
observemos que todos cantam
o nosso progresso,
admiram nossas vidas.
As largas avenidas
os canteiros centrais emoldurados
por majestosas palmeiras imperiais,
a modernidade da nossa gente.

O poeta esqueceu-se das origens,
o Maringá velho está a margem da notícia
mas não à margem da história.
Não se canta o seu brilho
está à margem do progresso.
Mas você Maringá velho
é a raiz de tudo.
Em seu seio, plantaram-se
as primeiras sementes.
Mas você permanece como dantes...
Sem enfeites,
luzes fosforescentes,
grandes edifícios...
canteiros centrais ajardinados.

Ah! Maringá velho!
Não chore, tudo é assim mesmo...
É preciso conservar as raízes
escondidas no solo,
por vezes maltratadas.
Mas... absorvendo sempre
de nossa terra dadivosa
a energia, para que
a árvore chamada Maringá
possa florescer!
Todos cantam o tronco,
por sua firmeza, rigidez estrutura...
Os galhos, que levam a seiva até as folhas...
As flores... Ah! as flores
com seu perfume,
confundem-se com o perfume
dos cabelos da mulher amada,
envolvendo nossas vidas, nosso ser...

Maringá velho não é cantado
pouco admirado, quase esquecido!
Mas vibre, exalte-se,
você é a base de tudo,
você é a raiz.
Jamais qualquer poeta cantou raízes,
contempla pois a rigidez de seu tronco,
a formosura de seus galhos e ramos
a fragilidade de suas folhas,
o perfume de suas flores,
estas, cantadas em prosa e verso...
Por toda a gente.

Ah! Maringá...
Os mais sensíveis de sua gente
os que têm amor e fé
buscam os momentos
de maior tranqüilidade,
talvez em alta madrugada...
Respiram o ar purificado por nossas árvores,
sentem o perfume das flores
e embalados por seus sonhos,
verão, mesmo que imaginariamente
uma grande orquestra formada
com suas trombetas,
tendo como moldura as estrelas cintilantes
a entoar os versos imortais
de nosso poeta Ari de Lima:
“Quem te avista nos dias de agora,
acenando ao porvir da esperança,
advinha a floresta de outrora
que embalou tua vinda em criança”.

Ah! Maringá!
Insisto em denominá-la
CIDADE CANÇÃO!
Já a chamaram menina,
verde, ecológica!
Mas seu nome tem a canção
como inspiração,
o poeta a imortalizou.
E somos todos poetas que te amamos!
Alguns fazem versos,
poemas e crônicas.
Outros plantam árvores,
semeiam flores,
perfumam os caminhos!

Por isso, Maringá,
você é
CIDADE CANÇÃO!

Fonte:
Minhas Pérolas / Maringá / Sul do Brasil
http://www.minhasperolas.com/poesias/facci.htm

Antonio Facci (Poemas)

01
Adormeceu suave,
alma pura.
Semblante sereno,
ternura.
Acordou feliz,
candura.

02
Viaja suave como a
pluma,
Sem temer do mar,
a espuma,
Feliz, feliz, feliz,
em suma.

03
Pedra pontiaguda,
ameaçadora
em seu delírio,
realça o suave deslizar
das mansas águas do rio.

04
Ouço o farfalhar das folhas
tocadas de forma suave
pelo vento da madrugada.

05
O bem-te-vi estridente
me desperta
ainda na madrugada.
De novo adormeço
acariciado pelo
suave cantar do sabiá.

06
Suave é o amanhecer
em um jardim
perfumado pelas rosas.

07
Valsear é flutuar suave
qual pluma ao vento
nas manhãs de primavera.

08
Suave é o planar das gaivotas
sobrevoando a orla do mar
verde-azul de verão.

09
Suave é ouvir a cigarra
saudar o entardecer
e sonhar com o silêncio
do anoitecer.

10
Suave é ouvir
a voz de Deus
no silêncio do templo.

11
Suave é banhar as mãos
nas águas claras
do riacho.

12
Suave é a paz de espírito
recebida em estado
de graça como recompensa
por suas boas ações.

13
Veja como é suave
o olhar dos que têm fé.

14
Suave é a esperança
de se encontrar
com o Criador na eternidade.

15
Ande devagar, menino!
Não vê que o pássaro
plana suave no ar?

16
Veja como é suave
o nascer do olho d`água
no sopé do morro.

17
Laranjeiras em flor
exalam suave perfume.

18
O beija-flor beija
suave
a flor da alamandra
em meu jardim.

19
A madrugada
rega suave a relva
com suas lágrimas
feitas sereno.

20
Suave é ouvir
flauta doce na
madrugada fria.

Fonte:
http://www.afacci.com.br

Quais as dez obras essenciais para a formação intelectual e humanista?


por Antonio Ozaí da Silva

Não sou dos mais organizados em relação às leituras que faço. Sou disperso e pragmático! Em geral, leio motivado pela necessidade imediata, guiado pelos temas e autores que trabalho nas aulas. Muitas vezes, retomo leituras e procuro novos livros que contribuam para melhor entendimento e discussão do conteúdo. No início do ano letivo – ou semestre – revejo os livros que tenho, aproveito as “férias” para visitar os sebos e pesquiso na biblioteca, com o objetivo de encontrar novidades ou mesmo aquela obra que passou despercebida.

As minhas leituras não se limitam às obras teóricas, sociológicas, políticas etc. Adoro literatura e adoto nos cursos que trabalho. Isso faz com que as leituras sejam ainda mais diversificadas. Porém, ainda vinculadas às disciplinas da vida acadêmica. Vez ou outra leio algo apenas por curiosidade, para distrair-me ou simplesmente porque vi na estante da biblioteca, onde ficam expostas as “novidades”, e me chamou a atenção. Também leio por indicação de amigos e os livros que resenho para a Revista Espaço Acadêmico.

Ler é parte do meu ofício. Mas leio sem planejamento. Olho para a estante e me angustio diante dos livros que ainda não li – e nem sei se lerei. O tempo urge e me consome. É melhor, portanto, planejar. Decidi, então, fazer um plano de leituras para este ano – já que começou um novo tempo!

Mas, o que ler? Como escolher diante de tantas opções? Quais critérios utilizar para fazer uma lista de obras essenciais? Resolvi pedir a ajuda dos amigos, colegas da universidade e aqueles com os quais me correspondo por email (colaboradores da REA e da Revista Urutágua, leitores do blog, amigos virtuais etc.). Formulei uma pergunta: “Em sua opinião, quais as dez obras essenciais para a formação intelectual e humanista (independente da área de conhecimento e gênero)?”

De início, pareceu-me uma questão simples. Afinal, bastava relacionar dez livros. Logo me dei conta de que as minhas dificuldades eram compartilhadas. Como fazer uma relação tão estrita diante da vasta imensidão de obras produzidas pelo conhecimento humano em todos os tempos? Alguns se limitaram a indicar autores; outros extrapolaram o número solicitado; houve quem justificasse sua “lista”; e quem simplesmente indicou a partir de projeto de pesquisa em andamento ou recém concluído. E, lógico, houve os que não responderam.

Foram 889 livros indicados. É uma lista imensa (18 páginas). Um dado interessante: 711 (80%) obras tiveram apenas uma indicação. Pelos números, observamos que o conceito de “essencial” é muito relativo. Eis os mais indicados (considerando-se 12, devido ao empate):


Um dos aspectos mais positivos desta experiência foi a possibilidade de conhecer mais e melhor os colegas e amigos – em especial aqueles que não se limitaram a citar as obras. Este diálogo foi muito instrutivo, instigante e prazeroso. Mais do que uma lista de obras a ler (ou reler), ficou o aprendizado.


Sábado, 19 de Janeiro de 2008

domingo, 9 de março de 2008

Postagens de Domingo

Este domingo não houve postagens em virtude de eu estar publicando o novo Boletim, de numero 12, com um certo atraso, o qual distribuirei por e-mail amanhã.
Conto com vossa compreensão.
José

sábado, 8 de março de 2008

Boi Caprichoso

O boi-bumbá, brincadeira que no século 19 já havia chegado à Amazônia, incorporou, em Parintins, elementos da cultura regional. O índio está sempre presente. A brincadeira original absorveu influências e elementos característicos de diversas outras culturas, em especial as culturas cabocla e indígena.

Desde o início do século passado até hoje, os bois-bumbás parintinenses estão em constante processo de transformação. O Boi Bumbá Caprichoso passou a inserir influências e elementos característicos de diversas outras culturas, em especial as culturas cabocla e indígena.

O auto do boi-bumbá original essencialmente narra a história de um casal de trabalhadores que mata o boi mais querido pelo fazendeiro e sua filha, a sinhazinha. Os fazendeiros pedem ajuda aos índios, e o boi é ressuscitado graças a um pajé.

No boi-bumbá de Parintins, o elemento indígena começou a crescer na década de 60, com a introdução das tribos indígenas, das lendas e dos rituais. Outros personagens passaram a fazer parte da narrativa, entre eles a Rainha do Folclore, a Porta-Estandarte e a Cunhã-Poranga, sendo esta última uma evolução das "misses" surgidas no início da década de 80.

Outras culturas também deram sua contribuição aos bumbás de Parintins. Exemplo disso foi a escola de artes plásticas fundada pelos religiosos italianos a Parintins, que está na raiz da sofisticação estética do espetáculo.

No aspecto musical, as brincadeiras inicialmente eram baseadas apenas no surdo e nas palminhas. Com o tempo, o ritmo foi se sofisticando e novos instrumentos foram introduzidos, entre eles a caixinha e o roncar. No início dos anos 80, foram introduzidos também o charango e o violão, e nos anos 90, foi a vez do teclado se tornar parte da trilha sonora da festa, mais uma colaboração do Boi Bumbá Caprichoso para os sons da floresta.

Surgidos nos primeiros anos do século 20, Caprichoso e o contrário (como denominamos o outro boi, o Garantido) começaram a se destacar entre seus pares nos anos 40. À medida que os bois-bumbás cresciam, crescia também a rivalidade entre eles. Nas décadas de 50 e 60, a oposição dos dois grupos folclóricos se manifestou em confrontos violentos e terríveis entre seus torcedores nas ruas da cidade. As brigas começaram a diminuir após a criação do Festival Folclórico de Parintins, mas a rivalidade entre os fãs dos dois bumbás permaneceu e se cristalizou na geografia e na própria paisagem da cidade. Há casas de famílias, bares, ruas e até bairros inteiros que são redutos de um ou outro boi. Boa parte das ruas do Centro da cidade, em especial a Loris Cordovil, mais o Bar Chapão, são considerados redutos do Caprichoso em Parintins

O Boi-Bumbá Caprichoso tem sua história atrelada a uma família. A professora e folclorista parintinense Odinéia Andrade afirma que o bumbá foi fundado em 1913 pelos irmãos Raimundo Cid, Pedro Cid e Félix Cid. Os três teriam migrado do município de Crato, no Ceará, passando pelos estados do Maranhão e Pará, até chegarem à ilha, onde fizeram uma promessa a São João Batista para obterem prosperidade na novo município. Isso foi motivado pelas influências recebidas pelos Cid durante a trajetória até a ilha, quando puderam conhecer vários folguedos juninos por onde passaram. Duas manifestações folclóricas chamaram a atenção: o Bumba-Meu-Boi, maranhense, e a Marujada paraense. Andrade (2006) acredita que o Boi Caprichoso assimilou elementos desses dois folguedos, uma vez que o bumbá adotou como cores oficiais o azul e o branco, usadas nos trajes dos marujos, e denominou seu grupo de batuqueiros, responsáveis pelo ritmo na apresentação do boi de Marujada.

Valentin (1999) traz em sua obra um relato do compositor parintinense Raimundinho Dutra, que conta uma história diferente sobre a criação do boi. Ele diz ter ouvido dos pais que o nascimento do boi azul teria acontecido no mês de março de 1925. Segundo Dutra (2006), o boi teria nascido num sábado à noite, por volta das vinte horas, na casa de João Roque, onde se reuniram, à luz de lamparinas, o comerciante Emídio Vieira, seu Vitário e Dona Fé, os irmãos Cid, Meireles e Nina, João Ribeiro, seus pais, entre outras pessoas que tinham como objetivo criar um novo boi no município. Durante a reunião, o coronel João Meireles, que era fã de um certo Boi Caprichoso existente em Manaus, sugeriu ao grupo denominar o novilho de Caprichoso. A sugestão teria sido imediatamente aceita, ficando acertado que o amo seria Félix Cid, repentista famoso na época por sua voz poderosa.

A versão adotada como oficial pela agremiação afirma que o Bumbá nasceu de um briga interna no Boi Garantido, criado por Emídio Vieira. Em razão de um desentendimento, o fundador deixa o boi e em seu lugar assume os irmãos Cid, que teriam feito uma promessa de colocar um boi na rua caso obtivessem sucesso em Parintins. Os novos dirigentes da brincadeira construíram uma nova carcaça para o boi e trocaram seu nome para Caprichoso. Todos esses fatos teriam acontecido em 20 de outubro de 1913, data oficial de fundação do bumbá.

Fontes:

Boi Garantido

A história do Garantido começou em 24 de junho de 1913, quando o filho de pescador Lindolfo Monteverde resolveu por em prática uma das histórias que ouvia de seu avô, ex-escravo de origem maranhense que veio para a ilha de Parintins em busca de um espaço para a sua família viver e produzir.
.
Dentre as inúmeras histórias, Lindolfo ouviu a história de um boi que dançava visitando famílias e alegrando as pessoas. Havia muitas lendas em torno deste boi contado pelo avô. A que mais chamava a atenção do neto era sobre o roubo da língua do boi e os versos cantados durante o ritual do boi que envolvia Pai Francisco, Mãe Catirina, o Amo do Boi, o Pajé e outras figuras. Antes de concretizar a idéia para lembrar as histórias do avô, foram realizados vários ensaios, até chegar o momento da primeira apresentação que começou como uma simples brincadeira junina. Contam os mais antigos que a apresentação foi antecedida de uma ladainha e depois houve distribuição de Aluá, bolo de macaxeira, tacacá e, no final, muito forró.

Mais tarde, ao servir o exército, Lindolfo Monteverde adoeceu e a gravidade de sua doença o levou a fazer promessa a São João Batista, prometendo que, se ficasse bom e enquanto tivesse vida, seu bumbá jamais deixaria de sair nas ruas. Foi então que o Garantido passou a ser chamado de “Boi da Promessa”.

A partir de então, todos os anos os torcedores do Boi se reúnem na noite de 24 de junho para rezar a ladainha e festejar São João Batista e em seguida saem pelas ruas da cidade, dançando em frente às casas que tiverem fogueiras acesas. Segundo os mais antigos, esta saída do Garantido pelas ruas da cidade era normal durante a época das festas juninas.

Contam que Lindolfo Monteverde era um cantador e repentista que causava admiração em quem o ouvia cantar, por causa do timbre de voz que dominava os terreiros e era ouvido à distância sem utilizar nenhum tipo de aparelho sonoro mecânico. Lindolfo também incomodava os torcedores do boi contrário com sua firmeza de voz e a inteligência dos desafios que criava. Até hoje, é considerado o melhor compositor de toadas que o boi-bumbá de Parintins registrou.

Desde a sua criação, o Garantido se apresenta com um coração na testa, e suas cores, vermelha e branca, foram adotadas pela torcida. A cor do coração na testa do boi costumava ser preta até meados dos anos 60 quando Dona Maria Ângela Faria, até hoje conhecida como madrinha do Boi, deu a idéia de este ser pintado de vermelho. Idéia que foi executada pelo artista Jair Mendes.

O nome Garantido surgiu do próprio criador, Lindolfo Monteverde, que em suas toadas sempre lembrava aos bois contrários que seu bumbá sempre saía inteiro dos confrontos de ruas que, na época, eram rotineiros. Dizia Lindolfo que nas “brigas” com os contrários a cabeça de seu boi nunca quebrava ou ficava avariada, “isso era garantido”.

Em sua história, lhe foram atribuídos vários slogans carinhosos, como: “Boi da Promessa”, “Boi do Coração”, “Brinquedo de São João”, “Boi do Povão” , "Boi Goiaba" , "Boi ola" e outros. O mais popular é “Brinquedo de São João”, de autoria de Lindolfo Monteverde para homenagear o santo a quem se apegou para curar a doença que o ameaçava quando servia o exército. Os dirigentes preservam até os dias atuais este slogan como forma de reconhecimento a Lindolfo, o poeta maior da Nação Vermelha e Branca.

O Garantido surgiu na antiga estrada Terra Santa, hoje Av. Lindolfo Monteverde, na tradicional Baixa do São José. Atualmente, um complexo arquitetônico da antiga Fabriljuta, localizado no Km 1 da Rodovia Odovaldo Novo, adquirido pela agremiação, abriga toda a estrutura de galpões, a diretoria e demais coordenadorias que fazem parte da administração do boi que, hoje, é a brincadeira mais séria dos habitantes de Parintins, a Ilha do Boi-bumbá.

Fontes:
http://www.sitecurupira.com.br/ze/caprichoso.htm
http://pt.wikipedia.org/