quinta-feira, 13 de setembro de 2018

MIFORI (Participe de Duas Cirandas de Trovas)

I. CIRANDA DE TROVAS 
USANDO A PALAVRA SONO

1. O que determina o sono
não é a maciez de uma cama
nem o tempo inverno – outono.
Sua mente é que declama.
Mifori – UBT/ S. José dos Campos

2. Quase sempre eu me emociono
quando eu sonho com você;
e acordo feliz do sono,
tão feliz! Será por que? 
Amilton Maciel Monteiro – UBT/ S. José dos Campos

3. Ao desafeto abandono
e durmo feliz assim:
pois não vou perder o sono
por quem não gosta de mim.
Edweine Loureiro - UBT-Japão

4. O sono é suave estrada,
macia como veludo...
que, embora não tenhas nada, 
um  sonho te dará tudo!
Carolina Ramos – UBT/ Santos

II. CIRANDA DE TROVAS 
USANDO A PALAVRA ESPELHO

1. O que determina o sono
não é a maciez de uma cama
nem o tempo inverno – outono.
Sua mente é que declama.
Mifori – UBT/ S. José dos Campos

2. O espelho é amigo sincero,
que às vezes, sem caridade,
não diz aquilo que eu quero,
mas... sempre diz a verdade!
Carolina Ramos – UBT/ Santos

Enviar trovas para mifori@terra.com.br

Joaquim de Melo Freitas (Livro D’Ouro da Poesia Portuguesa vol. 5) III


ANTONIO PEDRO

Antonio Pedro, astro fulgurante
Que cruzas do tablado a vasta senda
Como guerreiro impávido da lenda,
Que, em busca de proezas, vaga errante.

Ei-lo cingindo as armas de diamante!
Sem que o cansaço, ou vil temor o prenda,
Cada vez mais se engolfa na contenda,
Em prol da esquiva fama alti-sonante.

Quando o véu do futuro descortino
No alcáçar da justiça, que rebrilha
Sabeis o que descubro, e vaticino?

(Isto me pasma! transporta! e maravilha!)
Votado a berço humilde p'lo destino
Filho do povo, “a Gloria te perfilha”!

MISTERIOSO ABISMO

Tépido sonho de luz
corpo, que destila aroma
sublime e claro axioma
espargindo amor a flux!

Uma vertigem produz
teu olhar, o seio, a coma,
voluptuoso sintoma
que a fantasia traduz.

Débil flor, que o sol admira
beijando com azedume
as estrelas de safira...

mas ninguém sequer presume
que o meu coração expira
na mortalha do ciúme.

NA FLORESTA

Conversa nos abetos a bafagem,
Nas franças range o vento compassado
E à matilha esquivando-se um veado
Pasma de ver no brejo a sua imagem.

Que rumor tão sutil, que doce agrado,
Poesia terna e pérfida, selvagem,
Em que os ecos se arrastam na folhagem
Entre dóceis de musgo aveludado.

Irrompem as gazelas nos aceiros
E as cobras aparecem na gesta
Quando as gralhas alagam os olmeiros.

Triste como o silencio da floresta,
Ouço dentro de mim uivos d'horror.
Combatem dois leões – “Ciúme e Amor!”

O CÃO DE BORDO

A cerração é densa. O pobre iate
Sem leme desarvora na refrega;
Penetra na escotilha a onda cega,
Alquebra-se o baixel no duro embate.

A trovoada estala, a proa abate;
No escaler a maruja ao céu se apega,
Este a vida infeliz surdo lhe nega,
Que as lágrimas não bastam p'ra resgate!...

Um cão hirsuto, magro, avermelhado,
Com os olhos chorosos, flamejantes,
Que brilham como negros diamantes

Late com desespero, busca a nado,
Mergulha entre os cadáveres boiantes,
O dono encontra, e morre extenuado.

NO HARÉM

No matiz do tapete auri-felpudo
Haydé reclina as formas langorosas,
Cismam d'inveja purpurina as rosas
Admirando-lhe as faces de veludo.

Modelo, que convida a obsceno estudo
N'um desmaio entre gases vaporosas
Pelas cassoulas de prata suntuosas
O âmbar, o beijoim arde a miúdo.

Quando rompe nos céus a madrugada
Sentem-se beijos em lascivo espasmo
Que iluminam a alcova perfumada

E um eunuco decrépito sarcasmo!-
Que a barbacã vigia na esplanada,
Crê-se na terra um mero pleonasmo.


ESCULTURA

Que bela estátua! Colo d'alabastro,
Um riso de cristal, faces ardentes,
Um adereço de pérolas os dentes
E os olhos chispam o fulgor d'um astro!

De maus intentos o porvir alastro
Porque passando desdenhosa sentes,
Que intimidas com lívidas correntes
Quem doido beija o sulco do teu rastro.

Paradoxo cruel! treva d'arminho,
Ídolo deslumbrante, ruim criança
Que da ternura forjas sevo espinho!

Quando te vejo ocorre-me a lembrança,
Flor de gelo, sinistro rosmaninho,
D'enforcar-me a sorrir na tua trança.

Fonte:
Joaquim de Melo Freitas. Garatujas. 
Aveiro/Portugal: Imprensa Commercial, 1883

Irmãos Grimm (O Pássaro de Ouro)


Houve, uma vez, um rei que possuía, atrás do castelo, um belíssimo parque, no qual havia uma macieira que dava maçãs de ouro. Quando as maçãs ficaram maduras, contaram-nas todas, mas logo na manhã seguinte faltava uma. Avisaram o rei e ele ordenou que todas as noites ficasse um guarda vigiando debaixo da macieira.

O rei tinha três filhos, e ao anoitecer, mandou o mais velho ficar no jardim, mas este, à meia-noite, não pôde resistir ao sono e, na manhã seguinte, faltou mais uma maçã. Na outra noite, foi a vez do segundo ficar de guarda, mas não teve melhor sorte: quando soou meia- noite, adormeceu e, pela manhã, faltava outra maçã. Chegara a vez do terceiro, mas o rei não confiava muito nele, pensando que faria ainda menos que os irmãos; contudo, acabou por consentir que ficasse vigiando. O jovem deitou-se sob a macieira e velou sem deixar-se vencer pelo sono. Quando bateu meia-noite, percebeu no ar um ruflar de asas e, à claridade da lua, viu chegar um pássaro voando, cujas penas cintilavam como ouro.

O pássaro pousou na árvore e tinha apenas desprendido uma maçã com o bico, quando o jovem lhe atirou uma seta. O pássaro fugiu, mas a seta atingira-lhe as penas de ouro, deixando cair uma no chão. O jovem apanhou-a e, na manhã seguinte, foi levá-la ao rei, narrando-lhe tudo o que ocorrera durante a noite.

O rei convocou o conselho, e os ministros todos afirmaram que uma pena dessas valia mais do que o reino todo.

- Se esta pena é tão preciosa, - disse o rei - de que vale possuir uma só? Eu quero o pássaro inteiro e hei de consegui-lo.

O filho mais velho, pôs-se a caminho e, confiando na própria inteligência, ia com a certeza de encontrar o pássaro de ouro. Após ter caminhado bom trecho, avistou uma raposa à entrada da floresta; apontou sobre ele a espingarda para atirar, mas a raposa gritou:

- Não atires, eu te darei um bom conselho. Sei que vais em busca do pássaro de ouro; hoje, à noite, chegarás a uma aldeia onde há duas estalagens, uma em frente da outra. Uma delas é bem iluminada e oferece ambiente alegre, mas não entres nela, vai para a outra, embora tenha aspecto feio e pouco acolhedor.

"Como pode, um animal tão estúpido, dar conselhos acertados!" pensou o príncipe, e atirou mas errou o alvo. A raposa esticou o rabo e correu para a floresta. Ele prosseguiu caminho e, à noite, chegou à aldeia onde estavam as duas estalagens; numa cantavam e dançavam; a outra tinha aspecto pobre e tristonho. "Eu seria um grande louco, - pensou ele, - se fosse para aquela estalagem miserável, em vez de ir para esta outra bem melhor." Assim, entrou na que se apresentava alegre e festiva e lá, todo entregue aos prazeres, esqueceu-se do pássaro, do rei e de todos os bons preceitos.

Após certo tempo, vendo que o irmão mais velho não voltava, o segundo pôs-se a caminho à procura do pássaro de ouro. Tal como seu predecessor, encontrou a raposa, que lhe repetiu o bom conselho, mas ele não lhe deu atenção. Chegou ao local das duas estalagens e, daquela em festança, surgiu o irmão na janela chamando-o. Ele não pôde resistir, entrou e entregou-se aos divertimentos.

Decorrido mais algum tempo, o menor dos três irmãos quis, por sua vez, tentar a sorte, mas o pai não queria permitir, dizendo aos que o cercavam:

- É inútil. Se os irmãos não encontraram o pássaro de ouro, muito menos o encontrará este; além disso, se lhe acontecer alguma complicação, não saberá como sair-se dela, falta-lhe um "parafuso"!

Mas, por fim, para que o filho o deixasse em paz, deixou-o partir. À entrada da floresta estava a raposa, a qual lhe suplicou que lhe poupasse a vida e deu-lhe um bom conselho. O jovem príncipe era generoso e respondeu:

- Fica sossegada, raposinha, não te farei mal algum.

- E não te arrependerás, - respondeu a raposa - se queres chegar mais depressa, monta na minha cauda.

Assim que o príncipe se instalou na cauda da raposa, ela deitou a correr desabaladamente, com os cabelos zunindo ao vento. Quando chegaram à aldeia, o jovem desmontou e seguiu o conselho dado; sem olhar para nenhum lado, entrou na estalagem indicada, onde pernoitou tranquilamente. Na manhã seguinte, quando chegou ao meio do campo, a raposa já estava lá e disse:

- Vou ensinar-te o que deves fazer. Anda sempre direito para a frente, chegarás finalmente a um castelo, na frente do qual encontrarás um batalhão de soldados. Mas não receies nada, porque estarão todos dormindo e roncando; passa no meio deles, entra diretamente no castelo e atravessa todas as salas, até chegar àquela onde está dependurada uma gaiola de madeira com o pássaro de ouro dentro. Aí perto, bem à mostra, encontrarás uma gaiola de ouro vazia; não queiras tirar o pássaro da gaiola feia para pô-lo na outra preciosa: poderia ser-te fatal.

Tendo dito isso, a raposa esticou, novamente, a cauda e o príncipe montou nela; depois, com o vento zumbindo por entre os cabelos, desabalaram em carreira vertiginosa. Chegando ao castelo, o príncipe encontrou tudo, exatamente, como lhe havia dito a raposa. Entrou na sala onde estava o pássaro na sua gaiola de madeira, tendo ao lado a gaiola de ouro; viu as três maçãs de ouro espalhadas pelo chão. Então, achou que seria ridículo deixar aquele belo pássaro na gaiola tão feia; abriu a portinhola, pegou-o e colocou-o na outra de ouro. Imediatamente o pássaro soltou um berro agudo; os soldados acordaram, precipitaram-se dentro do castelo, prenderam o príncipe e o conduziram à prisão. Na manhã seguinte, foi julgado e, sendo réu confesso, condenado à morte.

O rei disse-lhe que o libertaria, com a condição, porém, de trazer-lhe o cavalo de ouro, que era mais veloz que o vento, e lhe daria ainda, como recompensa, o pássaro de ouro.

O príncipe saiu andando, suspirando tristemente: onde iria encontrar o cavalo de ouro? Nisso avistou a sua velha amiga raposa deitada na estrada.

- Viste, - disse ela - o que te aconteceu por me desobedeceres? Mas não te amofines, eu te ajudarei e te ensinarei o que tens a fazer. Deves andar sempre direito para a frente até chegar a um castelo e ali, na estrebaria, encontrarás o cavalo de ouro. Diante da estrebaria estarão deitados os cavalariços, dormindo e roncando sossegadamente; assim não te será difícil tirar o cavalo de ouro. Mas presta bem atenção: poe-lhe a sela feia de madeira e couro, não aquela de ouro dependurada perto; se não tudo te correrá mal.

Depois a raposa esticou a cauda, o príncipe montou nela e sairam em carreira desabalada, com os cabelos zumbindo ao vento. Tudo se processou conforme dissera a raposa: ele chegou à estrebaria onde estava o cavalo de ouro; mas, no momento de pôr-lhe a sela feia, pensou: "Um animal tão bonito faz uma figura ridícula se não lhe ponho a sela que lhe compete." Mal o tocou com a sela de ouro, o cavalo pôs-se a relinchar com toda a força. Os cavalariços acordaram, agarraram o jovem e o trancaram na prisão. Na manhã seguinte, o tribunal condenou-o à morte, mas o rei prometeu fazer-lhe mercê e dar-lhe, ainda por cima, o cavalo de ouro se conseguisse trazer-lhe a bela princesa do castelo de ouro.

O jovem pôs-se a caminho com o coração anuviado; felizmente não tardou a encontrar a fiel amiga raposa, que lhe disse:

– Eu deveria deixar-te na desventura, mas tenho pena de ti e, ainda desta vez, quero auxiliar-te. O caminho te conduzirá direto ao castelo de ouro, onde chegarás à tarde; durante a noite, quando tudo estiver silencioso, a bela princesa vai banhar-se no pavilhão. Quando ela entrar, agarra-a e dá-lhe um beijo: então ela te seguirá e poderás levá-la contigo. Mas não deixes que diga adeus aos pais, do contrário, tudo te correrá mal.

Depois a raposa esticou a cauda, o príncipe montou nela e, em carreira desabalada, saíram, com os cabelos zumbindo ao vento. Quando chegou ao castelo de ouro, encontrou exatamente o que lhe dissera a raposa. Ele aguardou até meia-noite. Então, fez-se silêncio, tudo dormia, e a bela princesa entrou no pavilhão para banhar-se; ele, num gesto rápido, agarrou-a e deu-lhe um beijo. Ela disse que o seguiria de bom grado, mas suplicou, chorando, que a deixasse dizer adeus aos pais. No começo, ele se opôs às suas súplicas mas, como ela chorava cada vez mais, prostrando-se aos seus pés, acabou por consentir. Assim que a princesa se aproximou do leito do pai, este despertou ao mesmo tempo que despertavam todos os que dormiam no castelo; prenderam o jovem e trancaram-no na prisão.

Na manhã seguinte, disse o rei:

– Tu mereces a morte; mas serás absolvido se conseguires arrasar a montanha que há defronte da minha janela e que me impede ver longe; terás de fazer isso dentro de oito dias. Se o conseguires, terás minha filha como recompensa.

O príncipe pôs-se a cavar, a cavar sem interrupção, mas, passados sete dias, vendo quão pouco havia feito e que todo o seu trabalho nada representava, abismou-se em profundo abatimento, perdendo todas as esperanças. Na noite do sétimo dia, porém, apareceu-lhe a raposa, dizendo:

– Não mereces que me preocupe contigo, mas podes ir dormir, eu farei o trabalho.

Na manhã seguinte, quando o príncipe acordou e olhou para fora da janela, a montanha havia desaparecido. Louco de alegria foi correndo levar a notícia ao rei; então o rei, querendo ou não, foi obrigado a cumprir a promessa e dar-lhe a filha.

Partiram os dois. A fiel raposa não tardou a alcançá-los e disse-lhe:

– É verdade que possuis o melhor, mas à princesa do castelo de ouro pertence, também, o cavalo de ouro.

– Que hei de fazer para obtê-lo? - perguntou o príncipe.

– Digo-te já. - respondeu a raposa - Primeiro leva a bela princesa ao rei que te enviou ao castelo de ouro. Ficarão todos extasiados e de boa vontade te darão o cavalo. Monta-o depressa e despede-te de todos, estendendo-lhes a mão; por fim estende a mão à bela princesa, agarra-a, monta-a rapidamente no cavalo e sai correndo à rédea solta. Ninguém conseguirá apanhar-te, pois o cavalo corre mais que o vento.

Tudo correu perfeitamente bem e o príncipe levou consigo a bela princesa no cavalo de ouro, A raposa não se fez esperar muito e disse-lhe:

– Agora te ajudarei a capturar também o pássaro de ouro. Perto do castelo onde se encontra o pássaro, a princesa apeará e eu tomarei conta dela. Tu, no cavalo de ouro, entra no pátio; quando te virem ficarão todos felizes e te darão o pássaro. Assim que tiveres na mão a gaiola, volta voando a buscar a princesa.

Tendo corrido tudo perfeitamente, o príncipe quis regressar a casa com todos os tesouros conseguidos, mas a raposa disse-lhe:

– Agora tens que me recompensar por todo o auxílio que te prestei.

– O que desejas? - perguntou o príncipe.

– Quando estivermos na floresta, tens que matar-me e cortar-me a cabeça e as patas.

– Que bela recompensa! - disse o príncipe - Não posso absolutamente atender ao teu pedido.

– Se não queres fazê-lo, - disse a raposa - terei de abandonar-te; mas, antes disso, quero dar-te ainda um bom conselho. Livra-te de duas coisas: comprar carne destinada à forca e sentar-te à beira de um poço. 

Dizendo isto, fugiu para a floresta.

O jovem pensou: "Que animal esquisito! Tem cada ideia extravagante! Quem jamais compraria carne destinada à forca? E vontade de sentar-me à beira de um poço também nunca tive." Continuou o caminho, levando a linda jovem. O caminho passava pela aldeia onde haviam ficado os irmãos; ao chegar lá, viu um grande aglomerado de gente e muita algazarra. Tendo perguntado o que se passava, responderam-lhe que iam enforcar dois facínoras. Aproximando-se do local, viu que eram seus dois irmãos, os quais, tendo cometido toda espécie de perversidade e tendo malbaratado todos os haveres, estavam condenados a morrer na forca. O jovem perguntou se não era possível libertá-los.

– Sim, - responderam-lhe - se estás disposto a gastar todo o teu dinheiro para resgatá-los!

O jovem, sem hesitar, pagou tudo por eles; assim que ficaram livres viajaram em sua companhia.

Chegaram à floresta onde, da primeira vez, tinham encontrado a raposa. O sol queimava como fogo e, como o lugar aí fosse ameno e fresco, os dois irmãos disseram:

– Descansemos um pouco aí junto do poço e aproveitemos para comer e beber.

O jovem concordou e, entretido na conversa, sentou-se distraidamente na beirada do poço. Então os irmãos o fizeram cair de costas e o empurraram para dentro do poço; depois apoderaram-se da princesa, do cavalo e do pássaro e voltaram para a casa do pai.

– Não trazemos apenas o pássaro de ouro, - disseram - conquistamos também o cavalo de ouro e a princesa do castelo de ouro.

Todos estavam perfeitamente felizes, menos o cavalo, que não comia, o pássaro, que não cantava, e a princesa, que não parava de chorar.

Mas o irmão menor não tinha morrido. Por felicidade, o poço estava seco e ele caiu sobre o musgo macio, sem sofrer o menor mal; não conseguia, porém, sair de lá. Também, nessa angustiosa emergência, a fiel raposa não o abandonou; pulou para junto dele e repreendeu-o, severamente, por ter-lhe esquecido o conselho.

– Contudo, não posso deixar de restituir-te à luz do sol.

Mandou que se agarrasse e segurasse bem na sua cauda e, assim, puxou-o para fora. Depois disse:

– Ainda não estás livre de todos os perigos, teus irmãos mandaram sentinelas cercar a floresta, com ordens para te matar se te virem.

O rapaz agradeceu e foi andando. Ao chegar a um atalho, viu um pobre maltrapilho sentado, muito triste, e pediu-lhe que trocassem as respectivas roupas; assim disfarçado, conseguiu chegar são e salvo ao castelo real. Ninguém o reconheceu, mas logo o pássaro se pôs a cantar, o cavalo a comer e a jovem parou de chorar. O rei muito admirado, perguntou:

– Que significa isso?

– Não sei explicar, - disse a jovem - mas eu estava tão triste e eis que agora me sinto tão alegre! Como se tivesse chegado o meu verdadeiro noivo.

E contou ao rei tudo o que ocorrera, muito embora a houvessem, os dois irmãos, ameaçado de morte se revelasse qualquer coisa. Ouvindo isso, o rei ordenou que se apresentasse diante dele toda a gente do castelo; o jovem também compareceu, disfarçado em pobres andrajos. A princesa, porém, reconheceu-o imediatamente e correu a lançar-se-lhe ao pescoço.

Os perversos irmãos foram presos e condenados; enquanto que o menor casou com a bela princesa e foi nomeado herdeiro do trono.

E a raposa, que fim levou?

Muito tempo depois, o príncipe voltou à floresta e lá encontrou a raposa, que lhe disse:

– Tu agora tens tudo o que desejar se possa, mas a minha infelicidade nunca tem fim; entretanto, está em teu poder libertar-me.

E, novamente, suplicou-lhe que a matasse e lhe cortasse a cabeça e as garras. Ele obedeceu e, no mesmo instante, a raposa transformou-se num homem, o qual outro não era senão o irmão da bela princesa, libertado, finalmente, do encanto a que fora condenado.

Assim nada mais faltou para que fossem todos felizes até o resto de suas vidas.

5a. Festa Literária Internacional de Maringá - FLIM (21 a 25de novembro)

Local: Estacionamento Estádio Willie Davids

Programação

Com o tema “Resistências”, a 5ª Festa Literária Internacional de Maringá (Flim), que será realizada entre os dias 21 a 25 de novembro, quer dar visibilidade às mulheres, negros, índios, refugiados e aos LGBTs.

Além das datas, fora do período eleitoral e dentro do mês da celebração nacional da Consciência Negra, estão entre as primeiras novidades da festa, novas locações e curadoria.

A FLIM ocupará parte do estacionamento de entrada do Estádio Willie Davids e espetáculos culturais serão realizados na Travessa Jorge Amado ao lado do Mercado Municipal. “

Diferente da edição anterior, onde a Flim teve como curador a Câmara Brasileira do Livro (CBL), o jornalista, escritor e diretor da Biblioteca Pública do Paraná, Rogério Pereira, assumirá a curadoria do evento. 

Participantes foram selecionados pelo trabalho conjunto da comissão curadora que reúne representantes de diversos segmentos da sociedade ligados à literatura e da curadoria da Flim, sob responsabilidade do jornalista, escritor e diretor da Biblioteca Pública do Paraná, Rogério Pereira. O curador é criador do Rascunho, um dos mais importantes jornais especializados em literatura do país. 

Evento contará com show do ex-Titãs Arnaldo Antunes e finalistas de edições do Premio Jabuti, considerado o mais tradicional prêmio literário do país.
Arnaldo Antunes - um dos grandes nomes do rock nacional e ex-integrante do grupo Titãs - conquistou o Prêmio Jabuti em 1992 na categoria Poesia. Tendo influências do concretismo, da cultura pop e do próprio rock and roll, publicou em 1983 o “OU E”, seu primeiro livro. 

A Flim contará com o poeta e cronista Fabricio Carpinejar, vencedor na categoria Contos e Crônicas do Prêmio Jabuti com a coletânea de crônicas Canalha!. O escritor ganhou notoriedade com o programa “A máquina” da Rede Gazeta, sendo conhecido popularmente com as participações do programa Encontro da Fátima Bernardes. Destaca-se como uma referência sobre a discussão do imediatismo, o ócio criativo e a vida.

Outro finalista do Prêmio Jabuti que participará da Flim é a escritora Carola Saavedra. Sua obra Flores Azuis de 2008 também foi eleita como o melhor romance pela Associação Paulista dos Críticos de Arte. A escritora ainda esteve na lista dos vinte melhores jovens escritores brasileiros da renomada revista literária Granta.

Confirmado a participação da escritora, poetisa, romancista e ensaísta, Conceição Evaristo. Proveniente do movimento literário pós-modernista, a patrona participará de uma ação que antecipará a nossa Festa, a Pré-FLIM, que acontecerá em outubro. 

Thalita Rebouças é mais uma confirmada para a FLIM 2018. Jornalista e escritora brasileira, Thalita Rebouças publicou mais de 20 livros nos últimos 18 anos. Atuando com temas voltados ao público adolescente, Thalita Rebouças apresentou o The Voice Kids, em 2017, na Rede Globo.

Fonte:

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Canteiro de Trovas do Riso n. 1


Quando o homem casa, se integra
à tal costela cedida.
E a mulher. via de regra,
regra-lhe os dias de vida...
ALARICO CINTRA

Daquele a quem hoje dás
almoço, janta e café,
amanhã receberás
um tremendo pontapé!
ALDA PEREIRA PINTO

Mulher que atinge os quarenta
pode ser bonita e boa.
A mim, porém, já não tenta:
além de cara, é coroa...
ALMEIDA CORRÊA

Era uma vez uma dona
que andava a pé, sem ninguém;
e tanto pediu carona,
que ganhou carro também!.,.
ALOÍSIO ALVES DA COSTA

Noiva, inda em casa do pai,
dizia-lhe em prantos: Vem!
Esposa, é hora do trem,
diz sempre sorrindo: Vai!
ALTINO MORAES

Bom advogado é aquele
de caráter puro e honrado,
que não deixa seu cliente
como um frango depenado...
ANTÔNIO BRAGA

Depois de ter condenado
o bicheiro Zebedeu,
o juiz saiu apressado
para ver que bicho deu...
ANTÔNIO MESSIAS DA ROCHA

Você diz que não é fria
e eu acho graça, porque
até o sol se resfria
quando olha para você...
ANTÔNIO ROBERTO FERNANDES

Político de visão,
agia de forma clara:
ao mudar de opinião,
jamais mudava de cara!
ANTÔNIO TORTATO

Se observo os homens de perto
e analiso os animais,
fico sem saber ao certo
quais são os irracionais...
APARÍCIO FERNANDES

Aqui repousa o Simplício,
coveiro, douto no assunto,
que, coveiro vitalício,
foi promovido a defunto,..
ARISTON TELES

Minha trova hoje se atreve
a dizer a quem quiser:
— Não existe pior greve
que uma greve de mulher!
AUGUSTO CLÁUDIO FERREIRA

Quando a mulher quer, eu acho
que nem Deus a desanima:
— É água de morro abaixo,
ou fogo de morro acima!...
BELMIRO BRAGA

Ela é tão cheia de graça!
Ignora minha existência...
Sabendo por onde passa,
vou criando "coincidência"...
BENNY SILVA

— "Era uma santa!" — falava
o viúvo olhando o caixão.
Mas perto alguém segredava:
— Deixe ao pobre essa ilusão...
BRANCA DO AMARAL MELLO

Sempre tem atualidade
essa velha descoberta:
a mulher de certa idade
nunca diz a idade certa.
BRASIL ALT

O Juca está radiante
porque nasceu-lhe um filhinho.
Mas o caso é que o tratante
tem a cara do vizinho...
CALIXTO DE MAGALHÃES

Nunca receies, Maria,
pelos pecados de amor:
o céu tem mais alegria
quando salva um pecador..
CARLOS GOMES

Esta matrona roliça,
que de vaidade delira,
por fora é toda postiça,
por dentro é toda mentira.
CÁSSIO CHAVES

Esse teu nome é uma troça,
com teu gênio não combina.
— Devias ser Josegrossa,
em lugar de Josefina!
CHICO VEIGA

Pilha a esposa em adultério,
certo marido notável.
Não levou o caso a sério,
pois era inacreditável!
COLBERT RANGEL COELHO

Quantos anos tem Maria?
— Não perguntes, pois é em vão,
Ela só responderia:
— "Que falta de educação!"
COLOMBINA

Dos teus joelhos para cima
conhecer-te não mereço,
mas penso que o mais é a rima
desse menos que conheço.
CRUZ FILHO

Entre uma fruta e a mulher,
o contraste sobressai:
— Aquela só vai madura,
e esta — madura não vai...
DEMÓSTENES CRISTINO

O cura de nossa terra,
cura dos mais refinados,
já me conhece de sobra
através dos teus pecados.
DJALMA ANDRADE

Fala um defunto, ao vizinho,
de uma defunta assanhada:
— Toma cuidado, velhinho,
que essa defunta é casada!
DURVAL MENDONÇA

Lá vem o Zéca da escola,
de cara desconsolada.
Traz redondo, na sacola,
um zero na tabuada.
EDGARD BARCELLOS CERQUEIRA

Estivesses tu ao lado
de Adão, naquela manhã,
e ele teria pecado
sem serpente e sem maçã.
EDIGAR DE ALENCAR

Toda mulher nos ensina
ao menos uma lição:
— fidelidade canina
pede-se apenas ao cão.
EDSON MACEDO

Morreu depois de uma sova;
e, como não tinha campa,
de uma orelha fez a cova
e da outra fez a tampa.
EMÍLIO DE MENEZES

Ao ver a campa enfeitada,
a viúva estremeceu:
— Viu tanta flor dedicada
àquele que fora seu...
EVA REIS

Cachorro em apartamento.
não há no mundo quem goste.
— Além de caro o sustento,
não tem lugar para o poste...
FARIA JÚNIOR

Não penses que me consola
o sorriso que te enfeita;
pobre que vê muita esmola
desconfia e não aceita...
FAUSTO PARANHOS

A justiça é mesmo cega,
de tão rara nos assusta!
Custa, mas um dia chega;
ou melhor: chega mas custa!...
FÉLIX AIRES

Com dois palmos de tecido
fizeste uma saia nova...
Ai, Se eu fora teu marido,
não queiras saber que sova!
FERRER LOPES

É louco quem lança pedras,
diz o ditado, mas mente.
Louco não é quem as lança,
e sim quem fica na frente...
FIDÉLIS PEREIRA DA SILVA

Ó sua descaradona,
tira a roupa da janela!
Vendo a roupa sem a dona,
penso na dona sem ela!...
FOLCLORE PORTUGUÊS

Há certas coisas na vida
que a gente vê mas não quer:
— moça de calça comprida,
— rapaz cheirando a mulher.
FRANCISCO AMORIM

Duvido, sem presunção,
que este meu sonho superes:
de ser o único Adão
num mundo só de mulheres!
FRANCISCO MADUREIRA

Quando me mostras, sentada,
teus joelhos, num sorriso,
vislumbro a curva da estrada
que me leva ao paraíso...
FRANCISCO PIMENTEL

Teu vestido decotado,
não por culpa da modista,
tal qual o arame farpado,
protege... e não tira a vista!...
FRANCISCO ROSETI

Sempre que o raio rebenta,
ela, medrosa, me abraça.
Mas a maldita tormenta,
mal começa, logo passa...
GABRIEL VANDONI DE BARROS

De pensar tanto em Maria,
— oxalá isto endireite —
no restaurante, outro dia,
pedi Maria com leite...
GILVAN CARNEIRO DA SILVA

Sou soldado na tocaia,
não atiro pra falhar:
o nível da tua sala
é mira do meu olhar.
GIOVANI XAVIER

Morre a sogra. Para o inferno
foi-se, deixando-me em paz.
— Que se apiede o Padre Eterno
das mágoas de Satanás!
GUIMARÃES BARRETO

Três amigos, em tom grave,
elogiam Florisbela:
– pois todos três têm a chave
da porta do quarto dela...
GUMERCINDO JAULINO

— Como lhe provar eu posso
minha paixão, meu tormento?
E a moça responde ao moço:
— É fácil: com o casamento...
JOSÉ FERREIRA DA SILVA

Não tenho visto, mas creio
que teu nome ande em jornais...
Muito raramente leio
os casos policiais...
JOSÉ MARIA MACHADO DE ARAÚJO

No flagrante de adultério,
entraram no quarto errado
e pegaram o Eleutério
com a mulher do delegado!
JOSÉ PAULO TAVARES

Seguro morre de velho...
Mas, por avarento e duro.
morreu o velho Botelho:
velho morre de seguro...
LAURO SILVA

Muito esquisitos eu acho
teus vestidos, minha prima:
são altos demais embaixo
e baixos demais em cima… 
NERO DE ALMEIDA SENA

As suas cartas, senhora,
releio-as de quando em vez.
Mas nelas só vejo agora
os erros de português...
PAULO EMÍLIO PINTO

Isabel Furini (O Escritor)


Ernesto mudou-se do centro da cidade para o bairro de Bacacheri, perto do parque. Precisava de silêncio para escrever sua obra fundamental. Renovarei as letras, falava com seus botões. 

Nessa manhã de sábado estava sentado diante do computador. Escrevia o primeiro parágrafo de seu novo romance. Que nome daria à sua personagem? Teria que iniciar com A para demonstrar que o enredo partia de uma ação realizada pela protagonista. Ana seria um bom nome? Não! Curto demais. Anastásia? Não! Poderia ser confundido com a história da nobre russa desaparecida. Anacleta... não... não... Albertina? Isso mesmo! Albertina! Albertina foi o nome escolhido por Proust para sua personagem feminina. Por que não? Ao final, meu livro tem uma marcante influência proustiana, concluiu. 

Uma vez escolhido o nome da protagonista, o escritor inicia o primeiro parágrafo. Tem que ser visceral, pensou. Dilacerante! “No quarto escuro, Albertina apalpa as paredes. Onde estará o espelho de luz? Um reflexo luminoso no chão. A luz entrava por baixo da porta. Do outro lado, vozes e risos. Uma festa? Não lembrava...” Não lembrava... eu escrevi não lembrava mas ficou feio. Tenho que achar outra frase. Vejamos. Uma festa? Albertina estava confusa... Que porcaria... não era isso, não. O que escrever depois da pergunta: uma festa? Imagens rápidas... Não, rápidas não!.. Imagens entrecortadas. Isso ficou bom: imagens entrecortadas acudiam velozes. Que diabos estou escrevendo? Imagens não acodem... imagens... imagens aparecem? Surgem? Nada disso. Ernesto deleta as frases e volta àquela pergunta: Uma festa? 

Ele tentou escrever esse parágrafo durante horas a fio. O sol caía no horizonte quando Ernesto, desesperado, olhou o céu azul profundo com matizes vermelhos. Olhou o monitor. Não havia conseguido terminar o primeiro parágrafo. Nem o retrato de Proust, colocado na estante lhe havia servido de inspiração. - Se não posso ser igual a Proust, para que viver? - perguntou-se. Sempre olhando o céu, encaminhou-se à janela. E trêmulo e corajoso ao mesmo tempo, gritou: 

- Márcia, coloque no meu epitáfio: Foi um bom escritor. 

A esposa correu até o quarto, mas era tarde demais. Chegou no momento em que Ernesto, de olhos fechados, jogava-se pela janela. Machucou o braço e as costas. Tentou sentar-se na grama, enquanto Márcia, colocando a cabeça para fora da janela, gritava: - Ernesto, o que tentou fazer? Você esqueceu que agora moramos no térreo?
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Isabel Florinda Furini, educadora e escritora, de nacionalidade argentina, radicada em Curitiba/PR. escreve poemas desde criança, já foi premiada em alguns concursos. Publicou 15 livros, entre eles a Coleção "A Corujinha e os Filósofos" da Editora Bolsa Nacional do Livro, em 2006.  Em 2007 redigiu a obra SENAC PARANÁ, 60 ANOS e publicou "O Livro do Escritor", da editora Instituto Memória, Curitiba, 2009. Ministra palestras e oficinas direcionadas a novos escritores.
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