sexta-feira, 12 de abril de 2024

Recordando Velhas Canções (Brigas, nunca mais)


Tom Jobim/ Vinicius de Moraes

Chegou, sorriu, venceu, depois chorou
Então fui eu quem consolou sua tristeza
Na certeza de que o amor tem dessas fases más
E é bom para fazer as pazes, mas

Depois fui eu quem dela precisou
E ela então me socorreu
E o nosso amor mostrou que veio pra ficar
Mais uma vez por toda a vida
Bom é mesmo amar em paz
Brigas, nunca mais
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A Harmonia do Amor em 'Brigas Nunca Mais’

A música 'Brigas Nunca Mais', composta por Tom Jobim, um dos maiores expoentes da música brasileira e um dos criadores da Bossa Nova, aborda a dinâmica de um relacionamento amoroso com suas idas e vindas emocionais. A letra inicia descrevendo a chegada de alguém que, após um momento de vitória, enfrenta a tristeza, e o eu lírico se apresenta como o consolador. Essa troca de papéis é comum em relacionamentos onde o apoio mútuo é essencial.

A música segue com a inversão da situação, onde o eu lírico agora é quem necessita de consolo e recebe o apoio da parceira. Essa reciprocidade demonstra a força do amor que, apesar das 'fases más', tem a capacidade de se renovar e fortalecer. A expressão 'é bom para fazer as pazes' sugere que os desentendimentos são oportunidades para fortalecer os laços afetivos.

O refrão 'Bom é mesmo amar em paz / Brigas, nunca mais' reforça a ideia de que a harmonia é o estado mais desejável para o amor. A repetição da frase 'nunca mais' enfatiza a decisão dos envolvidos em evitar conflitos futuros, priorizando um relacionamento pacífico e duradouro. A música, portanto, celebra o amor maduro que supera as adversidades e se consolida na paz e no entendimento mútuo.

Panorama da literatura indígena brasileira (entrevista com Julie Dorrico)

Entrevista realizada em 1 de julho de 2019, por Literatura RS
Texto e edição: Vitor Diel

Literatura indígena brasileira contemporânea, literatura de autoria indígena ou literatura nativa. As distintas designações referendam o mesmo tema: a produção escrita de autores representantes dos povos originários do Brasil. 

Este é o recorte ao qual a doutoranda em Teoria da Literatura no Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS, Julie Dorrico, se dedica. Descendente do povo Macuxi, de Roraima, a pesquisadora fala com exclusividade ao Literatura RS sobre a rica história da produção literária de autoria indígena, seu (ainda tímido, conforme a entrevistada) reconhecimento pela Academia Brasileira e a situação da produção literária indígena em 2019 — declarado pela UNICEF como o ano internacional das línguas dos povos indígenas.

Fale-nos sobre o panorama atual da literatura de autoria indígena brasileira.

A literatura indígena brasileira contemporânea é um movimento literário que nasce para a sociedade envolvente na década de 1990. Esse movimento caracteriza-se no cenário nacional por sua autoria: a autoria coletiva e a autoria individual. Antes de tudo, convém enfatizar que até a década de 1990, era raríssimo encontrar obras publicadas que carregassem na capa ou na ficha catalográfica o nome de um indivíduo indígena. E mais raro ainda ele ser conhecido no país como autor ou mesmo escritor. Em 1980, já existia esse desejo de autoria pelos indivíduos indígenas; com isso, vemos algumas obras serem publicadas, como “Antes o mundo não existia”, de Firmiano Arantes Lana e Luiz Gomes Lana, do povo Desana. Ainda em 1975, Eliane Potiguara escrevia o poema “Identidade Indígena”.

Todavia, só na década de 1990 que a produção indígena torna-se mais pungente, caracterizando um movimento literário desde os indígenas: primeiro nas aldeias, com a autoria coletiva, a partir da educação escolar indígena, direito assegurado na Constituição Federal, de 1988, no artigo 210, graças à luta e organização de lideranças indígenas brasileiras. A autoria coletiva é uma produção realizada pelos alunos e professores indígenas que produzem materiais didático-pedagógicos que destinam-se ao ensino da sua comunidade, o ensino da sua língua materna em escrita alfabética e o ensino da língua portuguesa, bem como narrativas e outros saberes.

Segundo, com a autoria individual, com a publicação da obra “Todas as vezes que dissemos adeus”, de Kaká Werá, em 1994, e “Histórias de índio”, de Daniel Munduruku, em 1996, que demarcava o território simbólico das artes no Brasil. Kaká Werá e Daniel Munduruku são os pioneiros e, ouso dizer, idealizadores desse projeto literário que busca diminuir a distância e o desconhecimento da sociedade envolvente para com os povos originários. Hoje, a partir de um levantamento bibliográfico realizado por Daniel Munduruku, Aline Franca e Thúlio Dias Gomes, intitulado Bibliografia das Publicações Indígenas do Brasil, é possível conhecer autores indígenas de diferentes etnias e suas publicações. Nesse trabalho, que está disponível online, é possível encontrar, na categoria da autoria individual, 44 escritores no total, sendo desse total, 11 mulheres. Sabemos que um autor, o René Khitãulu, da etnia Nambikwara, já é falecido, então seriam 43 vivos. Nesse levantamento, podemos conhecer ainda a lista de antologias, teses e dissertações, todas de autores indígenas.

Quantos povos indígenas nós temos no Brasil e quantos idiomas são conhecidos?

Segundo o Instituto Socioambiental, há no país 255 povos indígenas e 150 línguas diferentes. Mas é difícil precisar, em termos quantitativos, porque há grupos que atualmente estão em processo de retomada, isto é, passando a se autodeclarar indígenas, uma vez que tiveram suas identidade negadas e assassinadas, como os grupos existentes no Nordeste. Mais difícil ainda saber quais idiomas são mais conhecidos, porque em cada região há números diversos de povos com suas línguas maternas que na maioria das vezes ficam restritas aos próprios falantes daquela etnia.

Como você avalia a receptividade da Academia Brasileira à literatura indígena?

Considerando sua emergência na década de 1990, a procura maior das editoras na década de 2000, depois da publicação da Lei 11.645 de 2008 que torna obrigatório o ensino das culturas indígenas e afro-brasileiras em todo o currículo escolar, ainda acho tímida a recepção desse segmento. O contraponto está na atuação dos próprios escritores que promovem concursos literários, como o Curumim, que premia professores da educação básica que trabalha com literatura indígena na sala de aula, e o Tamoio, que busca novos escritores indígenas para somar ao movimento. Ambos, Curumim e Tamoio, são realizados desde o ano de 2004 sob direção de Daniel Munduruku, com apoio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).

Você defende que para compreendermos a literatura indígena é fundamental partirmos de uma perspectiva correlacionada com expressões estéticas de natureza oral ou visual. Por quê?

Eu defendo que para compreendermos a literatura indígena temos de reconhecer que a estrutura do pensamento ameríndio é diferente do ocidental. Ou seja, é preciso reconhecer que os povos indígenas se orientam a partir do princípio de homem integrado à natureza, e o sujeito do ocidente segue a lógica binária e dual de homem versus a natureza. O primeiro caso ajuda-nos a perceber por que na expressão literária o sujeito tem uma relação sagrada com a natureza. É nesse espaço da floresta que os seres humanos e não-humanos habitam e conduzem os modos de vida tradicionais desses povos. Assim, obras como “Coisas de índio”, de 1996, de Daniel Munduruku, vai nos mostrar de modo didático como são as vidas nas comunidades; “Nós somos só filhos”, de 2011, de Sulamy Katy, como o próprio título sugere, nos leva a assumir que não somos donos da natureza, mas que somos seus filhos, só filhos. A própria noção de que os povos indígenas são os “verdadeiros donos da floresta” é totalmente equivocada justamente porque eles não têm essa relação de posse com a natureza, mas de filhos dela, portanto, seria mais correto dizer que eles são os “guardiões da floresta”, e isso eles são.

A natureza oral das comunidades tradicionais traduz-se em suas literaturas. Se a literatura brasileira tem por tradição um cânone que inaugura-se nas Cartas do período colonial, passando pelo Barroco, Romantismo, Realismo, Modernismo, Concretismo até as expressões mais contemporâneas, deve-se levar em conta que a tradição da literatura indígena reside na ancestralidade que vive na oralidade. Então, a literatura indígena nasce para a sociedade nacional quando os sujeitos indígenas adquirem a escrita alfabética e a publicação e passam a contar as suas histórias, mas para as sociedades tradicionais, como diz Kaká, a literatura sempre existiu, sendo anterior à escrita e ao impresso. A edição e a publicação significa, dessa forma, uma ferramenta para expressar-se, dialogar sobre pertencimento étnico e sobrevivência.

A Constituição de 1988 assegura a construção de uma política educacional para os povos indígenas com método específico. Como estão essas garantias em 2019?

A educação escolar indígena está presente em muitas aldeias do país. Todas elas funcionando com projetos específicos e diferenciados assegurados na Constituição Federal, de 1988, no artigo 210. Esse direito assegurado é resultado de lutas de lideranças indígenas, que também receberam o apoio da sociedade envolvente.

Em 2019, vemos um endurecimento do discurso nacional em relação aos povos indígenas. É natural estarmos todos apreensivos, por isso mesmo (é importante) o trabalho de artistas indígenas e intelectuais que trabalham para fortalecer a consciência dos povos indígenas e da sociedade nacional sobre a importância da terra, do direito à vida e às artes em geral, que foram tirados historicamente dos povos originários. Essa luta simbólica passa pela luta política, uma vez que a pauta central das causas indígenas situa-se no direito ao território. Sabemos que todas as políticas só podem ser efetivadas a partir do estabelecimento de um território — quero dizer que educação e saúde só serão possíveis para os povos originários se seus territórios forem respeitados e possibilitados.

Quais obras você recomendaria para apresentar essa literatura para quem ainda a desconhece?

Começo por recomendar alguns autores, como Daniel Munduruku, que possui uma variada produção, desde ensaio, memória, à literatura infanto-juvenil. Muitos autores indígenas escrevem para o público infantil e juvenil, e por isso mesmo às vezes são confundidos e de modo bastante equivocado tratados como quem produz uma literatura inferior. Kaká Werá diz que a estratégia de destinar o livro indígena a esse público está em reconhecer que ele é mais livre de preconceitos que os mais velhos. E eu ainda arrisco dizer que a sociedade brasileira ainda é criança quando se trata de cultura indígena. Não conhece seus povos dentro de seus estados, não sabe falar uma língua indígena, ao passo que o inglês é quase regra. Também indicaria mulheres indígenas: Márcia Kambeba, Auritha Tabajara, Sulamy Katy, de quem falei brevemente, Lia Minapoty e Maria Kerexu, que escreve com Olívio Jekupe. O próprio Olívio Jekupe, Yaguarê Yamã, Cristino Wapichana, que, como Daniel Munduruku, é vencedor do prêmio Jabuti, Ely Macuxi, Tiago Hakiy e muitos outros mais.

Livros recomendados por Julie Dorrico:
– “A mulher que virou Urutau”, de Olívio Jukupe e Maria Derexu.
– “Coisas de índio”, de Daniel Munduruku.
– “Coração na aldeia, pés no mundo”, de Auritha Tabajara.
– “Ipaty, o Curumin da selva”, de Ely Macuxi.
– “Nós somos só filhos”, de Sulamy Haty.
– “O lugar do saber”, de Márcia Wayna Kambeba.
– “O sonho de Borum”, de Edson Krenak. 
– “Puratig, o remo sagrado”, de Yaguaré Yamã.
– “Tardes de Agosto Manhãs de Setembro Noites de Outubro”, de Jaider Esbell.

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Adega de Versos 122: Janske Niemann Schlenker

 

Eduardo Affonso (A invenção da linguagem)

Quando o primeiro ser humano descobriu que podia falar, antes de sair contando a novidade para todo mundo deve ter se dado conta da necessidade de dar nome às coisas – ou não teria nem como dizer que tinha adquirido o dom da fala.

Depois de milênios brincando de “imagem e ação” diante de qualquer evento – seja para dizer “eu te amo” ou “tem uma baratossaura pousada no seu ombro” – era um alívio poder simplesmente chegar e dizer “tem uma baratossaura pousada no seu ombro”, sem precisar levar os indicadores à testa imitando antenas, sacudir os cotovelos como se fosse levantar voo, e fazer cara de nojo.

Mas como dizer “tem uma baratossaura pousada no seu ombro” se nem o “ombro” nem a “baratossaura” tinham nomes, muito menos os verbos “pousar” ou “ter” (ainda mais no sentido de existir)?

O primeiro ser humano que descobriu que podia falar sentiu um peso maior sobre seus ombros ainda sem nome: nomear não só as coisas, mas também as ações, porque sem os verbos as palavras soltas não fariam muito sentido.

Vencida a etapa dos verbos e substantivos, o pobre ser humano deve ter entendido que havia a necessidade também dos adjetivos (era uma baratossaura pequenininha, de apenas dois palmos, ou uma daquelas que voam, e contra a qual não há tacape nem testosterona que deem jeito? Era um amor eterno e avassalador ou só um amorzinho legal agora à tarde enquanto os mamutes pastavam e os tigres dente de sabre faziam a sesta?). Vieram então os advérbios, as conjunções, os artigos definidos e indefinidos, o “que” relativo e todas aquelas malvadezas com as quais os professores de português nos torturaram.

Há de ter sido um desafio e tanto a nomeação do mundo. Olhar a baratossaura e pensar que nome sem muito valor para dar àquele bicho asqueroso. Olhar o ombro e imaginar um som que se ombreasse à beleza daquele patamar nascido da curva no final do pescoço e que iria morrer dali a pouco, em curva ainda mais bela, antes de virar braço. E criar palavras que se harmonizassem nessa sequência, fluindo sinuosamente – pescoço ombro braço.

Esse primeiro falante deve ter percebido que havia coisas demais no mundo, e que não daria conta sozinho. Aí chamou a família para ajudar (nascia a palavra “nepotismo”), e isso explica porque haja nomes tão esquisitos (dados pelo cunhado, talvez) e nomes esculpidos a cinzel (obra da cunhada); nomes tão límpidos (atribuídos pelo filho caçula), e outros tão obviamente equivocados (quem mandou chamar a sogra?).

Quem batizou a arara de “arara” deve ter sido uma criança. A mesma que nomeou o tatu, a cacatua, o jacaré, o pica-pau, o tico-tico e todos os bichos de nomes oxítonos ou onomatopaicos.

À filha teen coube dar nome ao beija-flor, ao bem-te-vi, à borboleta, ao arco-íris, à rosa dos ventos, ao bicho da seda, e às cores fúcsia, rosa-chá e off-white.

O cunhado denominou a fronha, o ornitorrinco, o fluxo piroclástico e as placas tectônicas (placas tectônicas e fluxos piroclásticos eram bastante populares naquela época).

Ele mesmo, o hipotético homem das cavernas, nomeou as coisas práticas (dia, noite, vida, morte, sexo, cerveja, chave de fenda, moto de quinhentas cilindradas, pênalti, impedimento, juiz ladrão).

A mulher criou palavras como ciclo, lua, cólica, leite, castigo, chantagem emocional, refogado, dor de cabeça, tédio, evasê, dupla jornada, empoderamento.

São indubitavelmente obra da sogra os nomes dados à bertalha, à seriguela, à alcachofra, à rebimboca e a todas as geringonças (sendo sua, inclusive, a invenção da palavra “geringonça”).

Por não terem inventado uma palavra que sintetize essa ideia, “eu te amo” continua, até hoje, difícil de dizer.

Fonte> Blog do Eduardo Affonso. 17 set 2019

Professor Garcia (Trovas do meu cantar) 1


A cama, em nossa morada,
entre os trapos do meu teto!...
E uma esteira remendada,
com mil fiapos de afeto!
- - - - - –

A cigarra destemida,
o seu disfarce me encanta,
por não ter nada na vida
e ser feliz quando canta!
- - - - - –

A dor que se intensifica
e amedronta os dias meus,
é pensar na dor que fica
depois da palavra adeus!
- - - - - –

À espreita de um novo encanto,
o orvalho que a noite chora...
E lágrima de acalanto,
que beija a face da aurora!
- - - - - –

Amai-vos!... Disse o Senhor,
Deus, no amor, tudo permite.,.
Por que limitar o amor,
se a regra não tem limite?
- - - - - –

A natureza resiste,
mas a tristeza do monte,
é enxugar o pranto triste
dos olhos tristes da fonte!
- - - - - –

Antes que a vida se acabe,
viva! Da vida eu sou fã.
Nem eu sei, nem você sabe,
se haverá outro amanhã!
- - - - - –

As cordas desafinadas
e esta voz chegando ao fim!...
São mimos das madrugadas,
guardados dentro de mim!
- - - - - –

A virtude que mais rego,
vive em mim, nunca passou;
E a fé que sempre carrego
de ser feliz como sou!
- - - - - –

Cadeira velha!... Esquecida,
sem dono e sem mais ninguém...
Só a saudade atrevida
reclama a ausência de alguém!
- - - - - –

Cantar em noites de lua,
vagando pelas calçadas,
é o que faço pela rua,
na insônia das madrugadas!
- - - - - –

Cascata, teu pranto triste,
parece que não tem fim!...
Comparo ao pranto que existe
doendo dentro de mim!
- - - - - –

Eu me curvo ante os conselhos
que recebo todo dia,
quando dobro os meus joelhos,
aos pés da Virgem Maria!
- - - - - –

Há, na visão de uma flor,
e no olhar de uma criança,
mil semelhanças de amor,
de inocência e de esperança!
- - - - - –

Mãe preta! Teu negro seio
deu-me o mais puro sabor;
nele eu bebi, sem receio,
a eternidade do amor!
- - - - - –

Mar aberto!... O sol se esquiva,
e a jangadinha, a vagar,
lembra uma lágrima viva
nos olhos verdes do mar!
- - - - - –

Não me esqueço!... E ao descrevê-la,
praça de minha ilusão!
Seu chão forrado de estrela
era a esteira do meu chão!
- - - - - –

Não se fere uma criança
nem se machuca uma flor!
Se uma é fonte de esperança,
outra é esperança de amor!
- - - - - –

Na primavera partiste,
e o monstro do tempo, ingrato,
deixou teu rosto mais triste
no velho porta-retrato!
- - - - - –

Nesta longa caminhada
que fazemos sempre a sós...
Nem o silêncio da estrada
quebra o silêncio entre nós!
- - - - - –

Pelas manhãs, vou buscando,
minha esperança perdida...
Há sempre um sonho vagando,
nas alvoradas da vida!
- - - - - –

Prazer é sentir os dedos
de nossas mãos artesãs,
pintando os lindos segredos
das auroras das manhãs!
- - - - - –

Primavera é foto linda,
de uma infância toda em flor!…
Parece que nunca finda
a primavera do amor!
- - - - - -

Quando a minha fé se esmera,
penso que tudo se alcança.
Por longa que seja a espera,
não perco nunca a esperança!
- - - - - –

Quando a tarde veste o manto,
torna escura a luz do dia...
Saudade dói outro tanto
do tanto que já doía!
- - - - - –
Fonte:
Francisco Garcia de Araújo. Cantigas do meu cantar. Natal/RN: CJA Edições, 2017.
Enviado pelo autor.

Recordando Velhas Canções (Você abusou)


Composição: Tom Jobim

Você abusou!
Tirou partido de mim
Abusou!
Tirou partido de mim
Abusou!
Tirou partido de mim
Abusou!

Mas não faz mal
É tão normal ter desamor
É tão cafona sofrer dor
Que eu já nem sei
Se é meninice
Ou cafonice o meu amor

Se o quadradismo
Dos meus versos
Vai de encontro
Aos intelectos
Que não usam o coração
Como expressão

Você abusou!
Tirou partido de mim
Abusou!
Tirou partido de mim
Abusou!
Tirou partido de mim
Abusou!

Que me perdoe
Se eu insisto nesse tema
Mas não sei fazer
Poema ou canção
Que fale de outra coisa
Que não seja o amor

Se o quadradismo
Dos meus versos
Vai de encontro
Aos intelectos
Que não usam o coração
Como expressão

Você abusou!
Tirou partido de mim
Abusou!
Tirou partido de mim
Abusou!
Tirou partido de mim
Abusou!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Desamor e Poesia: A Essência de 'Você Abusou'

A música 'Você Abusou', interpretada por Maria Creuza, é uma expressão lírica que aborda a temática do desamor e da decepção afetiva. A repetição enfática do verso 'Você abusou! Tirou partido de mim' sugere uma relação onde houve exploração emocional ou desequilíbrio, onde um dos parceiros se sente lesado pelo outro. A canção reflete a dor e a resignação de quem foi prejudicado, mas também revela uma perspectiva madura ao reconhecer que o sofrimento amoroso é um sentimento comum e até mesmo banal ('É tão normal ter desamor').

A artista, ao mencionar o 'quadradismo dos meus versos', pode estar fazendo uma autocrítica ou uma reflexão sobre a simplicidade de sua expressão poética, que pode não ser bem recebida pelos 'intelectos que não usam o coração como expressão'. Essa passagem destaca a importância da emoção na arte e na vida, em contraste com uma abordagem mais racional e menos sensível. Maria Creuza, com sua voz suave e interpretação emotiva, consegue transmitir a profundidade dos sentimentos envolvidos na experiência do amor e da dor.

Por fim, a música se fecha com a aceitação da própria limitação da artista em falar de outros temas que não o amor. Isso pode ser visto como uma declaração de que o amor, em suas diversas formas, é uma fonte inesgotável de inspiração artística e pessoal. A canção, portanto, além de ser um desabafo sobre uma experiência pessoal, é também uma reflexão sobre a arte de compor e sobre a universalidade do amor como tema central na vida das pessoas.

Silmar Bohrer (Croniquinha) 109

Não sei quantos de nós percebemos que pequenos detalhes podem ser grandes detalhes. Boca-noitinha são instantes em que mosquitos invadem o ambiente em busca de alguma coisa importante para a sobrevivência. E sobrevivência pode ser abrigo ou busca por alimento. Abrigo - lugares fechados -, e o alimento pode ser o nosso sangue, através de picadas que inicialmente não percebemos. 

A pequena fisgada é o epicentro que ocasionará dores e acabamos irritados, mas com uma pomada qualquer amanhã estará esquecido. 

Cabe a analogia com o nosso cotidiano, no trabalho e outras ações, quando ficamos nervosinhos se algo emperra ou não dá certo, e queremos briga ou até desistência. Minúcias, como uma picada de mosquito, nem sempre são insignificantes. Ao contrário, por si só podem ser importantes como soluções improváveis. 

Resiliências nos pormenores. Quantos detalhes fazem a diferença! 

Fonte> Texto enviado pelo autor 

quarta-feira, 10 de abril de 2024

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 43


 

Monsenhor Orivaldo Robles (O sabiá)

“Minha terra tem palmeiras/ Onde canta o sabiá; / As aves que aqui gorjeiam/ Não gorjeiam como lá”. Fosse o seu Maranhão dominado, é provável que Gonçalves Dias não visse Coimbra como exílio, mesmo tendo lá vivido muito jovem, como estudante, dos 15 aos 22 anos. Nem talvez sentisse tanta saudade.

Desconheço que palmeiras eram as de Caxias (MA), sua terra, às que se refere. Não, com certeza, as garbosas palmeiras imperiais da nossa Avenida 15 de Novembro. Imperiais, porque o primeiro exemplar foi plantado por Dom João VI, no Jardim Botânico do Rio, em 1809.

Para cantar sabiá prefere mesmo palmeira? Jamais saberei. Durante muito tempo, bem cedinho, na Avenida 15 de Novembro, encantou-me a melodia de um sabiá-laranjeira. Nunca percebi se cantava em palmeira ou noutra árvore. Pela “Canção do Exílio” tinha que ser numa palmeira. Muitas vezes tentei, mas é impossível vê-lo na folhagem daquela altura. Sabia esconder-se o espertinho. Lá no alto emitia seu gorjeio, que musicava minha manhã nascente. Assim foi por meses, nem sei quantos.

Até que, em fins do ano passado, uma ruidosa e comercial programação de Natal tomou conta da cidade. Não sei se pelo foguetório ou se pelo vozeado interminável de locutores gritões, o certo é que o coitadinho assustou-se. Sumiu. Levou tempo para eu tornar a ouvi-lo. Desta vez, lá na Praça Presidente Kennedy. Calculo que era o mesmo, embora nunca o tenha visto. Prudentemente, há de ter buscado distância da barulheira que, até tarde da noite, não lhe dava sossego. Recentemente, voltei a perceber, de novo, seu canto nas palmeiras da Avenida 15. Voltou. Pelo visto, sabiá não se dá bem com saudade. Como Gonçalves Dias. Porém não canta com a mesma frequência de antes. Também a melodia soa um pouco diferente. Mais triste, me parece. Além de que ele abreviou o recital. Executa apenas meia partitura.

O amiguinho cantor trouxe-me à lembrança antigo colega seu, um ascendente longínquo talvez. No seminário do Batel, em Curitiba, sem falhar um dia, ele acompanhava nossa oração da manhã. Antes da missa, observávamos meia hora de meditação silenciosa. Éramos então brindados com seu primoroso concerto. Ele devia morar no bosque do alemão, nosso vizinho. Enfeitava com graciosas volteaduras o longo trinado. Um Milton Nascimento dos sabiás.

Fico matutando se também aos pássaros canoros antigamente não se exigia melhor técnica e potência vocal. Porque na raça dos humanos, hoje em dia, qualquer pobre diabo se considera cantor. Ainda que lhe falte voz, e careça, por completo, de ouvido musical. A tecnologia do estúdio disfarça as falhas.

Que imenso poder nós temos de modificar nosso planeta. Até aos pássaros conseguimos arrebatar-lhes o natural habitat. Em troca, lhes providenciamos uma versão moderna, que julgamos melhor: no campo, a monotonia da soja, da cana e do pasto; na cidade, a aridez dos prédios, do cimento e do asfalto. Nosso “progresso” condenou à morte até o último capãozinho de mato nativo, onde o ar era puro e a água corria limpa; onde havia fartura de insetos, sementes e frutas. Hoje, não Gonçalves Dias, mas o sabiá é que canta sua canção do exílio. Numa melodia empobrecida.

Os sabiás novos desconhecem o precioso repertório dos antigos. Também, nem lugar sobrou para os coitados ensaiarem. Assim, como vão aprender?

Fonte> Recanto das Letras. 09 março 2014

Luiz Damo (Trovas do Sul) LX


Vejo os dias se somando.
cai chuva em novo cenário,
nele, o tempo gotejando
e encharcando o calendário.
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Dona de um olhar sereno
a criança almeja mais,
brinca em seu mundo pequeno
que fora dos ancestrais.
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A história corre veloz
em meio às adversidades,
choramos ao ver-nos sós,
tomados pelas saudades.
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Quem sente medo de altura
sofre a dor da insegurança,
dói, porque a vida insegura,
cresce à mente da criança.
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A planta, na sua essência,
tem a missão de nos dar
o fruto, e por consequência
nossa fome amenizar.
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Nunca a esperança sepulte,
o sol há de iluminar,
mesmo que a nuvem o oculte
sobre ela vive a brilhar.
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Se a vida perde o sentido,
compelido, o ser se abate,
no combate, estremecido,
cai, vencido, pelo embate.
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Quando teus sonhos ecoam
e os ecos nunca escutares,
é porque decolam, voam,
sem porém rastros nos ares.
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A vida em sua amplitude
requer firmeza e cautela,
além de sábia atitude
para torná-la mais bela.
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Mesmo que nada convirja
aos sonhos e às pretensões
e às ações, tudo divirja,
nunca abafe as convicções.
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Das matas ou dos pomares,
que aninham anis rolinhas,
ouço ecos, tão singulares
das canoras andorinhas.
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Zele do corpo, a morada,
do teu ser, com dignidade,
te conduza à caminhada
pela estrada da equidade.
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O homem sábio sabe bem
não ter tudo o que mais ama,
mas ama tudo o que tem
mesmo distante da fama.
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Se a luz da vida faltar
para iluminar os passos,
procure a sua aumentar,
sem destoar os compassos,
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De ninguém Deus quer a morte,
mas a plena salvação,
por ser ela um passaporte,
nunca uma condenação.
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Pode o céu também ser teu
se aqui na terra o vivê-lo,
foi Deus quem o prometeu
a quem faz por merecê-lo.
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Todo excesso nos assusta
por sua nocividade,
mas se a falta for robusta
nos leva á fatalidade.
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A corrupção tem um preço
quem a segue acaba mal,
meio doce, no começo,
gosto amargo, no finai.
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Pelo fruto conhecemos
a planta, em suas essências,
pela colheita podemos
confirmar as evidências.
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O amargo do chimarrão
faz parte de uma cultura,
que o Gaúcho, à tradição,
toma-o com garbo e doçura.
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A obtenção da independência
não requer armas de fogo,
mas a formal anuência
das partes que estão no jogo.
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Desde os primeiros momentos
aos seus derradeiros dias,
o homem mescla sofrimentos
com fragmentos de alegrias.
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No elevador, tão discreto,
nem sempre a amizade ecoa,
o olhar vai dos pés ao teto
exceto na outra pessoa.
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Nenhum casal se aborrece
se houvesse discernimento,
da promessa feita em prece
no dia do casamento.
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Renovo a vida e não cedo
à sede a me atormentar,
supro-a com vigor, sem medo
com meu sonho a fomentar.
Fonte> Luiz Damo. As faces da trova. Caxias do Sul/RS: Ed. Do Autor, 2021. 
Enviado pelo trovador.

Recordando Velhas Canções (A noite do meu bem)


Composição: Dolores Duran

Hoje eu quero a rosa mais linda que houver
E a primeira estrela que vier
Para enfeitar a noite do meu bem

Hoje eu quero paz de criança dormindo
E abandono de flores se abrindo
Para enfeitar a noite do meu bem

Quero a alegria de um barco voltando
Quero ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem

Ah, eu quero o amor, o amor mais profundo
Eu quero toda a beleza do mundo
Para enfeitar a noite do meu bem

Quero a alegria de um barco voltando
Quero ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem

Ah, como esse bem demorou a chegar
Eu já nem sei se terei no olhar
Toda pureza que quero lhe dar
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

O Romantismo Lírico na 'A Noite do Meu Bem'

A canção 'A Noite do Meu Bem', interpretada pela icônica Dolores Duran, é uma verdadeira ode ao amor e ao romantismo. A letra da música descreve o desejo de proporcionar uma noite perfeita para o ser amado, utilizando imagens poéticas para expressar esse sentimento. A escolha de elementos da natureza, como a rosa mais linda e a primeira estrela, simboliza o desejo de oferecer o que há de mais belo e puro ao amado.

A paz de uma criança dormindo e o abandono de flores se abrindo são metáforas que evocam tranquilidade, inocência e renovação, elementos que a voz lírica deseja trazer para a noite especial. A alegria de um barco voltando e a ternura de mãos se encontrando representam o reencontro e a conexão emocional entre os amantes. A música transmite uma atmosfera de esperança e celebração do amor.

A última estrofe revela uma certa ansiedade, talvez pelo tempo que levou para que esse amor chegasse ou pela intensidade do desejo de expressar seus sentimentos mais puros. A preocupação de não conseguir transmitir toda a pureza desejada mostra a profundidade do amor que a voz lírica sente, tornando a canção um retrato sensível e emocionante do amor romântico.

terça-feira, 9 de abril de 2024

Arthur Thomaz (Devaneios) – 5 -

 

A. A. de Assis (Purificação da Noosfera)

Neste exato momento da história da humanidade seria difícil avaliar como anda essa competição. Quem está vencendo – o bem ou o mal?

Noosfera é uma palavra rica, embora pouco presente na literatura e muito menos na conversa informal. Vem do grego “nóos” (ou “nous") e contém a ideia de espírito, mente, saber, noção (latim noscere, cognoscere; inglês to know). Assim como existem a litosfera, a hidrosfera, a biosfera, a atmosfera, há também a noosfera – o mundo das ideias, formado pelas energias espirituais, pelos produtos culturais, teorias, conhecimentos. Resumindo: é a esfera do pensamento humano.

Na verdade, só me lembro de ter visto essa palavra – noosfera – nos livros do padre, médico e filósofo maranhense João Mohana (1925 - 1995) e do padre, filósofo, teólogo e paleontólogo francês Teilhard de Chardin (1881 - 1955). Porém acho o tema fascinante.

Na noosfera, segundo pude entender, misturam-se tudo o que sabemos, o que pensamos, o que sentimos, o que desejamos, tudo o que sonhamos. O bem e o mal. O amor e o ódio. O trigo e o joio. Daí o conflito que vem desde Abel e Caim e que somente terminará, na perspectiva dos que acreditam na vitória do bem, no momento em que a “mente universal” estiver inteiramente despoluída, ou seja, livre de todos os resíduos do mal.

Neste exato momento da história da humanidade seria difícil avaliar como anda essa competição. Quem está vencendo – o bem ou o mal? Muito provavelmente os torcedores do bem sejam maioria, aliás a grande maioria, contudo a minoria que forma a torcida do mal parece mais atuante, ou pelo menos mais barulhenta.

Onde estão os geradores de energia ruim? Em todos os lugares onde haja pessoas que se deixem decair como pessoas, na medida em que se fazem escravas da soberba, da mentira, da intolerância, da inveja, da ira, do preconceito, da ganância, da depravação. da perversidade, e que passam todo o tempo tramando contra a sociedade e praticando toda forma de indignidade, desonestidade, violência,  injustiça.

E onde estão os geradores de energia boa? Estão nos lares onde pais e filhos procuram viver segundo as melhores normas da civilização; estão nas escolas onde, além de ensinar ciências e técnicas, também se valorizam bons princípios; estão nos locais onde se reúnem fiéis de todas as religiões para desenvolver virtudes como a generosidade, a esperança, a mútua ajuda, o mútuo respeito; estão nas associações onde as pessoas se dedicam a prestar serviços comunitários gratuitos; estão onde quer que alguém esteja ajudando uma criança, um velhinho, um doente; estão nos clubes onde homens, mulheres, crianças se encontram para praticar esportes, lazeres, atividades culturais e artísticas; enfim em todos os lugares onde se exercite a harmoniosa convivência humana num clima de boa vontade, paz, alegria e fraternidade.

Quanto mais gente houver, no mundo inteiro, pensando, desejando e fazendo coisas ruins, maior a carga de energia negativa. Quanto mais gente pensando, desejando e fazendo coisas boas, mais pura e saudável será a noosfera.

Fonte> Texto enviado pelo autor