quarta-feira, 31 de julho de 2024

A. A. de Assis (A flor que veio do Lácio)

De colônia em colônia, ia Roma espalhando mundo afora a sua língua. Em cada região conquistada, a primeira providência dos dominadores era impor o latim como idioma oficial

Numa bela região da Itália, tendo por moldura a oeste o mar Tirreno, a leste os Apeninos, ao norte a Toscana e a Úmbria, e a Campânia ao sul, havia o Lácio.  Seus habitantes falavam o latim, então modesto ramo linguístico brotado do grande tronco indo-europeu.

No Lácio, um pouco segundo a lenda, um pouco segundo a história, no ano 753 a.C., às margens do Tibre, numa paisagem onde a natureza caprichosamente plantou charmosas colinas (dizem que sete), nasceu Roma, a eterna. Mais que a história, manda ainda a lenda (aliás sempre mais bonita) que se credite aos gêmeos Remo e Rômulo, mais a Rômulo do que a Remo, a fundação da nobre urbe. 

Roma cresceu, virou império, tomou conta de toda a Itália, acabou estendendo o seu poder por meio mundo. Rica e forte, pôde ao mesmo tempo tornar-se importante polo cultural, graças principalmente ao que aprendeu com os gregos. À influência recebida da cultura grega deve-se também, em boa parte, o notável enriquecimento do latim, aos poucos transformado em primorosa e encantadora língua.

Havia, porém, duas modalidades de latim: o clássico (erudito), usado na produção literária, monitorado pelos gramáticos e adotado como padrão pela restrita roda dos romanos cultos; e o latim vulgar, falado (e raramente escrito) pelos mortais comuns.

De colônia em colônia, ia Roma espalhando mundo afora a sua língua. Em cada região conquistada, a primeira providência dos dominadores era impor o latim como idioma oficial. Não o latim chique dos discursos de Cícero e dos versos de Virgílio, mas o latim povão – a fala descontraída dos soldados e dos barnabés do império.

Ocorre ainda que,  no contato com os povos subjugados, ia o latim assimilando parte do vocabulário e marcas do sotaque e da sintaxe de cada região. Daí resultou que, passados alguns séculos, não era mais o latim que se falava: eram dialetos, logo consolidados como novos idiomas.

Assim se formaram as chamadas línguas neolatinas, entre as quais o italiano, o francês, o romeno, o catalão, o espanhol,  o português.

A chegada dos romanos à península Ibérica  (onde estão hoje Espanha e Portugal) data do século terceiro a.C. Na época, a região era habitada pelos celtiberos, sabendo-se que por ali também passaram gregos, fenícios, cartagineses e outros grupos. No ano 711 d.C., a península foi invadida pelos árabes, que ali permaneceram durante cerca de 700 anos, até serem expulsos definitivamente.

Em meio a todas essas escaramuças, ao se encerrar o primeiro milênio já se definira a língua espanhola e estava nascendo a língua portuguesa, liricamente rebatizada, muitos séculos depois, pelo nosso Bilac, como “última flor do Lácio”.

Fonte: enviado pelo autor.

Vereda da Poesia = 71 =


Trova Porto Alegre/RS

FLÁVIO ROBERTO STEFANI

Eu sempre digo aos amigos
como é bom ser trovador,
pois quando vem os perigos,
puxo o revólver do amor...
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Poema de São Fidélis/RJ

A. M. A. SARDENBERGER
Antonio Manoel Abreu Sardenberg

Travessia

Peguei o rumo da estrada
Marcando firme o compasso
E fui buscar meu espaço
No romper da madrugada.

Atravessei as cancelas,
Saltei valas e valões,
Abri portas e janelas,
Penetrei pelas favelas,
Andei muitos quarteirões.

Busquei fé e esperança,
Dividi o pão que tinha,
Rezei muitas ladainhas,
Pedi a DEUS proteção…
Dei o abraço apertado
No meu tão sofrido irmão!

Passei fome, senti sede,
Pisei em pedras e espinhos,
Nunca fugi dos caminhos
Que pela vida encontrei
Pois quem foge é covarde
E eu nunca me acovardei.

Fui em busca de um amor,
Movido pela paixão.
Machuquei meu coração,
Que tanto tinha pra dar,
Mas fingi não sentir dor
Conjugando o verbo amar.
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Trova de Niterói/RJ

BRUNO P. TORRES

O amor é um sonho bonito,
mas sempre num fio se acha:
- ora vislumbra o infinito,
ora no chão se esborracha...
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Soneto de Ilhavo/Portugal

DOMINGOS FREIRE CARDOSO

O vento está dormindo na calçada
(Mário Quintana in "A rua dos Cataventos", p. 20)

“O vento está dormindo na calçada”
A tempestade o pôs fora de portas
Já ia alta a noite, a horas mortas
Quando ele entrou no lar de madrugada.

Andou a perseguir uma noitada
Que se agitava amena, em curvas tortas
Pelos campos lavrados, junto às hortas
E nela se enredou, noite fechada.

Não foi, de modo algum, um caso sério
Somente as aparências de adultério
Que agora paga, exposto ao pó da rua.

Em casa todos dormem sem cuidados
Só os raios do luar, sempre acordados
O cobrem com a luz que vem da lua.
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Trova Premiada em Natal/RN, 2005 

EDUARDO A. O. TOLEDO 
(Pouso Alegre/MG)

A fé, de crenças tamanhas,
é um rio largo e bendito
que vai transpondo montanhas
e deságua no infinito! 
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Poema de Vila Velha

APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA

Acabou

Fim de romance... nossa despedida.
E os teus olhos nada revelaram...
Nem sequer um instante vacilaram,
Na hora triste da cruel partida!

Chaga imensa se abriu em minha vida
Desde o instante em que se afastaram
Nossas almas que sempre caminharam
Juntas, unidas, numa mesma lida.

Apartaram-se. Fim do nosso amor
... melhor assim...
Sigamos, pois, esse destino enfim,
Sem queixa, lamúria, ou rancor,

Saiba, tudo farei para um dia esquecer
... sem sofrer...
Mas... Não! O que estou a dizer?!
Oh! Não te vás! Não me deixe, meu amor!...
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Trova do Folclore Português

Todo homem que arrasta asa
à mulher deste ou daquele
merece, perto de casa,
outro homem igual a ele.
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Soneto de Caicó/RN

PROFESSOR GARCIA

Cansaço

No cansaço da noite, entre os cansaços, 
tive um sonho esquisito e diferente,
pois, sonhei abraçado noutros braços,
entre os braços da noite, descontente.

Ante um sonho, outro sonho e, de repente,
eu me sinto algemado noutros laços,
como quem segue a vida loucamente,
controlando as pegadas de outros passos...

E, eu sonhando e sonhando pouco a pouco,
fui ficando no sonho quase louco
nessa louca paixão que não passou...

Se os teus beijos, neguei sem ter ressábios,
quero agora, pagá-los noutros lábios
esses beijos que a vida me negou!
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ POETA
Luiz Gilberto de Barros

Na banda surrealista
havia um som com falsete;
o bebum clarinetista
pôs pinga no clarinete.
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Idílio de Portugal

BOCAGE
(Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage)
Setúbal (1765 – 1805) Lisboa

Poema dedicado à saudade pelas belezas naturais da cidade ática de Filena

Que terna, que saudosa cantilena 
Ao som da lira Melibeu soltava 
O pastor Melibeu, que por Filena, 
Pela branca Filena em vão chorava! 

Inda me fere o peito aguda pena, 
Quando recordo os ais que o triste dava, 
O pranto que vertia, amargo e justo 
A sombra que ali faz aquele arbusto.
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Idílio, termo de origem grega para uma pequena composição poética de inspiração pastoril, geralmente tratando de assuntos amorosos, religiosos ou utópicos. O lirismo destas composições é marcado pela forte afetação do discurso, repleto de confidências e pensamentos íntimos. 
O primeiro grande cultor deste tipo de poesia foi Teócrito, que nos legou Idílios, mas o modelo clássico mais copiado é sem dúvida o de Virgílio e as suas Bucólicas. Na poesia de Virgílio, o termo reservado para definir este tipo de composição é o de écloga, o que levou a confundir os dois gêneros, bastante semelhantes no tratamento temático, mas diferentes na extensão: o idílio tende a ser mais breve e de versos mais curtos. 
A partir do século XVII e até ao Romantismo, registram-se nas literaturas de expressão portuguesa e castelhana variadíssimos exemplos, que concorrem com inúmeras imitações de Teócrito e Virgílio. Bocage foi um dos cultores portugueses mais encantados pela forma clássica do idílio, escrevendo composições de temas marítimo, pescatório e pastoril. 
O cenário de um idílio obriga à idealização da vida campestre e ao elogio permanente dos seus atributos. O ideal de vida campestre assegura uma paz de espírito e uma serenidade de comportamento que muitos poetas não resistem a cantar, criando cenários mágicos e recorrendo a uma retórica recheada de figuras de pensamento e de linguagem. 
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Jaz o ancião na cascata!...
Seu anjo, que é seu abrigo,
já velho e com catarata,
não viu a placa "PERIGO"!
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Soneto de Poços de Caldas/MG

LAÉRCIO BORSATTO

A Esperança

COMO um cisne a nadar por sobre o lago,
Vejo-te quando friso as águas cristalinas.
Por entre as flores, num espaço vago,
Dando inveja às palmeiras das campinas.
 
Vejo duas pombas, que num doce afago,
No galho balançam quais as bailarinas...
Toca em meu coração o anseio que trago
Que tu desconheces e nem imaginas.

Mas confessar-te eu jamais poderia,
Se nunca me olhas, como ousaria,
Falar de amor a quem só me ignora?

Contento-me a contemplar tua face...
Um dia morre logo outro dia renasce...
A esperança há de voltar com a aurora.
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Trova de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DE CARLI

Os meus momentos felizes,
logo o vento os dissipou...
Trago, porém, cicatrizes,
que nem o tempo apagou.
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Spina do Rio de Janeiro/RJ

MARCELO RICARDO

Seria loucura pura 
Dar apenas razão 
Ao próprio poder

De pensar? Pensar estar certo 
O tempo todo é colocar
Sempre a mesma capa. Ser
Ou não ser termina soando 
Como uma coisa a perecer.
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Trova de Campinas/SP

ARTHUR THOMAZ

Do conquistador, a lábia,
terminou em um relance,
quando a moça, muito sábia
exigiu casto romance...
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

ALINE BRITTO SOARES

Cântico do nordeste

Já não ouvem as palmas dos coqueiros
doces palavras vindas de além-mar;
não lhes sussurram cânticos brejeiros
trêfegos ventos vindos de ultramar.

Onde andarão os vendavais arteiros
que suas folhas vinham estalar,
pelas noites sem fim, dias inteiros,
nuvens de areia levantando ao ar?

Já outras nuvens que, rolando ao léu,
bailavam, céleres, no azul do céu,
não sombreiam os belos coqueirais.

O árido solo de cuidados urge.
Torna-se agreste a cada sol que surge.
Secam-se os rios nos mananciais!
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Trova Premiada em Campos dos  Goytacazes/RJ, 2014

DIRCE MONTECHIARI 
(Nova Friburgo/RJ)

O homem que completa a vida
com dever de cidadão
é feliz e tem guarida,
cidadania é ação!
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Indriso de Coromandel/MG

SÔNIA DE FÁTIMA MACHADO SILVA

Tardes de abril
 
 Escancaro a janela ...  sinto o ar ainda morno
filtrado pela brisa já quase despida de sol
a soprar as leves folhas amarelas...
 
Meu pensamento rodopia ao longo da rua
misturado às folhas e saudades
sob um  ocaso luminoso e outonal...
 
Dançam as folhas dos arvoredos...
 
Recolho-me às minhas lembranças…
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Trova de Juiz de Fora/MG

BELMIRO BRAGA 
Vargem Grande/MG, 1872 – 1937, Juiz de Fora/MG

As almas de muita gente
são como o rio profundo:
- A face tão transparente,
e quanto lodo no fundo!…
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Pantum de São José dos Campos/SP

MIFORI
(Maria Inez Fontes Rico)

Doa-se um Coração

Doa-se um bom coração...
Muito afoito e destemido!
Já viveu tanta paixão,
apesar de ter sofrido...

Muito afoito e destemido,
um eterno sonhador.
Apesar de ter sofrido
da solidão tem horror.

Um eterno sonhador,
por muitos, manipulado.
Da solidão tem horror;
quer amar e ser amado.

Por muitos, manipulado
mas ainda em condição...
Quer amar e ser amado
... Doa-se um bom coração!
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Trova de Santos/SP

CAROLINA RAMOS

Braços brancos, amarelos,
ou negros, cor de café,
unidos, são fortes elos
que ao futuro dão mais fé!
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Hino de Engenheiro Beltrão - PR

I
Qual a estrela que a história ocultasse
Entra as sombras do velho sertão
Eis agora a esplender sua face
Minha terra Engenheiro Beltrão
Há em seu nome crescente homenagem
Ao herói que este chão desbravou
E no seio da agreste paisagem
Uma nova cidade plantou.

Estribilho
Força viva propulsora
Nosso amor palpita em ti
Nessas glebas promissoras
Que embelezam o Ivaí.
Num porvir que já não tarda
Tua marcha alcançará,
As fileiras da vanguarda
Que honram o nosso Paraná.

II
Teu progresso é vibrante mensagem
De trabalho, de amor e de fé.
Que mudou a floresta selvagem
Em perene caudal de café.
Pelas dignas mãos dessa gente
Que o teu alto destino conduz
Qual rosário deslizam sementes
Que germinam searas de luz

Estribilho
Força viva propulsora
Nosso amor palpita em ti
Nessas glebas promissoras
Que embelezam o Ivaí.
Num porvir que já não tarda
Tua marcha alcançará,
As fileiras da vanguarda
Que honram o nosso Paraná.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poetrix de Jequié/BA

JUSSARA MIDLEJ

Palavras

Quedam-se nas linhas.
Nós só precisamos
das entrelinhas.
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Poema de Lisboa/Portugal

ANTÓNIO BARAHONA
(António Manuel Baptista Barahona da Fonseca)

Naufrágio

Aves mudas
com olhares secretos
para a sede da terra

Na praia
os grãos de areia em moedas
e as ondas
de mãos inquietas

Passos indecisos
na expiação de pedras
atiradas ao mar

De bruços
aos fundos do oceano
eu prisioneiro das redes
no pensamento dos peixes
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Trova de Caxias do Sul/RS

ALICE BRANDÃO

Que saudade dos brinquedos
do meu tempo de criança,
tendo os risos e folguedos
como arautos da esperança.
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O homem e o bosque

Um homem por um bosque um certo dia entrou,
E assim com branda frase às árvores falou:
«Propício o céu vos seja, e nunca o rijo vento,
Nos ares combatendo em furacão violento,
Da rama vos despoje, ou faça baquear
Dos vossos um só tronco». E vendo-as exultar
Com suas expressões, o astuto lisonjeiro
Prossegue: «Oh! tende dó de um triste passageiro
Que de pesada marcha em tal cansaço vem,
Que a força o abandona, em pé mal se sustém.
Dai-me um estéril ramo, a que eu possa encostado
Os passos dirigir». E apenas lhe foi dado,
Com muita prontidão da casca o despojou,
E numa extremidade um ferro lhe ajeitou.
Peita a bipene* assim, o bosque foi cortando;
Com hórrido estampido à terra vem rodando
Piramidal cipreste, o teixo carpidor,
O louro, que coroa o vate, o vencedor:
Rui o frondoso ulmeiro, os choupos alvejantes,
O pinho, o roble, o buxo, o mirto dos amantes:
E todos ao cair, diziam a uma voz:
«Para a desdita nossa os meios demos nós!»

Aquele que armas dá da pátria ao inimigo,
Por suas próprias mãos procura o seu castigo.
(tradução: Costa e Silva)
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* Bípene = machadinha romana de dois gumes.

Recordando Velhas Canções (Aroeira)


Compositor: Geraldo Vandré

Vim de longe, vou mais longe
Quem tem fé vai me esperar
Escrevendo numa conta
Pra junto a gente cobrar

No dia que já vem vindo
Que esse mundo vai virar
No dia que já vem vindo
Que esse mundo vai virar

Noite e dia vêm de longe
Branco e preto a trabalhar
E o dono senhor de tudo
Sentado, mandando dar

E a gente fazendo conta
Pro dia que vai chegar
E a gente fazendo conta
Pro dia que vai chegar

Marinheiro, marinheiro
Quero ver você no mar
Eu também sou marinheiro
Eu também sei governar

Madeira de dar em doido
Vai descer até quebrar
É a volta do cipó de aroeira
No lombo de quem mandou dar
É a volta do cipó de aroeira
No lombo de quem mandou dar

Vim de longe, vou mais longe
Quem tem fé vai me esperar
Escrevendo numa conta
Pra junto a gente cobrar

No dia que já vem vindo
Que esse mundo vai virar
No dia que já vem vindo
Que esse mundo vai virar

Noite e dia vêm de longe
Branco e preto a trabalhar
E o dono senhor de tudo
Sentado, mandando dar

E a gente fazendo conta
Pro dia que vai chegar
E a gente fazendo conta
Pro dia que vai chegar

Marinheiro, marinheiro
Quero ver você no mar
Eu também sou marinheiro
Eu também sei governar

Madeira de dar em doido
Vai descer até quebrar
É a volta do cipó de aroeira
No lombo de quem mandou dar

É a volta do cipó de aroeira
No lombo de quem mandou dar
É a volta do cipó de aroeira
No lombo de quem mandou dar 
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Aroeira: O Canto de Resistência de Geraldo Vandré
A música 'Aroeira', composta por Geraldo Vandré, é um símbolo de resistência e esperança em tempos de opressão. Lançada durante o período da ditadura militar no Brasil, a canção utiliza metáforas para falar de luta e da certeza de um futuro onde a justiça prevalecerá. O refrão 'É a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar' refere-se a um dito popular que significa que a violência e a injustiça cometidas contra alguém ou um povo retornarão para aqueles que as perpetraram. A aroeira, uma árvore conhecida por sua madeira resistente e que era usada para fazer chicotes, simboliza aqui o instrumento de tortura que, metaforicamente, voltará contra os opressores.

A letra fala de uma jornada de luta ('Vim de longe, vou mais longe'), onde a fé e a perseverança são essenciais ('Quem tem fé vai me esperar'). A 'conta' que está sendo escrita é uma alusão à contabilidade das injustiças e dos abusos que serão cobrados no futuro ('Pra junto a gente cobrar'). A música transmite a mensagem de que, apesar da opressão ('E o dono senhor de tudo / Sentado, mandando dar'), haverá um dia de acerto de contas ('No dia que já vem vindo / Que esse mundo vai virar').

Geraldo Vandré, conhecido por suas canções de protesto, utiliza a figura do 'marinheiro' para falar sobre a capacidade de navegar e de governar a própria vida, em oposição àqueles que se consideram donos do destino dos outros. A música é um chamado à resistência e à luta por um mundo mais justo, onde as desigualdades e a opressão serão superadas ('Noite e dia vêm de longe / Branco e preto a trabalhar').

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Daniel Maurício (Poética) 72

 

Mensagem na Garrafa = 131 =


ANTOINE DE SAINT EXUPÉRY
Lyon/França, 1900 – 1944, Mar Mediterrâneo

As pessoas têm estrelas que não são as mesmas. 

Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Para outros, os sábios, são problemas. Para o meu negociante, eram ouro. 

Mas todas essas estrelas se calam. 

Tu porém, terás estrelas como ninguém... Quero dizer: quando olhares o céu de noite, (porque habitarei uma delas e estarei rindo), então será como se todas as estrelas te rissem! E tu terás estrelas que sabem sorrir! 

Assim, tu te sentirás contente por me teres conhecido. 

Tu serás sempre meu amigo (basta olhar para o céu e estarei lá). 

Terás vontade de rir comigo. E abrirá, às vezes, a janela à toa, por gosto... e teus amigos ficarão espantados de ouvir-te rir olhando o céu. 

Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!

Figueiredo Pimentel (A casa mal-assombrada)

Isolada de outras habitações havia uma casa onde ninguém morava, porque se dizia que era mal-assombrada. À meia-noite ouviam-se ruídos de correntes, gritos, gemidos e suspiros, e uma luzinha brilhava, ora numa janela, ora em outra. O proprietário não achava locatário, e mesmo não queria saber dela, que ia se arruinando pouco a pouco.

Um dia procuraram-no duas mulheres – mãe e filha – muito pobres, que acabavam de ser expulsas da casinha em que moravam. Pediam-lhe licença para ocupar a casa mal-assombrada.

O homem admirou-se daquele pedido, e depois de avisá-las dos perigos que corriam, consentiu sem dificuldade.

As duas mulheres no mesmo dia mudaram-se.

Eram onze horas da noite quando foram se deitar, nada tendo visto nem ouvido de extraordinário. A mãe, como já era velha, e se sentia cansada das arrumações, dormiu logo. A filha, porém, ficou acordada, rolando na cama, sem conseguir adormecer.

Uma hora depois, ouviu o sino da matriz bater meia-noite. No mesmo instante a moça escutou um ruído estranho, enquanto uma voz gemia:

— Eu caio!... Eu caio!...

Ela olhou para cima, de onde parecia vir a voz. Nada viu, mas disse:

— Pois caia, com Deus e a Virgem Maria!

Do teto do quarto caíram duas pernas.

A mesma voz assim falou mais três vezes, e a rapariga dando sempre a mesma resposta, viu cair sucessivamente o tronco, os braços e a cabeça de um homem.

Os quatro pedaços reuniram-se, e apareceu uma criatura humana, tão pálida como um cadáver, que lhe falou:

— Se não tens medo, vem comigo.

Adelaide acompanhou-o atravessando toda a casa, até chegarem ao quintal.

Então debaixo de um tamarindeiro, o morto mandou-a cavar a terra, encontrando uma lata com dinheiro, que transportaram para dentro.

Chegando ao quarto, disse-lhe o defunto:

— Eu sou uma alma penada, que ando sofrendo por causa deste dinheiro. Quando era vivo, roubei-o de uma pobre viúva, desgraçando-a, bem como aos órfãos, seus filhos. Deste dinheiro, a metade é para você e sua mãe, e a outra metade é para distribuir para os pobres, e mandar dizer cem missas por minha alma.

Acabando de falar, a alma penada desapareceu.

Adelaide fez tudo o que ele havia mandado, e ficou rica para o resto de sua vida.

Fonte: Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896. Disponível em Domínio Público.